A Dama da Névoa escrita por Karina Saori


Capítulo 7
Minhas mãos sujas de sangue




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Abri meus olhos com dificuldade. Dando-me conta do que havia acabado de acontecer, olhei desesperadamente por todo quarto em busca daquela mulher. Quando não vi sinal da mesma, percebi que seu Lorenzo e meus tios estavam no quarto.

— O que houve? Desde quando vocês estão aqui? E aquela mulher, vocês chegaram a vê-la?

Os três se entreolharam, confusos.

— Lina, minha querida, do que você está falando? Nós viemos para cá porque ouvimos seus gritos...

— Gritos? Há um segundo atrás, aquela mulher estava aqui... — Seu Lorenzo se ajoelhou no chão para ficar do nível da cama — Seu Lorenzo, eu vomitei aí quando...

O chão onde tinha certeza que estava sujo de vômito, estava limpo.

— Lina, me conte o que aconteceu neste sonho.

— Sonho? Mas não foi um sonho! Eu acordei e ela estava aqui!

— Quando chegamos, você estava gritando e forçando suas mãos na barriga. Eu e seus tios tentamos te acordar, mas você não abria os olhos de jeito nenhum e não parava de gritar.

— Era... um sonho? Não pode ser... Tenho certeza que ela estava aqui e que eu estava acordada...

— Lina, me conte o que aconteceu, por favor.

Sentei na cama e contei exatamente tudo o que havia acontecido segundos atrás. Ainda me recuso a dizer que aquilo fora um sonho...

Quando terminei, seu Lorenzo colocou a mão no queixo e procurou palavras no chão.

— Como você está agora? Está se sentindo mal, com alguma dor?

Apalpei o corpo inteiro. O rosto e, principalmente, a barriga. Estava tudo completamente normal e foi isso que eu lhe respondi. Ele suspirou e olhou para o meu armário.

— Aquelas sombras... Elas ainda estão aqui, seu Lorenzo? — espero que sua resposta seja “não”.

— Sim, estão. Mas estão em menor quantidade do que hoje mais cedo.

Antes de me desesperar, meu tio interveio.

— Lina, durma no meu quarto com a sua tia. Deixe que eu durmo aqui, não tem problema...

— Melhor não, Benjamin. Será visto como uma provocação a Lina dormir em cômodos diversificados a cada noite. — Seu Lorenzo ficou em pé e colocou a mão no ombro do meu tio — Vamos apenas acender alguns incensos e passar pela casa. Lina, tire todas as suas roupas do armário e deixe no quarto de sua tia. Tudo bem, Dirce?

Ela consentiu. No mesmo instante, fiz o que ele mandou e coloquei todas as minhas coisas no quarto dos meus tios. Feito isso, minha tia e seu Lorenzo passaram incenso por toda a casa e deixaram alguns em meu quarto.

— Eu sei que é difícil, mas tente não pensar no que aconteceu, ok?

— Seu Lorenzo... Que horas são? — ignorei seu conselho.

— Três e quarenta... Por quê?

Respirei fundo e repeti inúmeras vezes comigo mesma: “Pare de ser idiota, é apenas uma lenda”.

Todos saíram do meu quarto e a última, minha tia, apagou a luz e disse que estava rezando pela minha proteção, que era pra eu dormir tranquila. Era inevitável a sensação de que havia alguém no quarto, me observando. Peguei o relógio e me cobri novamente com o cobertor até a cabeça. A luz vermelha do relógio digital marcava 3:42. Prendi a respiração como um instinto, tentando ouvir algo do lado de fora do cobertor. Podia não haver barulhos, mas minha mente desesperada os criava.

Até que ouvi o ranger da porta do meu armário se abrindo.

Ouvi aquela risada.

O quarto estava mais frio que o normal. O assoalho rangia a cada passo que eu escutava, vindo do armário. Até que por fim, parou diante de minha cama. Eu mal conseguia controlar a respiração ofegante e o meu corpo trêmulo. Eu não escutava mais nada, apenas o som do meu coração querendo sair do peito. Senti um peso na área em que minha cabeça estava coberta, prendi a respiração e apertei os olhos.

De repente, o cobertor foi erguido.

— Lina, acorda! Já são seis e meia!

