Unfinished Business escrita por Laís


Capítulo 8
Retaliações


Notas iniciais do capítulo

E aí, sra(s) Gublers, tudo bem? Então, em primeiro lugar, gostaria de dar as boas vindas para a Just Another Serial Killer que veio apreciar a desgraça da Agnes também. Seja bem-vinda, sua linda, espero que continue gostando da UB!
O título do capítulo soa melhor em português, né?
Sobre o flashback que vocês lerão a seguir: não sabia exatamente como colocar (acho meio chato essa coisa de flashback on/off e um trecho um pouco grande em itálico poderia dificultar a leitura) então distingui de uma forma que eu acho que dá p/ entender, mas se eu estiver errada, puxem a minha orelha, ok?
Esse capítulo não tem equipe da BAU nem caso novo, mas prometo que eles reaparecerão logo, logo.
Realmente espero que gostem.



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"Nem sempre a loucura leva ao crime. Mas o crime pode levar à loucura."

Percival de Souza

Meus movimentos eram automáticos, não pareciam pertencer a mim. Havia um zunido em meus tímpanos e a balbúrdia dentro da minha cabeça suplantou o sons da rua que, embora passasse das 23h, ainda estava abarrotada do vai-e-vem das pessoas. Olhei na direção de algumas e imaginei se elas estariam voltando para uma casa vazia, assim como eu. Andei alguns quarteirões antes de pegar um táxi simplesmente por não conseguir me imaginar, naquele momento, sentada e esperando. Parei algumas ruas antes do prédio onde morava, em parte por impaciência e também porque precisava comprar ração para meus cachorros.

Animais são criaturas fantásticas. Desde sempre, me senti mais confortável com eles por perto e adquiri o costume de acolher gatos ou cachorros de rua. Quando criança, morei em um subúrbio que não era conhecido pela sua tranquilidade, porém tínhamos cães de guarda e a presença deles era a única coisa que me fazia dormir sossegada. Após a morte de Ryan, foram os nossos “filhos”, como ele os chamava, que me deram suporte. Eles não me lançavam olhares de compaixão ou perguntavam frequentemente se eu precisava conversar sobre o ocorrido. Eu amava meus bichos de estimação e sempre tive um estômago fraco para coisas que envolvessem animais, apesar de já ter visto todo e qualquer tipo de cena macabra pessoalmente, lidar com psicopatas e assassinos, eu não suportava nem ao menos pensar em maldades sendo cometidas contra aqueles seres indefesos. E foi exatamente por isso que vomitei violentamente quando cheguei em meu apartamento e me deparei com meus três cães mortos.

Decapitados, para ser mais exata.

–x-

Alguns anos atrás

–Matt? É a Agnes. Eu contei ao Ryan sobre nós e você sabe como ele tem sangue quente, então… Ahn, me liga assim que receber essa mensagem, ok?

Fui até a dispensa e peguei uma garrafa de vinho, enchi uma taça até a borda contrariando a etiqueta que ditava somente a metade. Afundei-me no sofá e Frodo, meu mais novo vira-lata, veio fungar e lamber meus dedos dos pés. Fiz uma carícia atrás de sua orelha e peguei meu celular. Disquei o número de J.J e aguardei. Caixa-postal. Liguei pela segunda vez. Caixa-postal.

Naquela noite, quando Ryan chegara em casa, ele estava diferente, taciturno e quieto, então eu soube que havia algo definitivamente errado. Nos conhecemos na faculdade e eu nunca nem ao menos cogitara uma relação duradoura naquela época, queria focar em uma única coisa: meu trabalho. Contudo, Ryan Donovan também pensava daquela forma e, da maneira mais estranha do mundo, demos certo. Prometemos um ao outro que não seríamos nossas prioridades e que ambos estaríamos bem com isso. Moramos juntos por anos e, depois de um tempo, já nem conseguia imaginar uma vida sem ele, casamos e permanecemos confortáveis naquele esquema. Eu não amava Matt Cruz e o sentimento era recíproco, por isso não conseguia explicar porque arriscara meu casamento por ele.

