A Dama da Névoa escrita por Karina Saori


Capítulo 21
Não é sua culpa


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura c:



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— Eu te avisei. Avisei que as pessoas ao seu redor iriam morrer aos poucos.

"Por que isso está acontecendo? O que eu fiz?". Não falei, apenas pensei, e como se pudesse me ouvir, respondeu em uma voz gélida e cortante.

— A culpa foi sua! A culpa foi sua! — a voz gritava, ensurdecendo-me. Acalmando em um tom sombrio, o cheiro de enxofre era cada vez mais forte — Perseguirei-te em toda sua vida, até que queime no mesmo inferno que eu.

Antes mesmo de me levantar e correr para dentro, vi Rafael novamente do outro lado da rua, sorrindo. No mesmo instante, o cheiro fétido desapareceu com o vento e nada mais fora dito.

Esperei alguns minutos na esperança de ver Rafael de novo, o que não aconteceu. Entrei em casa e deitei no sofá, tirando um cochilo sem intenção.

"Acordei em um lugar diferente do normal. Estava claro, ensolarado, agradável. Eu estava sentada no morrinho onde eu e Rafael sempre ficávamos depois da aula. Meus pés estavam descalços, tocando na terra úmida e saudável da pequena montanha. Rafael apareceu sentado ao meu lado e me abraçou.

— Eu te disse, não disse? Que iria te proteger mesmo depois da morte."

— Mas eu não quero isso!

Acordei gritando, com a minha tia segurando uma xícara de chá e olhando para mim, assustada.

— Tudo bem se você não quiser o chá...

— Não é isso, tia... — ri — Não lembro direito, mas foi só um sonho. Eu aceito o chá.

Sorri e estendi a mão para alcançar a xícara. Ela me olhava preocupadamente, mas logo deu de ombros, mandando eu subir para o quarto e descansar um pouco, porque amanhã cedo seria o funeral.

Então eu o fiz. Sentei na cama e peguei o coelho de pelúcia queimado e a fotografia na minha escrivaninha. Deitei e ergui as duas coisas, analisando-as com os braços estendidos.

— Elizabeth, mãe de Beatriz... Tenho quase certeza disso, mas nada concreto — aproximei a foto — E a projeção borrada das três crianças... Eu, Rafael e... Beatriz. No mesmo dia em que meus pais morreram.

Se eu vejo Beatriz, obviamente ela morreu. Talvez esteja enterrada no cemitério da cidade.

Coloquei uma roupa mais grossa e corri até lá. Vasculhei cada nome nos blocos de cimento cravados na terra úmida pela geada e encontrei uma Elizabeth e, lembrando da reportagem que continha seu nome e sobrenome, deduzi que eram a mesma pessoa. No túmulo ao lado havia um homem com o mesmo sobrenome; ou era seu irmão ou, mais provável, seu marido.

Elizabeth Cristgan

8 de Maio de 1960

22 de Junho de 1986

.

Leonard Cristgan

29 de Novembro de 1963

22 de Junho de 1986

.

Os dois faleceram no mesmo dia… O que será que houve? Talvez algum acidente?

Andei mais uma vez pelo cemitério e encontrei, um pouco mais distante de onde seus pais estavam:

Beatriz Cristgan

17 de Junho de 1980

17 de Junho de 1986

— Eu tinha quase certeza de que Beatriz era filha de Elizabeth, mas era apenas uma hipótese. Olhando pelo sobrenome, essa dúvida não existe mais — passei o dedo pelo data de falecimento escrito à punho quando o cimento ainda estava mole — Com uma diferença de apenas cinco dias do falecimento de seus pais… Será que eles não aguentaram a morte da filha e se suicidaram? E nossa... Morreu no dia do seu aniversário...

Espera, 17 de junho de 1986? A mesma data que meus pais morreram, a mesma data que está escrita naquela fotografia que estava na casa do Rafael.

Em um estalo, lembrei do pedaço de jornal que eu achei no livro que seu Lorenzo havia me emprestado. Ajoelhei perante ao túmulo, juntei as palmas em frente a boca e rezei. E, apesar de tudo o que está acontecendo, rezei em frente ao túmulo de Elizabeth e Leonard. Feito isso, voltei imediatamente para casa.

— Ué Lina, você tinha saído? Para onde foi? Pensei que estava tirando um cochilo em seu quarto... — minha tia estava na cozinha; o cheiro de pão com manteiga era iminente.

— Só fui dar uma volta, tia — sorri e subi vagarosamente para o quarto, não querendo lhe mostrar minha pressa.

— Você não quer comer? Estou preparando um pãozinho…

Sorri, negando, e continuei subindo a escada. No instante em que ela virou de costas, apressei os passos e corri até meu quarto.

— Onde eu guardei aquele livro? Onde guardei aquele livro?

Saí fuçando as gavetas, o armário. Lembrei que havia escondido-o debaixo da cama. De fato, lá estava o livro de capa dura azul marinho, salpicado com poeira. Abri na última página, onde estava o jornal de junho de 1986:

“23 de junho de 1986, Jornal Grinch

Incêndio acidental mata quatro adultos e ---------

No dia 17 deste mês, no horário por volta de 18h00, houve um grande incêndio residencial na cidade Sandbolt, localizad- no extremo Sul do estado de Grinch. - caso já foi finalizado, dado como acidental. --- não houve-am outras vítimas ou testemunhas. Este acidente provocou uma série de outros fatores, como - ------ ------------ - --------, que -------- -------------- --- --------a. Ela foi encontrada ------ no --------- -- ----- -------, onde --- ------ --------- ----------. Seus nomes eram ------”

 

— Quatro adultos e uma criança... A Beatriz. Mas é só isso que dá pra saber, por enquanto — acabei lembrando de algo que preferia ter esquecido — Minha tia disse, naquele dia, que a culpa da morte da garotinha não era minha... Essa a quem se referia provavelmente era Beatriz... Ou seja, estou envolvida no incêndio que matou meus pais e também os do Rafa?! Tudo ficou mais confuso do que antes! O que eu fiz nesse dia?