— Tia?! — confusa, olhei ao redor do quarto, que já estava com raios de sol que invadiram pela janela. O relógio, ainda na minha mão, piscava em 6:34. Sentei, esfreguei as mãos no rosto e suspirei. Então foi mais um sonho.

Levantei e fui escovar os dentes enquanto, despreocupadamente, analisava meu cabelo rebelde pelo reflexo do espelho. Enchi a boca de água e a cuspi junto com a espuma da pasta de dente. A pia branca ficou em um tom de vermelho claro. Coloquei a mão na boca, procurando algum ferimento, mas não havia nada. Mas quando retirei a mão, ela estava repleta de sangue.

— Lina, o café está pronto!

— Já desço, tia!

Quando voltei a olhar para a minha mão, não havia mais sangue. Dei risada. — Acho que estou ficando louca com essa situação.

.

Como sempre voltei para casa com o Rafael depois da aula. Caminhamos enquanto lhe contava o que havia acontecido na noite passada.

 — Tenho certeza que aquilo não foi um sonho...

— Mas não é melhor pensar que foi um sonho? Imagina se isso acontecesse de verdade... Iria ser bem pior. E parece que você está cansada, tá até imaginando coisas... Quer fazer algo agora pra dar uma distraída?

— Hum, melhor não... Obrigada pelo convite. Do jeito que aconteceu, é como se eu não tivesse dormido nada... Desculpe.

— Tudo bem, não precisa se desculpar. Apenas vá para casa e descanse o quanto necessário. — disse isso tomando seu rumo enquanto acenava com a mão, acompanhado daquele sorriso cheio de otimismo.

Entrei em casa e seu Lorenzo estava com uma pilha de livros sobre a mesinha de centro na sala.

— Cheguei... O que está acontecendo aqui?

— Bem vinda, Lina. Senhor Lorenzo está fazendo algumas pesquisas. Vá tomar banho para poder almoçar e o deixe trabalhar.

Ele apenas olhou para mim e me cumprimentou com um balançar de cabeça. Sorri, fazendo o mesmo gesto e fui até a cozinha.

— Tia, está acontecendo algo que eu não estou sabendo? Vocês já descobriram alguma coisa?

— Não, por quê a pergunta?

Ela mal olhou para mim. Escondeu seu rosto virando para o lado oposto para pegar algum tempero.

— Não... Nada. Só me contem se descobrirem alguma coisa, tá? Por favor...

Depois de alguns segundos, apenas balançou a cabeça enquanto experimentava o caldo.

Subi para o meu quarto e fui tomar o banho. Peguei uma toalha e uma muda de roupa. Abri o chuveiro e me enfiei debaixo da água morna, que mais parecia gelada devido ao frio intenso da época. Tomar um banho longo com tal temperatura de água me ajuda a relaxar... Parecia que limpa a alma. Ensaboei os cabelos enquanto sentia a água escorrer pelo meu rosto, juntamente com sabão. Enxaguei as pálpebras para poder abri-las, quando vi meu corpo repleto de sangue.

Gritando pelo susto, analisei e procurei a fonte daquele riacho de sangue que parecia brotar da minha pele. Enxaguei todo o corpo e por fim, o cabelo. Foi aí que percebi que aquele sangue vinha do meu couro capilar quando minhas mãos ficaram encharcadas do mesmo. Apalpei-o, mas não sentia nenhuma ardência. Deixei a água escorrer até que finalmente ficasse límpida novamente.

Saí do chuveiro no mesmo instante. Esfreguei a toalha no couro, mas não houve um resquício de sangue. Respirei fundo, tentando me acalmar.

— Não é possível... Eu realmente devo estar ficando paranoica.

Vesti-me e desci para a cozinha para almoçar, tentando esquecer do que acabara de acontecer.

— Ah, Lina, você já acabou? Vamos almoçar, sente-se.

Sentei e apoiei os cotovelos na mesa, envolvendo minhas mãos no rosto. Minha tia colocou o prato na mesa e me virei para ela ao agradecer.

Quando vi seu rosto, não consegui conter o grito. Caí da cadeira, tremendo no chão. Ela não tinha olhos, nem mesmo os buracos, a pele apenas seguia reto. Havia sangue escorrendo no lugar onde estariam seus olhos.

— Lina?! O que foi?

