Separate Ways - Requiem escrita por WofWinchester


Capítulo 47
Brincando de bonecas, part I


Notas iniciais do capítulo

Atualização mais rapidinha.



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O edredom que me cobria era quente, mas não tão quente quanto os braços que me envolveram a noite toda, e por isso eu acabei acordando. Espreguicei-me, agarrando o travesseiro enquanto me lembrava das cenas de ontem e não conseguia deixar de sorrir. Mas se por um lado havia sido a noite mais mágica desde que eu me entendia por gente — tocar as asas de um anjo, algo que eu nunca imaginei ser possível, era quase como se você dissesse para uma criança que ela tinha ganhado sua própria fábrica de chocolates —, também tinha sido um alerta de que eu não podia me esquecer dos perigos que nos esperavam pela frente. Havia os Caçadores de Sombras atrás do meu irmão, havia a profecia apocalíptica que envolvia Castiel e a mim, havia Lúcifer, que com certeza estava armando alguma coisa, e havia a questão dos meus poderes aumentarem mais a cada dia enquanto os de Castiel diminuíam. Eu não podia me dar ao luxo de me acomodar agora, pois a vida a qual eu fui submetida nunca me deixaria fazer isso. Ou você estava preparado ou você estaria morto.

Ouvi passos baixos se aproximarem pelo corredor, demorando cerca de cinco segundos até chegarem à frente da porta, girando a maçaneta e abrindo a mesma. Sorri ao perceber que Castiel estava espiando para dentro do cômodo a fim de ver se eu já havia acordado.

— Bom dia.

— Bom dia. Você me trouxe café na cama? — arqueei as sobrancelhas ao notar a bandeja em suas mãos. O anjo se aproximou enquanto eu me ajeitava sob o colchão, colocando o apoiador na altura das minhas coxas. Observei as torradas com chocolate, pães de mel, sanduíches, morangos e suco de laranja, logo ao lado do prato havia uma rosa vermelha. Fitei-o com um sorriso, controlando a vontade de jogar as mãos para cima e rezar um rosário em agradecimento por existir alguém nesse mundo que tinha algum senso sobre agradar uma garota. Na verdade, eu nunca imaginei receber algo assim, eu queria mesmo era jogar tudo de lado e cobri-lo de beijos.

— Eu vi em um filme, achei que você ia gostar. — confessou com a expressão um pouco tímida.

— Eu geralmente não como muito de manhã... — comecei gesticulando para o tanto de comida que havia ali, uma porção que alimentaria três ou mais de mim — Mas vou comer dessa vez. E os rapazes? — questionei pegando um morango da bandeja e colocando na boca.

— Estão todos andando na ponta dos pés e irritados com o barulho da goteira que tem na pia da cozinha. — disse Castiel com o tom de voz ligeiramente divertido, os dedos passeando despreocupadamente pelas minhas pernas que estavam cobertas pelo edredom.

— Parece ser uma ressaca das bravas. — comentei apontando para um pãozinho com cobertura de creme, lembrando que Lucius sempre trazia para o café da tarde quando voltava mais cedo, uma sensação de nostalgia me preenchendo quando dei uma mordida no mesmo. — Eu havia esquecido como eu amo pão de mel.

— Qual o gosto? — perguntou com curiosidade.

— É doce, macio e te deixa feliz. — respondi depois de pensar por uns instantes. E então ele fez algo que me deixou surpresa, pegou um dos pães que estava no prato e deu uma mordida, fazendo uma careta ao saborear a guloseima, pois nós dois sabíamos que anjos não conseguem discernir o gosto de qualquer alimento. — Desde quando anjos comem?

— Eu não sou um anjo. — o mesmo deu de ombros seriamente, puxando os lábios para dar um sorriso torto — Sou seu pão de mel.

