P.O.V Samantha

Chutava o saco de pancadas repetidas vezes, eu estava fazendo isso desde que sai do café da manhã. Tinha trocado minha calça jeans por um short preto, justo e curto que tinha pedido para Tatia e Rose fazerem justamente para que pudesse treinar. Assim como costumava descontar minha raiva de Richard em meu saco de pancadas velho e gasto, estava descontando minha raiva de Shane neste.

Não tinha ideia de que horas eram, só parei com os chutes porque ouvi alguém entrar. Para minha enorme infelicidade, se tratava do príncipe babaca.

–--O que você quer? – perguntei ríspida.

Ele levantou uma sobrancelha, como se esperasse outra coisa. Então me lembrei de hoje mais cedo. Bufei e fiz uma reverencia.

–--O que deseja, Alteza?

–--Vamos mudar isso, não gosto de Alteza. – disse pensativo com uma das mãos no queixo – Chame-me de me Supremo Soberano.

Meu queixo caiu, ele não podia estar falando sério. Eu ia protestar, mas entes que qualquer som saísse de mina boca, ele voltou a falar.

–--Eu tenho um encontro com Melissa hoje.

–--E eu posso saber o que eu tenho com isso... Meu Supremo Soberano?

–--Nós vamos jantar e você irá nos servir.

–--Você só pode estar brincando! – gritei – Aquela coisa não merece nem que eu lhe dirija a palavra! Não vou servir aquela songa-monga nem a pau.

–--Você vai sim. E sabe por quê? – ele perguntou.

Pude sentir seu hálito gelado em meu rosto e só então notei o quanto ele havia se aproximado.

–--Não, não sei. Meu Supremo Soberano poderia fazer o favor de me explicar? – perguntei irritada e impaciente.

Ele riu. Claro que ele riu. Parece que quanto mais irritada eu fico, mais ele se diverte.

–--Claro que sim, amor. Você fará isso porque valoriza a honra e perdeu uma aposta.

Como ele sabia que eu valorizava a honra? Será que supôs isso só porque sou orgulhosa? Dane-se, não importa como ele sabe, o que importa é que ele sabe e isso me deixa incrivelmente irada. Conseguiu atingir meu ponto fraco.

–--Que horas e onde? – perguntei com um suspiro.

–--Na varanda do quarto dela às sete e meia. Passe pela cozinha e pergunte pela Esther, ela vai instruí-la.

–--Ok.

–--Então te vejo mais tarde, amor. – ele disse enquanto apertava minhas bochechas com aquele sorriso torto idiota estampado no rosto.

Observei-o partir e só quando já estava sozinha novamente permiti-me surtar. Comecei a socar o saco de pancadas com velocidade e força impressionantes até mesmo para mim. Eu via tudo vermelho e eu maior desejo era que pudesse fazer a mesma coisa na cara do príncipe, seria ótimo ver as marcas de meus punhos naquele rosto.

+ + +

Mesmo tendo prometido as meninas que iria ao Salão das Mulheres naquela tarde, eu não fui. Passei a maior parte do tempo no Salão dos Esportes e depois passei mais de meia hora na banheira.

Afinal, eu precisava estar calma para conseguir não enfiar uma faca na garganta de Shane e fazer Melissa engasgar com a própria comida.

Agora estou na cozinha esperando que Esther chegue. Enquanto espero estou conversando com Liam.

–--Não acredito que esse moleque está mesmo fazendo isso.

Mas ele não estava com um ar repreensivo, parecia achar a situação engraçada. E ele não se referiu ao príncipe como moleque de forma a insultá-lo e sim com carinho.

–--Não sei como você pode achar engraçado que eu esteja quase sendo condenada a morte! – exclamei.

Ele franziu o cenho, confuso.

–--Creio que a pena seja de morte por matar o futuro rei de Illéa.

Liam gargalhou. Isso mesmo, o homem começou a rir. Depois dizem que a louca sou eu, mas pelo que eu saiba não sou eu quem ri depois de ficar sabendo que está sendo armado um plano para matar um membro da realeza. Não conseguindo me conter, acabei rindo com ele.

