Identidade Homicida escrita por ninoka


Capítulo 67
O jogador fantasma




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[Elsie] 

Ficamos seis horas revezando entre si a vigia da porta da enfermaria. 

Dormi muito mal aquela primeira noite. Foi um sono de três horas extremamente perturbado. 

Àquela hora, uma daquelas correntes de ar, geladas e sacanas que congelam os dedos do pé, deu de passear pela escola vazia. Fiquei toscamente encolhida na maca dura, tensa, sem travesseiros, tentando armazenar o pouco de calor que o casaco resistentemente tentava manter no corpo. Nos meus sonhos, o som do vento virou um sussurro, claramente tentando me comunicar: “Você vai morrer, Elsie”. 

Acordei dezenas de vezes com o coração na boca, me acalmando só quando verificava Kentin e Armin, enquanto um dormia e outro ficava de guarda, ou vice-versa.   

Claro. Naquela ocasião era tão possível aquietar a mente quanto seria se estivéssemos no meio de uma selva -- um lugar onde os instintos falam por si só e o pico de adrenalina e estresse é quase constante. 

A situação que eu, Armin, Kentin, e todos os outros killers viviam em Sweet Amoris já não era lá muito comum; mas ainda levávamos, na maior parte do tempo, uma vida normal. Íamos às aulas, comíamos no pátio, interagíamos socialmente, saiamos para o shopping ou para as cafeterias do bairro quando dava na telha, ouvíamos música, cantávamos, jogávamos e, quando era possível, ríamos com uma genuína felicidade. Em outras palavras: mesmo que em alguns momentos fôssemos cercados por dúvidas ou paranoias, podíamos nos infiltrar no mundo corriqueiro quando usávamos nossas máscaras de adolescentes comuns; e, dessa forma, nossa sanidade não era completamente apagada. 

O fato de que não era permitido atacar ou sermos atacados sob qualquer circunstância (por conta dos Cartões de Homicídio e porque tínhamos que agir na surdina) que nos garantia a liberdade de podermos oscilar entre um mundo -- normal e, outro, assassino. E isso não só nos protegia da lei ou de outros killers, como também, nos protegia de nós mesmos, da nossa própria mente. Sim, mesmo que de dentro de uma das salas de recreação fechadas você estivesse enforcando um outro aluno à sangue frio às oito da noite, no dia seguinte, depois de tomar um banho e se lavar do seu pecado, você teria que retornar à realidade em poucas horas, quando um professor o cumprimentasse no corredor e pedisse um relatório de Literatura. Ou talvez, se você fosse um pouco mais sensível às circunstâncias, você teria atirado no seu colega de clube, depois choraria e vomitaria no banheiro, acordaria abatido e não comeria o bolo de morango da cantina de manhã, porque a calda parecia sangue; mas pelo menos disfarçaria, tentaria se lembrar dos seus objetivos, e, depois de tanto refletir, o desespero de querer obter o que te trouxe ali logo encobriria a sua culpa. 

Mas agora tudo isso era diferente. Não tínhamos mais como fugir para uma outra realidade, porque só tínhamos aquela realidade; onde éramos naturalmente arrastados para um mundo violento, sem tréguas para pensar sobre os nossos atos, e que nos obrigava a nos entregar completamente aos instintos. Se pensássemos muito, como em um selva, o resultado era certo: morreríamos. 

Naquela primeira noite, enquanto era atormentada pelos sussurros das correntes de ar e pelo cheiro do cadáver, que apodrecia dentro de uma das repartições da enfermaria, pensei: Qualquer resquício de sanidade que ainda tinha conseguido segurar até aquele momento, quanto tempo levaria até que eu o perdesse completamente?   

Quis chorar. Quis chorar porque a madrugada foi um eterno inferno. Meus olhos quase nunca se fechavam completamente, como se um magnetismo muito mais forte que eu forçasse minhas pálpebras a se abrirem. Tinha medo, frio, desconforto. E chorei mesmo, enquanto dormia.  

Até que acordei; com os olhos úmidos. Tava moída e tonta. Me sentia um pouco doente. 

