– Ah nossa, já? - digo levantando.
– É, já.
– Nem me lembrava mais do meu aniversário desse jeito. - digo.
Peeta parece um pouco confuso com o modo de me importar com esse dia. Oito de maio, nem consigo mais lembrar da última vez que comemorei essa data com felicidade mesmo.
– Se arrume que nós vamos sair. - avisa ele puxando uma toalha para o banheiro.
– Para onde? - a pergunta soa apenas como uma curiosidade boba para ele.
Não ouço sua resposta por trás da porta. A única coisa que ouço, na verdade, é o chuveiro ligado. Amarro uma fita esverdeada, que era de Prim, na cintura para deixar o vestido que ganhei de Paylor há certo tempo atrás. O tecido é ótimo, resistente e não descora nunca, como principal característica do distrito 8. Nem sei quantas cartas deixei de ler nesses últimos sete anos. Recebi de todos os vitoriosos, até Enobaria me mandou uma carta. Devo ter uma caixa lotada delas. Mas a maior parte são do distrito 2, de Posy. Ela cresceu bastante já que a caligrafia do envelope mudou muito. Não sei como reagiria se lesse uma carta dela. Ficaria chocada talvez, ou choraria e sairia correndo atrás dela e de Gale. E sei que não faria bem algum para Peeta, nem para mim, que eu continuasse a mesma relação que tinha com Gale. Não quero machucar Peeta mais do que já fiz. Ele merece toda felicidade possível.
Tranço meu cabelo e arrumo a franja que Peeta cortou semana passada. Desço as escadas devagar e um pouco impressionada com a visão que tenho da mesa da cozinha. É simplesmente estranho vê-la do jeito que está. Peeta sempre foi tão cuidadoso quanto à questão de nossas refeições. Mas a mesa de hoje está especialmente vazia. Não há nada nem na mesa, nem para fazer na cozinha. E ele parece não se importar tanto. Só que esqueci do fato de que ele quer me fazer uma surpresa. Vamos tomar café fora, só preciso saber onde. Não há muitas opções de lugares assim, nem tem como me surpreender se somos apenas ele, eu e Haymitch.
Algumas vezes Effie vem para o 12 nos ver. Somos amigos dela, afinal. Ela não muda, e tenho orgulho da Effie que conheço. Ela uma vez trouxe uma menina para me conhecer, seu nome era Rachel, ela tinha vinte e um anos. Um ano mais nova que eu. Eu e ela não deixamos de nos falar. Ela era uma daquelas meninas desesperadas por comida da Costura. Teve noites terríveis quando sua família foi assassinada.
– Eu passava noites em claro tentando ganhar dinheiro. Eu não tinha família. Sem dinheiro. Bonita. Dezesseis anos. - disse. - Alguns se perguntam porque eu não tentei arranjar um emprego. Só que eu era fraca. Eu faria tudo por minha irmã, eu a amava. Ela foi a ultima a morrer. Esteve sempre comigo. - ela havia parado um pouco. E logo voltou: - As pessoas tinham muito a dizer, só que ninguém sabe minha história. Sabe, Katniss, eu passava as noites em lugares terríveis, dormindo em locais diferentes durante o dia. Meus sonhos foram para o buraco. As coisas que eles faziam nos bares eram horríveis, eu praticamente fui forçada. A primeira vez me mudou muito. Eu roubava. A indústria tirou minha inocência. Entende?
– Entendo. - disse eu. Embasbacada. - Não posso comparar minha vida com a sua. Sou fraca demais para suportar isso que você passou.
– Não se sinta mal. Você faz escolhas da vida. E as vezes as escolhas da vida são você. Matar deve ter sido pior.
E foi. Mesmo que eu tivesse passado por tudo isso de um modo diferente estaria ferida. Matar custa tudo que você é. Consome você vivo. Dia e noite. Vinte e quatro horas por dia, são as horas que isso lhe atormenta. Só que a vida uma hora precisa continuar. E eu estou fazendo isso. Com Peeta. Com Rachel. Com Haymitch e Effie. Rachel é um dos exemplos que eu tenho de seguir. Uma vencedora de verdade. Finnick e todos os que passaram por aquela maldita missão e morreram com isso cravado no peito são heróis. Eu não sou. Estou aqui. Viva.