A Bruxa de Ferro escrita por Miranda Uchiha


Capítulo 5
A Oficina do Criador




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A Bruxa de Ferro

Por Miranda Uchiha

A Oficina do Criador

OoO

Miranda afundou um pouco mais no assento e olhou para fora pela janela engordurada, praticamente sem ver o cenário pelo qual passava o ônibus. Não queria ir ver o Criador hoje, mas sua experiência com Xan na noite anterior a deixara suficientemente preocupada para querer submeter suas mãos e braços a um exame.

Ser cautelosa era sempre bom, embora fosse terrível levantar tão cedo em uma manhã de domingo.

Sentindo-se um pouco como Cinderela, ela chegara em casa depois de uma noite longa, entrara sem fazer barulho e, cansada, descobrira aliviada que tia Mary já dormia; não havia esperado por ela, felizmente.

E então, naquela manhã, não vira nem sinal da tia, exceto por um bilhete avisando que ela tivera de sair para uma reunião de última hora e se desculpando por ter de trabalhar em um domingo, e antecipando que ela voltaria em tempo de passarem parte da tarde juntas.

Bem, pelo menos isso havia poupado Miranda de dar explicações.

O sol de fim de outono iluminava as janelas do ônibus, criando desenhos no vidro manchado. Miranda traçou as formas com os dedos enrijecidos - hoje cobertos por luvas roxas - enquanto via passar do lado de fora as largas ruas principais de lronbridge. Aninhada em uma área próxima de um rio, Ironbridge sempre havia parecido uma versão miniatura de Boston para ela. Era um lugar encantador, embora fosse uma cidade pequena.

Ela fechou os olhos ao sentir mais uma onda repentina de dor.

Com as mãos cobertas cuidadosamente apoiadas sobre as pernas, esperou o espasmo passar. Ir visitar o Criador hoje talvez não fosse uma ideia tão ruim. O enrijecimento das mãos não era incomum, especialmente quando o clima ficava frio, mas aquela dor intensa era nova.

Sentia-se velha e cansada por causa dela, como se tivesse artrite, apesar da idade. Se o Criador soubesse o que estava acontecendo com ela - o que causava aquelas sensações estranhas - talvez pudesse dar uma solução para o problema. Era isso que ele fazia, afinal: consertava coisas.

Miranda tentou esquecer a dor nos ossos e concentrar-se nas ruas por onde passava. Ironbridge era como uma história para ela, um conto de fadas cheio de mágicas, julgamentos e monstros escondidos nas sombras esperando por ela, prontos para roubar tudo que tinha de mais importante. Como era praticamente órfã, Miranda se sentia como as heroínas mais típicas dos contos de fadas - exceto pelo detalhe de sua mãe ainda estar viva, ou levando uma vida pela metade no Instituto.

Aos dezessete anos, Miranda havia decidido que "finais felizes" não existiam para gente esquisita como ela.

Finalmente o ônibus parou do lado de fora de um parque industrial. A cerca de aço envolvia toda a área da propriedade como uma embalagem prateada. Miranda se levantou apressada e percorreu o corredor estreito do ônibus.

– Espere, vou descer aqui!

As portas já haviam sido fechadas, mas, com um sibilo irritante, se abriram novamente para deixá-la passar.

– Obrigada - ela disse já descendo os degraus para a empoeirada calçada de concreto.

Quando o ônibus se afastou, Miranda viu claramente a rua. Estava vazia, exceto por uma senhora empurrando um carrinho de supermercado que parecia enferrujado, mas Miranda tinha a incômoda sensação de que, instantes antes, havia sido observada. Novamente.

Intrigada e séria, ela tentou se livrar do novo e enlouquecido nível de paranoia que a atormentava agora. O fato de ter sido levada ao centro de uma ancestral sociedade secreta de magia não significava que tinha de ficar obcecada como Samuel, Robert e os outros.

Fechando a jaqueta preta para proteger-se do ar gelado, Miranda percorreu a rua acompanhando o muro rabiscado e pintado. Carros passavam em alta velocidade, mesmo àquela hora de uma manhã de domingo, porque o parque industrial ficava em um conhecido atalho para o centro da cidade.

