A Dama da Névoa escrita por Karina Saori


Capítulo 19
Mais uma vez, Elizabeth entre nós


Notas iniciais do capítulo

Demorei de novo, desculpem ;-;



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— Lina?!

Um clarão iluminou o corredor e parcialmente a sala. Dona Virgínia estava no final da escada no andar de cima, descendo lentamente com a mão pousada no peito, preocupada. Olhei ao redor e não havia absolutamente nada. Suspirei de alívio ao ver que tudo não passara da minha imaginação perturbada.

— Oi, dona Virgínia... Desci para tomar um copo d'água e não acendi a luz, então acabei escorregando — dei risada — Desculpe se te preocupei...

— Tome mais cuidado da próxima vez... Que perigo — sorriu confortavelmente, vindo até mim enquanto fechava o casaco. Estendeu-me a mão e me ajudou a levantar.

Subimos juntas e cada uma foi para seu quarto. Sentei na cama, rindo de mim mesma. Quando eu ia deitar, lembrei que não havia tomado banho ainda.

— E agora? Não quero voltar lá...

"Deixa de ser medrosa, Lina", pensei comigo mesma, "Foi coisa da sua imaginação, certeza". Olhei para o relógio, com os números 3:51 brilhando em vermelho. Acendi a luz, voltei a sentar na cama e encarei o corredor pela porta aberta. A lâmpada acesa me deixava confortável, como se nada ruim pudesse entrar em meu quarto. Aguardei o relógio marcar 4:01 para sair do meu quarto. Parei na frente do banheiro; peguei a muda de roupa que eu havia deixado cair no chão e olhei para o interior pouco iluminado. Não havia nada. Acendi a luz e não havia mulher, nem sangue, nem nada pendurado no teto. Entrei no banheiro e tomei banho o mais rápido possível. Pela exaustão mental, adormeci logo que caí na cama.

Acordei com o sol espancando meu rosto. Já passava do meio-dia e o cheiro de comida me despertou completamente. Após trocar de roupa e escovar os dentes, desci até a cozinha e me surpreendi ao ver minha tia sentada em frente à mesa, conversando normalmente com dona Virgínia.

— Tia! A senhora já está bem o suficiente para sair da cama? Como você se sente?

— Estou ótima, minha querida — sorriu — Estou melhor agora. Ficar deitada o dia inteiro não fazia com que eu me sentisse viva.

Abracei-a, aliviada, e sentei-me ao seu lado, enquanto dona Virgínia largava o fogão e sentava-se à nossa frente.

— Virgínia, muito obrigada por ter ficado aqui. E desculpe pelo trabalho...

— Que trabalho, mulher! Não fiz mais do que a obrigação de uma amiga — sorriu.

— Obrigada — retribuiu o sorriso, pegando as duas mãos de dona Virgínia sob a mesa de madeira — Mas já pode ir para casa… Rafael e Osmar devem estar fazendo uma bagunça — riu.

— Tem certeza, Dirce? Não ligo de ficar aqui mais um tempo…

— Já estou nova em folha, não se preocupe.

— Então, qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, me ligue, tá? Se precisar de algo, por favor, diga.

— Tudo bem, obrigada — as duas amigas se abraçaram.

Depois almoçamos com um clima surpreendentemente amigável, me fazendo esquecer até o que havia acontecido na noite anterior.

O telefone tocou e corri para atendê-lo.

— Alô?

— Ehm... Lina? É o Rafael...

Ao ouvir sua voz hesitante, a cena de ontem veio em minha cabeça. Eu o beijei! Como tive coragem que fazer isso pelo impulso?!

— Ah... Oi... Rafael...

— Sabe, eu estava revendo algumas coisas antigas, igual fizemos outro dia, aí na sua casa... Mas é muita coisa, então... você poderia vir até aqui e me ajudar? — fez uma pausa, depois riu timidamente — Meu vô não quer me ajudar...

— Ah, claro... sem problemas... Agora?

