Identidade Homicida escrita por ninoka


Capítulo 14
Espelhos


Notas iniciais do capítulo

Olá! Me desculpem a demora, aí embaixo explico o porquê. ;-;
Antes de tudo, eu gostaria de pedir um favorzinho a vocês ~lá vem~. Fui selecionada para o voto popular em um concurso de redação da minha região(tô surtando). E, eu gostaria que vocês deixassem alguns votinhos em "O Brasileiro". Deixo o link nas notas finais.
Bem, o maior capítulo que escrevi nesta Fanfic, num momento. Há um "►" com o url do tema musical de cena - sugiro que empurrem o link para outra guia, o Nyah tá com bug.
Espero que gostem, do fundo do meu coração.. ♥



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A tarde na casa de Murple foi ótima. Comemos alguns biscoitos, conversamos sobre nossas novidades e, como sempre, sobre botânica. Estávamos na frente de sua casa para a despedida, quando ela disse com um sorriso:

— Traga seus amigos para cá quando puder. Adoraria conhecê-los!

— Está bem! - acenei de longe, entusiasmada.

O céu já enegrecia quando pus os pés sobre a calçada do endereço indicado por Armin. Era um enorme prédio verde; do tipo de ambiente na qual passei toda minha vida percorrendo cada corredor: Um hospital de internação.

Me perguntei sobre o que teria acontecido com seus familiares.

Assim que adentrei à recepção, Armin já estava à minha espera apoiado sobre o balcão. Ele não parecia eufórico ou vistoso como sempre. Embora tentasse dissimular, carregava um semblante melancólico e o olhar úmido. Aproximei-me e perguntei, com um sorriso, para tentar amenizar a atmosfera:

— E então, vamos? A não ser que... tenha desistido.

O garoto entreolhou-me e forçou-se alegre, talvez para não aparentar antipatia:

— Não costumo mais quebrar promessas.

Seguimos para os corredores em busca da ala desejada. Caminhava às costas de Armin, e este, não voltou-se para trás em momento algum. Ele andava de forma lânguida e cansada.

O cheiro de higienização e álcool, o clima glacial e corredores médios. Todos os elementos tomavam grande parte de minhas lembranças da época em que tia Agatha ainda era viva.

Finalmente paramos em frente a porta correta. Armin pôs as mãos trêmulas sobre a massaneta, e girou-a com certo impasse.

“Vamos Armin, coragem.” - pensei.

Ao entrarmos na ala, fechei a porta com sigilo e guiei-me até a maca. Doutro lado do gabinete, Armin jogou-se na poltrona para visitas, apoiou os cotovelos sobre os joelhos e abafou o rosto entre as mãos. O ruído do eletrocardiógrafo era como um som-ambiente. Talvez, para Armin, cada apito mais agudo fosse motivo de esperança.

Inclinei-me para a maca e, ao observar o desfalecido nela deitado, arregalo os olhos com espanto:

“Gêmeos?!”

Não era possível! Eliminando as cores de cabelos, naquela sala haviam dois clones!

[Armin]

Queijo e três xícaras vazias postas sobre a toalha florida da mesa. Pela porta aberta, o cheiro do chuvisco invadia a casa.

Eu, de meus nove anos, estava de pé a um pequeno banco de madeira. Escorando os braços sobre a pia, observava meu pai aprontando o café preto. Em cima da geladeira, o televisor anunciava às previsões do tempo.

— Por que não vai lá fora com seu irmão? – perguntou meu pai, coando o líquido.

— Está chovendo, não vê?

Soltou um suspiro e disse sem encarar-me nos olhos:

— O que dizer sobre uma geração que não aproveita uma boa chuva?

— Eu só não quero pegar um resfriado. – argumentei revirando os olhos.

Houve alguns segundos de silêncio, ouvia-se apenas o tilintar da chuva e o narrador da TV. Meu pai tornou a comentar:

— Daqui a alguns anos, Armin, você terá uma casa, um emprego e uma família. A partir daí, terá muitas responsabilidades e deveres. Por isso, tente aproveitar sua juventude ao máximo. Aliás, também aproveite sua infância, a adolescência está mais próxima, e ela também tem lá suas restrições e crises. Tudo passa muito rápido, tão rápido que você mal percebe. – dizia aos suspiros de descontentamento.