–Você disse que estava pegando o trabalho interno da J.J para ajudá-la por causa da gravidez e tudo mais, certo? - assenti, sem prever a armadilha em que estava me metendo - Engraçado porque eu falei com o William hoje e ele mencionou que a Jennifer continua redigindo os próprios relatórios e ficando no trabalho depois da hora.

Estanquei e, após um tempo, decidi contar toda a verdade.

Ryan era um homem de fúria súbita, muitas vezes imprudente e irracional, mas era afetuoso comigo e bom no cargo que exercia na polícia, por esse motivo, quando contei da traição e ele permaneceu com uma expressão plena no rosto, eu não soube como reagir.

–Ryan, por favor, grita ou xinga, sei lá, mas fala alguma coisa. Por favor, Ryan, você pode ao menos olhar para mim? - implorei para o homem sentado na poltrona que fitava o chão. Tinha o queixo apoiado em uma das mãos e o semblante completamente sereno e quando ele falou, sua voz era tranquila e controlada.

–Mais alguém sabe?

–Só a J.J - respondi depois de um longo suspiro. Ponderei se deveria ou não contar, mas já estava na hora de acabar com todas aquelas mentiras. Ryan deu um leve aceno com a cabeça e levantou-se.

–Para onde está indo? - perguntei, com desespero evidente na voz - Ryan? Ryan, por favor, você pode gritar, me confrontar e não ficar calado desse jeito?

Ele somente me encarou, seus olhos castanhos aparentavam um cansaço extremo e as pálpebras caídas somente corroboravam o estado em que ele se encontrava. Uma mecha solitária do cabelo castanho, que estava grande demais, caía em sua testa.

–Você o ama?

–Não, de forma alguma, não. Eu juro!

–Então você jogou tudo fora por alguém que nem ao menos ama? - não tive resposta para aquilo, simplesmente não havia nenhuma - preciso dar uma volta, Agnes. Não aguento mais ficar no mesmo cômodo que você e não estou com paciência para os seus juramentos.

E saiu sem dizer mais nada.

Se eu soubesse que aquela seria a última vez que conversaríamos, teria me postado na porta, bloqueando sua passagem. Teria implorado que me perdoasse. Teria chorado e dito que o amava, eu nunca falava aquilo para ele.

Mas eu não sabia.

–x-

Tossi dolorosamente e cuspi um pouco de sangue. Oscilei entre tentar tomar fôlego e tossir novamente e isso se repetiu até que meu peito estivesse doendo.

–Agente Weston! Ora, ora, finalmente nos conhecemos.

A voz soava longínqua, talvez porque eu estivesse escutando um zumbido em meu ouvido. Estava sentada em uma das cadeiras da minha cozinha e, para minha surpresa, não estava amarrada.

–Peço perdão pela pancada na cabeça, mas eu não podia deixar que você pegasse sua arma, não é?

Ele estava contra a luz e o reflexo me impedia de vislumbrar seu rosto com clareza, mas a voz era leve e completamente animada, como se conversasse com um velho amigo.

–Não amarrei você porque é desnecessário fazer isso agora, vamos conversar um pouco.

Eu estava na minha cozinha, conhecia o local, mas presumi que ele já estivesse de posse da minha arma e que tivesse se livrado das facas. Entrevi meus cachorros mortos com o canto dos olhos e senti outra ânsia de vômito.

–Ah, aquilo? Bom, se serve de consolo eles morreram envenenados, não devem ter sentido dor por muito tempo, cortei as cabeças porque tenho treinado bastante ultimamente. Faço isso com cachorros e gatos, mas eles são só aperitivos - apontou para mim com a arma, sem mirar, somente indicando minha direção - o prato principal é você, agente Weston. Posso usar seu primeiro nome? Acho mais apropriado já que vamos ter a chance de nos tornarmos íntimos. O que acha, heim Agnes?