Abriu um sorriso malicioso, de ponta a ponta da orelha. Continuei no chão, sem saber o que fazer. Fechei os olhos com todas as forças, querendo acordar deste pesadelo. Seu Lorenzo correu para a cozinha, agachou-se até mim e apoiou sua mão no meu ombro.

— O que aconteceu, Lina?! Dirce, o que houve para ela ficar assim?

— E-eu não sei! Ela simplesmente me olhou e ficou gritando!

— Tia! O seu rosto! O seu rosto! — coloquei uma mão no meu rosto, em agonia, e a outra apontava para a massa de carne que era pra ser a minha tia.

— Mas não há nada no rosto dela, Lina!

Levantei a cabeça e abri os olhos lentamente. Quando foquei a visão, seu rosto estava normal, mas com um semblante apavorado.

— Mas o que... está acontecendo comigo...?

.

Depois de almoçar, seu Lorenzo me acalmou, dizendo que provavelmente, essas ilusões estão sendo projetadas na minha cabeça pelo cansaço e por toda situação do momento. De fato, já estou ficando cansada dessa história.

Não querendo ficar dentro de casa, sentei na cadeira na varanda e observei a rua, como sempre fiz. Peguei um livro qualquer da prateleira, mas meus pensamentos estavam focados nos acontecimentos dos últimos dias. Quando o anoitecer caiu, eu mal percebi. Continuei lá, sentindo o frio craquelar a minha pele e observando a rua completamente silenciosa, ainda com a expectativa de que nevasse. Só entrei quando percebi que eu estava praticamente dormindo na cadeira de balanço.

— Lina, vem jantar!

— Não quero, tia... Não estou com fome. Tudo bem se eu já ir para meu quarto? Estou cansada e já estava quase dormindo lá fora.

— Tudo bem, pode ir... Qualquer coisa, pode chamar. Boa noite, minha querida.

Subi até meu quarto, agarrei o relógio e me cobri até a cabeça, com a esperança de ser protegida de sonhos ruins, mesmo não dando certo na noite anterior. Com medo de dormir por causa dos pesadelos, demorei um pouco, mas finalmente consegui pegar no sono quando o ambiente começou a esquentar.

.

Acordei com o meu despertador tocando ininterruptamente, bem perto do meu ouvido. Estressada, tratei de desliga-lo logo e colocá-lo em cima do criado-mudo. Espreguicei, estalando o pescoço; passei um tempo sentada na cama, de olhos fechados. Em um pulo, me dei conta de que não sonhei nada de ontem para hoje.

— Apesar disso ser estranho, estou aliviada — falei para o quarto vazio. Sorri, jogando as pernas para fora da cama e encostando a ponta dos pés no assoalho congelante. Percebi que meu corpo estava um pouco dolorido... Deve ser pela posição que dormi.

Caminhei em direção ao banheiro e, quando fui abrir a porta, percebi que minhas unhas estavam sujas. Aproximei e notei que era sangue seco. Entrei no banheiro e lavei as mãos apressadamente, mesmo sabendo que aquele sangue não era real. Quando finalmente limpas, tentei ignorar e segui a minha rotina normalmente.

Ao chegar na escola, percebi certo alvoroço na entrada, cheio de cochichos. Quando cheguei na sala, Olivia e Rafael também estavam sussurrando ao conversar algo.

— Bom dia, gente... O que está havendo com a escola hoje? Todo mundo cheio de mistério, cochichando pelos lados...

— Você não soube, Lina? — Olivia se apoiou no meu ombro, aproximou-se da minha orelha e sussurrou — Ontem à noite, encontraram a dona Mercedes, aquela que mora na frente do mercado, morta na floresta daqui do lado!

Meu coração começou a bater mais rápido. Olhei para as minhas mãos, lembrando do sangue seco que havia nelas esta manhã.

— Você... você sabe como ela morreu? — estava com medo da resposta, mas eu precisava saber.

— Não sei direito... Só ouvi rumores de que seu rosto estava todo arranhado...

Ao ouvir isso, meu corpo começou a tremer e minha respiração ofegante procurava por mais ar. Minha cabeça começou a explodir de dor; sentei cadeira, suando frio e espremendo as têmporas com as mãos para tentar aliviar aquela tortura.

— Lina?! O que foi?

— Rafael... Me tira daqui...

Não é possível... Como eu poderia ter feito isso?

Será que eu... matei a dona Mercedes?


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