–--Você é Samantha? – perguntou uma voz feminina.

Virei-me e encontrei uma mulher já de idade, baixinha, com cabelos brancos presos em um coque e olhos castanhos gentis.

–--Sou eu. – respondi.

–--Eu sou Esther. – disse com um sorriso doce – Venha comigo.

Sem ter outra opção respirei fundo uma vez antes de segui-la. Despedi-me de Liam com um aceno e um breve sorriso e acompanhei a senhora pela cozinha. Ela abriu um armário e entregou-me alguns panos.

–--Para que isso? – perguntei de cenho franzido.

–--Shane quer que vista isso para o jantar. – disse sorrindo.

Não pude deixar de notar que eu não tinha encontrado um funcionário naquele lugar que não fosse íntimo o suficiente ao príncipe para chamá-lo pelo nome e que não o tratasse com carinho. Analisei a roupa... Ele só podia estar de brincadeira! Eu definitivamente não iria vestir aquilo.

–--Vou matar aquele desgraçado! – deixei escapar.

Olhei receosa para Esther, temendo sua reação. Para minha surpresa, a mulher apenas riu, como se a situação fosse extremamente divertida.

–--Às vezes ele passa dos limites. – admitiu com um sorriso – Mas, mesmo que você não acredite, é um bom garoto e será um ótimo rei.

Ela tinha razão quanto a mim não acreditar que ele pudesse ser um bom garoto, afinal, em minha opinião, ele era uma peste, a personificação do diabo na Terra. Porém, por mais incrível que pareça, eu acreditava que ele seria um bom rei.

–--E quanto à comida? – perguntei.

–--Algumas criadas deixarão tudo pronto em um carrinho no corredor do quarto das selecionadas, tudo o que precisará fazer é levar ao quarto da senhorita Melissa e servi-los.

Suspirei. Eu iria matá-lo. Surpreendi-me ao sentir mãos quentes e macias acariciando meu rosto, abri os olhos, que nem percebi que tinha fechado, e encontrei Esther olhando-me afetuosamente.

–--Vai dar tudo certo, querida. Você e Shane não podem viver como cão e gato para sempre, cedo ou tarde, isso irá acabar.

Suspirei novamente, infelizmente, eu sabia que isso só acabaria quando eu fosse embora do palácio. E eu só iria quando o príncipe se cansasse de brincar comigo. Sem perceber fechei os olhos de novo, provavelmente tentando livrar-me da raiva que sentia.

–--Não faça isso. – falou a senhora fazendo-me abri-los novamente – O que é bonito é para ser mostrado... Você tem lindos olhos.

Sorri agradecida. Já ouvira aquilo muitas vezes na vida, mas nunca acreditei, provavelmente porque sempre me senti esquisita por ter aquela anomalia genética. Mas, ao que parecia, enquanto eu tentava esconder, as pessoas queriam admirar.

+ + +

Estava no corredor de meu próprio quarto. Esperei que todas as meninas fossem jantar, com exceção de Melissa obviamente, para sair usando aquela roupa ridícula.

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Eu inspirava e expirava profundamente enquanto caminhava pelo corredor empurrando aquele carrinho tentando me livrar da raiva. Só tentando mesmo, porque não estava funcionando.

Enquanto estava parada em frente à porta de Melissa pude ouvir sua risada falsa e afetada. Era assim que ela planejava conquistar Shane? Ele era mais esperto que isso, no máximo a usaria e dispensaria. Bati duas vezes.

–--Por favor, entre. – ouvi-o dizer.

Entrei.

+ + +

P.O.V Melissa

Fiquei confusa quando perguntei ao príncipe porque nosso jantar demorava tanto para chegar e ele me respondeu que era porque ele seria servido por uma pessoa muito especial. Mas assim que vi Samantha passar pela porta de meu quarto entendi o que ele quis dizer.

