P.O.V Samantha

–--Samantha, este aqui é o seu quarto. – disse Anne com seu sorriso simpático e animado apontando para uma das portas no extenso corredor.

–--Obrigada. – agradeci com um leve e rápido sorriso.

Ela pareceu realmente chateada com a minha falta de entusiasmo, mas eu não estava com animo para fingir, então fingi não perceber e entrei em meu mais novo quarto. Logo que entrei, deparei-me com duas criadas.

–--Olá, senhorita Samantha. – cumprimentaram-me juntas.

Uma delas era mais velha, aparentava já seus trinta anos de idade, era loira com cabelos curtos e lisos, alta e magra. A outra já parecia ser mais nova, em torno de seus vinte anos, tinha cabelo preso em um coque, era baixinha e nem tão magra quanto a primeira, mas estava longe de ser gorda.

–--Olá. – respondi – Por favor, não me tratem por senhorita.

–--Claro senho... Samantha. – corrigiu-se a loira rapidamente – Eu sou Tatia e ela, Rose. Nós seremos suas criadas.

–--É um prazer conhecê-las – disse sorrindo verdadeiramente – Mas eu realmente gostaria de passar um tempo sozinha.

–--Como quiser. – disse Rose fazendo uma reverencia e saindo logo em seguida, sendo acompanhada por Tatia.

Estando sozinha, arrumei minhas roupas no grande armário e me atirei na enorme e confortável cama logo depois. Dormi por cerca de meia hora e quando acordei sentia-me entediada, mas não sabia o que fazer. Mesmo podendo circular livremente pelo palácio, não sabia para onde ir. Para biblioteca? Para o jardim? Para o Salão das Mulheres?

Acabei saindo do quarto sem ter um rumo certo, apenas vagando pelos enormes corredores. Sem perceber, estava no jardim. Eu não podia negar que era um lugar realmente lindo e admirável, mas jamais admitiria em voz alta, estava disposta a perceber apenas as coisas ruins desse lugar. Como a presença do insuportável e arrogante príncipe Shane...

Estava tão perdida em pensamentos que acabei trombando em alguém. Esse alguém era um garoto alto, loiro, de olhos verdes que me segurou antes que caísse.

–--Desculpe. – eu disse – Estava distraída.

–--Tudo bem. – ele sorriu amigavelmente – Esbarrar em uma garota tão bonita como você é mais um prazer do que um incômodo.

Fiquei muda e estática. Não era fácil me deixar sem palavras, muito menos sem graça, mas eu não estava acostumada a receber elogios assim. Geralmente eu assustava os garotos.

–--Desculpe-me... – ele pareceu ficar preocupado diante do meu silêncio – Não era minha intenção envergonhá-la.

Eu ri diante da formalidade dele. E isso era algo novo, pois eu costumava achar formalidades irritantes e não engraçadas.

–--Tudo bem, eu só não estou acostumada. Não soube direito como agir.

Espantei-me com a simpatia, gentileza e doçura em minha voz, normalmente eu era bem grossa ao conhecer pessoas novas e, se não era assim, era no mínimo seca e impessoal. Este garoto, porém, exalava tanta gentileza e simpatia, que era impossível ser rude com ele.

–--É difícil de acreditar. Sua beleza é admirável.

–--Obrigada. – respondi baixinho e com um pequeno sorriso nos lábios – E eu posso saber o nome desse amável jovem que tanto me elogia?

Era sempre com piadas, brincadeiras e provocações que eu saia de situações desconfortáveis, tensas e constrangedoras.

–--Mas que falta de educação a minha. – exclamou como se fosse realmente um erro irreparável – Eu me chamo Justin. E você seria...

–--Samantha.

–--Foi um prazer conhecê-la, Samantha. Adoraria passar mais tempo em sua cativante companhia, mas tenho que encontrar meus pais. Espero verdadeiramente encontrá-la mais vezes.

–--Digo o mesmo. – respondo vendo-o partir.

Passei um bom tempo perguntando-me quem era aquele tal de Justin, mas acabei chegando a conclusão de que eventualmente descobriria. Resolvi então encontrar as outras garotas que com certeza estariam no Salão das Mulheres.

Eu não estava errada e, assim que entrei, rumei diretamente para um conto perto da janela onde Julie e Belle conversavam.