Era sempre aquele mesmo papo furado. Mas o que dizer sobre meu pai? Um sujeito simples, que na época tinha suas três décadas vividas. Criou família cedo, do mesmo modo que também perdeu seu único e primeiro amor - minha mãe. Tornou-se frustrado. Com receio de que os filhos fossem vítimas do mesmo destino.

— Pai, você vive dizendo isso. – finalizei apoiando o cotovelo sobre a pia e a mão fechada sobre a bochecha.

A veneziana balançava levemente, trazendo a essência da terra molhada e fundindo-se com o cheiro do café.

De repente, pelos umbrais da porta, mostrou-se uma figura pequena e de cabelos negros; cópia minha. Escorava-se à soleira, com a respiração pesada. Encharcado, com a vestimenta cheia de lodo e um incrível rasgo no joelho. Seus olhos marejavam e os lábios tremiam, não demorou para que se acabasse em prantos.

— O que foi, Alexy? - perguntou meu pai com certa indiferença.

— Meu joelho. D-dói.

— Armin, vá pegar um curativo para seu irmão.

— Falei que era má ideia sair na chuva. – reclamei.

Levei Alexy até uma das cadeiras da mesa, sentei-o. Peguei alguns cubos de gelo armazenados, embrulhei-os em um lenço e deixei por cima de seu machucado. Alexy espremeu os olhos.

— Se sente melhor, seu chorão? – perguntei com um sorriso. Mas afinal, protegê-lo era meu dever como irmão mais velho.

— S-sim. – forçou-se feliz.

Era fato: um de nós advertia, o outro se opunha e depois, acabava por se arrepender.

Inesperadamente, com nossos quatorze anos, meu pai deixou levar-se pela depressão. Mesmo assim, eu e Alexy continuávamos com o mesmo espírito unido - até mais que antes.

Nossa juventude chegara. Talvez, com crises e perturbações mais exóticas que as de um jovem comum.

(...)

Estávamos há meio ano no colégio. Naquele tempo, eu e meu irmão já havíamos nos recuperado da morte de nossos pais. E Kentin, tornara-se nosso grande companheiro.

Além de uma bolsa de estudos concebida pela diretora, ela sempre nos dava permissão para irmos aos nossos serviços de meio período, com eles, poderíamos remunerar nossos gastos do colégio - ou comprar videogames, também. Shermansky, provavelmente, só nos aceitou diante de tais condições pois conhecia nossos familiares desde a adolescência.

Eram tempos de quietude; raros em nossa vida. Uma pena que durassem tão pouco.

(...)

De respiração anelante e passos ligeiros, percorria o colégio à procura dele. Já entardecia.

As luminárias brancas eram acionadas. Os alunos saíam exaustos de seus clubes extracurriculares; conversando uns com os outros e produzindo murmúrios insuportáveis pelos corredores. O céu possuía um abóbora vibrante e grosseiro, mesclado de acanhadas pinceladas roxas.

“Daqui a pouco é horário do toque de recolher. Aonde aquele idiota foi?!” - pensei referindo-se ao meu irmão, Alexy.

Desde a infância, sempre fui de cair em emboscadas e arranjar discussões - mesmo estando cinco meses naquele colégio, a sala de detenção era como meu gabinete exclusivo. Felizmente Alexy não era assim, sempre fora sociável, gentil e um tanto eufórico. Éramos como reflexos de um espelho: Idênticos, porém opostos. Sem um, o outro não teria motivos para estar lá.

Como Alexy nunca se atrasara para o toque de recolher, eu pressentia que havia algo errado.

Ultrapassei o corredor principal, alcançando o pátio.

Fitei um trio de garotos, todos agachados ao redor da piscina. Estiquei o pescoço e espremi um pouco dos olhos para que pudesse ter uma visão mais nítida: um dos garotos fazia movimentos bruscos com os braços, como se empurrasse algo para dentro do tanque de água. Os outros dois riam endiabradamente. Mesmo com o escuro da tarde, foi possível reconhecer o que os proporcionava tanto divertimento: Alexy.

Aquilo, aquela cena; tudo foi mais que o suficiente para que meu sangue fervesse. Toda minha irracionalidade e tirania foram desencadeadas.

Clamei e corri o mais rápido que podia, porém a cena sucedia de forma vagarosa, como se aos meus olhos, tudo fosse visível. Neste lento processo, observava seus semblantes travessos, e meu irmão, tão submisso e infeliz.

O trio assustou-se com meu brado. Viraram-se amedrontados e puseram-se a correr feito um bando de ratazanas. Eu teria corrido até eles e os socado até deslocar-lhes a mandíbula, mas Alexy estava a se afogar. Tendo em vista que este não sabia nadar, salvá-lo era minha prioridade.

— A-Armin! - exclamava debatendo-se, ao mesmo tempo que tentava inalar um pouco do ar fresco.

Agachei-me ao seu lado e apanhei suas mãos com força, em seguida, puxei seu corpo para fora da piscina. Alexy caiu de joelhos ao solo musgoso, levando consigo, uma boa quantia de água que encharcava as roupas coloridas. Olhando fixamente para o chão, ele tossia com a água sufocada em sua garganta, utilizando meus ombros como sustento.

— Alexy, você está bem?! - franzi a testa, rebaixando o olhar na direção de sua face.

Recuperando-se, ofegante ele respondeu:

— Obrigado... Armin.

Suspirei num alívio. Mirando-o de cima, perguntei-lhe:

— O que mais eles fizeram com você?

— Nada. - sua voz era monótona.

— Alexy, eu vi o que eles estavam fazendo. Eu só quero saber se te xingaram ou coisa do tipo.

Demorou em responder:

— Não. Não fizeram nada.

Levantei seu rosto com minhas mãos, sem previsões:

— O que aconteceu?

— Nada. Já disse. - desviou o olhar, afastando minhas mãos.

Impaciente, exclamei:

— Pare com isso! Eu sei que eles te falaram algo ruim!

Notei seus lábios trêmulos; sinal de que estava prestes a chorar. E, de súbito, contornou seus braços em meu pescoço, abraçando-me com um sufoco. Arregalei os olhos, enquanto ouvia seus soluços:

— Foi horrível! Eles… Eles disseram que eu nunca serei alguém na vida. Que eu sou um pecador!

“Se eu tivesse chego antes, ninguém teria lhe causado sofrimento.”

Alexy é homossexual. Confesso que nunca vi nada de anormal nisso, mas ainda assim, pessoas de mentalidade fechada tentam nos enfiar seus conceitos pré-históricos garganta abaixo. Um bando de falsos moralistas!

— Calma Alexy, eu não acredito que está dando atenção ao que eles falam. - sentia seu rosto quente em meu ombro. - Você sabe que isso não tem nada haver.

Alexy afastou-se por um momento, enxugando suas lágrimas com a ponta da manga abóbora do casaco:

— Eu tentei não ligar, mas daí eles me agarraram e começaram a rir de mim.

Alexy: sempre tão eufórico e alegre. Vê-lo daquela forma fazia com que eu quisesse cravar uma faca em qualquer um que aparecesse na minha frente. E, a partir daquele momento, senti que algo desvanecia em meu interior:

— E o que você quer que eu faça?

Voltou-se para mim com o olhar desentendido:

— C-como assim?

— Aqueles caras precisam de uma boa surra, não acha?

— Não! Nem pense nisso! Talvez se contarmos para a diretora, ela os dê alguns dias de detenção.

— Eu sou a prova de que detenção não serve pra nada.

— Não, Armin. Escute o que estou falando. Daqui uma semana será um dia que espero há muito tempo, portanto, sem discussões. Promete? - fitou-me com olhar de censura.

Suspirei e respondi com um resmungo:

— Está bem.

(...)

Dias depois, Alexy caminhava radiante, sorridente e falante - parecia regenerado. E eu estava feliz por vê-lo daquela forma. Todavia, não me sentia satisfeito por aquelas ratazanas terem se saído ilesas. Eles, certamente, precisavam de alguma punição.

Desde o ocorrido, encostar a cabeça sobre o travesseiro e dormir tranquilizado parecia um desafio. Contorcia-me de um lado para o outro na cama, suado e paranoico. Acordando noite após noite, com o pensamento de que meu irmão estava a se afogar, bradando horrorizado. Eu pressentia algo estranho, mas que no fundo era afável e acolhedor.

— Armin, Armin! - dizia Alexy, com empolgação. - Você vai mais tarde no ginásio ver minha apresentação, não é?

Um pouco distraído, respondi:

— Ah, claro. - sorri.

Naquele dia, um diretor de filmagem compareceria ao colégio “para a busca de novos prodígios”, como diziam. Os participantes deveriam apresentar um monólogo que, nas artes dramáticas, é basicamente uma peça interpretada por apenas uma pessoa.

Enquanto isso, num camarim improvisado feito no vestuário masculino, Alexy mantia os últimos retoques de uma maquiagem artística, semelhante a de um mímico colorido. Em frente ao espelho, realizava algumas caretas estranhas e exageradas.

— O que é isso, Alexy? - perguntei risonho, com as costas apoiadas sobre um dos armários e braços cruzados.

— É o “aquecimento facial”. - respondeu com uma risada, pouco tímido.

— Está ansioso?

— Se estou! Acho que vou acabar borrando a maquigem se não parar de suar.

Era empolgante ver o quanto Alexy levava aquilo a sério. Permaneci observando-o com um sorriso orgulhoso, que logo murchou, dando origem à um semblante inexpressivo. Minha visão desfocou e petrificou-se, e então, fui mergulhado em um tranze profundo. Que sensação aquela? Tão Inefável e vazia - tão morta.

— Armin. - Alexy remexeu meu ombro, ele já vestia as roupas teatrais. Por quanto tempo adormeci?

— O que? O que foi? - questionei desatento.

— Já está na hora. - esclareceu com tremor.

— Já?!

Ele abanou a cabeça num sinal afirmativo. Sorri travesso e dei uma batida de leve em suas costas:

— Sobe lá e arrasa.

Alexy sorriu alegre, seus olhos inundaram-se com água. E então ele me puxou para mais um de seus abraços sufocantes:

— Obrigado.

Permaneci observando-o do camarote, lateralmente. Não era uma perspectiva muito privilegiada, mas achei que deveria continuar ali, dando suporte a meu irmão.

Quando ele pôs o pé sobre o palco madeireiro, era visível seu nervosismo. Antes que a cortina carmesim erguesse-se por completo, Alexy lançou-me um olhar e expirou fundo. Fiz um sinal positivo com as mãos, indicando que tudo daria certo. Ele sorriu e voltou a olhar para a platéia, agora muito confiante de si.

O monólogo mal iniciou e Alexy conseguira arrancar uma penca de risos dos expectadores. Foi incrível. Afinal, ao julgar por seu repertório de piadas, nunca imaginei que ele tivesse talento para comédia.

Desloquei minha atenção aos presenciadores: estava lotado! Kentin, que sentara em uma das primeiras fileiras, estava com o rosto vermelho de já tanto rir. Até alunos sem senso de humor - Nathaniel - tinham seus breves acessos de risos. Alexy mostrava-se tão contente.

Era um agradável clima de festividade; cheio de risos e aplausos.

Mas, entre todas as gargalhadas, uma delas chamou minha atenção em especial - uma risada falsa e debochada. Guiado por meus ouvidos, voltei-me mecanicamente para um dos cantos da plateia. Lá, com muito escárnio, deparei-me com o trio de ratazanas.

Embora os risos dos demais espectadores anulassem suas vozes, com uma leitura labial, era possível notar que o grupo vaiava Alexy. Meu corpo estremeceu de raiva.

Tinha de ser eu, ou ninguém mais o faria. Deveria ser naquele momento, ou, depois, seria tarde de mais. Eu era seu irmão mais velho, portanto, deveria protegê-lo custe o que custasse: Um braço, uma perna.. Uma vida.

Fui guiado pelo enfurecimento e irracionalidade.

Assim que movimentei-me do camarote para o palco, toda a platéia ficou desentendida.Transpus o palanque e desci a pequena escadaria, indo a encontro do trio com o punho apertado. Àquela altura, Alexy havia parado de encenar. Toda atenção fora voltada à mim, porém, não é como se eu tivesse notado. Meu corpo já não agia por conta própria e minha mente não atendia às minhas ordens. Era apenas um recipiente de ódio controlado por instintos. Cambaleei até o rapaz que afogara meu irmão sobre o tanque d’água. As lembranças do brado encolerizado de Alexy tomou minha mente.

O rapaz encarou-me com o olhar evasivo, talvez, sem saber qual seria meu movimento. Seus parceiros também se entreolharam confusos.

De súbito, soquei o punho em seu nariz - senti um estalo - e ele caiu, torcendo-se pelo chão. Sentei sobre seu abdômen e passei a socá-lo na face, sem ao menos ter ressentimento sobre aquilo. Eram pancadas fortes, afinal, em um dos atos, senti sua mandíbula deslocar-se. Me sentia tão... vivo.

Antes doutro ataque, algo agarrou-me pelo tórax e puxou-me por trás, impedindo que eu realizasse o feito.

— Armin, pare com isso!

Quando a voz ressonou meus ouvidos, tornei-me pensante outra vez.

