A Dama da Névoa escrita por Karina Saori


Capítulo 20
Shh! Mamãe vai ouvir


Notas iniciais do capítulo

Eu sei que demorei de novo, desculpem D: Essas duas últimas semanas foram corridas demais (confesso que foram corridas porque eu deixei as coisas acumularem kk). E Prevejo que serão cada vez piores, porque as provas se aproximam DD:

Enfim, boa leitura s2



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— Rafael sofreu um acidente de carro.

— O quê? Não entendi.

Ela se afastou e me encarou. Segurou meu rosto com as duas mãos e chorou ainda mais do que antes.

— O Rafael, Lina... o Rafael sofreu um acidente ontem à noite, enquanto estava voltando da cidade vizinha com o Osmar. Virgínia acabou de ligar e disse que agora ele está no hospital em estado grave.

— Tia, precisamos ir pra lá agora! — subi correndo para o meu quarto e troquei de roupa por uma qualquer. Desci e vi dona Virgínia dentro do carro quando abri a porta.

— Entrem! Eu levo vocês lá!

Entramos no carro às pressas e em poucos minutos chegamos ao único hospital da cidade. Pegamos informações com a enfermeira na recepção e corremos até o quarto que ela nos indicou.

Abri a porta e tive a pior visão da minha vida.

Rafael estava com o rosto pálido e cheio de cortes, uma máscara de oxigênio no nariz e a cabeça envolta por uma faixa branca. Aproximei de sua cama e pude ver um dos olhos inchado e a boca com um corte fundo que começava abaixo do nariz e terminava no queixo.

Do outro lado da maca, vi seu Osmar com o braço imobilizado, mas bem e de pé, chorando ao olhar para o neto.  

— Eles... — disse com a voz trêmula e chorosa — os médicos disseram que não há mais nada o que fazer. Ele não pode passar por mais cirurgias porque o corpo já está muito fraco e o coração não vai aguentar.

Antes que eu pudesse dizer algo, ouvi um gemido baixo vindo de Rafael.

— Rafael?! Rafael!!

Ele tentou tirar a máscara de oxigênio mesmo pelo protesto da enfermeira. Dona Virgínia segurou a mão da moça de branco e pediu para que deixasse.

— E...ei... Não faça essa cara só... porque estou careca — esboçou um sorriso com gengivas pálidas enquanto mostrava obviamente o cansaço na voz acompanhado de rouquidão.

Eu deveria dizer alguma coisa, mas não conseguia. O meu sonho mostrava Rafael morto, não tive dúvida de que eu era a causa do seu acidente.

— Vai... me deixar falando... sozinho? — riu e logo tossiu pelo esforço.

— Não fale, seu idiota! Você tem que se recuperar — sentei na cadeira ao lado da maca e segurei sua mão com força.

Todos resolveram sair do quarto e nos deixar a sós.

— Eu... estava ouvindo... meu avô falar pra vocês... Não tenho muito mais tempo, né...?

— Já disse pra não falar! Não diga essas besteiras, você vai ficar bem, você vai ficar bem! — chorei encostando o rosto em seu peito, não largando sua mão.

— Me sinto... cansado. Antes que eu durma... queria te dizer que eu vou... cumprir a minha promessa... Tudo vai acabar, Li... Vou te proteger até o... final. Eu te prometo.

— Não precisa me proteger, apenas viva, seu idiota! Eu amo você! Com quem eu vou contar se você morrer?!

Ele esboçou um sorriso sofrido e algumas lágrimas escorreram até as orelhas. Disse uma última frase sem pausas.

— Eu queria tanto ouvir isso.

A mão que apertava a minha afrouxou e pendeu sobre ela, sem força. O som incessante da máquina ligada ao seu coração agora sem vida não chegou aos meus ouvidos; tudo estava mudo, o ar estava parado, o tempo não andava; eu entrei em estado de choque. Senti o ar preso em meu pulmão sendo solto em gritos e lágrimas quando minha tia me abraçou e me puxou pra longe da maca enquanto vários médicos chegavam com o carrinho que timha aquele equipamento de desfibrilar.

— Um, dois... Afasta!

Ouvi aquela frase se repetir várias e várias vezes ao fundo. O som da máquina continuava incessante, contínua numa linha reta na tela, que se levantava com o choque que lhe davam, mas depois voltava a ser reta de novo. Tudo parecia tão distante, tão longe do meu alcance. Senti meu corpo amolecer, ouvi minha tia gritar o meu nome e senti o gelado do chão antes de ficar na completa escuridão.