Só não sabia o que estava acontecendo, assim como todos eu queria saber como ele conseguiu que ele fizesse tudo o que ele quisesse. Hoje de manhã, ela havia amarrado os sapatos dele e feito reverencias! Samantha jamais faria isso por livre e espontânea vontade... E agora, ela estava vindo servir entre o príncipe, que ela não suporta, e eu, que ela também não suporta. Estava até mesmo vestida de empregada...

Oh, merda! Ela ficou muito bem naquela roupa, é a primeira vez que a vejo de vestido, lembro que Stacy até chegou a cogitar que Samantha tivesse algum defeito nas pernas... Mas minha amiga estava terrivelmente enganada, as pernas dela eram perfeitas. Para minha infelicidade, raiva e, tenho que admitir, inveja, Shane também notara isso, pude ver pela direção de seu olhar. Felizmente, a garota parecia tão inerte em sua irritação que não percebeu.

Samantha tinha uma cara assassina enquanto enchia nossos copos e pratos, parecia que apenas seu olhar era capaz de matar o príncipe, ele, porém, apenas sorria de lado para ela.

Aquele sorriso era tão lindo... Sempre que ele era direcionado a mim minhas pernas tremiam. Eu não estava apaixonada por ele, nem o conhecia, não fazia ideia do que gostava de fazer, de sua cor favorita, não fazia ideia de nada, de qualquer forma, ele parecia preferir assim. Mesmo que não estivesse apaixonada, eu lutaria por aquele anel de noivado, ter a coroa e um marido lindo era tudo o que eu precisava.

Comíamos enquanto eu falava sobre minhas músicas e artistas favoritos, ele apenas mantinha seus olhos em mim... Não, seu olhar estava em algo atrás de mim. Terminei meu discurso rapidamente e virei-me discretamente.

Shane tinha seu olhar cravado em Samantha. A garota estava sentada em uma poltrona com o carrinho ao seu lado. Eu não podia ver sua expressão, pois esta estava coberta por seus cabelos castanhos e ondulados, mas tinha bastante certeza de que estava entediada.

–--Sam. – o príncipe chamou-a.

–--Sim? – perguntou como quem despertava de um transe.

Foi ai que eu percebi que ela estivera quase dormindo. Contudo, ele não lhe disse o que queria, apenas encarou-a como se esperasse mais alguma coisa. Ele bufou enquanto revirava os olhos, então fez uma reverencia.

–--O que deseja, meu Supremo Soberano? – sua voz estava carregada de cinismo.

Agora sim as coisas estavam realmente confusas, como ele conseguira que ela se referisse a ele daquela forma?

–--Desejo mais sal na minha comida.

Ela encarava-o indignada, mas ao perceber que ele falava sério, veio até a mesa e destampou a saleiro. Estranhei aquele gesto, afinal, sem a tampa sairia muito sal. Mas quando ela despejou todo o conteúdo do recipiente no prato dele, percebi aquela era exatamente sua intenção. Shane encarou-a pelo canto do olho, mas eu não sabia dizer se estava zangado, surpreso ou divertido.

Quando ele sorriu, finalmente entendi que sua intenção desde o início havia sido tirá-la do sério. Ele com certeza alcançara seu objetivo, mas percebendo que anda não estava satisfeito, resolvi ajudá-lo.

–--Eu gostaria de mais vinho.

Agora seu olhar mortal estava direcionado para mim. Era realmente difícil entender como olhos tão bonitos quanto os dela podiam demonstrar tanta raiva.

–--Mas seu copo ainda está na metade. – argumentou.

–--Não tem problema, eu quero mais.

Ela sorriu falsamente e pegou a garrafa de vinho, mas ao invés de encher minha taça, jogou em meu vestido. Vadia. Eu tinha tido muita paciência com aquela garota até agora, mas aquele foi o cúmulo. Samantha ainda sorria, vitoriosa.

–--Sua idiota! Vadia, desgraçada, vaga...

–--Chega! – interrompeu-me Shane com um grito – Sam você está liberada. – disse agora em um tom mais baixo, porém ainda irritado.

Ela suspirou e saiu. O príncipe voltou-se para mim assim que a porta foi batida. E eu sai também.