Identidade Homicida escrita por ninoka


Capítulo 63
Como em um sonho ruim


Notas iniciais do capítulo

Oláaaa!! como passaram as festas? feliz 2020 lindxssssss! que vcs consigam atingir todos os seus objetivos!!






Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/508366/chapter/63

[Nathaniel] 

Eu já tinha me imaginado em qualquer cenário daquele colégio, em qualquer tipo de situação -- menos engatinhando… dentro dos dutos de ar. Fui na frente verificando as rotas pelo mapa que apareciam no keypass enquanto Burniel me acompanhava por trás. 

O calor começou a pesar logo nos primeiros cinco minutos. Parecia uma sauna. Minha blusa tinha se transformado num pedaço imoral de pano e suor. Tirei a gravata e amarrei no pulso; abri os primeiros dois botões da blusa. Burniel também tinha tirado o suéter pra não morrer desidratado; amarrou as mangas no pescoço. Seguíamos calmamente os corredores estreitos, pra não perder ar e fôlego à toa. Meu receio era de que chegássemos até a ventana do grêmio e não conseguíssemos abrí-la por alguma razão. Seria um pesadelo. Só de imaginar -- percorrer por quase meia-hora naquele inferno compacto por nada -- o desespero já agitava dentro de mim. 

O procedimento durou pelo menos vinte minutos e finalmente eu via a claridade se esparzindo da abertura da ventana. Me aproximei com toda a calma e forcei a grade. Por sorte -- ou não --, abriu sem mistérios. 

Sai pelo teto e aterrissei na sala do grêmio meio desajeitadamente. A experiência como um todo foi bizarra. Não repetiria a dose se fosse depender da minha vontade. 

Virei o corpo e propus um apoio pra que Burniel descesse com mais segurança, entrelaçando as mãos pro alto (isso porque eu inconscientemente atribuía a ele uma fragilidade infantil):

— Pisa aqui. — falei, e tive minhas ideias imediatamente contrariadas quando Burniel deu um salto do teto e pousou no chão com uma habilidade quase atlética. — Ah. 

A situação exigia ações rápidas e práticas. Corri prum dos armários do grêmio -- um específico -- e revirei as prateleiras em busca do meu celular reserva. Tava dentro de uma caixinha de pin's, do jeito que eu tinha deixado da última vez. Como era um daqueles modelos antigos de celular que só servem pra ligações, a bateria tava praticamente intacta. 

Liguei pro Jack suando de ansiedade e tive minhas expectativas completamente liquidadas quando deu caixa postal. Tentei mais duas vezes depois de uns cinco minutos; mas sequer um sinal de vida.

Teria que apelar pro computador. Liguei a máquina e esperei ela dar sinal de vida, sentado na cadeira escritório nova (que naquela agonia não parecia mais tão confortável) enquanto impacientemente batia a ponta dos pés no chão. 

Assim que o menu iniciou, um campo sobrepôs a tela principal, exigindo que eu usasse uma senha pra desbloquear o modo. Na hora me exaltei, quase desesperado: 

— Que porra é essa? Desde quando botaram isso?!

Ouvi um  ruído às minhas costas, como se estivessem mastigando algo duro, e verifiquei por cima dos ombros. Burniel tava curvado no chão, deleitando um pedaço de pão que só o diabo sabia como ele tinha conseguido. 

— Você nem sabe desde quando isso tá aí. — entortei a sobrancelha; nojo e espanto. 

— Eu tô morrendo de fome, okay? — insistiu, numa pose que se assemelhava quase à um usuário de drogas em abstinência. 

Decidi ignorar o crianção naquele momento e voltei minha atenção pro enigma que ainda estava na minha frente. 

— Que senha você colocaria? — perguntei, mirando e analisando as letras do teclado. 

Zero, zero, zero. — respondeu, e roeu mais um pedaço do pão duro. 

— Não pode ser isso. Não mesmo — ri, com deboche. 

— Tenta. 

Tentei. Como era de se esperar -- não funcionou. 

— Não funcionou. 

— Um, dois, três. — opinou Burniel. 

— Você não consegue pensar em nada menos óbvio, não? 

— Você perguntou qual senha eu colocaria. 

— Tá. — bufei. — Uma senha que você colocaria caso você quisesse muito… esconder algo. 

Ficou reflexivo por alguns segundos, entretido nos próprios pensamentos enquanto mordia a pedra de farinha:

— Ah, sei lá. Eu uso a mesma senha pra tudo. 

Por um nanossegundo que me apropriei daquela ideia, antes de descartá-la completamente, acabei tendo um espasmo de inspiração:

— É isso!

— O quê?

