A Dama da Névoa escrita por Karina Saori


Capítulo 8
Não ouse gritar


Notas iniciais do capítulo

Aviso prévio: Este capítulo contém uma pequena parte de tortura.



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Rafael pegou a minha mão e saímos apressadamente da escola, deixando Olivia para trás, confusa.

— Lina, me conte o que aconteceu, pelo amor de Deus.

— Vamos para a montanha. Não quero ficar em casa... Lá eu lhe explicarei.

Quando chegamos, a grama estava estranhamente... Escura, morta. Sentamos mesmo assim e eu comecei a lhe explicar tudo: as ilusões que tive com sangue, a ausência de sonho nesta madrugada e minhas unhas sujas de sangue seco.

— Suas unhas estavam sujas de sangue...?

— E o rosto da dona Mercedes estava todo arranhado.

— Lina... está insinuando que foi você quem a matou?! — sussurrou.

— Rafael, tudo se encaixa! Quem dirá o contrário? Eu te disse... Naquela madrugada, apesar de todos dizerem que foi um sonho, eu tinha quase certeza que ela estava lá... Aquela mulher. E estava forçando suas mãos contra minha barriga! E eu também vi, junto com o meu vômito, um líquido escuro...

Ele levantou, exaltado, mas certificou-se de que sua voz estava baixa o bastante para não chamar atenção.

— Mas você me disse que o vômito não estava mais lá, certo? Então pare de pensar isso! O que está querendo dizer? Que você foi possuída e saiu da sua casa para matar a dona Mercedes?! — eu apenas não respondi. Fechei os olhos e abaixei a cabeça — Não vai me dizer que realmente pensa isso...

Abracei as pernas e enterrei a cabeça entre o vão delas com meu peito. Não consegui conter o choro, fazendo com que Rafael se sentasse novamente e me reconfortasse com um abraço.

— Eu sei... sei que eu não deveria estar pensando nisso! Eu sei que não é comprovado que isso possa acontecer! E quero acreditar que isso não seja possível, mas... Com tudo o que está acontecendo, é a única coisa que consigo pensar...

Em uma tentativa de quebrar o clima porque provavelmente ele não teria respostas para me confortar, propôs algo para fazermos e tentar esquecer apenas um pouco dessa história, mesmo que isso não vá resolvê-la.

— Você tem muitos brinquedos que teve dó de jogar, não é? Podemos separá-los e doá-los para as crianças da cidade. Só pra descontrair um pouco, mexer com coisas velhas e nostálgicas é sempre bom pra dar uma animada...

— Acho que é uma boa ideia... Estão guardados, mesmo, sem nenhuma utilidade...

Deste modo, descemos a montanha e fomos para minha casa. Do mesmo jeito que ontem, seu Lorenzo estava mergulhado em uma pilha ainda maior de livros e minha tia estava na cozinha, preparando o almoço. Depois de os cumprimentarmos, subimos para o meu quarto.

Havia dois baús brancos encostados à parede, cheios de brinquedos, a maioria bichos de pelúcia. Fiquei com dó de jogá-los fora, então simplesmente os soquei ali dentro. Esvaziei os dois, jogando tudo em cima da cama e fomos separando os que estavam em boas condições.

A cada brinquedo que eu pegava, lembrava de uma época diferente, seja ela boa ou ruim. Isso acabou afastando um pouco meus pensamentos sobre a situação atual e me tirou algumas risadas pelas lembranças recordadas. Até que peguei um coelho branco com manchas escuras e rasgado em algumas partes. Apesar de não ter nenhuma recordação, ele me era familiar...

Indicando com um adesivo vermelho na barriga, este fez um som falhado quando o apertei, devido ao tempo.

Então lembrei que este era o mesmo coelho que estava em meu sonho. Paralisei com a pelúcia nas mãos, tentando entender o porquê sonhei com ele. Rafael tocou meu ombro, interrompendo meus pensamentos.

— Ei, você está bem? Esse coelho te trouxe más lembranças?

— Não... Eu sonhei com ele...

— Normal, oras... Afinal, ele é seu.

— Não foi em um sonho qualquer... Foi naquele que havia o choro de uma criança. E eu não tenho nenhuma lembrança desse coelho.

— Que tal perguntar para a sua tia? Talvez ele seja muito antigo e você não se lembra.

Desci a escadas correndo e entrei na cozinha.

