A Dama da Névoa escrita por Karina Saori


Capítulo 15
Cada vez mais perto


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura *3*



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— Então essa menina que você viu era a tal Beatriz?

Por estar gemendo e chorando enquanto dormia, Rafael, que resolveu se deitar um tempo depois de mim, achou melhor me acordar. Acordei mais confusa do que jamais fiquei, e depois de pensar no sonho que havia tido, lhe contei cada detalhe mórbido.

— Não tenho tanta certeza... Crianças têm mania de usar a terceira pessoa. Então pode ser ela, quanto pode ser que essa menina apenas citou Beatriz. Estou confusa, porque ela usou a primeira e a terceira pessoa na mesma frase. Então é bem provável que-

— Que ela realmente seja a Beatriz... — completou, abaixando a cabeça.

— Sim — suspirei. — Mas o que ela estava fazendo na mesma casa que a minha mãe?

— Não se esqueça que isso é um sonho, então sua mãe e essa menina não precisam ter exatamente alguma conexão para aparecerem juntas no seu sonho.

— Tem razão... Mas há várias coisas que não entendi. Ela citou algo como "Você tá melhorando nesse jogo, na última vez eu acabei dormindo". O que isso significa? Não faz o menor sentido. "Foi bom de ver de novo, estava com saudade".

— Não tem como sabermos, mas a única certeza é que você e Beatriz se conheciam. Não é à toa que o coelho de pelúcia dela estava em sua casa.

Olhei para o chão como se esperasse que as explicações estivessem cravadas no piso. Não importava o quanto pensasse, nada fazia sentido. Se eu conhecesse Beatriz, como posso não me lembrar? Por que a pelúcia estava em casa?

Quebrando os meus pensamentos, ouvi dona Virgínia nos chamando para almoçar. Já passava do meio-dia e o tempo que dormi não resolveu absolutamente nada sobre o meu cansaço.

Arrastei-me sem vontade até a cozinha. Sem apetite, empurrei a comida obrigatoriamente e logo nos preparamos para irmos embora. O cansaço ainda estava presente, apoiando em meus ombros, escorando ainda mais do que antes.

Saímos às 13 horas e, devido a um deslocamento de terra na estrada, a viagem durou cerca de duas horas a mais. A viagem foi preenchida com o silêncio, mas a minha cabeça estava mais barulhenta do que o normal.

Chegamos em Sandbolt quase nove horas da noite. A atmosfera conhecida que eu já estava cansada me arrancou um longo suspiro. Deixaram-me na porta de casa.

— Querida, não quer jantar em casa primeiro? — gritou dona Virgínia de dentro do carro.

— Não precisa se preocupar, já dei trabalho demais pra vocês — dei risada — E também minha tia deve estar me esperando pra o jantar.

Após dizer que não dei trabalho algum, sorriu e agradeceu minha companhia. Agradeci de volta e percebi que Rafael estava com um olhar vazio, fitando o nada da janela do banco de trás.

Ele virou o rosto para mim e quando percebeu que eu o encarava, mudou seu semblante e sorriu dolorosamente. Pisquei com o olho esquerdo, lhe dizendo sem palavras que eu estava bem. Ele mudou seu sorriso e então partiram após trocarmos desejos de boa noite.

Entrei em casa.

— Tia, cheguei!

— Que bom, minha filha! Estávamos esperando você chegar para jantarmos junt-

Ela apareceu da cozinha e ao me ver, parou imediatamente de falar e derrubou os pratos de vidro que segurava.

— Tia?! O que foi?

Corri até ela para ver se não havia se machucado e posteriormente ajudá-la a limpar os vidros espalhados. Parecendo quebrar o transe, balançou levemente a cabeça e sorriu.

— Não foi nada, desculpe se te assustei. Deu um espasmo na minha mão, sei lá... Acho que é a velhice. — deu risada.

Obviamente ela estava mentindo. Olhei para trás e não vi nada de diferente. Dei de ombros, fingindo acreditar e entrei na cozinha após pegar os cacos de vidro, dando de cara com meu tio e seu Lorenzo sentados à mesa. Cumprimentei-os e seu Lorenzo ficou me encarando. Talvez eu tenha feito uma expressão de dúvida e ele leu através dela.

— Lina, você passou protetor? Parece que está queimada.

Essa foi a pior desculpa que ele pôde dar. Estava nublado e um frio congelante e tenho certeza que voltei ainda mais pálida do que já sou.

— Sério? Não me preocupei em passar por conta do tempo fechado... — ri forçadamente, dando as costas para jogar os cacos no lixo.

Quando tudo limpo, sentei à mesa e minha tia começou a nos servir. Havia um silêncio incômodo e sentia olhos preocupados pousados em mim. Comi um pouco e senti novamente o cansaço me chamando. Pedi licença, tomei um banho de gato e deitei na minha cama, única coisa de que senti falta naquela casa.

~

Você consegue me encontrar?

Vamos, me encontre! Como você é péssima nesse jogo!

Você me achou bem rápido dessa vez! Acho que está melhorando nesse jogo. Da última vez eu acabei dormindo!

Sabe, Li... Bia estava com saudade de você. Foi bom te ver de novo. Volte mais vezes para a gente brincar. Beatriz vai estar te esperando, tá bom?

.

Acordei involuntariamente por volta das sete horas da manhã. Aquelas frases ecoavam repetidamente na minha cabeça; com sua voz grudada nas paredes do meu consciente. Espreguicei-me e, apesar de dormir por dez horas seguidas, ainda sentia o cansaço nos ombros. Desci rumo à cozinha para pegar um copo d'água e encontrei seu Lorenzo e minha tia conversando na sala.

