A Dama da Névoa escrita por Karina Saori


Capítulo 6
Aquela mulher; aquele sorriso




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/509111/chapter/6

— Ainda acho tudo isso um exagero...

Logo depois de contar à minha tia sobre aquela lenda idiota, ela chamou um conhecido e especialista nestes assuntos, que morava em uma cidade há uns 50 minutos daqui. Rafael fez questão de me fazer companhia até aquele homem chegar, enquanto me abraçava como se eu precisasse de proteção.

— Você ainda acha que é exagero? Mesmo tudo isso acontecendo com você? Aquela mulher... E o mais estranho são esses pesadelos. Sem contar que dessa última vez, você saiu com uma ferida.

— Você foi ferida neste último sonho? Que ferida, Lina? E você não me contou o que sonhou...

Esbarrei o cotovelo no braço de Rafael, que se desculpou com um sorriso de canto de boca. Enquanto contava o meu sonho, ergui meu braço, mostrando minha mão com aquele pequeno corte em cada dedo.

Quando terminei, ela ainda olhava para minha mão, inexpressiva. A cada palavra que pronunciei, senti a sua mão apertando a minha levemente.

— Tia? A senhora está bem?

Demorou um tempo para que ela reagisse, meio assustada quando interrompi seus pensamentos. Repeti a pergunta e ela apenas balançou a cabeça, dizendo que sim. Segundos depois, a campainha toca.

— Ah, deve ser ele — disse minha tia, enquanto se dirigia para porta passando as mãos em sua roupa suavemente amarrotada.

Um homem alto, de óculos, cujo cabelo se encontrava acima dos lábios, apareceu quando a porta foi aberta. Ele entrou, analisando a casa.

— Pelo visto você não conseguiu resolver este problema, Dirce...

Deu risada enquanto olhava todas as paredes, como se conseguisse ver as mesmas coisas que minha tia. Depois ele olhou fixamente para mim, vindo em minha direção.

— Bom dia, seu nome é Lina, estou correto? O meu é Lorenzo, muito prazer.

Estendeu-me a mão e sorriu amigavelmente quando eu retribui o cumprimento.

— Desculpe lhe chamar tão cedo, senhor Lorenzo, mas realmente preciso de sua ajuda...

— Tudo bem, Dirce, pode me chamar a hora que quiser. Posso começar? — minha tia concordou, dizendo que ia buscar uma xícara de café. Ele se sentou no sofá paralelo ao que eu estava, de frente para mim — Lina, você poderia me contar tudo o que aconteceu com você? Não se esqueça de nenhum detalhe.

Enquanto eu falava sobre aquela mulher e sobre os sonhos, ele ficou calado, apenas anotando tudo o que eu dizia. Quando terminei, ele continuou escrevendo freneticamente.

— Tudo bem, vamos analisar os fatos. Apenas você via tal mulher de aparência incomum e, depois disso, você começou a sonhar com coisas estranhas e reais, tendo uma ferida no último sonho — ajeitou o óculos e ficou alguns segundos calado, como se estivesse procurando palavras — Você acredita em Deus, Lina? Anjos, demônios, espíritos...?

— Sim...

— Assim será mais fácil. Ainda é muito cedo para te falar o que esta mulher é, mas posso criar possibilidades, se você acredita que ela não é apenas uma imagem fruto de sua imaginação. Desde que ela chegou, coisas estranhas aconteceram... Obviamente, os fatos estão ligados. As sombras desta casa não se moviam há anos, mas agora eles vão até seu quarto, onde você sempre tem pesadelos. Não é tão simples dizer que essa mulher é um demônio... Então vamos apenas estagnar que ela é um espírito.

— Mas um espírito com tais características anormais?

— Espíritos não mudam a sua aparência quando morrem, alguns dizem. Mas depende muito das amarguras que a vida carnal havia lhe trazido.

— Como assim? Não estou entendendo...

— Quando uma pessoa falece de corpo com pendências em terra, ela não segue para o plano espiritual.

— Como por exemplo... O ódio?

— Exatamente. Vamos usar o que disse como exemplo... Se uma pessoa morre neste plano com ódio e amargura, ela não consegue seguir em frente. Porque sua alma é impura.

— Então o senhor está supondo que essa mulher que vejo é um espírito com ódio? E por que só eu a vejo?