— Hum, o que foi, minha querida? Quer algo para comer com o Rafael lá no quar- — quando olhou o coelho em minha mão, ela interrompeu.

— Tia, você conhece esse coelho? De onde ele veio?

Ela o pegou da minha mão e analisou por uns minutos. Depois me devolveu e voltou a mexer a panela no fogão.

— Ele era seu... Foi seu primeiro bicho de pelúcia.

Analisei-o e pensei que, provavelmente, as imagens do meu subconsciente trouxeram esse brinquedo à tona no meu sonho. Dei de ombros e voltei para o quarto, contando ao Rafael o que minha tia disse.

— Viu?

— Pensando bem... Eu não acreditei muito nessa história.

— Como não acreditou? Por quê?

— Assim que ela viu o coelho em minhas mãos, parou de falar na hora. Ela está me escondendo alguma coisa, eu sei disso.

— Deixe isso de lado, Lina. Estamos aqui para nos distrairmos, se lembra?

Suspirei, confirmando sua frase. Continuei a vasculhar meus antigos brinquedos e deixei o coelho separado. Eu queria dar mais uma olhada nele depois.

.

Depois de separarmos todos os brinquedos em boas condições, os colocamos em uma caixa e os velhos, em outra.

— O que faremos com estes velhos, Lina?

— Apesar de caindo aos pedaços, tenho dó de jogar... Vou colocar lá no porão.

Depois de negar gentilmente a ajuda de Rafael, peguei a caixa e desci até aquele quarto escuro e empoeirado. Empilhei-a junto com outras caixas velhas e subi a escada, até ser interrompida por um barulho. Forcei a vista por ter achado que algo havia caído, mas não encontrei nada fora do lugar inicial de quando cheguei. Subi um degrau quando ouço o mesmo barulho, só que mais próximo. Subi mais um degrau, faltando apenas três para chegar até a porta, e o barulho pareceu vir do pé da escada. Um frio me percorreu a espinha e corri para sair do porão, mas a porta fechou assim que avancei mais um degrau. Bati na porta, pedindo ajuda, mas não me atrevi a ficar de costas para a escada. Continuei gritando enquanto fitava o final da escada mal iluminado.

Ouvi a escada de madeira rangendo. E rangia cada vez mais perto. Meu coração acelerava mais enquanto o rangido se tornava cada vez mais próximo de mim. Ouvi aquela risada que sempre me assombrava. Gritei desesperadamente, até que ouvi passos no andar de cima e posteriormente tentando mover a maçaneta.

A iluminação fraca queimou de uma vez, me deixando naquele quarto totalmente escuro com uma criatura invisível.

— Me tirem daqui! Por favor!

— Calma, Lina! A maçaneta está emperrada!

Ouvi a voz de seu Lorenzo do outro lado da porta, acompanhado das vozes curiosas da minha tia e de Rafael.

O barulho estava cada vez mais perto, subindo as escadas. De repente, senti uma mão gelada segurando meu tornozelo trêmulo.

No mesmo instante gritei e chacoalhei o pé, tentando me livrar daquela mão. Forcei meu corpo contra a porta e a mesma se abriu, me fazendo cair no chão.

— Lina, o que aconteceu?! Você está bem?

Seu Lorenzo me ajudou a levantar, recostando-me na parede. Mal consegui falar pela falta de ar.

— Havia algo lá embaixo... Eu ouvi um barulho e senti algo segurando a minha perna...

— Mas o que estava fazendo lá?!

— Eu e Rafael separamos meus brinquedos e fui deixar os velhos lá, tia...

— Apesar dos clichês que envolvem um porão, eles são reais. Não vá para lá novamente, combinado?

Balancei a cabeça positivamente e fui para o meu quarto acompanhada de Rafael. Sentei na cama e coloquei a mão no meu peito, ainda sentindo meu coração pulsar atropeladamente.

— Ei, quer alguma coisa? Água, sei lá...

— Não, tudo bem... Obrigada. Só preciso descansar. Nunca senti um medo tão grande como aquilo...

— Mas você já presenciou várias coisas e não ficou assim...

— E todas foram sonhos, lembra? Essa foi real e foi como naqueles filmes de terror. Sempre ri dessas cenas por acha-las clichês e impossíveis. E agora aconteceu comigo... — suspirei, encostando a cabeça no ombro de Rafael, que estava sentado do meu lado.