Ao me responder com um "pode ser", fui avisar à minha tia e dona Virgínia e ela disse que iria me acompanhar. Guardou as coisas na geladeira, despediu-se de minha tia com um abraço e um desejo de melhoras.

Ao chegarmos lá, o próprio Rafael quem abriu a porta. Coçou a cabeça em um gesto de timidez e me mandou entrar. Tudo o que eu queria, no momento, era esquecer daquela cena, senão mal conseguiria olhar para seu rosto.

Havia coisas espalhadas em seu quarto; caixas com álbuns de fotos, com roupas e outras com brinquedos.

— Vai organizar até essas fotos?

— Só estão aí porque queria ver coisas antigas — sorriu.

Comecei a folhear o álbum empoeirado. Fotos de família, dos seus pais, dos nossos pais e...

— Rafael, quem é essa mulher? Tenho a sensação de que eu a conheço...

Ele pegou o álbum da minha mão e tirou a foto da qual eu me referia. Ficou analisando e não sabia quem era que estava entre nossos pais e meus tios, junto com três crianças, que estavam meio borradas, como se estivessem correndo na hora em que a foto fora tirada. Virou e havia algo escrito de caneta desgastada.

"17 de junho, 1986, B.C!

Obrigada por virem"

— 1986 foi o ano que nossos pais morreram... E o que é B.C? — Rafael mexeu a cabeça negativamente em resposta. Desvirou a foto para dar mais uma olhada naquela mulher alta de cabelos negros da foto — Será que sua vó sabe?

— Vou perguntar pra ela, já venho — ele saiu do quarto e fiquei sozinha, remexendo em suas memórias. Em um estalo, lembrei que foi exatamente nesse dia em que nossos pais haviam falecido. Então aquela foi a última foto que eles tiraram...

Depois de alguns minutos, Rafael entrou no quarto e bateu a porta e apoiou as suas costas nela com uma expressão incrédula.

— Rafael? O que foi?

— Minha vó disse que essa mulher se chama... Elizabeth.

— O quê?! — levantei em um pulo, peguei a fotografia de sua mão e novamente analisei a mulher. Ela estava diferente, mas os cabelos negros e a pele pálida eram as mesmas.

— Você acha que pode ser ela?

— Não sei o que pensar, mas é uma probabilidade alta... Vou perguntar pra minha tia e ela terá que responder algo, não tem como fugir disso. Até agora, sei que ela tem o conhecimento das coisas que estão acontecendo, mas sempre nega. Agora ela tem que me falar. Posso ficar com a foto?

— Claro, sem problemas.

A minha vontade era ir embora imediatamente, mas disse para Rafael que eu o ajudaria a arrumar essas coisas. Não deu tempo nem de falarmos ou ficarmos com vergonha do que aconteceu ontem… Eu me esqueci completamente de que nos beijamos. Não havia mais espaço na minha cabeça senão essa foto… Uma foto onde estão meus pais, meus tios, os pais de Rafael e essa mulher estão juntos...

— Ah! Não te contei do sonho que tive!

Após contar detalhadamente sobre um dos piores pesadelos que já tive, ou melhor, "ilusão", Rafael me escutou atentamente, sentado ao meu lado na cama, não largando do semblante perturbado do começo ao fim.

— "Devolva-me"?

— Nem me pergunte o quê, não faço ideia.

— Talvez seja por isso que ela te perturba... Você deve ter algo que ela queira.

— Mas meu Deus, nem conheço essa mulher! O que eu tenho que ela queira? Não faz sentido...

Arrumamos tudo, em silêncio, pensativos. Depois de terminarmos, me despedi de todos o mais rápido possível.

— Ah, Lina, — eu estava prestes a passar da porta, quando Rafael pegou em meu braço — eu e meu vô iremos daqui a pouco até a cidade vizinha para comprar algumas tralhas de pesca... Quer vir conosco?

— Desculpa, Rafa, estou exausta mentalmente... Preciso descansar em casa. Mas obrigada pelo convite — sorri e coloquei minha mão sobre a dele.

