A Dama da Névoa escrita por Karina Saori


Capítulo 16
Pescoços quebrados; Elizabeth


Notas iniciais do capítulo

Quase um mês sem postar, pota que pariu. Esse capítulo estava no 80% por um tempo, só não consegui finalizar ;A;

Enfim, perdoem a demora D:



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Mortos.

Eles estavam... Mortos. Estirados no chão, ensanguentando a grama do jardim dos fundos.

— T..Tia? Tio? Seu Lorenzo?!

Corri até seus corpos inertes. O mais aterrorizante era o corpo do meu tio que estava de bruços, mas seu rosto estava virado para as costas, com a boca tão aberta que sua mandíbula parecia estar deslocada. Seu Lorenzo estava de uma maneira que nenhum ser humano poderia ficar se não tivesse seu pescoço quebrado. Minha tia estava deitada normalmente, mas com uma grande mancha de sangue na região de sua barriga e uma faca de cozinha fincada nela. Vi seu tórax em um movimento respiratório e corri até ela, ajoelhando-me ao seu lado e chacoalhando-a com cuidado pelos ombros. Ela gemeu e abriu lentamente os olhos com pálpebras que pareciam ser feitas de chumbo.

— L..Lina...?

— Tia! O que aconteceu aqui? Tio Benjamin e seu Lorenzo...

Ela me olhava, mas não me enxergava. Manteve seus olhos pousados fixamente em mim, arregalados e sem vida.

— Tia? — repeti o meu chamado, mas não obtive respostas. Ela continuou me olhando da mesma maneira. Muda e transtornada.

Ajudei-a a se levantar, passando seu braço em meu ombro. Fomos vagarosamente até a sala e a deixei sentada no sofá, formando uma trilha de sangue no chão. Agachei à sua frente e tentei mais uma vez perguntar o que havia acontecido, mas recebi o mesmo silêncio como resposta. Peguei alguns curativos e tratei de sua ferida horrorosa na barriga. O corte foi superficial, mas era longo... Parecia ter sido feito com uma faca de cozinha. Amaciei uma almofada e fiz com que ela se deitasse para descansar um pouco. Ela mal piscava. Mantinha seu olhar fixo e vazio para o nada.

Levantei-me e liguei para a casa de Rafael.

— Alô?

— Rafael. Venha até a minha casa, por favor.

— Lina? O que houve?

— Não me pergunte. Só venha para cá o o mais rápido possível, por favor…

Ouvi o telefone encostando agressivamente no gancho. Poucos minutos depois, Rafael apareceu em minha porta, gritando o meu nome. Abri a porta e ele entrou, eufórico e ofegante, como se estivesse vindo correndo.

— O que foi? O que foi?

Sem respondê-lo, simplesmente o abracei. Libertei as lágrimas que segurei devido ao choque, encharcando seu ombro. Segurei a sua mão e, criando coragem, o guiei até o jardim dos fundos.

Passamos pela sala e ele não viu minha tia deitada no sofá, apenas o sangue que ela deixou. Já apreensivo, quando olhou para aquela cena de horrores, deu um passo para trás e tapou a boca com a mão — Lina, o que houve aqui?

— Não sei.

— Cadê a sua tia?

— Levei-a para a sala e agora está dormindo, provavelmente. E com corte horrível na barriga. O sangue na sala é dela.

Ele ficou quieto, tentando imaginar o que havia acontecido.

— E ela não disse nada?

— Não. Está em choque. Ficou apenas olhando para o nada e parece não me ouvir. Não sei o que eu faço, não sei o que aconteceu.

Rafael hesitou antes de finalmente ir em direção aos corpos. Agachou entre eles e tentou analisar a situação.

— Meu Deus, que coisa horrível... A forma como eles morreram...

— E agora, Rafael?

— Podemos enterrar seu tio no cemitério da cidade. O problema é o seu Lorenzo... Nem de Sandbolt ele é. Você tem algum contato dele?

— Pior que não... Mas lembro da minha tia dizendo que ele não tinha família e morava em uma cidade a quase uma hora daqui. Mas antes de tudo, vamos chamar a polícia da cidade vizinha. Não podemos simplesmente enterrá-los.