— Será que é por isso que eu tenho vontade de te morder? — brinquei, me inclinando com dificuldade por cima da bandeja para me aproximar dele, puxando-o pelo sobretudo gentilmente até depositar um beijo em seu queixo. Castiel colocou uma das mãos no meu rosto, a expressão distante, como se estivesse descobrindo uma nova teoria científica.

— Isso tem gosto de átomos, energia e... Eca. — grunhiu por fim, me fazendo dar uma risada sonora, me divertindo momentaneamente pela incapacidade angelical de sentir sabores. Assim como ele não podia sentir nada fisicamente, algo que me intrigava, já que quando nos beijávamos tinha vezes que ele parecia tão “animado”. Era o tipo de paixão pele a pele que não é possível fingir. O anjo fechou os olhos de repente, comprimindo os lábios e me tirando de meus devaneios.

— O que houve? — perguntei preocupada, quase virando a bandeja no meu colo para chegar mais perto dele.

— Meus poderes diminuem pela metade a cada dia com descargas de elétricas. E conforme isso acontece, eu acabo me tornando mais humano. — revelou com o tom rouco, as pálpebras se abrindo lentamente conforme o mesmo se recuperava do choque. Pisquei algumas vezes, processando a informação. Não era algo novo, eu já sabia das condições que ele estava enfrentando, porém nunca havia visto e não tinha ideia que era doloroso dessa forma. Senti um aperto no peito e deslizei uma das mãos para acariciar seu rosto.

— Quer dizer que você vai precisar comer, beber e dormir em breve. — murmurei calmamente.

— Se eu não for um anjo, eu não vou poder proteger você. — Castiel deu um suspiro baixo, me encarando com frustração.

— Que tal não pensar nisso só por enquanto?

— E quando vamos pensar sobre isso? — insistiu e então foi a minha vez de suspirar, retirando a bandeja para o lado e descobrindo o edredom que estava sobre mim conforme ele falava — Eu não quis falar nada ontem, mas eu acho que você deve ter percebido...

— Que os meus poderes aumentaram a ponto de eu atirar carros pela rua? Eu percebi. — interrompi levantando um dedo e me colocando de pé, a imagem refletida no espelho do meu cabelo bagunçado me fazendo grunhir — E antes que você pergunte, Lúcifer andou fazendo uma visita. — contei depois de uma pausa.

— E só diz isso agora? — questionou rapidamente.

— Eu contei para o Sam logo após acontecer e acho que Dean já deve estar sabendo também. — acrescentei, cruzando os braços e parando a sua frente — Agora que tal falarmos sobre os Caçadores das Sombras querendo invocar um dragão furioso para me pegar e os anjos que você colocou em volta da oficina? — incentivei com um sorriso debochado e o anjo abriu a boca, bufando em contragosto por ter sido descoberto.

— Eu não queria que você soubesse. — apontou de maneira calma e casual — É mais seguro que permaneça aqui por algum tempo, o clã está impotente se não tiver Jimmy com eles.

— Devia ter me contato! — exclamei jogando as mãos para cima e andando para o outro lado do quarto.

— E você ia concordar? — disparou Castiel, vindo atrás de mim.

— É claro que não! — gesticulei e ele franziu os lábios, revirando os olhos como se falasse com a irmã mais nova que não queria devolver um brinquedo — Como eu posso deixar que o meu irmão fique vagando por aí, de país em país, enquanto eu estou trancada aqui e ainda por cima trancando todos vocês junto comigo quando há tantos casos lá fora precisando da nossa ajuda? — falei tão rápido que quase nem eu consegui entender direito as palavras que saiam pela minha boca.

— Esther, ouça. — cortou o anjo, acabando com o curto espaço que havia entre nós e colocando as mãos nos meus ombros, a expressão tranquila — Desça, tome um banho, coma alguma coisa e depois nós conversamos sobre isso novamente.

— Eu não quero comer nada! — grunhi dando as costas para ele. E mesmo sem ver podia jurar que Castiel estava revirando os olhos de novo — E você por acaso está me dando ordens agora? Virou meu pai? — chiei com o sarcasmo e ironia que havia aperfeiçoado com Bobby.