Ele me puxou pelo braço e selou mais uma vez nossos lábios. Meu coração começou a disparar; o abracei com força e retribuí o carinho em seus lábios. Quando nos separamos, ele me olhou fixamente e sorriu.

— Até amanhã, então.

Fui para casa com o rosto queimando de vergonha e lembrei da fotografia no instante em que vi minha tia na cozinha sentada em frente à mesa e tomando o mesmo chá de sempre.

— Bem vinda, Lina! Meu Deus, seu rosto está vermelho... Venha cá, deixa eu ver se é febre...

— Eu estou bem, tia — desviei o rosto, envergonhada — Quero te perguntar uma coisa.

Sentei ao seu lado e ela me olhava, curiosa, enquanto eu mexia no bolso da calça. Quando lhe mostrei a fotografia, seu rosto petrificou em um semblante sério.

— Onde pegou essa foto?

— Na casa do Rafael... Tia, me diga, quem é essa mulher?!

Apontei para a única mulher de vestido cinza que estava entre os pais de Rafael e os meus, como o centro da foto e provavelmente a dona da letra no verso.

Minha tia começou a se contorcer de dor, agarrando a barriga, onde havia o corte ainda não cicatrizado. Eu sei que ela só estava fingindo para, mais uma vez, fugir dessa história, mas eu não podia arriscar a não ajudá-la. Peguei seu braço e o fiz apoiar em meus ombros; levei-a até o sofá e ela deitou, com a mão ainda sobre o curativo.

Suspirei e subi para o meu quarto. Não quero forçá-la, vendo que ela não quer falar ao ponto de fingir alguma dor. Deitei na cama e observei o relógio em cima do criado-mudo, me indicando que passava das duas horas da tarde. Peguei a foto e passei o resto do dia tentando encaixar as peças soltas. Na hora da janta, eu e minha tia não trocamos sequer uma palavra. Voltei para o meu quarto e novamente tentei descobrir algo, mas o único avanço que tive foi de perceber que eu e Rafael éramos duas das três crianças que estavam borradas na foto.

Acabei dormindo e acordei já de noite. Olhei para o relógio e me surpreendi por ter dormido até às três e vinte um da madrugada. Tive um déjà vu³ quando relacionei o horário com o fato de ter dormido sem tomar banho. Tudo se repetia como ontem.

Caminhei vagarosamente até o banheiro com o coração gritando dentro do peito. Parei em frente à porta aberta e novamente vi uma silhueta pendendo sobre um fio no teto. Comecei a dar risada de mim mesma por criar a mesma situação de ontem.

— Qual é o meu problema? — disse, dando risada da minha própria imaginação.

Quando acendi a luz, vi que realmente havia um corpo. E não era Elizabeth... Era o Rafael.

.

Acordei com o barulho do telefone tocando. Percebi que tudo não passava de um pesadelo; sequei as lágrimas que escaparam do sonho e desci até a cozinha. O telefone parou, então provavelmente minha tia já tinha atendido.

Já estava de manhã e o sol fraco mostrava um rastro de poeira dançando no ar. Desci até a cozinha e encontrei minha tia sentada em frente à mesa com as mãos no rosto.

— Tia, quem era?

Quando ela virou para mim, revelou olhos vermelhos e repletos de lágrimas. Sua voz estava trêmula — Lina... — correu até mim e me abraçou.

— Por que está chorando, tia?!

— Lina, minha querida... Dona Virgínia acabou de ligar e... e ela disse que... — começou a chorar mais, dificultando sua dicção — E ela disse que o Rafael...

— Que que tem o Rafael, tia? Fala logo!

— O Rafael... Rafael sofreu um acidente de carro.


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Notas finais do capítulo

Estamos na reta finaaaaal o/


³ Déjà vu: Acho que todo conhece, mas é melhor especificar c: É uma reação psicológica que nós temos às vezes, que nos dá a sensação de que já vivemos aquele momento etc