Identidade Homicida escrita por ninoka


Capítulo 21
Moldura


Notas iniciais do capítulo

Capítulo escrito há meses atrás, ideia criada após ler pela primeira vez Ticci Toby(meu filho lindão, ninguém toca -n). ♥
Vou deixar que descubram o narrador, o que tá BEM na cara. E tem uma musiquinha ambiente pra vocês. Boa leitura!



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Abro os olhos e, mesmo com certo desconforto, posso enxergar o ambiente: uma sala média, de móveis brancos e limpos. Eu estava deitado sobre uma maca dura, trajando uma roupa hospitalar azul, com o braço ligado à uma bolsa de sangue. A claridade da lua penetra as frestas da cortina, mergulhando o cômodo em um profundo tom de anil.

Meus olhos estavam tão pesados e carregados.. Tudo por causa dos malditos farfalhos que me impediam de dormir por várias noites. Deitar, acordar, ser servido pelas enfermeiras, repor os analgésicos e siringas fora minha rotina desde que fui retirado do coma induzido, há poucos meses.

Três súbitas batidas na porta e esta se abriu. Com a mão na maçaneta, a enfermeira anunciou simpática:

— Oh, já está acordado, pequeno Jade? Temos uma visita para você.

“Uma visita?” - pensei comigo mesmo, ainda sonolento.

Levava algo oculto em suas costas e um sorriso básico no rosto. O vestido verde, os cabelos curtos e ondulados, as sardas pelo rosto.. Peggy Tetzner.

— Têm algumas horas para conversarem à vontade. - disse a enfermeira, que logo deixou o ambiente.

A rapariga veio em minha direção e moveu seus lábios carnudos com euforia:

— Quanto tempo. Ainda se lembra de mim?

Incapacitado de falar, apenas remexi a cabeça como uma afirmação.

— Que bom! Veja, trouxe isso para você!

De trás de suas costas, a garota retirou um ramalhete de lírios e estendeu a mim. Encarei-a, e com as mãos trêmulas, apanhei a prenda, deixando esta sobre meu colo. Ela sentou-se na borda da maca, produzindo um rangido pelas molas do colchão.

— Soube que ainda está sem voz. Suas cordas vocais tiveram de passar por uma longa cirurgia após o incidente. A região atingida comprometeu parte delas.

Não compreendi o motivo da visita inusitada. Logo, deitei a lateral do rosto devolta ao travesseiro, aprontando-me para cair no sono.

— Ei, Jade. - continuou. - Você se lembra do que aconteceu?

Não, não por completo. Talvez eu só me lembrasse do momento em que...

Foram eles. Eles tentaram liquidá-lo.

Remexi a cabeça num sinal negativo antes que as vozes influenciassem minha resposta. A garota apoiou as mãos sobre a cama, aproximando-se de meu rosto:

— Tem... certeza? - sorriu.

Paralisei ao tentar recordar-me. Minha cabeça passou a latejar, desde os olhos à nuca, como se fosse perfurada por uma lâmina. Compressei as mãos bruxuleantes sobre os ouvidos e comecei a grunhir feito um animal apunhalado. A traiçoeira rapariga parecia satisfeita com o resultado de sua pergunta, como se já soubesse sobre seus efeitos colaterais.

Foram eles. Não se recorda?

As vozes estão rindo de mim - de meu desespero e cólera. Olho em volta, a ala já não é a mesma: Não passa de um espaço cósmico e frio, onde os risos endemoniados ainda atormentam-me. As alucinações sempre foram meu ponto fraco. Embora que eu conviva desde a infância com tais perturbações, nunca me habituei ao pânico e horror que estas me proporcionam. Fechei os olhos para não presenciar qualquer movimento indesejado.

Eu posso ver você.

“Parem!” - penso, ainda com as mãos sobre os ouvidos. - “Parem, por favor!”

Retornei desesperado, transpirando e de respiração arfante. Comecei a me acalmar e coloquei a mão no próprio peito sentindo meu coração. Houve o retorno de algumas sensações e memórias.

Peggy ainda sorria:

— Agora você se lembra? Se lembra dos responsáveis por lhe tirar a voz e orgulho, além de fazer com que viva este inferno hospitalar?

Sim, se me lembro. Aqueles dois.

— Mas, apesar disso, você ainda está vivo. E... Sabe por quê?

(...)

No crepúsculo doutro dia, olhei-me no espelho de um banheiro escuro do hospital. Meus cabelos estavam tão crescidos, as olheiras tão profundas.

— Jade. - iniciou ela, com as costas apoiadas sobre o batente da porta aberta. - Como se sente?

Abri a torneira e levei um pouco d’água ao rosto. Com a cabeça ainda baixa, o líquido pingava:

— Um pouco melhor, eu acho. - respondi com uma voz rouca.

— Estou botando toda minha confiança em você.

— Não se preocupe. - apanhei uma toalha qualquer para secar a face. - Foi você quem impediu que os ajudantes de Shermansky levassem meu corpo. Se ainda estou vivo, devo isso a você.

No fundo do reflexo, notei que Peggy sorriu. Ela desprendeu-se da parede, vindo em minha direção. Cessou seus passos às minhas costas, apanhou meus cabelos e prendeu-os com um elástico:

— É melhor assim. Seu rosto fica mais visível, gosto dele. - repousou suas mãos sobre meus ombros e encarou-me pelo reflexo do espelho.

Parecíamos uma moldura. A moldura de uma.. Família.


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Notas finais do capítulo

Jade tá vivo e é esquizofrênico, EU JURO QUE PARO COM AS BRISAS.
Pra quem não sabe, esquizofrenia é um trastorno mental onde o indivíduo costuma ter alucinações, e não sabe distinguir o real do imaginário.
Bem, por hoje é isso! Até!