— Que tal deixar de ser teimosa? — pediu tocando meu braço e eu me virei irritada.

— Eu não estou tentando ser teimosa, é que... — comecei prestes a gritar e bater o pé, mas o anjo pegou os meus pulsos e conduziu até seus ombros para que eu o abraçasse enquanto ele me fitava fixamente de uma maneira calma que me inspirava tanta segurança quanto um exército — Eu estou com medo. — admiti com sussurro.

— Nada vai machucar você. — prometeu aproximando o rosto do meu até que sua barba roçasse contra a minha bochecha, depositando um beijo na minha testa em seguida. Fechei os olhos e ficamos assim por vários minutos, a sensação de paz que eu encontrava quando Castiel estava comigo era capaz de afastar meus temores por um tempo, mas eu sabia que logo eles estariam de volta, batendo à porta como velhos conhecidos.

Desci as escadas e percebi um par de olhos se voltar para mim.

— Pode pisar com menos força, por favor? — grunhiu Sam com a voz de um moribundo em seus últimos instantes de vida, atirado sobre a mesa, os braços estendidos para frente.

— Alguém exagerou na “Tequila mama”. — comentei, falando o nome da bebida e fazendo uma dancinha ridícula com os ombros.

— Cadê a Tequila mama? — sobressaltou-se Balthazar, camuflado no sofá com cerca de três cobertores embolados por cima, a cara igual ou pior que a do Winchester caçula. Logo ao seu lado, Dean estava esfregando as têmporas, as pálpebras fortemente comprimidas.

— Até você, Balthazar? — questionei surpresa. Então a porta do banheiro se abriu, enviando uma nuvem de vapor pela casa, e Maison saiu de toalha com os cabelos molhados.

— Dean, onde você colocou a minha calcinha? — perguntou e eu abri a boca, minha incredulidade ultrapassando os limites das expressões faciais.

— É muita bizarrice para uma manhã... — comentou o Winchester caçula com um gemido de dor.

— Calado, Sam. — apontou o irmão, dando de ombros para a garota que revirou os olhos.

— Dean! — ralhou Castiel, tão perplexo quanto eu.

— Que foi Castiel? Não grita, pelo amor de Deus! — exclamou o loiro, tampando os ouvidos.

— Você... — começou dando alguns passos até o centro da sala, e nesse meio tempo Maison já havia ido até a cozinha e voltado com uma maçã — Você fez sexo com ela?

— Você transou com a nossa irmã, vai ter que se explicar. — gesticulou Balthazar, em total deboche. E isso estava confirmando a minha teoria de que Castiel era o tipo de irmão ciumento.

— Como se tivesse sido a primeira vez. Esqueceu da Anna? — elucidou Dean e o mesmo ficou estupefato, ao que parece ele não sabia da Anna.

— Não sei qual o motivo desse surto de bom puritano. Como se vocês dois também não brincassem de médico... — começou a loira, dando uma mordida na fruta que era tão vermelha quanto a minha cara havia ficado nesse instante. Automaticamente encarei o anjo, que também me lançava uma expressão de terror e constrangimento — Oh, vocês não... — murmurou surpresa e eu logo tratei de colocar um ponto final nesse assunto, minha vida sexual (ou a falta dela) não estava nos tópicos de discussão para o dia.

— Mais de mil anos e ainda com síndrome de virgem? Que vergonha. — comentou Balthazar novamente, uma risada sarcástica sendo seguida por um gemido de dor. Todos se entreolharam rapidamente, segurando o riso pelo comentário.

— Eu vou colocar uma roupa — avisou a garota, apontando para a escada enquanto se dirigia até a mesma.

— Cadê o meu irmão? — indaguei rispidamente, marchando para a cozinha como quem foge do diabo.

— Ele saiu cedo, deixou um bilhete para você. — falou Sam e os outros dois bêbados de ressaca deram grunhidos irritados pelo mesmo ter usado a voz alta. Logo meus olhos captaram o papel rosa neon na geladeira e eu o puxei com força, derrubando os ímãs no chão. Passei os olhos pelas letras que diziam que Jimmy teve de ir embora pelos motivos que eu já sabia e que ele sentia muito por isso, prometia entrar em contato. Suspirei amassando o bilhete e jogando no lixo. Arrastei as mãos pelos cabelos e respirei fundo, sentindo que iria enlouquecer se ficasse trancada nessa casa por mais um dia sequer. Uma coisa era achar — ingenuamente — que tudo estava bem, e outra diferente era saber que o mundo desmoronava lá fora enquanto nós comíamos tortas e assistíamos filmes.

Meu senso politicamente correto iria me infernizar mais que Lúcifer se eu permitisse isso.

Peguei o jornal que estava fechado em cima da pia e folheei algumas páginas, passando os esportes e matérias sensacionalistas direto para a sessão policial. Deslizei os dedos, olhando rapidamente e logo uma coluna me chamou a atenção.

— “Duas garotas desaparecem em Oklahoma sem deixar rastro” — li as palavras destacadas, fixando os olhos na foto da menina morena com um casaco azul marinho. E como se um radar sinalizador apitasse dentro do meu cérebro, eu sabia que era algo que nós deveríamos checar. Peguei o jornal e caminhei até a sala, colocando-o sobre a mesa onde Sam estava agonizando devido à bebedeira — É o seguinte, nós temos um caso.

— Dá para falar mais baixo? Tem um anjo tentando se recuperar aqui! — latiu Balthazar, tirando a cabeça do meio dos cobertores só para dar sua opinião e então voltar a se camuflar.

— Parece coisa simples — continuei, Castiel contornou o cômodo para ler por cima do meu ombro ao mesmo tempo em que eu falava— Duas garotas desapareceram sem deixar vestígios.

— Esther, não deve ser nada... — começou Dean e eu o interrompi.

— Corta o discurso, não me interessa a meia dúzia de anjos lá fora, nós vamos. — apontei um dedo e ele fez uma carranca, olhando para Castiel que franziu os lábios como se dissesse “eu tentei”.

— Jimmy... Fofoqueiro. — chiou para si mesmo.

— Caras! Vocês não podem tomar decisões assim sem falar comigo! — exclamei e eles gemeram levando as mãos até a cabeça, Balthazar liberando uma mão para arremessar um travesseiro na minha direção — É o meu irmão que está sendo caçado.

— Nós só achamos que era o certo a fazer. — murmurou Sam.

— Mas não era. — sibilei, subindo as escadas a fim de pegar roupas limpas e toalha para tomar banho — Saímos em uma hora. — anunciei dos primeiros degraus.

Seis horas mais tarde — depois de deixar um bilhete para Bobby, que também estava de ressaca e desmaiado na cama, avisando que iríamos sair para resolver um caso — nós estávamos entrando no quarto de hotel em Oklahoma. Maison havia decidido que viria conosco antes de viajar novamente e algo me dizia que isso tinha algo a ver com o que havia acontecido entre Dean e ela na noite anterior. Então tínhamos cinco pessoas para duas garotas desaparecidas, logo acabamos nos dividindo em três: Dean e Castiel foram até a casa de Melanie Jann — vista pela última vez um mês atrás — para investigar a família. A loira foi para a delegacia de polícia reunir todos os arquivos relacionados ao desaparecimento das duas — com o temperamento incisivo dela, eu duvido muito que a segurança local não dê tudo que ela pedir — e Sam e eu fomos visitar o orfanato Bellair, onde morava Rebbeca Truth.

Desliguei o Impala, estacionando do outro lado da rua e observei o prédio de fachada antiga e em cores escuras. O pequeno jardim do lado de fora dava um pouco de cor, mas mesmo assim o ar do local continuava sombrio. Descemos do veículo e seguimos até a porta, subindo os três degraus da escada de pedra e já podendo ouvir as vozes das crianças conversando e correndo pela casa.

— A minha cabeça vai estourar... — grunhiu Sam enquanto eu tocava a campainha, o mesmo encostou os dedos na testa e eu revirei os olhos. A porta se abriu, porém não havia ninguém no meu campo direto de visão, o que me fez abaixar a cabeça para ver uma figurinha com expressão curiosa.

— Vocês são os homens de preto? — questionou o garotinho de aproximadamente cinco anos, o sorriso infantil faltando dois dentes.

— Quem te colocou na posição de porteiro da casa, mocinho? — brincou uma mulher ruiva, passando de um cômodo até chegar por trás do mesmo e afagar os dedos em seu cabelo loiro. — No que posso ajudar?

— Agente Carmichael e Ellis, FBI. — esclareceu Sam e eu imediatamente retirei meu distintivo falso do bolso e mostrei para a mulher, espelhando o gesto do Winchester. — Estamos investigando o caso das garotas desaparecidas, senhora.

— É senhorita, meu nome é Rosely. — corrigiu imediatamente com um sorriso educado — E nós já respondemos ao FBI. — ela arqueou uma sobrancelha em desconfiança.

— Apenas verificação. — garanti assentindo duas vezes. A mesma ponderou por alguns segundos e logo puxou a maçaneta, abrindo a porta e gesticulando para que atravessássemos.

— Entrem, por favor.

Passamos pelo cômodo de onde ela viera anteriormente, parecia ser uma sala de recreação, pois estava abarrotada de brinquedos, papeis, giz de cera e lápis de cor. As crianças se entretinham com brincadeiras e conversas, correndo de um lado para o outro. Acompanhamos Rosely por um corredor estreito, entrando por uma porta riscada de canetinha, revelando uma pequena sala com uma mesa, computador e gaveteiro.

— Essa era Rebbeca, faria treze anos amanhã. — a ruiva retirou uma foto de um arquivo amarelo e entregou em minhas mãos. Na imagem a menina estava sentada nas escadas frontais do orfanato, os cabelos compridos na cor de chocolate combinavam com os olhos azuis e sorriso juvenil, o casaco azul marinho cobria suas mãos e descia até parte das coxas, escondendo quase todo o vestido cinza que ela usava por baixo.

— Como ela desapareceu? — indagou Sam.

— Não sabemos, ela simplesmente desapareceu. — suspirou Rosely, como se já tivesse respondido aquilo pela décima vez consecutiva. E de fato deveria ser. — A polícia cogitou a possibilidade de ela ter fugido, mas Rebbeca gostava daqui. — emendou com tristeza.

— Lembra de algo incomum no dia? — perguntei casualmente.

— Nada, foi normal como sempre.

— Luzes piscando? Cheiro de enxofre? — insistiu o moreno, fazendo a mulher franzir a testa.

— Como é? — rebateu.

— Perguntas de rotina. — tranquilizou o mesmo com empatia.

— Importa-se se nós dermos uma olhada no local e falarmos com as crianças? — questionei gesticulando.

— Fiquem à vontade. — assentiu com um suspiro. Logo que saímos da sala, apontei para a escada, avisando Sam que iria subir e o Winchester sinalizou em afirmação.

O segundo andar mantinha o mesmo padrão do primeiro, paredes amarelo-claro — algumas partes riscadas com desenhos abstratos ou não — portas e janelas brancas, duas delas com placas coloridas separando os quartos dos meninos e meninas. Entrei no que tinha uma boneca vestida de bailarina, me deparando com um cômodo pouco espaçoso, oito camas divididas dos dois lados. Letras desenhadas com glitter na cabeceira diziam os nomes de quem pertenciam. Andei pelo corredor, observando as paredes decoradas com desenhos, lembretes e recortes de revistas, parando de frente para o leito de Rebbeca. O edredom de princesas da Disney incitava que aquela cama não era usada há dias, mais especificamente sete. Retirei o aparelho de medir frequência do bolso interno e puxei a antena de metal para cima, desfilando vagarosamente pelo cômodo e constatando que o mesmo não emitia nenhum sinal. Também não tinha qualquer indício de enxofre e mesmo minhas percepções sobrenaturais não captavam nada de anormal.