— Bom dia, Lina. Por que acordou tão cedo? — seu Lorenzo estava sentado no sofá, tomando uma xícara de café que fumegava.

— Não sei... Dormi cedo demais ontem, deve ser por isso.

Dirigi-me até a cozinha e escutei cochichos às minhas costas.

— Tia, você quer algo do mercado? Estou com vontade de dar umas voltas...

— Ah, claro... Por favor — sorriu e se levantou para pegar um papel e uma caneta, anotando alguns ingredientes.

Após trocar rapidamente de roupa, saí e dei a volta mais longa para chegar ao mercado. Precisava desse tempo para silenciar a mente. Não aguentava mais pensar no sonho que tive na praia e quantas mais incógnitas se abriram.

Ao chegar no mercado, enquanto procurava os itens da lista, senti alguém tocar meu ombro. Era Camila, uma colega de classe. Nós nunca conversamos, então achei estranho chamar minha atenção ao invés de passar reto, como normalmente acontecia.

— Oi, Camila... Que surpresa — sorri.

Ela não respondeu e não olhava em meus olhos, mas sim para trás de mim. Virei e não havia nada, mas ela continuava encarando o invisível. Ficamos paradas, em silêncio. Ela mantinha os olhos fixos em cima dos meus ombros através da armação grossa de lentes fundas. Desconfortável, decidi romper — Algo errado?

Ela virou os olhos vazios para mim, ainda não me enxergando. Em alguns segundos, seu olhar e seu semblante mudaram, finalmente me vendo.

— Ah, Lina, desculpe. Não quero te incomodar, mas é que...

Fiquei esperando a conclusão da frase, mas ela não veio. Ficamos nos encarando novamente e ela desviou o rosto, procurando palavras.

— "É que..."? — comecei a ficar impaciente.

Ela parecia nervosa, sem saber o que fazer. Então pediu para que fôssemos à outro lugar para que pudéssemos conversar com mais calma. Estranhei seu comportamento, mas a curiosidade tomou partido e aceitei sua proposta.

Ao sairmos do mercado, fomos para a padaria que ficava logo em frente e nos sentamos nas poucas mesas que se localizavam na calçada.

— E então? O que houve?

Ela ajeitou os cabelos curtos e loiros, um pouco desconfortável. Dessa vez, sem desviar o olhar, ela me disse algo como se pudesse ver através de mim.

— Por acaso você está tendo dores nas costas ou no ombro?

— Nos ombros... Não dormi bem esses dias. Mas como você sabe?

Camila fechou o punho e o levou até a boca, apoiando-o nos lábios fechados. Olhou para baixo, pensativa e preocupada. — É que...

Novamente esse "é que...". Perdi a paciência.

— Por favor, diga logo o que tem pra me dizer, se é que tem algo. Minha tia está esperando as compras.

— Desculpa, mas não sei como te dizer isso.

— Dizer o que? Só diga. Sem rodeios. Não se preocupe, então apenas fale.

Ela franziu o cenho. Encheu os pulmões de coragem e finalmente começou a falar — Eu sei que não temos muita intimidade, mas eu não podia ignorar isso. Não sei se você acredita nessas coisas e vai me achar uma louca, mas desde pequena eu vejo algumas coisas que não sei explicar. A sua dor nos ombros...

Não entendi onde queria chegar, mas não me atrevi a interrompê-la.

— Não é o cansaço. — continuou — Há algo... há algo apoiado neles.

— Quê? Como assim?

— Não consigo te dizer mais do que isso. Só que há alguma coisa apoiada em você... Uma sombra.

Paralisei e senti um frio percorrer a espinha. Senti calafrios só de pensar em olhar para o lado que Camila fitava fixamente. Uma risada vinda da minha própria consciência pareceu sussurrar na minha orelha.

— Eu... eu preciso ir embora.

Quando já estava levantando, Camila me puxou pelo braço.

— Lina, espere! Pode ser que eu esteja enganada!

— Não, você provavelmente não está — algumas lágrimas involuntárias escorreram pela bochecha. Não sabia o que fazer. Não tinha o que fazer. Ela, sabendo disso, largou meu braço e abaixou a cabeça, como se fosse sua culpa.

— Eu não posso fazer nada para te ajudar, me perdoe...

— Não se desculpe, por favor. Agradeço que tenha me contado. Minha tia agiu de modo estranho quando me viu, mas não me disse nada... Então obrigada por não me esconder isso, embora não tenha certeza se foi bom ficar sabendo.

Esbocei algo que deveria ser um sorriso e voltei para casa, não me despedindo de Camila. Ao chegar, parei em frente à porta e respirei fundo, secando as lágrimas que ainda restavam no canto dos olhos. Abri a porta e enquanto trancava, tirei a lista do bolso, verificando o item que não continha no mercado.

— Tia, não tinha aquele molho de carne que você pediu...

Não obtive respostas. Será que ela saiu?

Na sala, três xícaras vazias estavam na mesa de centro. Na cozinha, ninguém, apenas o bule de chá no fogão. Subi as escadas enquanto chamava minha tia, meu tio e seu Lorenzo; sem êxito. Nos quartos não havia nada. Desci novamente e me dirigi ao quintal dos fundos, o único lugar da casa que ainda não procurei. Ao abrir a porta, vejo meus tios e seu Lorenzo caídos no chão, tornando a grama avermelhada.

Mortos.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler c: