Identidade Homicida escrita por ninoka


Capítulo 71
Portões do Inferno


Notas iniciais do capítulo

nos ultimos 15 minutos do segundo tempo olha quem aparece !!! Já aproveitando aqui pra desejar feliz ano novo a vocês!
se cuidem e se protejam ! !



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[Armin]

Acordei todo torto no meio da noite, dolorido dos pés à cabeça. Mas vamos ser sinceros: que outro resultado se esperaria daquela nossa “brilhante” odisseia de dormir sentados no chão do trocador do vestiário? 

Esfreguei o rosto enquanto bocejava. Meus olhos foram se acostumando com o ambiente meio escuro e minha visão periférica rapidamente captou o que era o peso apoiado no meu ombro… Elsie. 

Suspirei profundamente enquanto a observava de soslaio, dormindo toda encolhida, espremida, com a cabeça no meu ombro. É. Suspirei… Suspirei porque estava cansado e moído, mas também porque me sentia aliviado e -- até -- renovado quando olhava pra Elsie. Suspirei porque era engraçado como depois do insight que tive outro dia, tudo agora parecia fazer sentido. 

Mas logo depois engasguei. Acho que inalei o ar errado no meio daqueles suspiros quando tentei lembrar sobre o que tinha acontecido de tarde. Dei uns socos no peito enquanto arregalava os olhos e tentava re-estabilizar o ar. 

Depois olhei de novo pro lado, pra Elsie, que ainda dormia que nem criança (mesmo depois daquela minha convulsão de tosse)... tinha que me controlar pra não ficar empolgado quando lembrava das cenas de mais cedo. O quê?! Não me julgue… Não é como se dependesse da minha vontade controlar isso.      

Acabei tendo que dar outro suspiro, beeem profundo. Reestabilizando os pulmões e controlando as emoções. Bora lá, Armin Moreau, você não nasceu ontem. Não é mais criança pra ficar com esse espírito de quinta série…  

De repente, Elsie se remexeu enquanto dormia; se encolhendo e franzindo a sobrancelha como sentisse dor. Decidi dar um cutucão de leve no seu ombro:

— Elsie. Psiu.

Ela abriu os olhos no susto, erguendo as costas, mirando o nada com uma expressão de pavor; os olhos úmidos. 

— Tá tudo bem? — segurei seu ombro. 

Ela me encarou, mas demorou em falar; era como se tivesse acabado de levar um choque elétrico.

— Ei, o que foi? — fiquei agoniado com aquela sensação de preocupação e a falta de respostas.

— Eu sonhei com a minha tia. — uma lágrima escorreu em linha e cortou seu rosto na mesma hora. Seus olhos cintilavam. Ela desviou o olhar e colocou a mão sobre o colo, onde, por baixo do casaco verde estava o colar da sua tia que sempre carregava junto. — Sonhei que ela… sei lá. Foi horrível. Ela parecia muito brava. 

Percebi como aquilo parecia ter atingido Elsie. Como ela olhava ressentida para o chão enquanto apoiava a mão sobre o peito. 

Inspirei fundo. Eu tava ferrado -- na verdade, notei isso quando deixei a cabeça cair pro lado que nem um cachorrinho, observando-a, admirando-a, e inconscientemente ergui o dedo pra limpar seu rosto. Elsie me encarou com algum susto logo que exibi o gesto -- e eu mesmo acabei me assustando um pouco por dentro, quando ela fez eu me dar conta do que estava fazendo, mas ignorei aquele sentimento e deixei me levar:

— Foi só um sonho. Vai ficar tudo bem. — sorri. 

Elsie se retraiu que nem uma garotinha. 

E talvez isso soe até meio sádico dada toda a situação, mas era engraçado demais sacanear com a cara dela! 

Então decidi alimentar uma brincadeira, só pra quebrar o clima ruim -- também me aproveitei um pouco da situação, confesso… -- e segurei seu queixo. Fiz que ia beijá-la, me aproximando ao poucos pronto, louco, ávido; mas suficientemente sob controle a ponto de me demorar no caminho só pra fazer suspense, de pouquinho em pouquinho, só botando lenha na fogueira enquanto ela ficava tão vermelha quanto a cor do próprio cabelo.

Mas aí, né, é aquela história: Só se vive uma vez. E eu deveria ter pensado mais sobre isso ao invés de ficar enrolando com as minhas brincadeiras sem-hora porque, naquele mesmo instante, um estrondo horroroso veio da entrada do vestiário.

Paralisamos completamente e nos encaramos assustados. Sem condição… cortou todo clima. 

Decidi averiguar e abaixei o rosto próximo do chão, segurando o peso do corpo com os dois braços, tentando enxergar, pelo pequeno vão da porta do trocador, o que se passava do outro lado e que tipo de merda nos aguardava…  



[Kentin]

— Vamos parando por aqui. — sussurrei, fazendo um gesto com a mão pra que Nathaniel e Burniel parassem de se movimentar. Colei as costas na parede e botei a cabeça pro corredor perpendicular ao que estávamos, averiguando todas as “redondezas” do primeiro andar da escola. Tudo quieto, que nem uma escola fantasma. 

Depois me virei de novo pra ambos, murmurando: 

— O que exatamente a gente tem pra usar?   

— Suas duas lâminas estão comigo. — respondeu Nathaniel.

— Eu tô com a… — Burniel retirou a pistola da cintura, de dentro da calça. — com isso aqui.  

Subimos as escadas na velocidade da luz, mas com a leveza de uma pena. Corredor acima decolamos até o laboratório de química. Assim que chegamos, fiz o mesmo procedimento que fazia com Elsie e Armin quando nos enfiávamos em qualquer lugar: arrastei algum móvel pra obstruir a porta. No caso, tínhamos apenas umas cadeiras; mas foi o que deu pra fazer. 

Logo começamos nossa caça por dentro do laboratório: a ideia era encontrar algum reagente que pudesse simplesmente destruir aquela porcaria de cronômetro do meu pulso e do Burniel. Nathaniel foi pra porta do almoxarifado e Burniel foi caçar do outro lado da sala. Aproveitei a situação pra lavar o rosto e aquele ferimento no olho.

Fui até a cuba da pia e abri a torneira; fiz conchinha com a mão e joguei na cara, alternando entre esfregar o rosto e beber um pouco da água, tão desesperado quanto um cara perdido no deserto que encontra um oásis. 

Fiquei numa aflição indescritível enquanto lavava o olho machucado, porque a visão parecia um pouco carregada e suja. Esfregava a água, agoniado, tentando “limpar”. E foi aí que compreendi, com uma angústia de repente me esmagando por dentro: minha visão estava sumindo por conta do corte. Eu tava ficando cego. 

Deixei escapar um riso baixo, quase como um suspiro de cansaço, obviamente sarcástico, querendo chorar. Não aguentaria mais dois dias daquele lugar.  

— Vou precisar de ajuda pra arrombar a porta. — disse Nathaniel, puxando e empurrando a maçaneta do almoxarifado. — Tá trancada. 

— Será que a chave não tá por aqui? — perguntou Burniel, que estava de cócoras do lado oposto do laboratório, por algum motivo mexericando a lata de lixo. — Acho que seria mais prático… 

— Tem razão. Acho que já tô sendo consumido pelo espírito do vandalismo. — riu Nathaniel, com uma leveza que me deixou até surpreso. 

Começamos os três a fuçar tudo que é canto -- os armários, as gavetas, lixeira… -- e em pouco tempo a resposta parecia óbvia: não deixariam as chaves dentro da própria sala. 

Voltamos à ideia inicial de Nathaniel. Inicialmente tentei eu sozinho dar um chute na maçaneta, depois na própria tábua fui com o pé, com o ombro, com a mão. Sem eficácia. Talvez se estivéssemos numa situação comum da escola, eu até teria alguma força; mas já naquele momento, sem comer direito por tanto tempo e já mentalmente abalado, não tinha muito o que fazer… No final, os três tiveram sua chance de se frustrar tentando arrombar a porta; até o momento que paramos de agir como um trio de imbecis e pensamos: 

— Será que nós dois conseguimos? — Nathaniel virou pra mim, quase lançando um desafio. — Digo, de uma vez só. Vamos tentar? 