Parei de frente para a janela, encarando a cortina floreada em total confusão. Então senti um arrepio, olhando por cima do ombro e encontrando um par de olhos verdes, a expressão debochada e os braços cruzados com a jaqueta de couro.

— Quer uma dica? — perguntou Lúcifer, apontando com a cabeça para o guarda-roupas. Expirei pela boca em contragosto, eu odiava receber a ajuda dele. Mais ainda por constatar que o anjo sempre estava certo. Marchei até o móvel e segurei as aberturas, puxando as portas e revelando várias prateleiras com roupas bagunçadas. Havia desde as menores até as peças maiores, onde eu reconheci o casaco que Rebbeca estava usando na foto, dependurado no cabide, as mangas sujas de riscos denotavam que ainda não havia sido lavado. Passei os dedos pelo tecido azul marinho e a curiosidade logo me levou até os bolsos pequenos, encontrando um pequeno pedaço de papel bem amassado.

Encarei Lúcifer que esperava ansiosamente com a típica expressão arrogante, em seguida abri o bilhete.

— “Me encontre no parque às 15h. TF”. — li em voz alta, não sabendo exatamente o quê pensar sobre isso — Por que você me ajuda? — questionei por fim, me voltando para o anjo.

— Por que eu gosto de você.

— Cretino mentiroso. — estreitei os olhos, bufando e o mesmo logo deu uma risada irônica.

— Talvez. — murmurou enquanto eu marchava para fora do quarto, olhando pelo ombro novamente e percebendo que ele havia sumido. O que diabos Lúcifer queria, afinal? Suas atitudes me confundiam cada vez mais, suas aparições repentinas e mais ainda seus sumiços constantes. Era aquele típico sentimento inconsciente de perigo iminente.

Desci as escadas e andei até Sam, que estava no meio de um aglomerado de crianças pequenas, puxando-o calmamente pelo braço.

— Achei isso. — estendi o papel para o moreno, que não demorou mais que cinco segundos para ler as palavras e fazer a mesma expressão confusa que eu fizera anteriormente.

— Quem é TF? — questionou e eu torci os lábios.

— É isso que nós temos que descobrir. — apontei um dedo para cima.

— As crianças têm contato com alguém de fora do orfanato? Vizinhos? — perguntou para Rosely, que terminava de amarrar os sapatos de uma garotinha para que ela voltasse a correr pela casa.

— Bem, nós temos um colaborador, Erik Grimsem. Ele traz presentes para as crianças, ajuda nas despesas, é um homem de bom coração. — assentiu a mesma.

Rosy, quando Telfi vem nos visitar? — indagou a pequena.

— Em breve, querida. Ele teve que viajar. — contou a ruiva. Sam e eu trocamos um olhar conspiratório.

— Telfi? — perguntamos em uníssono.

— Erik gosta de brincar com as crianças, ele também faz sessões de leitura. Um dos contos preferidos das crianças é sobre um elfo que vivia na cidade como um ajudante mágico que escolhia as mais belas donzelas para que se tornassem fadas de um reino encantado. O nome do personagem é esse e Erik teve a brilhante ideia de usar um chapéu com orelhas pontudas para ler, as crianças adoraram. — revelou com um sorriso cansado. Abri a boca, quase podendo ouvir o som da ficha caindo dentro da minha mente. E eu sabia que o mesmo acontecia com o caçador ao meu lado.

— Muito obrigada pela ajuda, Rosely. — agradeceu o Winchester, despedindo-se rapidamente da mulher e me puxando para fora de maneira sutil.

— Você acha que esse Erik raptou a Melissa? — questionei assim que atravessamos a rua.