Era o começo da manhã. A enfermaria voltava a criar forma e cor com os primeiros raios que penetravam pela frestas da cortina-veneziana. Olhei pra baixo, pra ponta da maca; Kentin dormia com o rosto enfiado entre os braços cruzados e o corpo sentando numa cadeira. Parecia muito tenso e pouco confortável. 

Olhei pra porta da enfermaria e mirei Armin, que estava fazendo a guarda próximo dali, sentado no chão em posição de lótus com o antebraço apoiado na coxa e o peso do rosto depositado ali; a mão cobrindo a boca. Sua mente parecia distante, como se refletisse incessantemente sobre algo. Naquele momento, um raio de luz da janela iluminou seus olhos. Naquela pose, com seu rosto imóvel e o fio dourado de sol cortando sua face, eu o vi como uma obra de arte por alguns segundos; antes que ele se incomodasse com a claridade e saísse repentinamente do seu transe para tentar afastá-la, dando tapas no ar como se atacasse um inseto. 

Ri por dentro. E comecei a me levantar, tomando cuidado para que não acordasse Kentin.    

Armin de repente me encarou e disfarçou qualquer incômodo que parecia antes atormentá-lo, falando com um sorrisinho em tom de brincadeira: 

— Bom dia, flor do dia. 

Esfreguei o rosto com as mãos, como se pudesse afastar aquela sensação de ressaca:

— Bom dia. — murmurei, sentindo todos os meus músculos doerem. 

Esfreguei os antebraços para aquecê-los e baforei nas mãos, enquanto ia na direção de Armin. Parei a sua frente, segurando os cotovelos:

— Vai lá descansar. Fico no seu lugar. 

Ele deu uma risadinha tímida, meio desanimado, balançando a cabeça: 

— Não precisa. Já perdi todo o sono. 

Agachei ao seu lado de cócoras. Ficamos os dois em silêncio por um tempo, olhando para cantos opostos.    

— Quanto tempo você tem? — perguntou Armin, de repente; e eu demorei alguns segundos para responder, porque não tinha entendido a questão de imediato.

Ergui a manga do casaco e olhei para o cronômetro no pulso:

— Setenta e sete. 

 Armin soltou ar pela boca. Ficamos em silêncio de novo. 

— Sobre o que tava pensando? — decidi perguntar, sem encará-lo nos olhos. 

Novamente, ele apoiou o braço nas coxas e sustentou o próprio queixo na mão. Respondeu:

— Alexy. 

Franzi a sobrancelha e virei o rosto para observá-lo. Queria mais explicações e provavelmente minha expressão deixou isso claro. 

—  Eu sempre acabo voltando pra esse pensamento… — continuou. — sobre o que ele pensaria dessa loucura toda que eu me enfiei.  

— Você não teve escolha, Armin. — falei mais por mim; porque já tinha me questionado sobre aquilo inúmeras vezes, pensando na tia Agatha. 

— Não… Eu tive sim. Só quis o que parecia mais “fácil”, mais rápido. 

— No desespero a gente sempre vai acabar escolhendo o meio mais rápido, Armin. Você não pode se culpar. Você queria que as coisas se resolvessem rápido, porque tava desesperado. E a maldita da Shermansky, é claro… ela sempre sabe usar essa merda toda à favor dela. 

Ele virou o rosto pra mim e nossos olhares rapidamente se cruzaram; desviei o meu e voltei a olhar pra frente. Joguei os quadris no assoalho, sentando-me de fato, e uni os joelhos em frente o busto. Novamente silêncio.

— Tô com fome. — falei, espontaneamente. 

Armin riu; dessa vez com menos melancolia. 

— Eu também. 

— Acho que ainda tem biscoito de nata… e atum em lata… — encarei Armin. 

Ele também me encarou, fazendo uma careta de nojo muito engraçada. Não contive um risinho nasal. 

— A gente precisa encontrar mais dessas tais “cápsulas” da Shermansky pela escola. urgentemente. — constatou. 

— É… minhas balas tão acabando. — as palavras vieram com tanta naturalidade que só depois que falei percebi o quão bizarro soava; me retraí um pouco, meio culpada. 

— Procurei pela sala pra ver se o Dajan tinha deixado alguma coisa por aí. — Armin não pareceu incomodado em abordar o assunto. — Mas não achei nada. 

Suspirei:

— Então precisamos de comida e balas… — me levantei, inquieta, fui até o canto onde tínhamos deixado nossas coisas, apanhei o pacote de biscoitos e experimentei um. Minha língua formigou de felicidade. Meus olhos quase lacrimejaram de prazer. — É bom!

— Seu gosto é duvidoso. — ele riu. 

— Se eu fosse você, comia um pouco. — desafiei, empolgada, já metendo mais um punhado na boca. 

Armin me olhou abaixo de mim, fez um biquinho:

— Tá, me dá um disso aí.

Por um pequeno segundo, pela lei da normalidade e dos gestos, imaginei que ele erguesse a mão na minha direção pra pegar o biscoito. Mas Armin decidiu que não seguiria mais as leis. Então ele naturalmente reclinou o tronco para frente, fechou os olhos e abriu a boca. 

Dei duas piscadas demoradas até processar o que deveria fazer; porque aquele gesto, vindo espontaneamente dele, parecia um pouco… novo demais pra mim.  Acho que fiquei tímida, meio acovardada, e talvez tenha demorado um pouco mais do que era permitido para corresponder à ideia da ação. Como uma criança acanhada que experimenta tocar em um brinquedo novo e desconhecido -- foi como me senti quando repousei o biscoito na sua língua. 

Armin mastigou, analisou o gosto e depois balançou a cabeça em aprovação:

— É… podia ser pior. Podia ser atum

— Você não reclamaria se estivesse com fome de verdade. — ri, endireitando as costas, que no mesmo instante sofreu uma brutal fisgada. Sussurrei um palavrão e apertei a mão no ponto da dor, que parecia queimar. — Esse colchão de merda me destruiu.

Armin deu um risinho:

— Sim, são uma porcaria de duro. Imagina eu que fiquei quase uma semana dormindo nisso aí. 

— Pelo menos você tinha travesseiro, cobertor. Ah, e te traziam creme de frango todo dia na caminha. — fiz uma careta com a língua.

Armin deu uma risada -- na medida do possível -- sonora: 

— Disso eu não tenho o que reclamar, mesmo. — mirou o pacote na minha mão. — Hm… okay, tô com fome. Acho que aceito mais unzinho. 

— A-ha! — sorri e apontei com indicador no seu rosto, caçoando como se tivesse ganhado uma competição.  

— Faço uma massagem em troca! — disse, de repente, erguendo as mãos com um gesto de pedido. 

— O quê?! — saiu de mim sem filtro, num tom de indignação que, na realidade, significava mais uma confusa mistura entre surpresa, timidez e vontade. 

— Não quer? Okay! E-esquece o que eu disse! — seu rosto ficou vermelho.

— Não! — ordenei; nada natural. 

— Tá bom?! — ele não sabia como reagir. 

— Toma. — estendi o biscoito. 

— O quê?!

— O biscoito, caramba! 

Armin pareceu perdido; sua reação imediata foi a de erguer o pescoço que nem uma tartaruga e rapidamente abocanhar o biscoito do meu dedo. Rimos depois enquanto nos encarávamos.  

Abri o zíper do casaco e tirei ele. Me sentei de costas para Armin, no chão, à sua frente. O cabelo estava improvisadamente preso por um elástico de dinheiro. 

— Bom, vamos lá! — Armin esticou e estalou os punhos, encenando exageradamente pra fazer graça. 

Quis rir; mas fiquei tensa. Extremamente tensa. E tive capacidade de ficar ainda mais tensa quando senti seus dedos, quentes, calejados, pressionando meus ombros com consistência. 

— Se você ficar dura assim, não vou conseguir, madame. 

De novo, quis rir. Queria muito rir. Queria explodir ali mesmo. Mas também sabia o papel de idiota que tava me prestando; por isso precisava me conter. Acalmei. Relaxei, na medida do possível. Armin prosseguiu. 

Acho que eu nunca tinha recebido uma massagem de outra pessoa. Era estranho. Sentia a pressão quente dos seus dedos descendo e subindo pelas minhas costas. Me dava… cócegas? Não, era uma coisa. Mas não era cócega, não. Comecei a entender o que aquilo representava, enquanto enchia a boca com mais uma leva de biscoitos, refletindo com os olhos ligeiramente arregalados para o nada.