Foi quando notei que todos estavam fixados em mim, horrorizados. Ponderei por cima de meus ombros: fora Kentin quem impedira-me de continuar à agressão. Fronte mim havia o desfalecido, sendo acudido por seus colegas. Olhei para minhas mãos, sujas de pecado. E, a vista mais inesquecível da noite: Alexy, meu irmão, petrificado sobre o estrado, carregando o semblante mais perplexo do que de todos os outros já vistos. O arrependimento acercou-me:

— Alexy, e-eu...

Não dirigiu-me palavra alguma, mas seu olhar equivalia à uma apunhalada no peito. Corroía tanto em pensar que eu era a causa daquela expressão.

— E-eu não tive inten...

Ele desceu as escadas do palco e correu para fora do ginásio. Sem suportar o peso na consciência, caí de joelhos.

Enquanto todos a minha volta faziam rebuliços para compreender melhor sobre o que ocorrera, Kentin tentava contê-los. Apenas abaixei o rosto e engoli minha melancolia, que infiltrou-se com certa complicação pela garganta.

(...)

— Alexy, por favor, me ouça! - exclamei de pé às suas costas. Estávamos em nosso antigo dormitório do colégio.

Agachado, ele retirava algumas roupas de uma gaveta e as socava dentro de uma mala.

— Não queria estragar sua apresentação. Você tem que entender que...

— Já chega! - bradou. - Eu já não sou muito bem falado nesse colégio, principalmente pela sua má fama com os professores. De “O gayzinho, irmão do estranho”, eu passaria a ser chamado de “O gayzinho, irmão do doente”. Entendo que não queira levar seus estudos ou seu futuro a sério, mas pense que aquela peça era um grande passo para mim.

Meus olhos encheram-se de água.

— Eu falei para que você não criasse mais discussões e que tudo estava resolvido. Você se lembra, não lembra? Sempre foi assim: quando um de nós não leva as advertências a sério, logo quebra a cara. - ele finalmente fechou o zíper da bolsa e levantou-se.

— Espera, aonde você vai?

Voltou-se para mim e respondeu com olhar de censura:

— Para qualquer lugar, longe de você.

Meu peito sentiu um aperto, como se fosse esmagado. Alexy retirou-se do cômodo e fechou a porta violentamente.

Trêmulo de raiva e ódio sobre mim mesmo, tudo tornou-se negro. Brami furioso, e corri para o primeiro objeto que vi pela frente, jogando-o no chão. Parti cerâmicas, destruí adornos, rasguei cortinas e fronhas. Tudo estava distorcido; assim como minha sanidade.

“Será possível que isso está acontecendo?” - pensei arfante, exausto após destruir os móveis.

Minutos depois, a porta abriu-se:

— Ar... O que houve aqui?! - inquiriu Kentin, surpreso com o panorama.

De minhas mãos esparzia o líquido escarlate, resultante do impacto com vidros. Elas ardiam, assim como meus olhos, inchados pelo choro.

— O que é isso?! Onde está Alexy?!

— Ele foi embora. - respondi monotamente.

— Essa não... Venha, rápido! - puxou-me pelo antebraço.

Fui impulsionado por Kentin por todo colégio. Assim que chegamos ao pátio, ainda arrastou-me para fora da instituição.

— Para aonde estamos indo?! - interroguei com preocupação.

— Houve um acidente na rodovia aqui perto. Na reportagem havia corpos sendo levados e, entre eles... - sua voz tremulou.

Chegando à cena, Kentin perguntou a um dos policiais para onde foram transportadas as vítimas e um de seus ajudantes levou-nos ao hospital.

“Se eu o tivesse impedido, nada teria acontecido.“

Sufocado e ansioso, ultrapassei uma pequena fila de clientes à espera de atendimento. E que, como esperado, começaram a insultar-me.

— Onde está meu irmão?! - soquei a mesa da recepção com veemência, ignorando a dor da mão.

— Q-quem é seu irmão, garoto? - balbuciou a atendente.

— Ele é uma das vítimas do acidente de agora pouco. - intrometeu-se Kentin. - Poderia nos informar em qual ala está?

— Sim, mas é claro. Só preciso de alguns documentos....

— Eu preciso vê-lo AGORA! - bradei.

— Armin! - censurou Kentin.

— Desculpe, mas não é assim que funciona, garotinho.

— Danem-se vocês, eu mesmo procuro! - exclamei frenético.