Ele afagou a minha cabeça, bagunçando levemente meu cabelo.

— Mas acabou, fique tranquila... E acho que foi meio que culpa minha, né? Se eu não tivesse sugerido isso, você não teria ido até o porão... Desculpa.

— Não se desculpe. A sua ideia foi ótima, porque me distraí e ainda vou ajudar muitas crianças... A culpa não é sua pelo o que aconteceu agora.

— Acho que você precisa descansar, então eu vou embora, tá? Nos vemos amanhã.

Levantou, encostou seus lábios em minha testa e foi embora depois de sorrir carinhosamente. Deitei na cama quando ele fechou a porta e vi aquele coelho de pelúcia na estante. Peguei-o e analisei, percebendo que havia uma etiqueta desgastada com algo escrito à caneta. Com a vista um pouco embaçada pelo susto que levei anteriormente, não consegui ler. Coloquei-o no criado-mudo ao lado e acabei pegando no sono.

.


“Onde estou? Parece a rua do mercado. Meus pés doem... Por que estou descalça e de pijama? E havia uma sacola pendurada em meu braço, cheio de ferramentas e outras coisas do tipo.
Continuei andando; tudo estava tão escuro e enevoado... Mal conseguia enxergar um palmo à minha frente. A cidade estava quieta e o céu completamente escuro como uma madrugada; olhei para o único relógio que ficava na rua do mercado, que marcava 3:06. Eu não sabia onde estava indo, só sabia que precisava ir. Não havia ninguém na rua, até que vi a silhueta de uma mulher. O que será que ela está fazendo à essa hora? Aproximei-me dela, para conversar, mas fui impedida quando o seu rosto simpático começou a me dar raiva. Não sei porquê, mas me irritava. Ela me avistou e acenou com a mão, acompanhada de um sorriso. Que sorriso falso... Tenho nojo dessa mulher magrela e dentuça. Nossa, como o seu rosto me irrita. Um ódio incontrolável subiu na minha cabeça e eu estava prestes a voltar, quando ela me chamou. Sua voz me fez perder o bom senso. Corri até ela e a mandei calar a boca. O seu rosto assustado me satisfez muito, mas ela fez a besteira de abrir a boca novamente; a raiva tomou conta de mim. Segurei seu pescoço e a mandei ficar quieta mais uma vez, e seria a última. Eu estava realmente decidida a voltar para casa, mas ela teve que falar de novo... Tapei a sua boca com a minha mão e ergui seu corpo com uma mão só. Não sei como consegui fazer isso, mas não importa. Fui até a pequena floresta da cidade e a joguei no chão.

— Lina, o que aconteceu com você?!

Apesar da sua voz me irritar profundamente, o seu rosto desesperado me dava um imenso prazer. Lembrei-me da sacola e a vasculhei, procurando alguma coisa. Achei uma caixinha com agulhas.


— Eu mandei você ficar quieta, mas parece que você não quer...

Amarrei sua boca com um pano que havia na sacola. Bem melhor... Agora estava quieta e com um olhar desesperado. Peguei a caixa de agulhas e fui espetando-a lentamente em todo o corpo, começando pelos braços. Empurrei-a, caindo no chão de costas e depois a empurrei para o lado, fazendo com que seu corpo rolasse e todas aquelas agulhas por fim entrassem em sua pele.

Tentando gritar desesperadamente e com o rosto cheio de lágrimas, a fiz sentar novamente. Ela estava cheio de pontinhos vermelhos que escorriam sangue... Agachei e comecei a tirar as agulhas, uma por uma, lentamente...

Mesmo que ela já estivesse agonizando de dor, eu não estava satisfeita. Apoiei minhas unhas em sua testa e fui deslizando-as como em câmera lenta, enquanto as pressionava agressivamente em sua pele e ouvia seus gritos abafados pelo pano.

Eu já estava cansada desse joguinho. Peguei a tesoura, tirei o pano de sua boca e puxei a sua língua para fora.

— Não ouse gritar, dona Mercedes...

Assim que viu a tesoura, berrou desesperadamente. Tratei de cortar a ponta de sua língua. Segurei-a deitada no chão e tapando sua boca, até se sufocar com o próprio sangue.

Quando parou de se debater e ficou com os olhos revirados, peguei o caminho de volta para casa.

Não consegui conter a gargalhada.”


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