— Que nem os computadores da sala de segurança! 

Digitei freneticamente “Hórus”, afundei o dedo no enter e… na certa! o computador iniciou. A tela do sistema operacional processou perfeitamente. No entanto, para a quebra de expectativas, logo depois, quando a área de trabalho carregou, um programa começou a rodar automaticamente sem qualquer comando prévio. Fiquei perplexo, porque sempre usava aquele computador e nunca nada parecido tinha me acontecido.

A tela ficou completamente coberta pelo programa em questão; um nada convencional eu diria; escuro, bisonho. Havia a palavra “Hórus” ao centro, em vermelho escuro, quase apagado com o fundo, nada agradável pros olhos. Como era a única informação disponível em tela, a curiosidade e o instinto de sobrevivência soaram mais alto -- cliquei ali mesmo. 

E não se parecia com nada que eu pudesse um dia imaginar. 

Era grotesco. Meus nervos pulsavam e minha garganta ficou entalada. Mesmo àquela altura do campeonato, ver corpos ainda era um tabu pra mim. Não tava preparado. E, então, todas aquelas imagens estavam na minha frente: fotos de cadáveres. Não meros cadáveres! -- eram alunos de Sweet Amoris. Todos os alunos que desapareceram. Todos! 

Havia uma singela felicidade em mim em pensar que minhas teorias estavam certas; mas que em comparação ao horror e repulsa que eu sentia naquele momento, acabava completa e totalmente nula. Outras perguntas também começaram a inundar minha mente: como aquelas imagens tinham parado ali? Por que estavam nos mostrando tudo aquilo? Por que nos entregaram tudo, assim, de mão beijada? E, afinal, quem produzia tudo aquilo? As respostas me pareciam cada vez mais baixas. À medida que eu me questionava, nossas indagações surgiam e, com isso, as teorias mais sujas. 

— Que que é isso? — Burniel surgiu por trás, com uma inocente e trágica curiosidade.

Naquele exato instante, um instinto me dominou. Senti a morte por perto. 

— Abaixa! — gritei, e me joguei por cima de Burniel. um estouro veio da janela pouco depois de nós dois violentamente cairmos para o chão. Uma silhueta se moveu rapidamente na janela, correndo para os fundos da escola. 

Me levantei rapidamente. 

— Q-que merda foi essa?! — disse Burniel, confuso e amedrontado no chão, se apoiando sobre os próprios cotovelos. 

— Aquela mensagem… sobre os assassinos — murmurei, mais pra mim mesmo, enquanto ia em direção da janela, confiscando o vidro perfurado com a marca da bala. — Não foi um blefe…?  

— Quem fez isso? V-você sabe?

— Você fica aqui.

— O quê?!

— Eu preciso ir atrás. 

— Nath, acabaram de atirar na gente. Eles têm uma arma! 

— Eu dou o meu jeito… Só… não sai daqui. 

Burniel decidiu não refutar. 

Saí para os corredores; de imediato estranhando quando me deparei com uma Sweet Amoris completamente sem luz, vazia, em plena tarde de aula. 

— Onde… tá todo mundo? — murmurei, confesso, muito assustado. 

Saí pro pátio e dei a volta para a lateral da escola, rumo à parte de trás, pra onde o atirador anônimo tinha corrido. Catei o canivete do bolso e posicionei em frente o rosto. Nessa composição, fui sob passos meticulosos, me esgueirando pela parede e tentando não produzir nenhum ruído com os sapatos. Durante o processo, já tinha chegado à clara conclusão de que o colégio tinha sido completamente esvaziado (não fosse a presença de Burniel, minha, e dos tais… assassinos?). Mas, como? Quando todos tinham sumido e por quê? Aquela sensação de abandono e falta de esclarecimento me trazia uma perturbação terrível. Era como num sonho ruim. 

Conforme caminhava, de repente, por um reflexo de milissegundos, -- durante outro estouro -- desviei o corpo pro lado, sentindo o projétil da bala sutilmente me rasgando a lateral do ombro. O filho da puta disparou a correr pra trás da escola. Fui atrás -- com a mão estancando o ferimento do braço. Consegui vê-lo, mesmo há alguns metros de distância.

Por mera sorte ou por um frenesi da adrenalina, alcancei-o rapidamente; agarrei seu pescoço com o antebraço e enfiei o canivete apontado pro seu rosto: 

— Onde tá todo mundo?! Que merda tá acontecendo aqui?!

O sujeito tinha se endurecido:

— D-do que você tá falando? É a nova regra do jogo!

Um pressentimento ruim me dominou:

— “Jogo”…?