Enquanto Rafael cobria os corpos com lençóis, liguei para a polícia local de Ohrun, a cidade mais próxima, a meia hora daqui. O delegado que me atendeu não acreditou imediatamente no que eu havia dito, gargalhando quando terminei de falar. Tive que insistir muito para finalmente aceitar vir até aqui.

Cerca de 40 minutos depois do término da ligação, tocaram a campainha.

— Lina Forstin?

Um homem de aproximadamente 48 anos, pele morena e óculos escuros apareceu de braços cruzados diante da minha porta.

— Sim. Quem gostaria?

— Delegado Christian França.

Abaixou o óculos até a ponta do nariz e me analisou, mascando um chiclete de boca aberta. Sorriu sarcasticamente e entrou sem que eu o convidasse.

— E onde estão — riu — os corpos?

— Para não faltar com os bons modos, deixe eu lhe apresentar meu amigo Rafael — ele levantou do sofá e cumprimentou com um balançar de cabeça ignorado pelo delegado — Venha comigo, te guiarei.

Tomei a sua frente e senti que olhava a casa ao todo, analisando até o teto.

— Onde estão seus pais, criança? — seu tom debochado ainda estava grudado em sua voz.

— Morreram. Há 10 anos. Quem cuida de mim é a minha tia, que está deitada no sofá e em choque, incapaz de pronunciar até mesmo o meu nome.

O delegado que só resmungava parou de falar. Olhei sorrateiramente para trás e o vi de cabeça baixa, coçando a cabeça em um ato de vergonha.

Ao chegarmos no quintal dos fundos, percorreu um frio na espinha só de lembrar do meu tio com aquela expressão demoníaca e sua cabeça virada para o lado contrário.

— Por favor. — dei a liberdade para que o delegado visse os corpos e, enquanto agachava diante deles, fiquei de costas. Já havia visto o bastante. Só passei a olha-los quando ouvi o senhor França murmurar algo.

— Meu pai do céu… O que aconteceu aqui?

— Eu não lhe escondi nada, delegado. Tudo que eu sei, contei ao senhor. Tentei conversar com a minha tia, mas ela sequer olha pra mim ou fala comigo.

O delegado fez algumas ligações e dentre uma hora, minha casa fora invadida por autoridades. Apesar da medicina e da tecnologia estarem um pouco mais avançadas que no ano passado, ainda não era o bastante para encontrarem pistas de quem havia cometido os assassinatos. Só havia a arma do crime, mas sem digitais, fios de cabelo ou qualquer rastro de DNA. Não havia assassino.

No fim do dia, ficou por isso. O delegado me pediu perdão por não conseguir solucionar o caso e eu o agradeci por ter tentado e gastado seu tempo aceitando meu chamado. A essa altura, devido à grande quantidade de carros, toda cidade já estava em frente de casa, curiosos e preocupados -mais o primeiro. Não deixei ninguém entrar; saí e expliquei a situação para a multidão que caiu em lágrimas pela tragédia, que até então não sabia o que havia acontecido. Muitos queriam entrar, ajudar… Mas não queria que ninguém os vissem daquela forma. Dona Virgínia e seu Osmar se sobressaíram no meio do mar de pessoas e eu os deixei entrar, dando a desculpa de que queriam ver o neto que estava em casa.

Já trancados no silêncio da sala, sentei no sofá e me perguntei o que eu deveria fazer. Dona Virgínia e seu Osmar pousaram olhares preocupados e uma mão em meu ombro. Expliquei-lhes toda a situação e ficaram horrorizados como Rafael.

Antes de se mudar para Sandbolt duas décadas atrás, dona Virgínia trabalhava como enfermeira, então pediu para que seu marido e seu neto levassem os corpos cuidadosamente para um quarto para que ela pudesse os preparar para um funeral.

Mesmo contra minha vontade, não poderia deixar dona Virgínia sozinha. Enquanto estava com ela no quartos dos meus tios, Rafael e seu Osmar foram abrir uma tumba no cemitério da cidade.

— Lina... Não sei exatamente como aconteceu, mas lhe direi o que acho que é, tudo bem?

Eu estava de costas para os corpos e apenas me virei para atender seu chamado. Engoli à seco e concordei para que continuasse.