Ela chegou à entrada lateral que raramente era usada e empurrou o enferrujado portão de ferro o máximo possível, até a corrente fechada com um cadeado impedir o movimento. O espaço quase nem era suficiente para permitir sua passagem, mas ela se encolheu e se espremeu até passar pela fresta.

O sol matinal era refletido pelas janelas altas e gradeadas do conhecido depósito de pedras. Outras construções podiam ser vistas pelo terreno, embora algumas estivessem vazias, graças à recessão. Aquele prédio em particular era a oficina do Criador desde que ela conseguia lembrar, escondido em meio à constante movimentação de empresários e produtores locais. Miranda sabia que, não fosse pelas lesões em suas mãos, jamais teria tido um motivo para ir até ali, nunca teria tomado conhecimento de tantos segredos da Ordem. O Criador às vezes era sério e focado, mas também era falante quando trabalhava com ela. Provavelmente, Miranda sabia mais sobre os alquimistas do que tia Mary teria aprovado.

Miranda bateu na pesada porta de madeira e esperou por um momento. Era comum não haver resposta. O velho quase sempre estava envolvido com um ou outro experimento, trabalhando nos finais de semana quando tudo ficava mais quieto por ali. Donna bateu na porta mais uma vez, a mão doendo, e estava se preparando para tentar abrir quando alguma coisa roçou seu ombro.

Ela gritou e se virou.

– Harry!

Harry derrubou a bicicleta com um estrondo e cambaleou para trás, caindo em cima dela. Seu rosto refletia o choque que também estava estampado no de Miranda, e o motivo era o mesmo: nenhum dos dois esperava ver o outro ali.

O momento se prolongou. A cabeça de Miranda girava. De onde Harry surgira? Ele a seguira?

– O que está fazendo aqui? - Miranda conseguiu murmurar com voz sufocada.

Harry a ignorou, levantou a bicicleta e examinou sem pressa a extensão dos danos.

Miranda o conhecia muito bem.

– Pare de enrolar e comece a falar, Thompson. Você me seguiu? Por favor, não me diga que virou um stalker, porque isso não seria legal!

Ele a encarou, os olhos castanhos tomados por uma mistura conflitante de culpa e raiva.

– Vai me culpar por isso? Você tem muitos segredos, Miranda. E depois do seu comportamento estranho ontem à noite...

– Meu Deus, você me seguiu!

– Cala a boca, não pode me criticar. - Seus ombros estavam tensos sob a eterna jaqueta de motoqueiro. - Conheceu aquele garoto na festa e não ia nem me contar. O que foi aquilo?

Miranda abriu a boca para responder, mas calou-se imediatamente. Isso não os levaria a nada. E o que poderia dizer? Ela o empurrou, usando mais força do que era necessário, mas isso a fez sentir melhor.

Harry quase caiu sobre a bicicleta novamente.

– Droga, mulher, pare de tentar me bater. Vou processar você por violência doméstica.

Eles se encararam sérios, e depois os lábios de Harry tremeram, e Miranda sentiu a própria boca se distendendo num sorriso relutante. - Violência doméstica? Você ficou maluco, Thompson.

– E eu repito, você tem muitos segredos, Clarck. O que é agora, uma espiã adolescente?

Ela quase riu.

– Não, definitivamente não.

Harry levou a bicicleta para perto do galpão e a apoiou à parede, do lado da porta.

– Então, aonde vamos?

Miranda revirou os olhos, tentando controlar o pânico que ameaçava dominá-la.

Eu vou ver... Um amigo da minha família. E você, não sei o que vai fazer, mas espero que se divirta.

Ela observou o rosto expressivo de Harry, onde era possível ver uma batalha de variados graus de desapontamento, curiosidade e raiva.

Que emoção venceria? Nunca se acostumaria a mentir para Harry, embora tivesse de mentir para ele na maior parte do tempo desde que se conheceram. E mentia principalmente por omissão, o que preferia pensar que não contava. Mas sabia que contava.

Tudo isso porque a Ordem do Dragão era muito severa com ela. Ainda uma iniciante, não tinha nenhuma importância entre os alquimistas, exceto por ser filha de duas de suas lendas e sobrinha de uma atual estrela em ascensão em sua hierarquia. Miranda pensou em tia Mary e no que ela diria se soubesse o que sua sobrinha estava considerando fazer. Quanto estava perto de contar a verdade a Harry.