A reflexão tomou um pouco da minha atenção, dando oportunidade pra que o atirador se remexesse todo e conseguisse se soltar. Ele correu alguns passos à frente e me botou na mira da pistola; os braços tremulando, um sorriso torto ocupando sua expressão:

— Então você nem é killer… — riu nervosamente. — O que você tá fazendo aqui, então? Hein? Hein?!

Encurralado, ergui as mãos pro alto. Tentei manter a calma. Na ocasião, me atentei às mãos do meliante, à arma, e à bizarra porém familiar pulseira inserida em seu pulso. 

Com a pacificidade de alguém que não teme a morte, iniciei um interrogatório, na expectativa de que isso me esclarecesse as coisas mais facilmente:

— O que é isso? — apontei pro acessório com os olhos.

— Pra que quer saber? — riu com deboche. — Você bem sabe onde se meteu, sabe? Coitado… 

— Tem uma contagem. — refleti. — É um relógio?

— Tá mangando com a minha cara, porra?!

Vi sua veia pulsando na testa antes que a histeria o forçasse a apertar o gatilho. Fechei as pálpebras umas nas outras. Confesso que minha perna tremia muito mais do que minha não-expressão poderia denunciar (eu me descobri um bom ator naquele meio tempo), mas por mais que o meu fim parecesse muito óbvio naquele momento, algo -- seja uma divindade ou o próprio universo -- impediu que a ação se concebesse. O patife olhou confuso pra própria pistola, se dando conta de que a arma tava completamente descarregada.

Fui em dois passos: corri, atolei o canivete na costela. Ele gemeu dolorosamente e caiu para trás; seu sangue quente escorrendo para fora, à medida que a vida sumia do seu corpo. 



[Burniel]

 

Nathaniel foi pra fora e isso me apavorava por N motivos. Num geral, não tinha muito que eu pudesse fazer; rezar não era o meu forte. Então, continuei com a leitura que tava prestes a começar antes de eclodir toda a confusão.  

Acontece que tudo aquilo que tava na tela do computador me apavorava mais do que tudo naquela situação. As fotos pareciam ter sido registradas dentro da própria escola. Eram corpos. Cadáveres. Pessoas. Me angustiava, me dava ânsia. Porque, apesar de tudo, nunca lidei muito bem com a morte. 

Não conseguia parar de pensar em tudo que tinha me acontecido desde que pisei em Sweet Amoris pela primeira vez: Jade, Elsie e Armin supostamente tentando matá-lo, Íris e o asiático do grêmio… 

A porta abriu com tudo e meu coração disparou de susto. Olhei pra entrada: era Nathaniel; o que me trouxe um bom e doce alívio. Mas isso por pouco tempo; tinha uma mini-cascata vermelha, de sangue, brotando pra fora do ombro dele.

— Nath?!

Nathaniel se largou num sofá velho da sala.

— A caixa de primeiros-socorros… — disse, com pouco fôlego, apontando pra cima dum armário dali. 

Corri, desesperado, e estiquei o pé pra catar a maleta. Voei até o sofá e comecei a preparar os curativos, com o soro, algodão e esparadrapos.  

— O que aconteceu? — perguntei, limpando o ferimento. 

— Toma. — Nathaniel usou o braço saudável e me estendeu uma… arma de fogo?! 

— Pra que tá me dando isso? — encarei hesitante.

Nathaniel também tirou cartuchos dos bolsos:

— Ele tinha munição extra nos bolsos.

Apanhei tudo:

— Okay. Você não me respondeu porque tá me dando isso. 

— A escola… É insano. Não tem ninguém nela. Nenhuma sala ligada; nenhuma alma rondando. Parece que botaram a gente dentro de um jogo.

Enquanto comicamente ocupava as mãos com os cartuchos e a arma, fiquei tentando processar toda aquela bizarrice. 

— Ele tava usando uma pulseira igual a sua. — Nathaniel me olhava de soslaio, a cabeça inclinada pra trás no encosto do sofá. — Mas tinha uma contagem descendo. Parecia um cronômetro. 

— E-e aquelas imagens que eu vi no computador? O que tudo isso tem haver?

— Precisamos enviá-las pro Jack o quanto antes.

— … Parece que a escola tá sem net

Nathaniel ficou olhando pro teto, pensando, pensando. 

— Então a gente precisa de alguma coisa pra armazenar os dados. — ergueu as costas do encosto, se endireitando pra frente, e apoiou os cotovelos nos joelhos.  — Um pendrive, um cd, nem que seja um disket. Qualquer coisa que sirva pra pegar tudo e cair fora com eles. A gente precisa entregar todo esse esquema bizarro às autoridades o mais depressa possível. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!