Ele sentou à minha frente na mesa e, pela primeira vez, pude enxergá-lo. Tinha um sorriso fácil e cativante, o cabelo era um emaranhado de fios escuros, os traços do rosto eram simpáticos, os olhos azuis. Um sujeito muito bonito, para ser sincera.

–O que você quer? Me matar? Não ligo, mas me poupe de tentar convencer você a me soltar, já tenho muita porcaria dessa no trabalho e também não vou fazer o seu perfil.

Estou cansada demais, era o que estava tentando dizer. Simplesmente cansada demais para me importar com o que quer que acontecesse. J.J desencavara coisas que ainda não estavam prontas para vir à tona, detalhes com os quais eu não podia lidar. Estou cansada.

–Se você quer ter a fama de matar uma agente do FBI, saiba que nem isso eu sou mais.

Notei seu sorriso desaparecer.

–Está mentindo, seus amigos não iriam te dispensar.

–Não? - dei uma gargalhada amarga.

Levantou-se da cadeira e marchou até onde eu estava. Acertou o cano da arma no meu rosto e eu cuspi mais sangue. Meu lábio inferior tinha partido e podia entrever o hematoma roxo que surgiria na área da minha bochecha nos próximos dias.

–Oh, me perdoe, me perdoe - se ajoelhou e segurou meu rosto entre suas mãos, tão próximo a mim quanto possível - não vou machucar você fisicamente. Não, não, não. Você nunca me machucou, só destruiu a minha vida.

–Como entrou aqui? - essa era a única pergunta que me incomodava. É mentira o que dizem sobre os heróis de cinema, eles não cospem em seus captores. Eles choram, imploram e clamam por misericórdia. Contudo, não consegui encontrar ânimo para barganhar pela minha vida e nem ao menos cogitei mentalmente as razões de estar presa àquela situação. Estou cansada.

–Ah, disse ao porteiro que era seu irmão e que tinha vindo lhe fazer uma surpresa. Tive que mostrar uma identidade falsa com o sobrenome Weston para que ele acreditasse, por sorte eu estava preparado e, por mais sorte ainda, você não conversa muito com as pessoas, o que torna fácil inventar uma mentira qualquer a seu respeito. - deu de ombros - Mas vamos continuar… Vamos, me fale sobre o seu retorno ao FBI. Como é ter sua vida de volta mesmo tendo arruinado tantas famílias? Você retomou seu amado emprego, até aí tudo bem, mas e quanto aos que nunca terão seus pais, filhos, irmãos de volta? Não verei mais a minha mulher, Agnes, nem minha filha. Ela tinha 10 meses, sabia? Era só um bebê quando aquela loja explodiu.

Ele começou a perambular pela cozinha, sabia que eu não ousaria levantar e lutar, aliás, ele estava armado. Essa era a explicação plausível, mas a verdade era que eu estava cansada demais.

Prosseguiu, parecia falar mais para si do que para mim.

–Foi difícil, sabe? Encontrar uma forma de atingir você. Pesquisei sua vida, seu histórico, acompanhei seus passos… Tudo isso para encontrar uma brecha, algo que você daria sua vida para salvar, assim como eu teria dado a minha para salvar minha família. Mas você, Agnes, fez o meu trabalho sozinha! - ele riu - Destruiu seu casamento, sua carreira no FBI e, sinceramente, tudo o mais que você tocou nos últimos anos. É uma espécie de maldição ou coisa do tipo? - gargalhou mais uma vez - Então, eu pensei. Fiz isso por muito tempo, esperando encontrar uma forma de conseguir o que eu queria. Cogitei matar você, mas não seria justo. Você não me matou, certo? Só tirou de mim tudo que eu tinha. Isso é só uma retaliação, querida - nesse instante, ele parou de andar e fixou os olhos em mim, sustentei o olhar e ele sorriu - Aí você volta ao FBI e penso que talvez devesse arruinar sua carreira mais uma vez, mas pelo o que você me disse, já fez isso sozinha de novo! Por sorte - foi até a sala e pegou uma mochila - eu estava bem preparado para imprevistos. Nem tente me atacar, a porta está trancada, joguei as facas e tenho sua arma.

