Acordei na manha seguinte angustiada,era como se eu ainda sentisse aquelas mãos ásperas me tocarem.Eu me senti meio tonta ao levantar da cama.Comecei a ver tudo rodar,corri pro banheiro e vomitei.

Tomei um banho frio e me vesti.Desci com um pouco de dificuldade por conta do pé e quando cheguei na sala minha mãe já havia ido de volta para sua viagem de trabalho e me deixou apenas um bilhete...

[*Filha,eu vim as pressas,assim que eu soube do seqüestro.Tive que largar tudo,então infelizmente vou ter que largar tudo aqui e voltar para Veneza.Tenho muitas coisas para resolver.Mas mantenho minha promessa de voltar em dois mês.Estou aliviada por saber que você esta em casa e em segurança.Mas não deve estar sendo fácil pra você ter que superar isso tudo..Eu confesso que queria poder ficar ai com você,te ajudando a virar essa página horrível e esquecer esse momento de terror,mas não posso.Então,espero que você se recupere e fique bem logo ok? Te amo filhota.*]

Pela primeira vez não fiquei tão abalada com a viagem da minha mãe.Eu sabia que ela estava se esforçando ao máximo pra ficar comigo e estar presente sempre que eu precisasse.Eu tinha que ficar dois dias em casa.Então não haveria muito a se fazer,a não ser dormir.Voltei pra cama,tomei um comprimido e dormi.

Eu acordei de tarde.Acordei atordoada,eu suava frio,e alguém parecia querer sair de dentro de mim,uma voz ecoava na minha cabeça,ela dizia para eu não ter medo...Ela dizia ‘’Não fuja da verdade só porque ela te assusta.’’

Será? Será que em todos esses anos eu fugi da verdade? Será que eu fugi daquilo que me assustava por medo de encará-la? Ou será que eu não a encarei porque me assustava?-Pensei.

Balancei a cabeça como se saísse de um mundo obscuro,e talvez eu estivesse mesmo em um.Só não sabia como sair.Levantei devagar da cama e desci.Era dia de folga da Lia,e como eu não iria precisar do carro dei folga pro Valdir também.A casa estava vazia,os outros empregados só viam nos dias de faxina e esse não era um desses dias.Olhei pelo vidro da porta e haviam dois jardineiros,cuidando do jardim,provavelmente a minha mãe havia-os pagado adiantado,como fazia na maioria das vezes.

Eu simplesmente amava as flores,mas de uns tempos pra cá deixei de cuidá-las,deixei de deitar entre elas e sentir o sol bater em meu rosto..A verdade é que de uns tempo pra cá,eu tenho deixado de fazer muitas coisas,muitas coisas que antes eu gostava de fazer hoje eu não faço mais.Não porque não gosto mais de fazer,mas porque de uns tempos pra cá minha vida deu uma reviravolta e tudo que era fácil,como cuidar das flores,fazer amigos,sair,comemorar aniversários,almoçar ou jantar em família...Tudo isso,tem se tornado muito difícil.

Eu tinha belos jardins,mas quem estava entre as flores todos os dias eram os jardineiros.E isso me fazia perguntar a mim mesma..’’Quem era rica??Eu ou eles?’’

Eu podia ter todo dinheiro do mundo,mas não sabia aproveitar a vida.As vezes eu só queria voltar no tempo,naquele tempo em que tudo era uma aventura,e que as quedas nos faziam machucar apenas os joelhos e não o coração.Eu cresci e perdi a inocência que um dia eu tive,esqueci o que é viver.Será que existe aulas pra isso?Será que eu consigo encontrar que me ensine a viver e a voltar a ver a vida com os olhos de uma criança inocente?Se por um acaso tiver alguém que me ensine novamente a ‘’ser criança’’,eu dou todo o meu dinheiro por essa virtude.Parece ser uma troca ridícula,mas qual a graça de se estar vivo se você não consegue viver?-Pensei...-Mas uma coisa ainda me resta,a vasta solidão que predomina sobre meu ser.E não será diferente até que eu encontre a criança que um dia existiu em mim.-Falei comigo mesma.

Voltei pro quarto.Ninguém on-line,nada parta fazer.Deitei e adormeci novamente.Quando me despertei pela segunda vez já era noite.Ouvi o barulho do interfone e desci o mais rápido que pude,mas não fui tão rápida por conta do pé.