Eu sei que desde o começo, nada daquela situação -- a escola se tornando um campo de batalha, por exemplo -- seria algo concebível na minha vida, mas cooperar com o engomadinho do Nathaniel pra estourar um porta pareceu uma coisa realmente inimaginável. Demorei um pouco pra responder; mas logo em seguida abri um sorriso, empolgado: 

— Será uma honra!

 

[Jun]

Qualquer um que te machuque, Íris, eu vou me vingar. Entenda. — eu praguejava enquanto analisava o ferimento que a maldita Cotton tinha feito no braço da minha Íris. Por sorte, o sangramento já tinha parado, pois não tínhamos o que usar pra estancar o sangue; mas em compensação, tinha gerado um terrível rastro pela pele delicada e sardenta.  

— Você não precisa se preocupar com isso. — ela riu. — Sabe que eu sei me virar sozinha. 

— É claro que eu sei. — suspirei, tentando me acalmar. — Mas isso não muda o fato de que...  de que… 

Queria dizer o quão importante ela era pra mim e o quanto me preocupar com ela era inevitável… Antes de completar a frase, porém, fomos interrompidos: ouvimos um estampido alto, um estrondo, vindo da sala ao lado -- o laboratório de química -- como se uma porta tivesse sido estourada.  



[Armin] 

A merda que nos aguardava… fedia. Não no sentido literal, claro, mas no sentido de que o sujeito que tinha acabado de entrar no nosso esconderijo era um dos que eu conhecia tendo uma das índoles mais baixas de Sweet Amoris, pique Castiel e companhia. Sobrinho do professor Boris, surfistinha. Nome bastante mencionado nas rodinhas de conversa das garotas (porque ele era considerado atraente) e no grupos dos garotos (porque ele era mal caráter): Dakota Jones. 

Okay, talvez até certo ponto fosse uma espécie de preconceito meu, mas não me surpreendia, de jeito algum, que ele estivesse dentro do jogo. Quer dizer, eu até invejava tipões como ele, extrovertidos e populares com as garotas; mas sabia que não era flor que se cheire. 

Elsie também tinha se agachado no chão pra espiar o que tava rolando no lado de fora do trocador. Estávamos os dois quietos, apenas observando o desenrolar das ações de Dake no vestiário.

— Cara, uma pena. — ele falava alto como se conversasse com alguém. — Queria tanto comer ela um dia. — e foi na direção dos armários de ferro, longe de onde eu e Elsie estávamos.

Nós rapidamente confirmamos a presença de um acompanhante, que entrou no cômodo logo em seguida e parou sob a porta de braços cruzados: 

— E você tem coragem de dizer uma coisa dessas logo depois de ver o corpo morto dela? — perguntou em tom de repreensão, e acendeu a luz. — Você não vale o ar que respira, Dake. 

Me tremi todo quando me dei conta de que seu acompanhante era um pivete muito calmo chamado Viktor Chavalier. Ele sim eu nunca esperaria que fosse um killer. Nunca mesmo. Ele era um daqueles sujeitos de pouco sorriso, mas que quando você senta pra conversar é super gente fina e sabe de muita coisa. Lembrava até de já ter tido uma conversa aleatória sobre Star Fox. Também lembrava dele nos interescolares de basquete e, cristo, aqueles braços dele… acho que nem Kentin tinha como lidar com uma coisa daquelas; e isso me botava num patamar lá embaixo. Um soco e ele me quebrava inteiro. 

Engoli seco. Foi difícil não entrar em pânico depois de constatar nossas novas companhias, mas tentei manter a compostura. Afinal, Elsie estava do meu lado. 

Eu também tinha certeza de que estavam falando do corpo de Rosalya no ginásio e não pude de deixar de sentir uma gastura no estômago; tanto pelo comentário descabido, tanto pela lembrança de que eu quem era o autor do crime. 

— Eu nunca falei que valia. — Dake riu e começou a girar a senha de uma porta específica do armário.