Pelo menos uma parte da verdade. Seria tão terrível assim? Podia responder essa pergunta sem ajuda: certamente seria terrível.

Por isso ela o protegera durante todo esse tempo, por isso se dispunha guardar o segredo da Ordem, apesar das mentiras. Harry tinha a bênção de uma vida normal.

Enfrentava suas perdas e tristezas, mas pelo menos as dificuldades tinham um sabor humano. Miranda queria proteger essa normalidade tanto quanto fosse possível. A ideia de Navin sofrendo os mesmos pesadelos que ela tinha de suportar era horrível.

– Que lugar é esse? - ele perguntou olhando em volta.

– Ah, Harry ... Por que tinha de me seguir? - A voz de Miranda era quase um sussurro, mas sabia que ele a ouvira.

Harry ficou muito vermelho.

– Pensei que vinha encontrar aquele cara. Zod, ou sei lá como é o nome dele.

– É Xan, e você sabe muito bem. Idiota.

– Ei, você nem o conhece direito. E estava tão apavorada ontem à noite, quando saímos da festa... Fiquei preocupado com você.

Miranda queria acreditar nele; queria realmente acreditar que Harry agia daquela maneira movido por uma preocupação inocente com ela. Mas, considerando sua expressão agitada, sabia que havia muito mais por trás de seu comportamento inesperado. Droga. Ela o encarou por um instante e tomou uma decisão.

– Espere aqui um instante.

– Mas...

– Eu disse para esperar. - A força em sua voz se igualava àquela de seus braços. Miranda ainda não sabia quanto revelaria, mas Harry estava ali, e precisava pensar em alguma coisa. Mesmo que fosse embora e o levasse dali, nada o impediria de voltar sozinho e investigar, o que interromperia o trabalho do Criador. Miranda não queria nem pensar no que aconteceria depois disso. A oficina era protegida pelo anonimato, embora estivesse à vista de todos, e parecia completamente abandonada, mas também era vigiada por guardiões mágicos que preveniam o Criador sempre que um desconhecido se aproximava. Era muito provável que a presença de Harry já houvesse feito disparar o alarme, tornando inútil qualquer tipo de precaução, mas ser cuidadosa era um hábito difícil de quebrar.

Ela empurrou a pesada porta da oficina do alquimista. Não era incomum encontrá-la destrancada, motivo pelo qual Miranda já estava preparada para a visão com que se deparou ao entrar no espaço de iluminação amena. Navin a seguia de perto.

– Criador? - Sua voz soou fraca no espaço cavernoso.

Apesar de ser um lugar ocupado por tralha, metal e máquinas de todos os tipos, havia ali uma estranha impressão de ordem. Miranda estava habituada a ver pilhas de ferramentas e retalhos de metal espalhados por ali, plantas e papéis espalhados sobre a grande mesa localizada junto de uma parede lateral sob uma janela alta, e com o atual trabalho do Criador ocupando o centro do galpão.

Hoje, porém, a desordem na oficina não tinha a marca pessoal de seu ocupante. Papéis e pastas estavam espalhados pelo chão como confetes gigantescos; enormes chapas de aço, normalmente empilhadas junto de uma parede nos fundos do depósito, haviam caído no chão como se alguém houvesse tentado espiar atrás delas; a bancada de trabalho no centro do galpão estava vazia de plantas e planos, que agora jaziam pelo chão amassados e rasgados. Um prato e uma caneca foram quebrados, os cacos jogados ao lado da bancada.

– Criador! - Miranda chamou, dessa vez mais alto.

– Que lugar é este? - A voz de Harry ecoava pelo espaço amplo.

– Shhh... Ele não está aqui. É estranho.

Um ruído mecânico soou de repente, e Miranda teve de se abaixar quando um objeto cortou o ar.

– O que foi isso? - Harry sussurrou apavorado.

Os dois cobriram a cabeça e se abaixaram novamente quando o som voltou a ecoar sobre eles.

Miranda afastou o cabelo dos olhos e se levantou devagar.