“Eu te amo.

Eu vou te proteger até o final.

Eu não vou morrer até você estar bem.

E mesmo depois disso, eu continuarei tentando te proteger.”

Acordei em uma das macas do hospital. Não tive sonho, tudo que vi foi uma tela preta com uma linha branca e contínua, fazendo o barulho daquela máquina e as frases que ele me disse sendo repetidas várias vezes. Sentei e vi minha tia sentada ao lado.

— Que bom que você acordou!

Soando mais fria do que eu me sentia, encarei minha tia — Me conta como foi o acidente.

— Não sei te dizer com precisão, Virgínia mal conseguia falar. Mas pelo que eu entendi, Osmar e Rafael estavam voltando da cidade vizinha de noite. Pelo que seu Osmar conseguiu explicar para ela, um clarão apareceu repentinamente na estrada; achando que era outro veículo, recuou bruscamente com o carro, batendo no guard rail e acertando a lateral, a porta onde estava Rafael... Na batida, ele bateu com força a cabeça no painel porque o airbag não funcionou. Osmar saiu quase sem nenhum arranhão porque o airbag dele abriu, mas a porta do copiloto fora atravessada pela parte quebrada.

— Parte quebrada? Como assim?

— Um mês atrás, houve um acidente por lá. O carro atravessou o guard rail e caiu no penhasco. Por sorte, o carro do Osmar parou bem na beira, mas a parte pontiaguda da cerca quebrada atravessou a porta e a porta feriu Rafael. Sei que é duro ouvir isso, Lina...

— Pode falar, tia. Fale tudo o que dona Virgínia disse.

— A porta perfurou a barriga e parte do pulmão dele. Osmar conseguiu chamar a ambulância e Rafael passou por uma cirurgia na cabeça enquanto tentavam reparar os danos no pulmão e na barriga. Mas o corpo dele não estava aguentando, então os médicos tiveram que parar para que Rafael se recuperasse e assim pudessem prosseguir com a cirurgia. Mas seu corpo não se recuperou o suficiente para que continuassem, então...

Meus olhos se encheram de lágrimas mais uma vez. Dessa vez, chorei de soluçar e não consegui parar por longos minutos. Eu deveria ter ido junto, eu deveria...

— Vocês querem vê-lo? — dona Virgínia entrou no quarto. Já haviam preparado o corpo do Rafael.

Ela segurou a minha mão e nos levou até uma enfermeira que liberou nossa passagem à uma porta que dava para um corredor sombriamente quieto. Soltou minha mão quando paramos na frente de outra porta.

— Pode entrar, Lina.

Dona Virgínia pediu para que minha tia esperasse. Entrei sozinha no quarto gélido e pouco iluminado. Explorando-o com os olhos, achei uma maca de metal no centro; havia um corpo deitado nela, coberto com um lençol branco. Aproximei-me e quando achei que já não havia mais lágrimas, a minha vista começou a ficar embaçada por causa do desespero que transbordava pelos olhos. Meu coração queria sair pela boca; palpitava ininterruptamente enquanto eu mantinha a mão sobre o lençol, tomando coragem para abaixá-lo. Quando resolvi fazê-lo, segui vagarosamente, mas com os olhos fechados. Abri-os com cuidado e receio de ver o que me esperava.

Vi Rafael, mais sereno do que nunca, mais pálido do que o normal. Contornei sua bochecha com as costas da mão e senti sua pele gelada e sem vida. Sua expressão já não era mais de dor e o inchaço dos olhos e da boca havia diminuído um pouco.

"Eu não vou morrer até você estar bem."

— Não foi isso que você disse, Rafael? Não foi?!

A minha voz ecoava no quarto vazio enquanto eu apertava o lençol entre meus dedos. Era tudo culpa minha. Ele quase morreu uma vez por minha causa, mas hoje ela conseguiu matar a pessoa mais importante da minha vida.

Senti um vento passar em minhas costas. Era impossível uma corrente de ar naquele quarto fechado e sem janelas. Segurei a mão gelada de Rafael, agachei e encostei meus lábios nela, rezando para que não ficasse preso aqui, achando que tem a obrigação de me proteger.

— Apenas descanse. Eu ficarei bem.

Levantei e não consegui tirar os olhos de seu rosto. Parecia que a qualquer momento abriria os olhos e riria da minha cara chorosa e eu zombaria por ele estar careca. Fiquei longos minutos assim, e obviamente, nada aconteceu.

