Identidade Homicida escrita por ninoka


Capítulo 62
O Monstro


Notas iniciais do capítulo

acho que finalmente chegamos onde começa a ideia que tive quase 6 anos atrás, com singelos 14 aninhos, sentada na mesa da minha cozinha kkkkkk houveram MUITAS mudanças no meio do caminho, claro. até porque realmente queria fazer uma história que fizesse ao menos um pouco de sentido e não uma matança de graça.
de verdade, eu não esperava passar nem do capítulo 10; ainda mais chegar aqui com todos esses personagens e reviravoltas que foram surgindo na minha mente ao longo dos anos. posso dizer que tô bem satisfeita, no final das contas

muito obrigada a vocês que continuam acompanhando e, consequentemente, me incentivaram a continuar!! adoro vocês!!



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[Elsie]

 

— Por que não contou antes pra gente, caralho?! —  estourou Armin. 

O trio: eu, ele e Kentin; nessa ordem, sentados, escondidos detrás dos balcões de concreto do laboratório de química.  

— Foi pelo Alexy. — respondeu Kentin. — Eu sabia que quando ele voltasse os gastos seriam enormes pra ele se recuperar. Eu queria proteger ele. Foi tarde demais quando vi que você também tava nessa… Todos os dias eu me angustiava com a ideia de ter que lutar contra vocês dois. 

— Mas a gente não ia lutar. — falei. — A gente tinha um plano.

— Um… plano? 

— Sim. Auto-eliminação... Nós íamos quebrar a regra dos cartões de homicídio quando só restasse nós dois. A ideia era descartar o cartão e esperar o tempo chegar ao limite. 

— Por que nunca me contaram isso? 

— E você precisava saber dessa parte do plano, merda?! — Armin tava puto. — Você devia ter contado! Ou você… realmente pretendia matar a gente uma hora ou outra?!

Kentin ficou quieto e desviou o olhar; o que gerou algumas interpretações e reações. Armin se virou bruscamente e o prendeu pelo colarinho da blusa:

— É sério mesmo?! — estendia a mão fechada na direção do rosto de Kentin. — Como que logo você, meu melhor amigo, foi meter uma dessas? Como eu vou confiar em você agora?!

— Eu tive os meus motivos. — seu rosto se torceu em irritação; agarrou o pulso da mão que Armin o segurava. 

— Calma, Armin! — segurei seu punho irritadiço. — Agora não é hora! 

Armin olhou pra mim por cima do próprio ombro e, soltando ar pra fora do nariz, largou Kentin, voltando a reclinar as costas na estrutura de azulejo do balcão. Kentin fez o mesmo, enquanto ajeitava a blusa e o cabelo. 

— Tem coisa mais importante pra pensar agora. — continuei. — Não rola mais esse esquema dos cartões, se esqueceu? Se a gente não eliminar ninguém, esse treco mata a gente. — dei uma batidinha no cronômetro com a ponta da unha. 

— Puta que pariu… — Armin segurou a própria testa, bufando, tomando consciência do perigo da situação.

— Deve ter alguma outra regra que a gente possa quebrar... — disse Kentin. 

— Então agora você tá disposto a me deixar ganhar, mesmo? — Armin riu com um  sarcasmo ácido, irritadiço, olhando pra frente de braços cruzados. — Você muda de ideia fácil. 

Kentin revirou os olhos com pouco humor. 

— Armin, cala a boca. — joguei a franja pra trás da cabeça, suspirando. 

O engraçadinho deu uma inspirada forte. Soltou os braços:

— Eu só queria saber se posso confiar em você, Kentin.

— É óbvio que pode, merda. 

Armin ficou um tempo olhando para frente, refletindo, até que sua expressão se amenizou, desirijeceu:

— Desculpa. — se virou pro Kentin, quem deu um sorriso satisfeito.

Ambos deram um abraço -- as pazes pareciam feitas. A cena de repente aflorou um lado sentimental dentro de mim; não me contive em dar um pequeno sorrisinho. Por mim ficava  pra sempre naquele momento, estáticos, os três; mas agora tínhamos coisas pra resolver. Era hora de lidarmos com as consequências das nossas escolhas.

— Tá. — falou Armin, desgrudando o abraço, de volta à ativa. — O que vocês propõem? 

— E se no final… a gente tentasse escapar? — Kentin sugeriu. 

— Tá louco? Lembra do que a Shermansky disse? “Uma punição pior que a morte”. 

— Isso se fôssemos pegos… Você acha que eu e a Elsie não íamos dar conta? — ergueu os ombros em sinal de dúvida. 

— É claro que não. Sabe-se lá como que funciona a segurança daqueles muros. 

— Ainda sim é uma solução a se considerar… 

— Meninos. — falei. — Na real, acho que essa questão ainda tá um pouco longe de ser pensada… — mostrei a tela keypass na direção deles. — Daqui pouco tempo o sinal toca. Precisamos nos organizar. 

— Tá. O que vocês têm aí? — perguntou Armin. 

