Sobre o Amor dos Humanos escrita por EG


Capítulo 3
Desespero Alheio


Notas iniciais do capítulo

Gohan: arroz japonês. O arroz é muito precioso para os japoneses, então é visto em muitas, senão todas,as refeições diárias.

Misoshiro: uma sopa normalmente preparada com tofu e vegetais.



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         À mesa, se sentavam todos - eu, Karin, Isshin e Yuzu. Não entendi bem, mas até o bicho de pelúcia (Kon... O espírito modificado) também estava lá. Infelizmente eu não tinha, naquele momento, para quem perguntar “a família sabe que ele é um espírito modificado?”, mas pareciam não saber. Ele usava um vestido rosado extravagante e cheio de babados, um laço rosa-bebê na orelha e cílios postiços. Para a personalidade desse espírito modificado, não deveria estar usando isso de propósito. Ignorei o olhar de socorro que ele desesperadamente jogava em mim.

            - Então - disse Karin - O que temos para o jantar?

            - Gohan e mishoshiro! - disse, um sorriso simpático estampado na face inocente.

            Yuzu estava à frente de uma grande panela de misoshiro - apropriado, a noite estava fria - e outra de gohan. Vários potes espalhados pela pia. Encheu quatro de misoshiro e quatro de gohan, dando dois de cada para cada um na mesa. O leão de pelúcia olhava, faminto. Não dei atenção.

            - I-Itadakimasu... - murmurei.

            A comida estava realmente boa. Quis perguntar se apenas Yuzu teria feito - quer dizer, sozinha, sem ajuda nenhuma -, mão mordi a língua; provavelmente a mãe falecida seria citada novamente.

            Mas era realmente incrível, a forma como a família era pacífica. Olhar para aqueles sorrisos e aquelas risadas tão despreocupadas na mesa dispensaria qualquer imagem sobre o irmão mais velho, Kurosaki Ichigo, estar, nesse exato momento, correndo risco de vida e lutando contra os Hollows e Arrancars. Era a paz absoluta reinando, naquele momento - naquele exato momento -, sobre a família Kurosaki.

            Um choque.

            Finalmente, eu me toquei.

            Não era que eles estavam completamente e absolutamente despreocupados. Muito pelo contrário.

            Estavam com medo. Um medo inexplicavelmente grande. Depois do tempo que Ichigo passou fora, era óbvio dizer que ele não estava simplesmente normal - algo de grande estava acontecendo. Aquela família sabia, mas, ao mesmo tempo, não sabia.

            Eles sabiam que Ichigo estava constantemente com facas no pescoço, mas não sabiam o porque. Sabiam que Ichigo estava correndo pra cima do gume da espada, mas não sabiam quem a segurava.

            - Hitsugaya-kun? - perguntou-me Yuzu - Está se sentindo bem? Quase não tocou na comida... E está pálido. A comida está ruim? - perguntou-me, numa voz de tristeza.

            - N-Não... - falei - A comida está ótima... É só que... Eu não estou me sentindo muito bem, desculpe...

            Olhei Karin, completamente despreocupada. Num ato reflexo, peguei-a pela mão e corri escadas acima, refazendo o caminho de onde havíamos vindo.

            - H-Hey! - protestou.

            - Karin! Hitsugaya-kun! - gritou Yuzu da cozinha.

            - Desculpe, Kurosaki Yuzu! - respondi - Preciso conversar com ela! - virei-me para Karin e sussurrei: - Onde é o seu quarto? Me leve até lá.

            Ela corou. Eu ignorei seus pensamentos.

            - E-Eu... - murmurou.

            - Não tem tempo, esquece - entrei no quarto de Ichigo mesmo, levando-a comigo e fechando a porta atrás de mim.

            Me espatifei de frente no colchão macio. Cobri o rosto e deixei as lágrimas rolarem.

            Eu não sabia o que Yuzu, Isshin ou Karin - mesmo no mesmo cômodo que eu - estavam fazendo. Não estava interessado. Estava interessado em chorar o que aquela família não havia chorado naquele momento, na mesa.

            - T-Toushirou... - murmurou. Não sabia como estava seu rosto, não me atrevi a tirar as mãos de minha face - O que houve...?

            Sua família consegue sorrir em momentos desesperantes como estes quando eu não consigo sorrir em momento algum. Isso o que houve. Me sinto um lixo mentiroso por ter todas as respostas que vocês procuram e não poder dizê-las, deixando vocês piores ainda. Piores do que estão.

            Foi isso que houve.

            Não me atrevi a responder em voz alta.

            Senti o colchão afundando nos meus pés.

            - Eu não vou olhar pro seu rosto, então, pode deitar no meu colo, sim? - murmurou.

            Sentei-me de frente para ela, minhas mãos ainda cobriam meus olhos. Abri uma fresta para fitar seu rosto, ela olhava para o teto, estava séria. Fechei a fresta e procurei seu colo com o rabo dos olhos, por baixo de minhas mãos. Deixei minha cabeça recostar em suas pernas, o rosto virado para baixo. Deixei as lágrimas rolarem novamente, minhas mãos cobrindo o rosto.

            - Tudo bem... - falou, tentando reconfortar-me.

            Eram as palavras de consolo mais comuns existentes. As palavras que eu tenho certeza que ouviria de qualquer outro. Mas, vindas de Karin, me senti melhor do que se viessem de qualquer outro. Ainda assim, continuei a chorar, abafando meus soluços com uma mãos e cobrindo os olhos com a outra.

            A mão direita de Karin me acariciou os cabelos. Era doce, não importunante, como seria se fossem as mãos de Matsumoto - era doce, sincero, singelo, meigo, simpático. O choro foi cessando, eu já não precisava mais conter os soluços; as lágrimas rolavam mais demoradamente.

            Mas eu não tirei as mãos dos olhos. Se, até agora, nunca mostrei minhas lágrimas a ninguém, não havia motivospara mostrá-las a Karin.

            Também não me levantei de seu colo. E fiquei lá até dormir.


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