Corri e abri a porta dupla, pondo-me a fluir pelos corredores brancos de luz esverdeada. Talvez por uma espécie de intuição, segui para onde meu corpo ordenava. Eu desejava tanto voltar no tempo e impedi-lo de despedir-se. Pois, apesar de tudo, não pude desculpar-me devidamente.

Abri a porta e fitei seu corpo aparelhado sobre maca, ainda recoberto de sangue. Corri até ele e encarei-o de perto. Meus olhos carregaram-se de lágrimas. Não pude conter o desespero abafado no peito, e passei a soluçar alto; cada vez mais alto.

“ — Se sente melhor, seu chorão?

— S-sim.”

— Armin! - exclamou Kentin à porta da ala.

Ele adentrou o cômodo e aproximou-se lentamente do leito, onde permaneceu estático e frustado. Enquanto, eu, agachei-me ao lado da cama, tremeleando de desespero, repensando sobre meu fracasso.

(...)

Dias seguintes, Shermansky clamou por mim até seu gabinete. Estava preparado para ser convidado a retirar-me do colégio. Não me faria diferença, aliás, por que permanecer num local onde a maioria evita olhar para você?

— Eu vi o que você fez. - disse a diretora de pé, com as mãos atrás das costas. - Fiquei surpresa com seu comportamento. Aquilo foi...

— Já estou arrumando minhas malas. - interrompi antes de ouvir quaisquer insultos.

— ... Esplêndido! - seu semblante avivou-se.

Permaneci em silêncio. Ela estava caçoando da minha cara?

— Armin, - continuou com um sorriso. - Já pensou em utilizar toda sua “fúria” para um bem maior? Para algo que vá lhe garantir benefícios?

[Elsie]

— Meus objetivos, Elsie, podem parecer um tanto sonhadores para você. Mas creio que se eu conseguir o grande prêmio, assim que Alexy sair do coma, poderemos nos mudar para um lugar bem longe daqui. Onde viveremos sem nos preocupar com mais nada. E ele finalmente terá a felicidade que tanto merece.

— Um desejo muito bonito. São raros irmãos como você. - sorri.

Ignorando meu comentário, ele continuou com acanhamento:

— E, bem... Agora que adquiri bastante confiança em você... eu faria de tudo para te fazer desistir dessa sua ideia de vingança...

— O que?

— Pense: Isso não te levará a lugar algum. Eu já cometi este erro e não desejo que faça o mesmo.

Realmente, parei por dezenas de vezes para repensar sobre o que estava prestes a fazer. Contudo, vindo de outra pessoa, tudo torna-se mais sério.

— Mas...

— Elsie. - olhou firmemente para meus olhos. - Apenas continue naquele colégio como uma aluna normal, sem envolvimentos em assassínios ou sem esquemas vingativos. No final, quando sobrarmos apenas nós dois, você pode infringir alguma regra que lhe tire do jogo. Quando eu vencer, dividimos a quantia que eu conseguir. E daí poderemos...

— ... seguir nossas vidas? - completei com certo impasse na voz, o olhar evasivo.

Armin pareceu perplexo, demorando em responder:

— C-claro. Por que não?

Muita coisa passou-se por minha cabeça. Mas apenas virei o rosto, respondendo-o monotonamente:

— Nada.

Retornamos ao colégio à noite, fatigados.

Cheguei à conclusão de que a diretoria nunca tomou as devidas providências aos agressores de Alexy, porém, tornou inativa a piscina.

Final da noite, questionei Armin sobre algo que ainda martelava em minha mente: Se aquele tanque d’água fora onde seu irmão sofrera, por que aquele fanatismo em sentar-se próximo a ele ao lanchar? Sua resposta? Um tanto inesperada...

Assim, consigo me lembrar de todas as bobagens que causei a Alexy, e de todo o meu fracasso como irmão. Isso, de certa forma, nutri parte do meu corpo. Uma parte que deseja, mais que tudo, sentir rancor. Rancor de mim mesmo.


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Notas finais do capítulo

Me senti um monstro por ter feito isso com Alexy. ;--; HFJDHF Além de ter tornado o Armin um depressivo. q
"E, a partir daquele momento, senti que algo desvanecia em meu interior" isso soou tão Creepypasta.
Me desculpem por qualquer erro - me reportem nos comentários caso haja algum.
Aqui, o link da redação: http://www.cameraeducacao.com.br/votopopular_globo.aspx
É "O Brasileiro." fghdugh
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Até logo! Kissus!