Algumas coisas são feitas para outras a destruírem, assim como muitos somos feitos de forma, mas não temos conteúdo, e pessoas sem conteúdo precisam de pessoas que as proporcionem conteúdo. Posso forçar um sorriso, posso dançar e atuar, superficialmente falando, mas eu sou humana, apenas, eu fui iludida, me colocaram no alto e então eu quebrei em pedaços porque eu não tive ninguém para me segurar. Posso aguentar muito. Até ficar cheia e transbordar. Não posso viver sem decepções, mas não posso viver somente delas. E pensar que agora a Capital acha que eu perdi dois bebês. Para mim já foi como se eu tivesse perdido tudo. Tirara-me o mundo, a luz, a alegria e até a condição psicológica.

Eu fui a Garota em Chamas, e agora sou a desesperada. Mentalmente desorientada. É o que em minha cabeça gira. Será que sou louca realmente? Isso não é apenas um jogo. Ela não sabe o efeito que pode causar. Não eu não sei. Posso causar dor e desespero. Era eu naquele vestido vermelho? Era eu na carruagem? Eu estive gravida antes disso? Peeta era o amor da minha vida durante os Jogos? Desde quando eu o amo? Isso foi real? Eu matei pessoas inocentes? Onde estou? Quem eu sou? Como sai de lá? Fui amante de verdade? Eu fiz pessoas sorrirem? O diabo realmente chorou? Eu só queria salvar minha patinha.

– Katniss? – ouço Peeta. Mas estou olhando para a janela vendo os vultos de árvores passarem. – Você está bem?

– Eu pareço bem? – digo, despachando-o.

– Desculpe.

– Me deixe em paz.

Meu nome é Katniss Everdeen. Tenho vinte e quatro anos. Passei pelos Jogos Vorazes e pelo Massacre Quaternário. Safei-me. Fui uma revolução encarnada. Venci. Explodi. Perdi minha família. Perdi meu filho. Perdi parte de mim. Perdi a consciência. Perdi a sanidade mental. Ganhei uma cicatriz nova. A casa não é um lugar para se esconder. Meu coração está partido. Todo dia a mesma coisa. Eu me corto, me machuco, me quebro e tento me achar, mas nunca é suficiente. Como podem me ver assim? Tentado esconder as memorias? Nunca pensei em viver e me sentir morta. Exatamente. Hoje é um dia em comum. Faz oito anos que Prim morreu. Eu estou apenas “bem”, porque ninguém me viu chorar ainda? Porque eu não pretendo chorar. Peeta diz que ficaremos bem, mas eu não acredito nisso, ele sempre vai dizer isso e se desculpar.

– Me perdoe por não poder ter ajudado você. – diz ele. – Eu quase te matei, eu já fiz tantas coisas horríveis. Desculpe Katniss.

– É tarde para se desculpar. – digo, sem me virar para a janela. – Eu não sei, não sei se fui eu, se foi ele, se você me ama então me diga que foi ele quem matou nosso filho?

– Ele quem Katniss? – Peeta está preocupado, mas eu sequer posso olhar para ele. Então ele segura meus ombros.

– O monstro do Gale. O Snow. A Coin. Eles querem me destruir.

– Katniss, o Snow e a Coin estão mortos. Você os matou se lembra?

– Eu não sei. Quero fingir que sim, mas eu sou um monstro. Sou terrível Peeta.

– O que você diz não é verdade. Você está errada. Mude isso na sua cabeça, é complicado, mas pense. – ele começa a falar mais alto. – Você é mais que perfeita para mim. Não se sinta nada. Você é tudo é o mundo e luz. Não acredite nisso!

– Não acredito, eu sei. Não foi ninguém que me disse. – digo. Puxo sua orelha e sussurro: – A Prim sabe disso e o Gale é o culpado disso tudo.

– Do que você está falando?

– Da Prim. – respondo.

Minhas mãos começam a tremer, e me sinto empalidecendo. Mas me levanto e vou em sua direção.

– Eu sei. – digo. – Foi isso que eu falei para ele quando ele disse que me amava. Sabe por quê?

– Por quê? – Peeta encosta na parede.

– Porque eu sei. – dito isso eu começo a rir.

Vejo pontos vermelhos em Peeta, como se fossem sangue. Sinto uma ansiedade subir em mim, e uma voz dizer pegos os pontos senão ele morre! Pega os pontos! Começo a correr na direção de Peeta, ele vira o rosto parecendo com medo.

– Peeta! Você está sangrando! Por que você está sangrando?

– Katniss pare! – ele envolve as mãos em meus pulsos e começa a gritar.

Ele grita na minha frente, vejo suas veias saltarem e seu rosto ficar vermelho. Peeta me joga no chão, começo a ver pontinhos pretos circulando rapidamente por todos os cantos do quarto. Mas ele não para de gritar, até Haymitch aparecer e arrombar a porta.

– Peeta! O que você pensa que está fazendo? – grita ele.

– Ela começou a me bater e dizer coisas sem sentido e eu fiquei nervoso. – Peeta se acalma e senta a beira da cama.

– Haymitch... – gaguejo. – Tem um monte de sangue nele! Tem um monte de aranhas subindo pelas paredes. Olha! – aponto para elas, enormes e correndo.

Haymitch me senta na poltrona do quarto.

– Katniss o que você tem?

Olho para as paredes e para Haymitch.

– Foram eles que mataram meu bebê Haymitch. Foi a Coin, o Snow e o Gale. Eles não querem me ver feliz! Mata o filho deles também Haymitch! – digo.

– Katniss, sente-se e acalme-se.

Peeta começa a chorar, mergulha o rosto nas mãos e soluça várias vezes. Não gosto de ver gente chorando.

– Mas eu estou sentada.

– Não, você está de pé. Sente-se.

– Pode trazer meu bebê porque o homem chorando acordou ele.

– Katniss, você não tem filho nenhum.

– Tenho sim, eu estou ouvindo ele daqui. – insisto. – E esse homem não para de chorar.

– Esse homem é seu marido.

– Eu não tenho marido. – digo.

O homem começa a chorar mais, e eu não quero que meu filho fique berrando nem angustiado como ele. Sinto algo formigar em minhas costas, dói e fura como picadas de insetos. Ouço zumbidos, cada vez mais alto são teleguiadas. Os vejo batendo em meu rosto, em minhas costas eles começam a plantar caroços. Arranho-os.

– Tira de mim! Tira esses bichos de mim! – começo a gritar e arranhar mais forte as picadas.

Haymitch me segura pelos ombros e me joga no chão. Gritando que não tenho nada.

– Peeta chame uns médicos ela está se cortando! – grita ele.

Peeta começa a correr e posso ouvir de longe. Mas os insetos não me deixam ver mais nada, sinto que estou morrendo, tantas picadas só pode significar isso mesmo. Gritos e mais gritos saem da minha boca, mas Haymitch não me ajuda, ele só me joga na cama e me larga lá. Até então sentir a picada nas minhas costas que, enfim, me mata.