Amarrou meus pulsos, tornozelos na cadeira e continuou falando enquanto o fazia.

–Antigamente, na China, existia uma espécie de tortura chamada “A Gota”. O infeliz que fosse sujeito à isso seria amarrado e, a cada 5 segundos, uma gota de água cairia em sua cabeça ininterruptamente. Parece trivial, não? - ele tinha uma animação selvagem nos olhos - Mas dizem que após 20 minutos, a pessoa já está completamente atordoada e ouvindo tambores dentro da cabeça e, que após dois meses, enlouquece completamente. Nunca fiz isso antes e não sei quanto tempo ficaremos juntos, mas vamos tentar, ok?

Ele quase transbordava felicidade, sem conseguir controlar o sorriso.

–Tive que construir meu equipamento sozinho, pesquisei bastante e já testei. Funciona impecavelmente.

Pegou um projétil do tamanho de uma torradeira que possuía uma espécie de cone invertido em sua parte inferior. Encaixou em um suporte não muito grande, mas relativamente alto, pequeno o suficiente para caber na mochila, e o colocou apoiado na pia. Arrastou a cadeira que eu estava sentada de modo que as minhas costas ficassem encostadas na pia e minha cabeça permanecesse logo abaixo do cone de onde as gotas cairiam em intervalos exatos de 5 segundos, deduzi.

–É como eu disse, Agente Weston, quer dizer Agnes, desculpe - sacudiu a cabeça - você não me matou e eu não machucarei você. Vou somente destruir a sua mente.

Ele sorriu encantadoramente.

E senti a primeira gota.

–x-

As ligações continuavam caindo na caixa-postal e meus instintos gritavam que alguma coisa estava errada. Vesti um casaco e peguei um táxi até a casa de J.J. Persisti ao telefone durante o caminho inteiro, porém o resultado era o mesmo. Paguei ao motorista assim que cheguei em meu destino e saí. Era uma noite gélida e o céu indicava que logo choveria. Ainda vestia as mesmas roupas que usara para trabalhar naquele dia e, consequentemente, tinha minha arma presa ao cinto.

Abri o portão que separava a calçada do jardim de J.J e fui até a porta e bati. Nunca fui muito adepta de campainhas, não por teimosia, simplesmente porque sempre esquecia de usá-las.

–Jennifer?

Não houve resposta e, quando girei a maçaneta, a porta se abriu sem resistência. Senti uma inquietação atípica que me fez pegar a arma e ficar à postos, como se estivesse adentrando a residência de um suspeito. Esforcei-me para não fazer barulho e caminhei em passadas lentas. Ouvi vozes exaltadas na sala e usei uma coluna para me esconder. Algo apertou com força o meu coração ao constatar que era Ryan quem estava falando.

–Você podia ter me contado, Jennifer. Escolheu não fazer isso.

Me esgueirei um pouco e vi os braços de J.J semi-erguidos, em uma postura de rendição e Ryan, meu marido impulsivo e irracional, apontar uma arma na direção de minha amiga grávida.

Talvez eu tenha sido impulsiva e irracional naquela hora, mas, em minha perspectiva, não havia outra escolha a fazer.

Atirei e Ryan tombou no chão.









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Notas finais do capítulo

Então? Deu p/ identificar sem dificuldade os dois trechos de flashback? Me avisem, viu?
O método de tortura realmente existe, mas o instrumento (descrito de forma completamente amadora) fui eu que inventei mesmo. Se vocês pesquisarem, verão que era bem diferente etc.
Outra coisinha: to sendo obrigada a escrever no Google Drive e nem sempre ele corrige os travessões e coisas do tipo, além disso, to sem beta. Me perdoem por erros que eu deixei escapar mesmo depois da revisão.
Beeeeijo!