— Bom... — continuou ela — É nítido que o pescoço desse senhor... Lorenzo, certo?, fora quebrado. Mas do seu tio... Também é óbvio que seu pescoço não está mais inteiro, mas é muito diferente desse Lorenzo.

— Como assim?

Pôs a mão no queixo e tentou procurar palavras.

— Pode ser tolice minha... Mas tenho quase certeza de que o pescoço do Benjamin foi quebrado sozinho. Não há evidências de que alguém fez isso, como em Lorenzo. E ninguém poderia quebrar um pescoço dessa forma... A diferença entre a causa da morte dos dois é evidente. Você tem alguma ideia do que pôde ter acontecido, Lina?

Se eu tinha alguma ideia de quem ou o quê fez isso? Talvez. Mas não quero acreditar nisso. Então guardarei essa hipótese apenas para mim.

— Não faço ideia, dona Virgínia...

Ela assentiu tristemente com a cabeça e terminou de preparar os corpos para que recebessem um funeral decente.

O dia acabou assim; dona Virgínia ficou tomando conta da minha tia enquanto eu enterrava meu tio e seu Lorenzo -que Deus o tenha, só veio para essa cidade por minha causa- em um terreno pequeno que chamamos de cemitério. Praticamente todos os habitantes estavam presentes, prestando suas últimas homenagens ao cidadão mais simpático de Sandbolt e um forasteiro que já era querido apenas por esse fato, já que tudo o que fazia era ficar trancado na minha casa acompanhado dos livros com páginas amareladas.

Como sempre fazemos aqui, colocamos os falecidos em um caixão improvisado de papelão, chamamos o padre que fazia rapidamente suas preces e enterramos ambos no cemitério irregular de nossa tão pequena cidade, que nunca passava alguém do governo para atualizar a tecnologia, o saneamento básico. Essa cidade só serve para os velhinhos que estão aqui há muito tempo, porque todas as crianças vão embora quando alcançam a maioridade. Assim como eu farei.

O tempo todo, Rafael permaneceu ao meu lado, sem dizer uma palavra sequer. Sabia e entendia que eu não queria conversar, desabafar. O melhor jeito de desabafar, para mim, é afogando os pensamentos dentro do meu subconsciente.

Recebi diversos abraços e palavras para confortar e preencher o vazio que, ao invés de estar no meu peito, estava em minha cabeça. Por mais que eu não quisesse pensar, era tão óbvio quem, ou melhor, o que fez isso com eles.

Parecendo ler meus pensamentos, Rafael pousou sua mão em meu ombro e o apertou. Sem olhar para mim, soltou uma palavra trêmula e hesitante.

— Elizabeth…?

Coloquei minha mão sobre a dele e concordei silenciosamente, balançando a cabeça.

Todos voltaram para suas casas e eu fiz o mesmo, enquanto Rafael e seu Osmar me acompanhavam.

— Dona Virgínia… Como ela está? — entrei no quarto da minha tia e ela estava sentada na cama, inerte com os olhos bem abertos.

Suspirou — Nada. A mesma cara inexpressiva. Ela está em choque. Lina, você se incomodaria se eu ficar aqui essa noite? Assim poderá ficar tranquila, porque eu cuidarei da sua tia.

— Não precisa se incomodar, dona Virgínia… Já te incomodei demais essa semana.

— Não diga isso, minha querida... Eu mesma quero cuidar da Dirce. E não acho que está em condições para cuidar de si e de sua tia ao mesmo tempo. Por isso, comigo estando aqui, você pode dormir sossegada, descansar. O dia foi longo para você — ela sorriu confortavelmente e tirou o cabelo da minha testa.

— Então não recusarei, dona Virgínia… Muito obrigada, de verdade. A senhora está fazendo muito por mim.

Ela apenas sorriu, aceitando meu agradecimento. Mandou Rafael e seu Osmar irem para casa para eu poder de fato descansar, porque ela sabia que seu neto não me deixaria sozinha sequer um momento. Apesar de gostar de sua companhia, eu precisava de um tempo sozinha, perdida dentro de mim mesma.

Mas se eu soubesse que eu teria um sonho ao anoitecer, teria pedido para que Rafael ficasse.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler!