É aula de biologia . Não estou prestando atenção em nada que o Sr.Khar está falando .

Já se passaram três dias . Todos que tinham que saber já sabem e agora compartilhamos uma tristeza imensa e dor incurável .

Em pleno século XXI , não existe um remédio que cure dor no coração . Existe pra dor de cabeça , dor de dente , cólica , corpo .. mas não existe uma caixinha na farmácia que cure a pior dor . Espero que as futuras gerações não precisem passar por isso .

Mas vão passar . É a lei da vida . Não importa a idade , você vai ter dor no coração . Seja pela morte de alguém , seja por amor , seja por qualquer coisa . Ninguém escapa dessa . É como a morte . Dizem que ela é a única certeza que temos , mas pode esperar , a dor no coração é a segunda certeza .

Tentar agir como se não estivesse acontecendo nada é em vão . Acabo o dia com o rosto inchado e vermelho de tanto chorar , e ele deve se sentir mal por isso . Por saber que é o motivo do meu choro , o motivo da minha tristeza .

Eu não preciso fingir que não tem nada acontecendo , só não mostrar pra ele o quando eu estou sofrendo. Se não estivesse triste , falaria que rimou .

Deitei em cima dos meus braços e fiquei olhando pra ele , um pouco na minha frente . O vi estirado na cadeira , como no dia em que decidimos dividir o Apê . Incrível como tudo mudou em questão de meses . Eu prefiro minha vida com ele .

Quando percebi , uma lágrima solitária e involuntária caiu do meu olho esquerdo . Assim que a senti , enxuguei . Abaixei a cabeça , com ela entre os braços , sem ver e sem ser vista . O rosto , claro , porque ainda não descobri uma poção de invisibilidade . Ficou muito escuro , então virei o rosto de novo . Mais outras lágrimas caíram e não impedi . Dane-se o escuro , o importante é que ninguém me veja .

Elas escorriam sem parar , e eram muitas delas . Sentia que a qualquer momento ia me afogar em minhas próprias lágrimas .

Ai, caramba , eu não posso ficar assim . Não posso viver depressiva desse jeito . Não quero que ele morra sabendo que os últimos dias dele foram uma merda por causa de mim .

Não quero que ele morra .

Que droga .

***

– Vida . - ele chamou , enquanto eu descia as escadas depois do banho . Já almoçamos . Era a primeira vez que ele me chamava assim e eu fiquei tão ... nas nuvens . Oh , God ! Isso foi tão .. menininha de 14 anos . Mas que eu achei fofo , eu achei .

– O que foi , amor? - senhor Jesus , quanta melação .

– Vamos reformar meu quarto hoje?

– Mas já são .. - olhei no relógio - três horas . É muito tarde . Iríamos acabar de madrugada , e amanhã temos escola .

– E daí? A gente não precisa ir . Vamos fazer uma coisa louca , deixar essa coisa certinha de lado , uma vez só . A gente vai fazer direito , não importa se acabarmos 5 horas da manhã . Topa? - ele falou , a animação evidente em cada palavra dita . Estava tão contagiante que foi praticamente impossível recusar .

– Claro . Já tem uma ideia?

– Claro . - repetiu .

A ideia dele era a seguinte : a parede da janela , que é a mesma da cama , ele quer colocar um papel de parede , tipo de jornal ou coisa do tipo . As pareces laterais , pretas , com prateleiras brancas , com enfeites mais coloridos e alguns neutros . A parede da porta , branca . Quer mudar a cômoda com a TV de lugar , colocar entre as duas paredes . Tipo , não no meio,mas o objetivo é deixar um espaço atrás mesmo . Quer comprar um novo jogo de cama , nos mesmos tons de branco , preto e cinza . Achamos que vai ficar bem bom (isso sempre soa estranho) .

Fomos à uma loja de materiais de construção , a quarenta e cinco minutos do Apê . É bem (e quando digo bem é bem mesmo) grande . Fomos para o corredor das tintas .

Pegamos uma lata de 400ml de tinta preta e uma do mesmo tamanho , branca . Depois , pegamos o papel de parede , que ele disse que era exatamente o que queria , 4 prateleiras de 1 metro brancas , cola pro papel de parede , pincéis , 2 rolos grandes e aquele prato onde despeja a tinta . Fomos para o caixa .

A moça do caixa era gordinha , loira e tinha o cabelo curtinho . Aparentava ter uns 36 anos , ou mais . Uma menina novinha , de uns 16 anos , loira , junto com um menino de cabelo preto , de uns 19 anos , empacotava as compras . Ah , e ela dava em cima dele descaradamente .

– Quer mais alguma coisa ? - ela começou - Uma tinta , uma sacola .. um número de telefone ..? - mas é muita cara de pau !

– Não , obrigada , eu tenho tudo o que preciso bem aqui . - ele me puxou pela cintura e me deu um beijo na bochecha . TOMA , CADELA! CHUPA, IDIOTA! Ela revirou os olhos e continuou a empacotar . Olhei para ele e fiz um coração com as mãos .

– Obrigada , fofa . - ironizei , falando com a loirinha . Ela deu um sorriso mais falso que os peitos da Stacy e nós fomos .

***

O quarto dele é bem grande . Grande o suficiente pra gente conseguir colocar todos os móveis no centro do quarto e ainda ter espaço pra andarmos tranquilamente por ele.

Arrumamos tudinho , pegamos escada e tudo o que íamos precisar . Eu estava com um shorts velho e uma camiseta dele , bem grande . Ele estava de bermuda azul marinho e sem camisa , só pra variar . Era hora de brincar de pedreiro .

Pintamos primeiro as paredes pretas , cada um uma , e agora estamos começando a branca , com MUITO cuidado para não manchar a preta .

– Até que você é boa nisso . - ele brincou . Mostrei a língua pra ele .

– Steve . Eu . Sou . Uma . Menina . Prendada . Deu pra entender? - entrei brincadeira .

– Me fala uma coisa que mostre sua "prendadez" - ele falou fazendo aspas com os dedos , porque a palavra prendadez não existe .

– Hm.. no último dia da minha suspensão , eu limpei a casa toda .

– Todinha? - perguntou , me olhando .

– Todinha . - repeti . Ele foi e pincelou meu rosto de propósito - AH! SEU FEIO ! - pintei o nariz dele .

E foi assim que esquecemos completamente o que estávamos fazendo e começamos a brincar . Nos pintamos , ele fez cócegas em mim e no final , eu estava parecendo a garota propaganda de uma campanha contra racismo : metade branca , metade preta . Juro .

Quando finalmente terminamos a parede branca , fomos colocar o papel de parede . Poderíamos facilmente estrelar um novo filme da série Missão Impossível . Eu subi na escada , porque se ele caísse eu não conseguiria segurá-lo - não que eu acreditasse que ele ia cair . Isso se chama preguiça.- . Eu tentava colar e não colava . Usei quase metade da cola e não colei nem a primeira ponta . O Steve tava perdendo a paciência e eu ria sem parar . Até que ele mandou eu sair e ele colou . Ué, não tenho culpa se até a cola se apaixona por ele .

Deixamos as coisas secando e fomos comer .

– Caraca , já são onze horas . - falei .

– Se você tivesse colado mais rápido aquela merda , já teríamos comido .

– Se você não tivesse me pintado , não teríamos ficado uma hora distraídos.

– Vamos comer ?

Comemos e depois voltamos . Colocamos os móveis no lugar , e esquecemos que não tínhamos comorado a colcha . Que ótimo! Deixamos isso pra lá e terminamos de arrumar tudo . Ficou incrível .

– Gostou? - perguntei .

– Adorei . Agora , acho que a gente podia estrear , né? -ele falou e me deu um selinho .

– Que menino safado . - brinquei , depois de um beijo .

Ele riu e me beijou com vontade , deslizando sua mão pelo meu corpo .

Logo , eu já estava apenas de calcinha e sutiã e ,por um momento , foi tudo como antes , como se não houvesse uma doença para nos separar .