Tesão

Tá aí uma que nunca pensei muito sobre. Por tantos anos fiquei sempre tão fissurada em um único objetivo, que aquela esfera da minha vida parecia ter tido, simplesmente, zero desenvolvimento. 

Imaginei Kentin, ali, no lugar de Armin, e fiz outra constatação: eu não me imaginava sentindo a mesma falsa-cócega com ele. Claro! Via Kentin praticamente como um irmão; porque ele era o garoto do leito sete. Sim, sim. Armin, no entanto, era meu… colega? Amigo? Como diferenciar os conceitos? O único amigo que tive foi Kentin!

Arregalei os olhos mais ainda. Estava absolutamente chocada com aquela sessão de autoconhecimento, mastigando um biscoito atrás do outro compulsivamente. 

— Elsie, tá fazendo tensão de novo. — a voz de Armin advertiu atrás de mim e meu pescoço ouriçou quase que instantaneamente.

— T-toma. — joguei o pacote de biscoito para trás em seu colo. — Antes que eu acabe comendo tudo. 

Ele riu, como se divertisse muito com aquilo.

Fechei os olhos, me permitindo sentir as sensações do toque e o relaxamento. Sim, o toque…  Estava quase entrando em estado meditativo. 

— Vi que você tava tremendo enquanto dormia. — disse Armin, depois de algum tempo, um pouco sério, sem cessar a massagem. 

— Acho que tava tendo um pesadelo. — respondi, pálpebras fechadas. 

— Acha? 

— Sim… Foi um pouco confuso, na verdade. 

— Como assim? 

— Parecia… uma mistura esquisita. Não sabia até que ponto as coisas eram realidade ou sonho, ou até que ponto a realidade moldava o sonho.

Contei para Armin sobre os momentos que a corrente de ar falava coisas no meu ouvido.

— Isso é… bizarro. — constatou Armin, depois. — Mas, bem, dada toda a situação… acho que faz bastante sentido entrar numa paranóia dessas. 

— A questão é que… eu tenho quase certeza de que não era o vento.

— Tá dizendo que era um… fantasma de verdade te atazanando? 

— Não… não exatamente… — dei uma pausa, tentando selecionar melhor as palavras. — Acho que foi sim o vento que me fez sonhar que alguém tava dizendo aquilo pra mim. Mas, no sonho, a voz que me disse aquilo não era uma voz qualquer. Era familiar. Muito, muito familiar.

— E você sabe de quem era essa voz, por acaso?

Abri os olhos; fiquei quieta, medindo a conclusão. Virei para Armin, por cima do meu ombro: 

— Era a minha tia. 

Armin parou de mexer os dedos, deixando suas mãos repousadas sobre meus ombros. Agora ele quem estava tenso. 

Ouvimos Kentin acordar. Ele levantou o rosto de dentro do ninho que tinha feito com seus  braços e olhou para o nada por alguns segundos, como se sua mente ainda estivesse presa no plano dos seus sonhos. Com os olhos embriagados de cansaço, bocejou e olhou para trás, para nós —- Armin e eu --, enquanto ainda estávamos naquela composição: sentados no chão e ambas as mãos de Armin fixadas nos meus ombros. 

Kentin imediatamente se tornou para a frente, revirando os olhos e brincando com tom ranzinza:  

— Vocês podiam ter me avisado antes, né? Não queria ficar segurando vela. 

Me levantei bruscamente, ficando ereta e tensa, recolocando o casaco toda atrapalhada. Kentin ria. Armin, não sei.

— Bom, bom, bom. Vamos nos organizar porque não podemos ficar parados aqui. — falei, fechando o zíper rapidamente.  

— Você quem manda. — brincava Kentin, esfregando o próprio cabelo no topo da cabeça para ajeita-lo. 

Começamos os preparativos. Éramos como caçadores se equipando para mais um dia de caçada; exceto pelo fato de que tínhamos recursos limitados, fome e zero noção do que estávamos fazendo. 

Nos agrupamos e decidimos que dessa vez a meta era resetar o cronômetro de Kentin. Havia um ponto solitário, próximo de nós, no GPS. Enchemos nossos bolsos com alguns analgésicos e apanhamos nossas armas. A contagem descia nos nossos pulsos e o dia estava apenas começando. Tentaríamos ser um pouco mais calculistas dessa vez. 

