Peeta:

Amanhã será a colheita. As chances com toda a certeza não estão ao nosso favor. A Katniss que agora está nos meus braços dormindo, vai voltar para aquela arena sanguinária. E não tem nada que nem eu e nem ninguém possa fazer. As vezes – quase sempre – eu queria morar nesse universo alternativo onde não existe distritos, nem Panem, nem jogos vorazes. Só pessoas. Sem serem separadas por barreiras como aqui. Nesse mundo talvez eu, ela e a nossa família possa ser feliz. Aqui não. Não com o Snow pra atrapalhar nossa felicidade.

Há alguns dias, eu achei um teste de gravidez positivo na lixeira do banheiro. O banheiro do nosso quarto. Meu e da Katniss. Não era meu e bom, eu acho que não precisou de muito raciocínio para descobrir de quem era. Ela não me falou nada. E eu não falei que eu sabia pra ela. Eu acho que ela tem esse direito, já que ela enfiou na cabeça dela que ela vai morrer de qualquer jeito. Eu digo pra ela que ela pode ganhar. Mas ela não escuta. Enfim, ela está grávida. Não parece, claro, já que eu achei o teste anteontem. E os jogos são daqui a semanas então acho que não vai parecer nunca. Eu sempre me imaginei tendo filhos com ela, uma família, tranquila, feliz. Eu acho que sempre soube que era uma ilusão, mas nunca soube tanto quanto agora.

Nós tivemos brigado um pouco esses dias. Nada grave, só que é um pouco grave sim. Ela está se recusando a comer e essas coisas por desculpas como “Isso é um desperdício de comida, eu vou morrer do mesmo jeito”.

E é claro que eu brigo com ela, já que, ela é tudo o que eu tenho e ela não é um desperdício e eu não preciso ser lembrado que ela vai morrer de qualquer jeito.

O bebê. Bom, eu acho que ela tem o direito de esconder isso de mim, já que ela pode estar só me poupando de mais dor, já que perder um filho/filha e um amor é pior do que só perder um amor. Não que não seja igualmente horrível.

Eu não quero dormir. Melhor colocando, eu não consigo dormir. Não com todos esses pensamentos na minha cabeça. Simplesmente não dá!

Eu acho que faz mais de uma hora que ela está dormindo. Aqui, no meu peito. Ela provavelmente estaria escutando meu coração batendo – que está batendo agitadamente – se ela não estivesse dormindo.

Amanhã é a colheita. É só eu dormir e em um piscar de olhos, meus pesadelos se concretizarão para sempre. Arena de novo. Eu quero falar com ela sobre a gravidez, mas não consigo. E isso pode acabar só deixando ela mais triste e eu não quero isso. Ela já está sofrendo o suficiente. Nós tivemos sexo seguro todas as vezes, porém eu acho que mesmo assim não deve ser cem por cento de certeza. Enfim, é ridículo se preocupar com isso, afinal, nós vamos todos morrer mesmo. Melhor eu parar de ouvir ela. Está me contagiando. Eu nem ligo o que acontece comigo amanhã. Eu não vou deixar ela ir para aquela arena sozinha ainda mais grávida.

Tento ao máximo dormir e enfim consigo.

*

Acordo de manhã e vejo que a Katniss ainda está dormindo. Qualquer tentativa de tentar levantar ela sem acorda-la seria falha. Então eu só toco seu rosto e beijo sua testa.

– Bom dia – Digo na tentativa de alegra-la. Ela abre os olhos e vejo um sorrisinho leve lindo sair da sua boca.

– É hoje? – Ela pergunta com um olhar triste apesar do sorriso.

– É – Respondo entendendo que ela se refere a colheita.

– Droga.

– Eu sei. Vai ficar tudo bem. Eu acho que a gente dormiu demais, é melhor a gente se apressar se quer chegar lá.

– Eu não quero chegar lá.

– Eu também não. Mas não temos opção. Vamos – Digo levantando ela da cama pelos braços.

Nós nos trocamos. A Katniss, claro, contra a vontade dela, e descemos. A mãe dela e a Prim estavam prontas. É engraçado como nos vestimos formalmente pra colheita. Como se fosse algo para celebrar quando obviamente não é. Prim e a Sra. Everdeen vão indo, já que eu e Katniss estaremos digamos, em um lugar mais chamativo que elas. O palco.

Encontramos Haymitch atrás do palco, um pouco antes da nossa hora de subir. Ele parece melhor. Ele está mais magro, está com a barba feita, de terno. Eu acho que a Effie fez bem a ele. Eu vejo Haymitch toda hora. Mas faz muito tempo que não vejo Effie.

Quando subimos no palco, fico completamente surpreso. Tem uma mulher loira normal no palco com um visual natural e com um vestido simples. Não pode ser. É a Effie. Eu nem quero saber os detalhes da relação dele com ela mas com tanto que os dois estejam felizes e assim eu acho ótimo.

Eu, Katniss e Haymitch ficamos de um lado. Effie fica do outro com um microfone do lado das bolas de vidro com os nomes. Uma tem dois papéis o que seria o Haymitch e eu, e a outra tem só um, que seria... bem, a Katniss.

Todo o distrito 12 está na minha frente. A ultima vez que eu estive aqui nesse lugar foi um ano atrás. Antes de tudo isso acontecer.

– Bem vindos, a septuagésima quinta edição dos Jogos Vorazes – Effie começa e eu estranho o tom completamente diferente na sua voz. Sem sotaque da capital, só uma pessoa normal. Tenho que admitir, ela fica bem melhor assim. E pela cara da Katniss ela também acha. Apesar de ela provavelmente só estar pensando na arena – E que a sorte esteja sempre ao seu favor.

Tarde demais Effie, Tarde demais...

Ela mostra um vídeo de alguns minutos sobre a formação da capital, o distrito 13 sendo destruído, a criação dos jogos... entediante.

– E agora, vamos sortear os tributos desse ano. Meninas primeiro – Eu podia sentir o choro comprimido em sua voz. Ela não estava gostando de fazer aquilo. Ela estava mal. Nunca pensei que uma pessoa podia mudar tanto.