Começamos a fuçar nossos novos itens. 

Armin retirou um enorme taco de beisebol de dentro da cápsula. Ergueu-o acima dos olhos, observando seu topo. Kentin inspecionou as faces da faca de combate, verificando o reflexo dos próprios olhos na lâmina.  

O pânico me incendiou por dentro quando minha mão apanhou e retirou o que parecia ter o formato de uma pistola. Quando a luz iluminou o objeto fora da caixa, tive certeza que se tratava de uma arma de fogo. Segurei e senti o peso do material. A primeira e única coisa que conseguia ecoar na minha mente era: 

— Não sei atirar. 

Kentin estendeu a mão na direção da pistola e eu lhe entreguei. Ele avaliou a arma com uma atenção detalhada:

— É uma Taurus PT-57. Semi-automática. 

— Ok, o que isso significa e como você sabe disso tudo? — ri nervosamente.

— Eu treinei bastante uma época. — deu uma risadinha orgulhosa. 

— Fico feliz de não te ter como inimigo, sério. 

Kentin riu.

— Olha. — exibiu a arma na palma da sua própria mão. — Aqui você aperta e tira o carregador. — ele ejetou a peça e enfiou o cartucho de balas dentro.

Passamos uns quinze minutos com Kentin nos explicando o passo-a-passo e as mecânicas da arma. Como mirar, ponta de massa, cão; e vários outros termos técnicos que, dada a urgência da situação, eu pouco me importei de guardar. 

— Acho que entendi tudo, mas… na prática… 

— Você vai conseguir. Sério. No erro, somos em três. Então pensa que vai dar tudo certo. — Kentin abriu um sorriso pacífico, o que me trouxe uma pequena paz; um climinha de positividade. 

— Certo. — Armin puxou nossa atenção depois de tanto tempo em silêncio. — Agora bora pra parte que importa… O que vocês têm de comida?

Cutucamos o interior das nossas caixas.

— Biscoito de… nata? — falei, decepcionada, enquanto lia a embalagem. 

— … Feijão enlatado. — respondeu Kentin.

— Ah, não fode. — Armin retirou uma lata com sardinhas. — A gente vai morrer de fome. Perfeito.

— Pelo o que eu me lembro, a diretora disse naquela conferência que teriam coisas espalhadas pela escola em caixas como essas. Também nada impede que a gente roube de quem a gente conseguir.

— E o que será que vamos achar? Hm… ervilhas?! — ironizou Armin.

— Para de ser fresco. — falou Kentin. — A gente mistura tudo e faz a boa. Uma refeição completa. 

— Repugnante. — brincou Armin. 

— Somos franceses! — levantei o braço, brincando de patriota. — Capital da gastronomia! A gente tira algo de bom disso tudo! — uma aura positivista parecia me rondar. 

Armin deu uma risada:

— Contanto que não ponham peixe nisso, tudo ok. 

Continuamos a mexericar nossas caixas; ainda tínhamos o nosso item auxiliar.

— Eu tenho uma… granada? — falei; leiguíssima. — Shermansky perdeu a noção mesmo, não? Ela quer que a gente destrua a escola toda?!

— É bomba de gás lacrimogêneo. — corrigiu Kentin. — Pode servir se a gente quiser cair fora durante uma fuga sem ser visto. 

— Ah. Claro. — ri, sem jeito. 

— Eu tô com uma lanterna. — Armin retirou o objeto de dentro da caixa; ligou e desligou pra testar. 

— Eu… — Kentin remexeu nas bugigangas dele. — … tô com isso aqui?

Era um mini-aparelho. Kentin empurrou o botãozinho do mecanismo para o ON e uma pequena telinha ligou. Parecia um mapa da escola. Onde estávamos haviam três pontinhos amarelos. Ao expandir a tela, vários outros pontos semelhantes distribuídos pelo mapa.

— Bingou. — falei, sem conter o ânimo ingênuo que me veio. 

— Vai ser extremamente útil. — sorriu Armin.

Kentin sorria também, estupefato, bastante orgulhoso da própria escolha:

— Genial…

— Então deixa eu ver se eu entendi. — continuou Armin. — Parece que os itens são meio… equilibrados? Que nem as skills de RPG. Foda.

— E se a gente pensar bem, conseguimos cada um equilibrar o outro em algum ponto. — falei. 

— Convenhamos que essa deve ser a primeira vez que estamos preparados de verdade pra alguma coisa nessa escola.

Rimos os três; bobos, ansiosos… felizes? Ou talvez estivéssemos só evitando o nervosismo, o receio da culpa das vidas que teríamos que extinguir dali poucas horas? Era mais fácil levar assim; brincando, agindo como se tudo fosse parte de um jogo sem consequências, uma brincadeirinha inofensiva de pega-pega e esconde-esconde. 

Analisamos o tal GPS do Kentin. 

— Aqui. — apontei na tela. — Esse ponto tá por perto. E sozinho.

— De quem vai ser esse? — perguntou Kentin. 