– Tudo bem, são inofensivos. Os pássaros do Criador não oferecem perigo. Normalmente ele não os deixa soltos...

Os dois cucos de relógio - ambos do tamanho de corvos grandes - eram feitos de bronze, cobre e ferro, com brilhantes olhos prateados e asas polidas que refletiam a luz natural das janelas muito altas. Eles descreviam arcos e subiam até o teto da oficina, e finalmente pousaram em uma das vigas com um estalo das garras metálicas.

Os olhos de Harry estavam muito arregalados, cheios de um pavor que ela jamais vira neles antes.

– Esse... Seu Criador. Quem é, Miranda? O Maravilhoso Mágico de Oz?

– Mais ou menos isso - ela resmungou, tentando escapar do interrogatório.

Mas Harry tocou seu ombro.

– Espere. Tenho um mau pressentimento com relação a tudo isso.

Miranda soltou-se e caminhou cautelosa pelo mar de ferramentas afiadas e papéis espalhados pelo chão. Olhando para cima mais uma vez, ela viu que havia uma importante rachadura em uma das janelas, e ela se espalhava como uma teia de aranha formando um padrão meio maluco. Seus olhos encontraram a cadeira de rodas super avançada do Criador, virada e jogada em um canto do galpão. O velho nem sempre precisava daquela cadeira para locomover-se - ele mesmo a construíra, e ela parecia ter saído de uma história em quadrinhos - mas recorria a ela quando as pernas ficavam muito fracas depois de um período de trabalho excessivo.

– O que aconteceu? - ela sussurrou.

– Não sei quem você está procurando, Miranda, mas é evidente que não vai encontrá-lo aqui. Acho melhor irmos embora. - Harry soava tão nervoso quanto se sentia.

Miranda ergueu o queixo.

– Não, alguém invadiu o galpão. Vou dar uma olhada na cozinha e no banheiro antes de fazermos qualquer coisa.

– Acho que devemos simplesmente ir embora. E chamar a polícia.

– Você devia ir, Harry. Não devia nem estar aqui.

A voz de Miranda tremia.

– Não vai me obrigar a sair, Miranda. Você é minha amiga e acho que está com problemas. Não vou deixá-la aqui.

A irritação a invadiu e ela cerrou os punhos. Ele não estava tornando a situação mais fácil.

– Har...

– Alguma coisa não está certa... Até eu posso perceber, e nunca estive aqui antes. Eu sinto que... Há algo errado. Vamos chamar a polícia e sair daqui.

Miranda estreitou os lábios e balançou a cabeça, dirigindo-se ao fundo da oficina, para o corredor estreito.

– Mulher teimosa - Harry resmungou. Ele a seguiu, olhando para trás com evidente nervosismo como se esperasse ser atacado a qualquer momento.

Miranda não podia culpá-lo. Também tinha essa mesma sensação; um arrepio persistente percorria sua nuca, e o estômago estava contraído como quando se sofre uma forte vertigem.

– Escute - ela murmurou.

Os dois pararam no início do corredor e prenderam a respiração. Havia um ruído baixo vindo de algum lugar além do corredor, um som como o de unhas arranhando uma lousa, seguido por um estalo mais alto e agudo.

Eles se entreolharam. O que é isso? Harry perguntou movendo os lábios em silêncio, os olhos muito abertos.

Miranda desviou o olhar de seu rosto apavorado, sentindo o medo desabrochar em seu peito como uma rosa negra. Não podia ter certeza absoluta, mas tinha uma forte suspeita de que o invasor não era humano. Nem animal. Odiava ter conhecimento dessas coisas sombrias e nada naturais, mas uma pessoa nem sempre pode negar quem realmente é. Respirando fundo, ela sufocou o pavor da melhor maneira possível e entrou no corredor escuro e estreito.

Ele era curto, e sua largura era suficiente apenas para ela e Harry caminharem em fila única. E o trajeto terminava em uma parede branca. Havia apenas duas portas, uma de cada lado deles, mais ou menos na metade do corredor. A cozinha ficava à esquerda, o banheiro, à direita. Quando chegaram na porta da esquerda, Miranda girou a maçaneta e a empurrou.

Nada. A cozinha era pequena, um espaço onde mal cabiam os dois.

Havia um ping-ping-ping constante da torneira sobre a pia. Miranda tentou fechá-la, mas ela continuou pingando. A janela pequenina, acrescida ao local quase como uma ideia posterior à construção, era composta por um vitral de cacos coloridos cobertos por desenhos rebuscados que impediam a visão do interior para quem estava do lado de fora. Porém, de onde estavam era possível perceber que o sol matinal era pálido e fraco, agora que o inverno se aproximava.

E então, eles ouviram novamente. Scrap-scrap-clique-clique: Miranda e Harry pularam, e ele tentou empurrá-la para trás de seu corpo. Impossível. Miranda voltou ao corredor e ouviu o que acontecia atrás da outra porta. Sabia que o banheiro era quase tão pequeno quanto a cozinha; havia um pouco mais de espaço ali, mas não o bastante para muito mais que um vaso sanitário, uma pia, e uma banheira antiga e ornamentada.

Scrap-scrap-clique-clique. O som causava em Miranda um horrível arrepio que percorria a pele e atingia até os dentes.

Harry a cutucou, e parecia se preparar para falar alguma coisa. Ela levou um dedo enluvado aos lábios e se virou para a porta. Inclinando-se, ouviu os sons além dela.

Miranda girou a maçaneta e empurrou a porta. Era preciso fazer esforço para lembrar que devia usar a força "normal". Se Harry não estivesse ali, poderia arrombar a porta sem nenhum problema.

Estava emperrada. Ou trancada.

– Preciso de ajuda - ela disse, puxando Harry para perto da porta. - Depressa!

Os dois apoiaram o peso à madeira, empurrando com força. Miranda olhou para a maçaneta.

– Não pode estar trancada. Veja. Não há fechadura. Está emperrada, apenas. Vamos correr e empurrar. O que estiver do outro lado vai ceder, liberando a porta.

Harry grunhia enquanto empurrava a porta, apoiando-se ao batente para tentar acumular mais força. Ele atacava a parte superior, Miranda empurrava a porção inferior, apoiando o peso do corpo na maçaneta enquanto empregava sua verdadeira força. Houve um estalo alto e a porta se abriu. Miranda voou para dentro do banheiro. Harry quase caiu em cima dela. Uma cadeira de madeira lascada quase a derrubou. Devia ser ela o objeto usado para travar a porta.

Em pé sobre o vaso sanitário, tentando alcançar a pequena janela entreaberta, estava uma criatura que Miranda só havia visto em seus pesadelos até aquele momento. Quando criança, costumava fazer um jogo no qual tentava desesperadamente convencer-se de que seres como esse não existiam. Não de verdade. Mesmo assim, sempre soubera que eles eram reais.

A criatura tinha pele marrom com manchas acinzentadas. Era vagamente humanoide, mas sua pele lembrava a casca do tronco de uma árvore muito velha. Embora tivesse aproximadamente a mesma altura de Miranda, a criatura era espigada, com braços e pernas que eram só articulações e ângulos. Seu rosto era estreito e pontudo, com cabelos que lembravam musgo grosso e olhos negros e estreitos que brilhavam mesmo na iluminação fraca do banheiro. O corpo da coisa era recoberto por líquen e musgo, com erva trepadeira se enroscando em torno de seus membros finos.

O que ela considerava mais chocante, porém, não era sua presença, mas o fato de ela não estar usando disfarce– de estar agindo como se nada tivesse a esconder. Então, com uma repentina compreensão, Miranda percebeu que havia muito ferro por ali - a criatura não podia manter uma forma diferente nesse tipo de ambiente; seu glamour era praticamente inútil. A banheira de metal causava ao estranho ser todo tipo de problemas.

Miranda tinha uma vaga noção da presença de Harry a seu lado, e ouvia sua respiração rápida e pesada. Por um instante sentiu pena dele, imaginando como devia ser difícil tentar entender o que estava bem ali, diante dele.

A criatura abriu a boca sem lábios, um rasgo escuro cortando seu rosto deformado. Miranda lembrou a sombra escura que vira do lado de fora da casa de Xan. Não estivera imaginando coisas, afinal.

Os elfos da floresta haviam voltado à cidade.


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