— Eu não faço ideia, mas é a única pista que temos até agora. Precisamos achá-lo. — sentenciou o moreno, contornando o Impala para ir direto ao lado do passageiro. Sam rapidamente enviou uma mensagem de texto para Dean e outra para Maison enquanto eu dirigia de volta para o hotel. Ao entrar no quarto, a loira estava verificando uma pilha de arquivos, já Dean e Castiel ajeitavam as armas da bolsa, espalhando-as sobre a mesa.

— Nós só encontramos uma grande pilha de nada. — anunciou o Winchester mais velho assim que notou nossa presença.

— Também não achei nada de sobrenatural ligado aos dois casos. — disse Maison em contragosto.

— Algum de vocês se deparou com o nome Telfi ou as iniciais “TF”? — perguntei apressada e a garota me encarou com confusão.

— Era o nome do amigo imaginário da Melanie. — revelou Dean, dando de ombros enquanto nós o encarávamos com certa perplexidade por ele ter se lembrado de uma informação que em outras ocasiões seria tão irrelevante.

— Parece que nós temos um sequestrador de crianças, o nome dele é Erik Grimson. — revelou Sam, caminhando até a sua bolsa e puxando notebook. O mesmo alcançou uma cadeira e colocou o aparelho sobre ela, digitando rapidamente.

— E faz sentido. O pai de Melanie é fornecedor para a empresa que esse cara trabalha. Parece que o FBI coletou dados até dos cães da vizinhança, está tudo aqui. — relatou a loira, batendo com os dedos em uma folha imprimida.

— Certo, mas não sabemos o que ele é. Demônio ou criatura? E porquê está pegando garotinhas? — questionei.

— Rituais? — arriscou Castiel.

— Lilith lanchava recém nascidos, depois que eu soube disso nunca mais quis saber os propósitos quando demônios sequestram crianças. — comentou Dean com uma careta enojada.

— Não vai ser fácil. O cara tem filiais da empresa na Itália, Argentina, Grécia, Espanha, África e China. Pelo que sabemos, ele pode estar em qualquer um desses lugares, ou até mesmo em outro. — contou Sam enquanto lia algo rapidamente no notebook e logo virava o computador para nós com a expressão tensa.

— Eu posso encontrá-lo, só um minuto. — garantiu o anjo, desaparecendo em seguida. Todos nos encaramos por cerca de dois minutos e então o farfalhar de asas se fez presente, porém o mesmo se materializou de costas para a parede, deslizando para o chão com filetes de sangue escorrendo pelo nariz. — Erik está na Argentina.

— Onde você procurou? — quis saber Dean.

— Você está bem? — indaguei pegando uma toalha que Maison prontamente me estendera para limpar as manchas vermelhas antes que escorressem para a roupa.

— Por todo lugar. — contou com o semblante cansado, fechando os olhos por um instante e eu logo soube que ele estava tendo outra descarga de energia — E na verdade não.

— São seus poderes, Castiel. Quanto mais você usa sua graça, mais perto de cair você fica. — elucidou a loira, agachando-se ao meu lado, as feições preocupadas.

— Eu ainda posso fazer isso. — insistiu o mesmo.

— Você está usando seus poderes demais, só que não pode se esquecer que foi cortado da matriz, ou seja, quando acabarem você vai estar mortal e vulnerável. — rebateu apontando um dedo para ele.

— Nada de voar, anjinho. Nós vamos de avião. — sentenciei antes que pudesse dizer mais alguma coisa. Castiel me fitou, obviamente insatisfeito.

— Isso, nós vamos de... — Dean começou a concordar, porém sua voz se afinou como se ele tivesse engasgado com a própria língua — Espera! Avião? — perguntou perplexo e nós o encaramos, Sam dando uma risada divertida.


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Notas finais do capítulo

O que será que estamos caçando?
Dean vai pegar um avião... É o apocalipse, gente -q.
Obrigada a todos os comentários! Até o próximo, um beijão!



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