Sorri ao recordar de como ele insistia para andar de mãos dadas e agora eu quem não queria soltá-la.

— Lina, meu amor, precisamos ir...

Ouvi a voz de dona Virgínia do outro lado da porta.

— Já vou — virei-me novamente para a maca.  Beijei sua testa, o cobri com o lençol e caminhei até a porta, quando fui presa pelo pulso. Em um susto, virei bruscamente e vi o braço de Rafael escapando do lençol e segurando meu pulso, olhando para mim com um sorriso bobo estampado no rosto.

E foi isso que a minha cabeça imaginou. Suspirei e ri de mim mesma, enquanto saía do quarto.

Resolvemos almoçar. Sem fome, fiquei na mesa encarando o nada até ver uma menina de cabelos negros correndo pelo corredor do hospital. Ela olhou para mim rapidamente e eu vi que era a menina do meu sonho, a suposta Beatriz. Corri atrás dela e ela atravessou a porta para o corredor onde estava o quarto de Rafael, o que me comprovou que era de fato uma menina espectral. Cumprimentei rapidamente a enfermeira na porta e continuei atrás dela, que parou em frente ao quarto.

— Li... O que aconteceu com o Rafa?

— Quem é você?!

— O que aconteceu com o Rafa? Ele nem foi brincar com a gente naquele dia...

— Como conhece o Rafael?

— Quem é Rafael? Só conheço o Rafa...

Era realmente uma criança. Rosto rosado, pés descalços e com a dicção mole. Refiz a minha pergunta, usando o apelido pelo qual ela o conhecia.

— Que pergunta estranha, Li — riu — A gente sempre foi amigo, ué, você sabe disso...

— Seu nome é Beatriz?

— Não me chame assim! Já te disse pra me chamar de Bia — cruzou os braços e fez bico.

— Então você é, mesmo, a Beatr-

— Shhh — pôs o indicador sobre os lábios — Não fale alto, mamãe pode ouvir. Li, melhor você voltar pra onde a tia 'Dice' tá. Outro dia a gente conversa mais, tá? Hoje nem deu tempo da gente brincar...

Olhou para baixo e expressou um rosto triste. Logo acenou para mim e entrou no quarto.

— Ei, espera!

Quando eu ia atrás dela, senti um frio na espinha. Virei-me e fitei o longo corredor deserto e gelado. Decidi voltar para o refeitório.

No caminho, fiquei pensando no que Beatriz disse...

“— Não fale alto, mamãe pode ouvir.”

"'Mamãe'?", pensei, "Elizabeth?", não, não pode ser... Será?

Enquanto travava uma discussão em minha cabeça, cheguei até onde dona Virgínia e minha tia estavam.

— O que aconteceu pra sair correndo daquele jeito, Lina?!

— Desculpa, tia... Fiquei meio enjoada e senti vontade de vomitar, mas foi um alarme falso, já estou bem — sorri forçadamente.

— Deve estar sendo difícil pra você... Vamos embora.

Agradecemos a carona de Dona Virgínia e entramos dentro de casa, sentando no sofá e suspirando pelo longo dia que tivemos, apesar dele estar só começando.

— Tia, — continuei — a senhora não quer me contar o que aconteceu 10 anos atrás?

Ela apertou os punhos fechados — Lina... Eu prometo que, um dia, eu te contarei. Contarei quando eu achar que a sua cabeça não irá imaginar que você tem culpa de algo, porque não tem.

Isso só me deixou mais curiosa sobre o passado, mas entendi seus motivos. Sei que ela está verdadeiramente preocupada comigo.

Levante e resolvi sentar na varanda, como eu costumava fazer. Observando a rua, como sempre, sem movimento, vi Rafael. Virou para mim, acenou e sorriu. Abracei as pernas e encostei o queixo nos joelhos, ainda fitando a rua.

— Acho que estou cansada.

Quando voltei o olhar para o mesmo lugar, quem estava era Elizabeth. Olhava-me tão fixamente que parecia não me ver. Um olhar doentio, acompanhado de um sorriso que combinava. Apesar da distância, sua voz e sua risada sopraram como se estivessem do meu lado.

— Eu te avisei.


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Notas finais do capítulo

Gente, se você tiverem alguma sugestão sobre tudo o que está acontecendo, me mandem uma mensagem privada, não postem nos comentários. Vai que alguém acerta, aí se os outros leem, vai ser sem graça HUAHUHA Mas podem dar suas sugestões, adoro ver como vocês pensam sobre tudo s2