— Isso, mas é apenas uma hipótese. Sua alma impura e cheia de ódio pode servir como justificativa para sua aparência anormal, como você disse. E bem, não tenho resposta para isso... Mas estou aqui para descobrir. Você pode estar vinculada ao desejo desta pobre mulher.

Eu, vinculada aos desejos dela? Não pode ser... Que desejo poderia ser?

— Lina, perdoe-me a minha indelicadeza, mas... posso dar uma olhada em seu quarto? — continuou Lorenzo, apontando para o andar de cima.

— Claro...

Mostrei-lhe o caminho indo em sua frente. Ao chegar, ele parou na frente da porta e trocou o seu semblante calmo por um apavorado.

— Dirce, suba aqui um instante! Rápido!

Eu não tava entendendo nada do que estava acontecendo... Olhei para o Rafael e este me olhou com a mesma expressão confusa. Minha tia correu para onde estávamos e olhou dentro do quarto, soltando um grito e tapando a boca com a mão logo depois.

— Senhor Lorenzo... O que está acontecendo aqui?

— Qual foi a última vez que esteve neste quarto, Dirce?

— Ontem de madrugada, por volta das três horas... Mas não estava assim, havia três sombras, apenas, sendo duas delas claras.

— Gente, o que está acontecendo?! — comecei a ficar preocupada.

Seu Lorenzo e minha tia se olharam, como se perguntassem se deveriam me contar. Um balançou a cabeça positivamente e minha tia começou a falar.

— Lina... Há em torno de dez sombras escuras em seu quarto.

— Dez? Por quê?!

Uma calafrio percorreu a minha espinha. Fechei o punho e tentei controlar a vontade de chorar que eu mantinha guardado. Rafael segurou a minha mão, me fazendo olhar para ele.

— Está tudo bem... Estou aqui com você. Seu Lorenzo e sua tia irão te ajudar, só confie neles.

Essas palavras simples e sinceras me fizeram relaxar um pouco. Afrouxei o punho e enchi o pulmão de coragem.

— O que está acontecendo, tia?

— Senhor Lorenzo... Repare que as sombras estão acumuladas...

— É verdade... No armário?! Lina, você se importa se eu abrir seu armário?

— Tudo bem, vá em frente...

Observei-o indo em direção ao armário de madeira, com cautela, como se houvessem obstáculos no caminho. Ele abriu o móvel, analisou por alguns segundos e depois o fechou.

— Tudo bem? — perguntei com medo da resposta.

— Sim... Não há nada de errado por lá. Isso é realmente muito estranho... Vou estudar o local com mais cuidado. Dirce, me permite dormir aqui esta noite?

— Claro, sem problemas. Lina, você pode fazer algumas compras para mim?

Concordei, peguei o dinheiro e a lista que ela acabara de fazer, e fui até o pequeno mercado, acompanhada de Rafael.

— Ei, você está bem? — seus olhos verdes exalavam preocupação.

— Eu estaria pior se você não estivesse aqui... Obrigada.

De canto de olho, percebi que seu rosto ruborizou levemente, me tirando um sorriso.

Fizemos as compras em, mais ou menos, 30 minutos. Quando cheguei em casa, minha tia e seu Lorenzo estavam no sofá, tomando uma xícara de café. Ambos se olhavam preocupados e pareceram cortar o assunto quando eu cheguei.

— Tia, cheguei... Está tudo bem por aqui? — que atmosfera tensa...

— Ah, Lina, obrigada pelas compras. Está tudo bem, sim, por que pergunta?

— Não, nada... Vou para o meu quarto, tá?

— Tem certeza? Você ficará a vontade?

— Tudo bem, tia... Não vou estar sozinha, Rafael vai estar comigo — sorri, olhando para ele, que estava nervoso e surpreso pelo que eu disse.

Nós subimos até meu quarto. Sentei na cama e Rafael sentou-se ao meu lado — Você não achou que tinha algo de estranho naqueles dois? — sussurrei.

— Também percebi isso, mas achei que tinha sido impressão minha.

— Com certeza eles estavam falando sobre essa situação... Mas se a minha tia me dispensou, falando pra eu fazer compras, certamente eles estão escondendo algo de mim. Preciso saber o que é.