Demoramos. A pergunta veio meio sem filtros, um pouco explícita; deixou a gente meio atordoado. 

— Pode deixar esse comigo. — falou Armin, sério, porém determinado.




[Jun]

 

Teoria e prática são coisas bastante distintas. Frase do senso comum, não é? E, sabe? Você só entende ela na prática. 

Digamos que na prática eu seja um killer; mesmo que, na teoria, não. O que isso mudaria em relação a mim e os outros killers? Teoricamente, nada. Mas, bem, na prática isso mudava muita coisa. Principalmente no que tangia pequenas cerimônias que somente killers que são -- na teórica, e na prática -- killers.  

Íris se enquadrava nesse último caso; era uma assassina em todos os aspectos. Diferentemente de mim, Íris tinha acesso às conferências que Shermansky reproduzia todas as noites depois de alguma morte (uma cerimônia conhecida como Relatório Diário), assim como tinha seus adoráveis cartões de homicídio. Íris, também, tinha sido convocada para a prova final, o verdadeiro desafio … como a diretora gostava de apelidar rudemente de Exame Final. 

Nessa nossa fase do jogo, Íris tinha, não só permissão, como obrigação, de estar num horário estipulado dentro de Sweet Amoris. Isso porque Íris era uma killer. Ela também tinha uma tal cápsula com armas e outros itens aguardando por ela no ginásio e uma série de novas bugigangas que Shermansky tinha enfiado no desafio. Tudo isso, porque -- como eu disse -- Íris era uma killer. Mas, como nessa ocasião, só a prática não vale, teoricamente, eu era um não-killer; o que me impedia de obter qualquer uma dessas assistências. 

Dito tudo isso, quero que entenda que pra participar do jogo, naquelas circunstâncias, precisei seguir algumas rotas alternativas… 

Desde que Shermansky tinha anunciado sobre o novo jogo, eu e minha adorável Íris precisamos botar a cabeça pra pensar; e elaboramos um plano! 

Como um não-killer, depois das ordens da diretora, meu keypass não estaria habilitado pra entrar no colégio, nem na cabine, nem pra pegar cápsulas. Por todas essas questões e, ainda desconhecendo tudo que a falta de uma porcaria de permissão me negaria, decidimos o infalível: não sair da escola! Sim, desde o anúncio eu me dispus a arranjar tudo o que pudesse pra minha sobrevivência. Me mantive durante uma longa noite escondido dentro da escola; mais especificamente, dentro de um dos boxes do vestiário masculino, onde nenhuma câmera poderia captar minha movimentação e me impedir de prosseguir com a estratégia.   

Então, depois que o sinal para o apanho das cápsulas se deu no ginásio, recebi instruções no meu keypass. “Vou pra sala C”, Íris escreveu na mensagem. 

Então tava tudo certo, pronto pra ser posto em prática. 

 

[-x-]

 

Para Eleonora Shermansky, aquele era o ápice do seu prazer. Um deleite! Observar todos os killers, cada um em uma das telinhas da sua sala de transmissão era um entretenimento contínuo e sem tréguas para o tédio. Apreciar suas mais variadas estratégias e aflições era… um conforto. 

Totó estava em seu colo, como de praxe, recebendo afago no focinho. Pobre animalzinho, desconhecia a maldade humana e, principalmente, de sua mestra. Os outros cães de Eleonora, no entanto, reconheciam sua crueldade. 

Poucos metros às suas costas, estava outro cãozinho—- pobre e indefeso, porém não tão inocente --, sentado sobre um dos assentos da sala. 

— O que está achando disso tudo, hein, Faraize? — sorria, entretida com os monitores. — São como bonequinhos. 

O homem, visivelmente incomodado, pigarreou antes de responder:

— A-aquela tela… — apontou. — Jun Miyano. É ele, não é? Um dos meus melhores alunos. 

— Ele mesmo. Eu o considero… promissor, até.

— M-mas… ele é um aluno comum! Não seria melhor i-intervir?! 

Um riso energético contagiou Shermansky:

— Deixe ele… Tudo que é novo pode ser interessante para nós. Não é como se ele fosse capaz de arruinar alguma coisa.

E depois voltou-se para Peggy, que também ocupava um assento ali à retaguarda da tia, num sofá amplo, polidamente sentada sobre as coxas de Jade com um celular em mãos.

— E os nossos telespectadores, Peggyzinha? — perguntou.   

Peggy se ajeitou sobre o rapaz e verificou o apetrecho. Sorriu:

— Estão apostando bastante na Cotton. 

— Perfeito. — Shermansky não conseguia conter a excitação em sua expressão. 

Ela depositou seu foco para dois monitores específicos, lado a lado, exibindo sob ângulos diferentes a filmagem de um dos corredores do instituto. Três sujeitos passavam em grande velocidade pela gravação, agitados feito macacos prestes a estraçalhar uma presa indefesa. Deu uma atenção especial à última ocupante da fila: Elsie.  

— Eu não esperaria menos do monstro que a Agatha criou… 





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