–--Onde você se meteu? – disparou Julie assim que me viu aproximar.

–--Estava dando uma volta pelo jardim. – respondi simplesmente – Sobre o que vocês estavam conversando?

–--Sobre você. – respondeu Belle com um risinho.

Franzi o cenho, confusa.

–--Estávamos imaginando o que o príncipe sussurrou em seu ouvido. – explicou Julie.

–--Nós e todas as outras garotas nesta sala. – comentou Belle, que parecia achar a situação muito engraçada – Você parece não ter notado, mas estão todas te encarando.

E elas realmente estavam, mas bastou um olhar ameaçador meu para que desviassem os olhares. A rainha e as princesas, pelo que pude perceber, se divertiam com a cena e com a demonstração de medo das outras em relação a mim.

–--Agora que você está aqui, - prosseguiu Julie – poderia, por favor, satisfazer nossa curiosidade?

–--Disse que eu não daria conta dele. – gritei.

As duas me encararam chocadas e assustadas e novamente eu tinha a atenção de todas no salão. Virei-me para a platéia.

–--Vocês não queriam saber o que o imbecil sussurrou no meu ouvido?

Grande parte delas abaixou a cabeça, envergonhadas por terem sido pegas. Outras como Stacy e Melissa, eram orgulhosas demais para isso, mas estavam sem reação. A rainha e as princesas avaliavam-me, esperando que continuasse.

–--Pois bem, repetirei as exatas palavras: “Você não daria conta de mim”.

Esperei que elas revivessem a cena de hoje cedo em suas cabeças e analisassem todos os sentidos possíveis para aquela frase, eu sabia que era exatamente isso que estavam fazendo.

–--Desejam mais alguma coisa? Eu não tenho nada a esconder. – diante do silêncio, prossegui – Então meu trabalho aqui está feito.

Segui para saída, mas quando estava prestes a abrir a porta, a voz afetada de Stacy impediu-me.

–--O que você respondeu?

Seu tom parecia exigir uma resposta a sua pergunta, como se eu lhe devesse alguma coisa. Extremamente irritada com isso, resolvi ensinar-lhe boas maneiras. Virei-me lentamente e exibi meu melhor sorriso malicioso.

–--Vou deixar isso por conta da sua imaginação.

Pisquei para ela e saí.

Logo que entrei em meu quarto, descobri Tatia e Rose aos sussurros, pelos sorrisos em seus rostos, poderia dizer que era uma grande fofoca.

–--Sobre o que as senhoritas estão falando? – perguntei com a mão na cintura, tentando parecer brava, mas sem conseguir evitar um sorriso – Eu quero saber também, podem começar a falar!

Elas pareceram envergonhadas, mas Tatia respondeu.

–--Na verdade, falávamos sobre você. – ela fez uma pausa, esperando por minha reação e, como essa nunca veio, continuou – É que desde a chegada das selecionadas, só se fala na sua “troca de farpas” com o príncipe e o assunto geral de todos no palácio é o que vocês cochicharam um para o outro.

As duas pareciam temer tanto minha reação que não pude evitar uma risada. Eu adorava impor medo aos outros (defeitinho básico), mas aquilo já era exagero. Depois de garantir a elas que estava tudo bem, contei-lhes sobre o ocorrido no Salão das Mulheres há pouco tempo atrás. Rose e Tatia pareciam estar realmente impressionadas comigo e admirar minha atitude.

–--E qual foi a reação dessa tal Stacy? – perguntou Tatia depois de eu ter terminado meu relato e nós termos nos recuperado de nossas risadas.

–--Nem fiquei para ver, sai logo depois. Claro que dei uma piscadela antes, só uma pequena provocação que eu não pude evitar. – respondi rindo.

Neste momento ouvimos batidas na porta e Rose correu para atender.

–--As senhoritas Julie e Belle desejam falar com você, Samantha.

–--Mande-as entrar e me tratem apenas por Sam.

Minhas criadas pareceram muito felizes com a intimidade que lhes foi conferida, mas para mim elas eram amigas, então nada mais natural que isso.

–--Conta! – implorou Julie assim que adentrou o quarto.