A foto estava em cima da cama. Peguei-a e virei.

"17 de junho, 1986, B.C!

Obrigada por virem"

“B.C”, Beatriz Cristgan. 17 de junho, 1986. No dia do aniversário da menina, ela, meus pais e os do Rafael, morreram em um incêndio. Se nós três, eu, Rafael e ela, éramos amigos e estávamos em sua festa de aniversário, por que nada aconteceu conosco? Nossos pais e ela… Qual é a relação disso?

Deitei na cama, larguei a fotografia e peguei o pedaço de jornal, analisando-o.

— “Este acidente provou uma série de outros fatores”. Quê outros fatores? Algo aconteceu depois desse incêndio? Aliás, onde foi isso?

Ficando louca com tantas perguntas sem respostas, afundei o rosto no travesseiro e gritei com todas as forças, como se isso fosse me ajudar em algo. No fim, acabei adormecendo.

“— Lina… Ei, Lina!

Abri os olhos lentamente. Sentei, tentando me localizar e eu estava novamente no morrinho. Rafael estava a, mais ou menos, dois metros de distância. Tentei me mexer, mas era como se minhas pernas estivessem enterradas.

— Desculpe, — continuou — não posso ficar tão perto como da última vez. Mas continuaremos nos vendo, mas só até eu conseguir.

— Conseguir o que, Rafael? — minha boca não se mexia, mas as palavras foram proferidas claramente.

— Até eu conseguir, oras — deu risada — Saberá quando a hora certa chegar.

— Isso não é apenas um sonho, estou certa? Você está aqui de verdade. Não é uma coisa que meu subconsciente está fazendo.

Ele riu, mais uma vez — Sim, você está certa. Eu não posso ver a sua angustia e não fazer nada. E a única forma que eu tenho para me comunicar com você, é assim.

— Eu estou bem, Rafael, já te disse. Não quero que fique aqui por minha causa.

— Não estou aqui por você. Estou aqui por mim, porque não aguento te ver desse jeito. Não pense que faço tudo por você, idiota — riu.

— Então pare de ser egoísta e vá. Você não quer ver seus pais?

— Lógico que quero. Mas eles estão bem sem mim, assim como ficaram por 10 anos. Se não me verem por esse tempo, não tem tanto problema. Preciso resolver as coisas por aqui primeiro.

— Não tem nada para se resolver aqui. Ande e vá, eles devem estar com saudades.

— Lina, meu tempo está acabando, não posso ficar muito mais tempo aqui. Eu só tinha uma coisa para te falar — olhou-me fixamente, com firmeza — A culpa não é sua.

— O que a culpa não é minha? Por que todos falam isso?

— Só se lembre que a culpa não é sua, nem de ninguém. Não é sua, nem da sua mãe que insistiu, nem de Leonard, nem Elizabeth que deixou. Ela só amava muito a filha. Agora eu tenho que ir. Cuide-se, idiota — deu as costas depois de sorrir confortavelmente.

Minha mãe que insistiu e Elizabeth que deixou? O que isso significa?

— Espere, Rafael! — parou de andar e virou para mim — Quando encontrar meus pais…

— Não se preocupe, eu já sei — sorriu enquanto acenava.

Fechei os olhos e ouvi sua voz pairando no ar.

— A culpa não é sua.”

Acordei ensopando meu travesseiro de lágrimas. Sequei-os rapidamente e olhei para o relógio, já marcando 20:06.

A angustia que me assolava se dissipou. Minha mente parecia purificada e calma. Desci e encontrei minha tia novamente na cozinha.

— Desceu na hora certa, minha querida! Já ia te chamar para jantar. E, para te alegrar um pouco, assei um bolinho de laranja que você tanto gosta.

Sorri, agradecendo-a e começamos a comer. Conversamos amigavelmente, depois a ajudei a lavar a louça do jantar. Como não fazíamos há um tempo, assistimos tevê juntas, dando risada dos programas idiotas de comédia.

— Parece que você já está melhor... Graças a Deus.

— Tive um sonho com Rafael, tia... E foi algo tranquilizador. Estou me sentindo bem, apesar de tudo o que está acontecendo — sorri, abraçando-a.

— Que bom, minha menina... Quero te ver bem — acariciou minha cabeça — Agora vamos dormir. Já passa das 23 horas e amanhã acordaremos cedo, vamos comprar lindas flores para deixar junto de Rafael.

Assenti, dando-lhe boa noite. Subi para o meu quarto, coloquei a fotografia dentro do livro e o arrastei novamente para debaixo da cama.

Eu pretendia ter uma das melhores noites de sono que eu havia tido desde que tudo começou.

Pretendia.


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Notas finais do capítulo

Acabando D: Próximo capítulo já é o penúltimo! Bom, tudo indica que será o penúltimo... Quando começo a escrever, mudo umas coisas do nada, então vai saber ahuahuha

Obrigada por ler!