Deixe-me te proteger escrita por Vlk Moura


Capítulo 15
Ela Me Salvou




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/507799/chapter/15

Ficamos parados amedrontados, eu, o anjo guerreiro e o demônio, estávamos imóveis pelo medo que corria em nossas veias, eu sentia minha pele disfarçada em tom humano assumir uma coloração esverdeada olhei para a feiticeira, ela parecia concentrada, suas pernas falharam, ela fitou o anjo que hesitou por alguns instantes e com o olhar triste Yeva se desviou para Merlim que ainda dormia sequer parecia ter ouvido a confusão e o arrombamento de porta. A feiticeira cambaleou até ele, a força que usara para erguer Julio parecia ter se esvaído tão rapidamente quanto o seu despertar.

– Obrigada - ela sussurrou em uma voz tão angelical que um arrepio subiu pela minha espinha e não parecia ter sido diferente para meus dois companheiros - Agora, te mandarei de volta a seu posto, desculpe o transtorno.

Merlim se remexeu, um portal se abriu na cama fazendo com que ele caísse no nada, ao se fechar o portal permitiu que um vento gélido penetrasse em nosso quarto, a feiticeira pareceu não perceber, seu corpo vacilou e ela despencou sobre a cama, nos encarava de bruços apenas o rosto virado em nossa direção, ela parecia uma boneca largada de canto, o olhar vazio até um sorriso se projetar em sua face. Ainda tinhamos muito medo para tentarmos qualquer coisa.

– Sabia que ficariam assustados, mas isso está sendo ridículo.

Duncan foi o primeiro a sair do transe.

– Yeva? -ela apenas movimentou os olhos para olhá-lo, suas energias haviam esgotado para qualquer outro movimento - O que você fez?

– Com Merlim? - ele não a respondeu - O mandei de volta para onde o encontraram, aquele velho não pode ficar muito tempo longe de casa - ela me olhou, pareceu sorrir, mas metade de seu rosto estava no colchão então dizer o que ela fez é difícil.

Ficamos em silêncio a olhando, minha mente e a dos dois guerreiros estavam conectadas, tentávamos conversar entre nós, mas até mesmo algo tão particular era difícil de ser feito conosco nesse estado. Aos poucos os movimentos da feiticeira foram voltando ao corpo, ela se esforçou até conseguir se sentar e ao fazê-lo me olhou e sorriu, o sorriso que em minha memória era caloroso e me fazia recordar vários momentos, mas que neste instante era algo estranho.

– Vocês não confiam em mim - ela falou finalmente, parecendo se conformar com isso - Não os culpo, eu mesma não confio, já não sei o que são minhas memórias verdadeiras e o que não é. Viver manipulando a todos assim é desgastante, acho que já perceberam isso. - ela suspirou cansada - Eu gostaria de pedir desculpas, mas sei que ninguém nesse quarto irá me desculpar. Nem mesmo ele - ela olhou Julio, eu o olhei, o sábio dormia pacificamente como se não tivesse extrapolado seus poderes - Eu acho isso triste, porque sei que nem mesmo o pai dele vai me perdoar quando a hora chegar. - eu a olhei.

Quando a hora chegar, o que ela quer dizer com isso?

O pai de Julio é Miguel, um arcanjo, os arcanjo são os seres mais puros que podem ser encontrados por aqueles que escolheram viver no meio dos pecados, se nem mesmo o líder dos puros poderia desculpá-la o que ela fez de pior? Teria nossa feiticeira enganado o poderoso Miguel e fingido o amor que sentia por ele? Pensar dessa forma fez com que meu corpo esquecesse de respirar, engasguei sem oxigênio, ela me olhou, parecia entender o que eu pensava.

– Não, eu não o enganei se é nisso que você está pensando - Duncan e Kalevi me olharam curiosos - Sou um tanto abusada, mas ainda não beirei a loucura, enganar um arcanjo seria o pior erro na vida de qualquer um. - ela sorriu, movimentou as pernas e se ergueu novamente, encarou o anjo e o demônio - Sei que vocês dois ainda me acham um monstro - Duncan fechou a mão como se fosse dar um soco em alguém, seus ombros ficaram tensos - mas... - ela perdeu o tom - mas prometo que essa dor não irá durar por muito tempo - ela caminhou até a porta arrombada - Comigo aqui os jogos já podem começar, sei que não confiaram em mim, mas precisam saber que eu faria de tudo para protegê-los.

Ela passou pelo batente da porta, olhei os dois, ela os tinha tocado, não usara magia, o ar ainda estava intocado desde que Merlim usara a pedra para despertá-la, o que ela fez foi ser a Yeva, ou tentar ser a Yeva por quem os dois eram apaixonados. Seria uma tarefa difícil pelas lembranças que eu tinha, pelas minhas lembranças que surgiam e surgiam sem ter pena de me enlouquecer. Ouvi um soluço, eu e Duncan nos viramos para o demônio, Kalevi chorava.

– O que houve? - perguntei confusa, o anjo encarava o companheiro sem entender. Kalevi despencou ao chão e tapou os olhos com as mãos em um gesto inocente e humano.

– Yeva... - ele falou entre os soluços, ele parecia desesperado - Ela... Ela... - ele olhou Duncan - Ela vai se matar.