— Ei, onde você vai? — assim que levantei, Rafael foi atrás de mim, tentando me impedir.

— Não vou fazer nada, calma! Só quero escutar a conversa deles.

Saí do meu quarto nas pontas dos pés descalços. Deitei para ficar mais próxima do chão e os ouvi aos sussurros debaixo da escada.

— Realmente, tudo se encaixa... Mas qual relação tem o armário nessa história toda?

— Não é exatamente o armário... Mas foi lá que ...... — que o quê? Não consegui entender essa parte!

— Então era realmente como pensei...

— O que faremos, senhor Lorenzo? — começaram a falar ainda mais baixo, não consegui entender quase nada dali em diante. Voltei para o quarto.

— E aí, conseguiu ouvir alguma coisa?

Rafael estava me esperando sentado na cama.

— Quase nada... A parte mais importante eu não consegui entender. Eles estavam falando que a história se encaixava etc. Ou seja, eles já sabem o que está acontecendo. Por quê estão escondendo?! Que saco.

— Calma, Lina. Se estão escondendo de você, é para o seu bem. Ainda não está na hora de você saber. E não importa o porquê disso estar acontecendo, o importante é que tudo acabe bem.

Como esse garoto consegue ser tão otimista? Mas isso é bom, pelo menos meus pensamentos ficam mais tranquilos. Mas não consigo parar de pensar em como tudo está errado... É óbvio que eu quero e preciso saber o que está por trás de tudo isso e o que a minha tia sabe mas não quis me contar...

Quando a noite chegou, Rafael foi embora. Seu Lorenzo vai dormir no antigo quarto da minha prima que se mudou para o exterior.

— Lina, se algo de estranho acontecer, grite meu nome. Eu estarei no quarto ao lado e virei correndo para cá. Portanto, deixe a porta aberta.

Concordei enquanto puxava o cobertor até o pescoço. Como sempre, a noite estava ainda mais fria, então cobri meu rosto também. Englobada pelo cobertor espesso, o local começou a ficar confortavelmente quente, então peguei no sono rapidamente.

.

Acordei sei lá que horas. Não queria sair daquele ambiente que fiz com o cobertor... O ar lá fora era extremamente gelado; então fiquei sem saber que horas eram. Ajeitei-me de barriga para cima e tentei dormir novamente, até que escuto passos no corredor, que provavelmente são de alguém indo ao banheiro. Pela distância dos passos, eu diria que era minha tia ou meu tio, já que seu Lorenzo está mais próximo do banheiro. Minha tia teria que passar na frente do meu quarto para poder ir até lá.

Os passos ficaram mais próximos, como esperado. Mas... eles não foram reto. Pararam em frente à minha porta.

Eu ia tirar o cobertor do rosto e ver o que a minha tia, ou o meu tio, queriam, até que ouvi uma risada enferrujada e arenosa. Parei de respirar e só conseguia ouvir meu coração batendo mais rápido. Os passos se aproximaram da minha cama e eu não conseguia me mexer; eu queria gritar, mas não conseguia; me faltava ar.

Ouvi o barulho da porta se fechando. Os passos pararam diante da minha cama e o cobertor começou a deslizar para baixo, pousando no meu queixo. Não me movi, fingi que estava dormindo; só não sei se foi possível esconder o meu tremor. Alguns minutos se passaram e nada havia acontecido, então resolvi abrir os olhos, mas com cautela. Abrindo-os lentamente, me surpreendi por não encontrar nada. Sentei, analisando o quarto vazio.

Suspirei de alívio e deitei novamente. Quando olhei para cima, lá estava ela.

Aquela mulher. Aquele sorriso.

Não consegui me mover. Meu corpo tremia e o pavor não me deixava falar. Ela veio até mim, vagarosamente, com os cabelos e o vestido leve esvoaçando. Ainda acompanhada daquele sorriso, apoiou as mãos na minha barriga e deu gargalhada enquanto afundava a sua mão em meu corpo. Comecei a sentir ânsia de vômito; virei para o lado e cuspi um líquido escuro junto com a janta de hoje. Quando virei de volta, o seu rosto estava colado ao meu. Gargalhando enquanto mantinha aqueles olhos fixos em mim, como se roubasse minha alma.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!