Empurramos o armário que segurava a porta e fomos silenciosos para o corredor. Dessa vez andávamos com pressa, mas sem correr; tentando manter o controle dos nossos passos. Nossa euforia em comparação com o dia anterior tinha decaído bruscamente; não só porque estávamos tentando ser mais cautelosos, mas porque a madrugada pareceu ter proporcionado medo e reflexões internas a todos nós (e também porque -- sejamos sinceros --  bolacha de nata não enchia porcaria de estômago nenhum). 

Enquanto andávamos, por um rápido momento encarei a pistola na minha mão e senti seu peso. Mais uma vez eu confrontava meu medo; o medo de naturalizar aquele universo ao ponto de enlouquecer.  

E novamente aquilo ecoou na minha cabeça.

Você vai morrer, Elsie.

Dessa vez, era como um sinal de que eu deveria parar de questionar minhas ações naquele momento atual. Afinal, éramos caçadores no meio de uma selva. E como eu já havia constatado antes, pensar no meio de uma selva, era pedir pra morrer.  

Kentin fez um sinal para que interrompêssemos os passos enquanto checava a movimentação no GPS. Paramos na esquina do corredor, prestes a virar. 

— Tá saindo da sala. — sussurrou ele, e rapidamente guardou o apetrecho no bolso. 

A adrenalina nos incendiou. Olhamos cautelosamente pro corredor perpendicular ao que estávamos e vimos o alvo de costas para nós, saindo de uma das salas; a inconfundível trança ruiva. 

— É a Íris! — Armin exclamou baixinho, surpreso. 

Kentin gelou. Kentin conhecia Íris muito mais que Armin e eu, pelo o que eu sabia. E então, de repente, Kentin não conseguia mais se mover. 

Ela se virou para trás bruscamente, arregalando os olhos quando notou nossa presença. Nesse mesmo momento, notando que Kentin não reagiria,  como se fosse tomado por um instinto, Armin voou em sua direção com o taco de beisebol. 

E enquanto ele transpassava o corredor para alcançá-la, o inacreditável aconteceu: outro componente se juntou a nós; um jogador que claramente não constava no GPS. 

Um jogador fantasma.

Ele disparou de dentro da sala que Íris estava e se projetou para cima de Armin empunhando uma longa katana. Por um grande e milagroso reflexo, Armin pôde se defender com o taco de madeira, onde a lâmina ficou aterrada por alguns segundos, presa no corte profundo que ela mesma tinha causado. 

Mirei em Íris, que pareceu perdida com a sequência maluca de acontecimentos, e atirei certeiramente em seu ombro. Íris soltou um grito de dor. Com o estouro e toda a algazarra, Kentin despertou: ele empunhou suas duas facas de combate e disparou até a ruiva. Mas naquele ritmo, o rapaz da katana, que parecia intrinsecamente determinado em proteger Íris, conseguiu desenterrar sua katana do taco, empurrou Armin dando um chute no seu estômago, e correu para tentar impedir Kentin. 

Sangrando e segurando seu ferimento, mas não se dando por vencida, Íris usou seu braço saudável para tirar algo do seu bolso -- uma daquelas bombas de gás -- e arrancou seu feixe com o dente. 

Íris lançou a bomba; houve um estouro violento no corredor e rapidamente tudo virou um branco tóxico. Não conseguia mais enxergar o que estava acontecendo no meio de tudo e não podia mais atirar naquela condição. Meus olhos começaram a arder e me atacou uma tosse. Um vulto voou na minha direção: Armin. E no exato instante que ele me tomou pela mão, ouvimos o grito horrorizado de Kentin vindo do meio daquela agonia branca de fumaça.

Kentin! — bradei, desesperada, tentando resistir enquanto meu corpo era puxado e se distanciava da confusão. 

— Elsie, vamos! Não tem como a gente fazer nada! A gente vai morrer se continuar aqui!  

— Mas-!

Vamos! 

Olhei pra frente. Pressionei os olhos com força e apertei as mãos de Armin, acompanhando seu ritmo enquanto fugíamos como dois animais acovardados para longe. Sim, fugíamos para longe. Bem longe.    

      


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Notas finais do capítulo

iiiiiiiiiiiiiiii arregou