Depois de colocar uma sequência de números que ele parecia dominar de cabeça, o armário abriu e ele tirou… uma espingarda. Sim. Isso mesmo. Ele tirou uma espingarda de dentro do armário da escola. 

— E não é que você conseguiu mesmo colocar isso aqui dentro… — suspirou Viktor. 

— Gostou? — Dake falou com um sorriso, segurando a arma pra baixo, fazendo pose.  

— Como conseguiu?

— Meu pai… É a espingarda de caça dele. — apontou a mira pra uma parede vazia, como se fosse atirar. — Tô louco pra estourar uns viadinhos com isso aqui. 

Elsie não tinha mais a arma de fogo e isso implicava que nosso único armamento era meu bastão de madeira. Olha, pensando na desvantagem que nós dois enfrentávamos, a essa altura eu já estava rezando, implorando mentalmente pra que aqueles dois simplesmente caíssem fora do vestiário. 

— E onde está a outra? — perguntou Viktor. 

Dake coçou atrás da orelha:

— É… Eu deixei lá no laboratório de química. No almoxarifado. 

Viktor deu um suspiro irritado:

— Por quê? Por que não deixou tudo junto?

— E eu lá sabia que seria tão fácil entrar de sala em sala? Deixei cada uma num ponto diferente. Imagina se eu deixo tudo num lugar só e não conseguimos entrar? Seria perder tudo por bobeira. Dã.  

— Hmm… Então seu cérebro funciona às vezes. 

— O quê? E você duvida da minha capacidade?

Acha que as coisas não tinham como ficarem mais feias? Errou. Dessa vez um terceiro integrante se juntou à conversa; ele veio ofegante do ginásio e parou sobre a porta, agitado, tentando recuperar o fôlego. 

— Que quê foi?! — exclamou Dake, assustado com a aparição repentina e afobada do colega.

— Caralho… Esse lugar tá virando uma carnificina já… — lutava pra falar e respirar com plenitude. — Em três dias foi mais gente do que iria em três meses pelas regras convencionais.   

— Desembucha. 

— O que aconteceu? — perguntou Viktor, polido como sempre. 

— Ah… — se recuperava aos poucos, esfregando a mão na testa. — Fui na sala do segundo andar e vi aquele japonês do Grêmio junto com a ruiva. Corri que nem doido na hora.  

Eu e Elsie nos entreolhamos de olhos arregalados; era cem por cento de certeza de que ele tava falando sobre Jun e Íris. Abrimos os ouvidos para a conversa: 

— O que tem eles? Foram mortos?

— Não! A sala que eles tavam! Tava cheia de sangue! Tinham dois corpos no chão, arregaçados. Tudo cheio, cheio de sangue. 

— Você esperava que saísse o que deles? Doce? — respondeu Dake. — Foi pra isso que você entrou nisso, esqueceu? Ou tava achando que ia ser de brincadeira? 

O terceiro integrante (ele se chamava Marcell) balançou a cabeça, concordando e discordando, confuso.  

— Pensa no prêmio, beleza? Vamos fazer o seguinte: subimos lá, metemos chumbo e resetamos o cronômetro. Sem drama. 

— Você não precisa das escovas da espingarda? — relembrou Viktor. 

Dake deu um estalo com o dedo:

— Eu já quase ia me esquecendo… Deixei ali dentro daquele trocador. 

Demorei alguns segundos pra processar o que Dake tinha acabado de falar e do peso que aquelas palavras implicavam. E minha ficha só caiu quando ele começou a se mexer em nossa direção. 

Imediatamente erguemos o rosto do chão e nos preparamos, agachados como dois gatos em posição de ataque. Seriam três contra dois; e nós não tínhamos nada além daquele miserável bastão de madeira. Minha respiração acelerou. Senti o suor escorrendo por baixo da camisa. Elsie me encarava, desesperada, sem saber o que fazer. Peguei sua mão e segurei na minha, apertando; na outra mão apertei o bastão. 

Dake puxou a maçaneta. Conforme a porta se afastava, gradualmente, a luz do cômodo invadia nosso recinto escuro -- e os portões do Inferno pareciam se abrir para nós. 

 

 

 


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