O anjo me olhou rapidamente e tão rápido quanto seu olhar o corado de suas bochechas sumiram, Duncan parecia tentar raciocinar algo e assim que conseguiu o que queria saiu correndo. Agachei ao lado do demônio que ainda chorava como uma criança perdida.

– Estou confuso - ele falou, nunca o vi daquela forma, nem mesmo em minhas lembranças mais remotas - Tenho tantas lembranças, mas não sei o que fazer com elas, tenho recordações de tempos anteriores a Terra, de tempos em que nem mesmo Merlim ainda existia, anterior até mesmo aos gnomos - os gnomos foram os últimos seres protetores da Terra a serem criados, segundos antes de o protótipo terrestre ser concluído os seres minúsculos de chapéus pontiagudos foram criados, eu não sabia que Kalevi era tão antigo - As coisas que fiz, as tribos que protegi, Trina... - ele me olhou, os olhos negros - Ela nunca quis me machucar, ela estava me salvando.

– Kalevi, eu acho que sou confusa - falei com cuidado, eu queria vasculhar sua mente, mas se eu o fizesse Kalevi não teria privacidade, não teria memórias para chamar de suas.

– Nas primeiras eras, assim que demônios e anjos foram separados em dois, eu era cruel, eu dizimei exércitos celestiais inteiros com apenas um balançar de espada, tentei destruir a Terra antes dela ser criada, eu era como um cachorrinho para Lúcifer e foi quando a conheci, foi quando conheci Yeva que eu mudei. Eu tenho lembranças de seu nascimento, eu fui convocado para ser seu assassino, na noite em que Outono dava a luz a mestiça anjo-demônio eu estava lá esperando a saída de Gabriel para aniquilar a criança - eu o escutava tentando imaginar Kalevi fazendo essas coisas - Nessa mesma noite foi quando conheci Duncan, um anjo recém criado que tinha como serventia ali cuidar da entrada da caverna escolhida por Gabriel para que sua filha nascesse.

"A Terra era um lugar sombrio e seria impossível viver ali, Merlim ainda vivia no Paraíso junto de sua mãe e pai que achavam loucura o que Gabriel e Outono faziam. No último suspiro de Outono junto ao nascimento do bebê foi quando a Terra se transformou pela segunda vez, a primeira fora quando Merlim nasceu, a bola flamejante assumira uma forma e uma direção a seguir, girava e se transformava rapidamente, com o nascimento de Yeva o chão rochoso permitiu o surgimento dos primeiros pontos verdes e logo as primeiras plantas surgiam limpando o ar. Eu observava as mudanças que nesse mundo eram tão lentas, mas vistas com nossos olhos eram rápidas, eu conseguia ver as células vegetais, conseguia entender as adaptações - ele me olhou, o rosto marcado com o líquido transparente - Duncan me percebeu no meu momento de descuido, foi quando travamos nossa primeira batalha, para mim brigar com ele era como uma brincadeira de criança, ele era instável, eu o derrubei com facilidade, o deixei desacordado. Gabriel percebeu nossa batalha e logo levou a demônio e a criança para o Paraíso. Vivenciando aquela mudança eu me decidi, percebi que tudo o que vivi poderia ser algo a mais, eu não fora criado para destruição, eu fora criado para fazer o que eu quisesse, e protegê-la era o que eu queria.

"Yeva era minha missão. Com essa decisão me afastei de Lúcifer, nunca mais acataria as suas ordens desde então ele insiste em treinar demônios tão bons quanto eu fora um dia, mas todas as suas tentativas foram fracassadas - ele me olhou quase sorrindo - Eu devo a ela o que eu sou, não posso pensar que Yeva seja um monstro, eu acompanhei cada mudança que ela causou neste mundo, eu acompanhei quase todas as suas batalhas, assim como Duncan. Ter medo dela é como ter medo de mim mesmo e isso é inaceitável - ele se levantou - Eu preciso da Yeva e não irei perdê-la - ele batia o indicador na cabeça - Não outra vez."

Kalevi correu, eu fiquei sozinha com o corpo de Julio e tentando entender as revelações que me foram feitas.

Se junto de Merlim veio a primeira transformação da Terra, junto de Yeva veio a mudanças das plantas, em meu raciocínio, com o nascimento de Calista veio a evolução dos bichos. Os três foram responsáveis pelo que aconteceu na história da Terra ou seria tudo pura coincidência? Eu, como sereia, nunca saberei a resposta, Gabriel, Miguel e Lúcifer provavelmente sabem o quão poderosos seus filhos são e até seja por isso que Lúcifer queira Yeva ao seu lado, ele precisa de poder, só assim seria possível ascender Catástrofe mais uma vez, mas...

Olhei o sábio, ele tinha a respiração pesada.

Se Catástrofe acordou uma vez quem o criou ou o que ele é? Já lutamos contra ele uma vez, mas isso não significa que saibamos sua real origem, ele pode ser qualquer coisa, pode ter surgido a qualquer momento, pode ser anterior ao Universo assim como Deus é, pode ser tão recente quanto os homens, é difícil analisar tudo isso, ainda mais exausta como estou.

Cambaleei até a cama vazia que agora tinha o cheiro de Merlim e desmaiei.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que estejam gostando :D



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Deixe-me te proteger" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.