"Muitas pessoas em volta de mim. Eu estava sozinha. Havia fogo, muito fogo. Queimava a todos. E todos gritavam, exceto eu. Lágrimas escorriam pela minha face agonizante. Elas eram vermelhas. E queimavam os meus olhos."

- Yumi, você está bem?

Abri os olhos ofegante. Não enxergava nada, e não conseguia respirar direito.

- Yumi, você está bem? – Falava Hinari de algum lugar na escuridão.

- Estou, eu estou. Bem, eu estou.

- Você estava... Fazendo um som estranho. Parecia estar sentindo dor.

- Eu estava. Quer dizer, parecia estar. Tive um sonho ruim.

- é melhor você sair daí. Quer dormir na cama?

- Na cama? Está louca? Esqueceu por que eu vim dormir aqui?

- Não, eu não esqueci, mas... Você não está conseguindo respirar direito.

- Eu estou bem.

- É melhor você sair um pouco daí. – É. Eu precisava.

Levantei e sentei na cama. Eu precisava de ar. Acredite se quiser, debaixo da cama de Hinari não é um local ventilado.

- Com o que você sonhou?

- Não precisa fingir que se importa. Me dê mais alguns segundos, eu já vou voltar lá pra baixo.

- Eu não estou fingindo. Eu fiquei preocupada.

- Imagino. Mas não se preocupe mais, não vou atrapalhar seu sono de novo.

- Estou sendo sincera. Eu gosto de você Yumi. Você é minha amiga.

Eu ri.

- Amiga? Não deveria me considerar uma amiga.

- Aqui, as pessoas não fazem amizades, é cada uma por si, cada qual no seu canto. Geralmente a única companhia que há é o seu companheiro mesmo, que se torna seu amigo... Mas você... É diferente. Eu gosto de você. Você não me considera sua amiga? – Ela paercia está falando sinceramente. Eu senti pena dela.

- Hinari, pense bem. É impossível me considerar assim. Eu sou tão... Desagradável.

Ela não disse nada. Fiquei em dúvida sobre as possíveis causas daquele silêncio. Ela concordava comigo? Era o mais lógico. Não havia como negar. Ou ela era tão idiota que me achava agradável? Bem... Não sei por que mais alguma coisa me dizia que ela havia ficado triste. Eu não podia ver seu rosto, sua expressão. Estava escuro. O que eu deveria dizer? Ela não havia discordado nem concordado. E se ela estivesse magoada? Bem... É o que eu faço sempre. Magôo as pessoas. Por que eu estava me importando com isso? Dessa vez parecia ser diferente. Eu queria que ela soubesse por que eu dei risada e disse aquilo. Porque as pessoas não gostam de mim. Não por eu não gostar dela. Ta, eu não gostava dela. Mas... Por alguma razão eu queria que ela pensasse o contrário.

- Hinari, eu não sou do tipo que conquista amigos, por qualquer tipo de qualidade inútil. Na verdade, eu não conquisto amigos. Não sou gentil, delicada, talentosa... Engraçada. Eu sou só mais uma egoísta cheia de mágoas e ódio. Sem perspectiva sem futuro... Sozinha. – falei como se esta última palavra pudesse resumir tudo. E de certa forma resumia. Me resumia.

- Não precisa ser assim.

- Sim, precisa. Sempre fui assim e sempre vou ser. Perto de mim só ficam pessoas por algum interesse. Sempre foi assim. Ninguém me atura a troco de nada. Hinari, eu sou detestável.

- Existem exceções.

- exceções? – eu ri. – Por acaso você seria uma delas? – debochei. – Você está me ajudando porque sabe que está tudo errado. Sabe que eu sou a única chance de você sair daqui e descobrir o que está acontecendo!

- Talvez você esteja errada. Talvez tenha sido você que sempre quis enxergar as pessoas dessa maneira. Estava tudo perfeito, antes de você chegar. Foi você quem deixou tudo errado. – ela respirou fundo e continuou – Talvez seja você mesma, que se detesta, e acha que todo mundo deve te detestar. Você faz de tudo para isso... mas você falhou. Por isso você está assim.

Eu estava de certa forma impressionada. Nunca ouvi Hinari falar daquele jeito. Havia alguma coisa de diferente. Mas eu também estava em parte furiosa. “Talvez seja você mesma, que se detesta” Eu não me detestava. Ok. De vez em quando. Mas quem nunca se odiou? Eu me levantei da cama e brinquei:

- Nossa, a garota robô têm sua própria opinião. Pena que esteja totalmente... – Ela não me deixou terminar.

- Está vendo como você age? Você me insulta como se me atingido de alguma forma você provasse que é superior. Superior a tudo e a todos. Mas não é! Você não é tão fria como quer que as pessoas pensem. – Ok, eu não precisava continuar a ouvir aquilo, quem ela pensava que era? Só porque estava pagando tudo já se achava no direito de dar bronca de mãe? Bronca de mãe... Pensei comigo. Isso soava tão distante. O tipo de bronca que eu recebia era bem diferente. Por um instante então eu quis uma mãe. Uma mulher de cabelos castanhos e pontas rosadas, olhos escuros, pele macia e suave se fixou em minha mente. Mas não era eu. Era aquela que sofreu por mim e mesmo assim me amou. Uma lágrima escorreu de meu rosto. Essa mulher nunca existiu. Imaginei então como seria ter alguém que cuidasse de mim por toda a vida. Que sentisse saudades e que me abraçasse sinceramente. Uma pessoa da qual eu não duvidasse. Eu sei, que idiotice pensar nisso, principalmente agora. Me abaixei devagar e voltei para debaixo da cama. Dormi sem mais pesadelos. Mas não antes de ouvir as últimas palavras de Hinari naquela noite.

- E você não está mais sozinha, se ainda não percebeu.

Sem mais pesadelos, mas não sem tormentos. Tive a impressão que meus pensamentos, não me deixaram nem por um momento sequer. Os mesmos tristes pensamentos.