Soube imediatamente ao que ela se referia e gargalhei. Eu não tinha nenhum motivo para esconder aquele informação de ninguém, apenas tinha dito aquilo para que Stacy entendesse que elas não mandava em mim e que eu não tinha obrigação nenhuma de contar nada a ela. Foi exatamente isso que expliquei a elas.

–--Nós entendemos isso. – garantiu Belle – Mas somos muito curiosas...

Olhei para Tatia e Rose e, apenas por suas expressões, já pude perceber que elas também ansiavam por aquela informação.

–--Eu não disse nada de mais. – dei de ombros – Apenas respondi que se ele pensava mesmo aquilo então não me conhecia e não fazia ideia do que eu era capaz.

Elas ficaram satisfeitas em ter sua curiosidade finalmente saciada, mas, antes que pudéssemos mudar de assunto, Julie disparou a rir.

–--Está rindo do que, sua louca? – perguntei.

Ela ainda demorou alguns segundos para se recompor e recuperar o ar, ma por fim explicou o motivo de seu surto.

–--É só que... – ela aprecia meio incerta se deveria continuar ou não.

–--Só que... – incentivei, mantendo uma postura séria.

–--Que considerando toda a conversa que vocês tiveram, essas duas frases que você considerou tão insignificantes têm um enorme duplo sentido. – ela fez questão de enfatizar o “enorme”.

Assim que Belle fez uma cara confusa e Julie voltou a rir sendo acompanhada por Tatia e Rose, minha ficha caiu. Senti-me estúpida por não ter percebido antes. Ainda não tinha parado para analisar o sorriso malicioso que Shane me lançara, pois pensara que era algo que sempre decorava seu rosto, mas, na verdade, ele tinha percebido aquilo que eu tinha demorado tanto tempo para perceber, talvez, ele tivesse dito aquilo já sabendo do duplo sentido que teria. Aquela peste dissera aquilo para me irritar!

–--Eu não entendi. – disse Belle confusa, distraindo-me de meus pensamentos furiosos.

Sorri docemente, encantada com a inocência dela.

–--Não é nada. – garanti de forma gentil – Nós apenas temos uma amiga com uma mente muito poluída.

Isso pareceu deixá-la ainda mais confusa, mas ela não insistiu no assunto.

+ + +

P.O.V Shane

Estávamos jantando. Justin, o filho de Marlee e Carter e um dos meus melhores amigos, tinha se juntado a nós. Por enquanto estávamos em silêncio, mas eu sabia que era questão de tempo até que começassem a comentar sobre a Seleção. Meu pai foi quem abordou, mesmo que indiretamente, o assunto.

–--Como foi hoje no Salão das Mulheres?

–--Hilário e emocionante. – respondeu minha mãe com um sorriso travesso.

–--Esse sorriso nunca é boa coisa... – disse cauteloso e desconfiado – O que aconteceu?

Ele parecia temer a resposta, assim como eu, Taylor e Justin. Minhas irmãs, que presenciaram o que quer que fosse, riam.

–--Samantha Ryan aconteceu. – respondeu Celeste divertida.

Isso pareceu atiçar a curiosidade de Justin e, como eu estava ao seu lado, pude percebê-lo ficar mais atento a conversa. Taylor já se divertia antes mesmo de saber do que se tratava. Meu pai parecia temeroso sobre o que viria a seguir. Eu apenas levantei uma sobrancelha.

Anne então disparou a narrar o acontecido. Basicamente tudo girava em torno do que eu tinha cochichado no ouvido da Miss Irritadiça. Ela não ficou muito contente em ser o assunto de todas e fez uma cena, dando uma lição em uma garota chamada Stacy antes de se retirar, sem perder a pose nem por um segundo.

–--O que ela te respondeu? – perguntou minha irmã mais nova ao terminar sua narração.

Sorri de lado.

–--Use a imaginação, maninha.

Ela e Celeste, e até mesmo minha mãe, ficaram irritadas por não saberem de todos os fatos, mas não insistiram.

–--Ela pode ser forte e feroz como um tigre e, ao mesmo tempo, frágil e dócil como um gatinho. – comentou Justin conseguindo a atenção de todos na mesa.

Nenhum de nós havia entendido o que ele quisera dizer com aquilo.

–--Como assim? – foi Taylor quem tomou a iniciativa.

–--Bom... Eu conheci Samantha esta tarde no jardim. – contou Justin – E ela agiu de modo completamente diferente do que vocês escreveram. Ela foi gentil, doce e educada.

Todos o olharam indignados, incapazes de acreditar no que ele dizia.

–--Talvez... – continuou ele, desconfortável com toda a atenção que recebia – Talvez ela tenha agido assim porque a deixei sem graça.

Não me segurei, tive que rir. Aquela situação era não inacreditável que, a simples possibilidade de ter acontecido, era cômica.

–--E como você conseguiu uma façanha dessas? – perguntei ainda rindo.

Pelos olhares, pude perceber que todos na mesa queriam fazer a mesma pergunta.

–--Não foi minha intenção. Apenas a elogiei.

Parei de rir assim que ouvi aquilo. Sério que era tão fácil assim deixá-la sem graça? Depois de refletir um pouco, só pude chegar a uma única conclusão: ela era louca. E, muito possivelmente, tinha distúrbio de personalidade dupla.

–--Louca. – resmunguei deixando transparecer um pouco de irritação em minha voz. – Não faz sentido. Só pode ter personalidade dupla, talvez múltipla.

–--O mais estranho é que eu concordo com todas as coisas sem sentido que você falou. – concordou Taylor.

Fiquei assustado, não havia percebido que tinha falado alto o suficiente para que os outros escutassem. Contorci meu rosto em uma careta.

–--Você parece irritado. – comentou Celeste, se esforçando para não rir.

Não pude evitar resmungar o que estava me incomodando.

–--Samantha Ryan é completamente louca, nada do que ela faz tem sentido... Se fosse eu a elogiá-la, aposto minha própria vida, que ela ficaria irritada. – disse cruzando os braços.

–--E é ponto para ela! – exclama Taylor, recebendo olhares confusos – E assim Samantha Ryan é a primeira em muito tempo a ultrapassar as barreiras de indiferença do príncipe Inatingível Shane.

–--Ela me irrita. – admiti.

–--Claro que sim. – concordou Celeste – As pessoas sempre foram muito previsíveis para alguém como você, que é muito observador. Ela é diferente, você não consegue nem sequer imaginar o que ela irá fazer, e isso te irrita. – concluiu.

Todos estavam surpresos com a perspicácia dela, mas também pareciam concordar. Eu não podia culpá-los, eu mesmo concordava. Pela minha cara insatisfeita, todos puderam perceber que era hora de acabar com o assunto.

+ + +

Eu estava saindo da sala de jantar com Justin e Taylor, estávamos distraídos com nossa conversa e Justin acabou trombando com uma selecionada. Percebi que se tratava de Samantha, preparei-me para gritos e xingamentos, mas ela simplesmente sorriu tímida e docemente e disse:

–--Parece que nós só nos encontramos assim...

–--Verdade. – concordou ele correspondendo seu sorriso.

–--Legal ver você de novo. – ela falou e deu uma risada – Com certeza vamos nos esbarrar mais vezes, então... Até mais.

–--Até. – ele respondeu rindo também.

Ela saiu, sendo seguida por duas garotas das quais eu me lembrava vagamente. Na verdade, a única garota de quem eu tinha decorado o nome era a louca.

–--Ei. – chamei a atenção de meus amigos enquanto a observava partir – Querem me ver comprovando minha teoria?

Justin não entendeu, mas Taylor sim e concordou com a cabeça. Andei mais rápido que eles e esbarrei de propósito em Samantha.

–--Desculpe-me. – pedi imediatamente.

Ela virou-se e imediatamente fuzilou-me com olhos cheios de fúria.

–--Você não olha por onde anda? – berrou – É cego por acaso? Pensando melhor, é mais provável que eu seja invisível para você, já que o príncipe Shane só sabe olhar para o próprio nariz!

Ela seguiu irritada seu caminho e foi seguida pelas duas garotas. Voltei-me para Justin e Taylor, abrindo meus braços dramaticamente como se dissesse: “Não falei?”. Eles imediatamente dispararam a rir. Neste momento chegou minha família, que foi logo perguntando o que tinha acontecido. Um bando de curiosos, tão previsíveis (bem que certo alguém podia ser assim também). Revirei os olhos e segui para meu quarto enquanto Justin e Taylor contavam animadamente o acontecido.