Um mundo além do mundo escrita por Lobo Alado


Capítulo 21
Mar de verde


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Terminado... Espero que gostem do capítulo. Não tenho nada à dizer, apenas o de sempre, uma boa, calma e atenciosa leitura.



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O luar prateado levantava os pelos de seu corpo com um delirante e prazeroso choque ameno. Zoräes uivou enquanto suas asas tentavam alcançar a gloriosa imensidão iluminada que era o céu. Sabia que o lobo sentia a mesma sensação que ele, não era fácil saber exatamente o que sentia, mas se tinha uma certeza, era que o lobo sentia a mesma coisa. Serje uivou o mais alto que pode e os uivos se misturaram, formando a mágica daquele momento.

A velha o surpreendeu não seguindo viajem no dorso de Zoräes. O Fäghro era grande o suficiente para sustentá-los no ar, e, além disso, ela não tinha um cavalo em que poderia montar. Mas ele sabia que não podia questioná-la, de forma que aceitou de bom grado, até alegre, seguir sozinho no Lobo de asas, que subia cada vez mais alto, e não se contentava, assim como Serje.

A lua em corno parecia tão... próxima. Parecia que com um curto voo poderiam alcançá-la. Respirar foi tornando-se difícil à medida que subiam, mas o Lobo não parecia afetado. E a tontura que Serje sentia era prazerosa.

O rapaz olhou por cima dos ombros, para o chão, era uma morta superfície cinzenta iluminada pelo luar. E em cima, as estrelas tão brilhantes ao redor da Lua... Era contrastante, o chão não possuía nada naquela noite, e o céu... tinha tudo o que queria. O rapaz sabia que estava delirante, mas não queria voltar para o chão, queria avançar cada vez mais e mais, e viver entre as estrelas.

­ – Vamos pousar, rapaz... – Disse Serje, quase sem sentir a voz e o ar saindo dos pulmões.

Zoräes fechou as asas e contorceu-se no ar. Em um instante estava com o focinho voltado para cima, agora, absurdamente rápido ele penetrava o ar em direção ao chão. Quando Serje achou que iam chocar-se, as asas do animal abriram com uma lamina abatendo um animal, mal pode ver o instante em que já estavam abertas. O Lobo diminuiu a velocidade absurda tão abruptamente que Serje achou que tinham parado no ar, então planou vagarosamente até pousar numa tímida colina.

­– Avançamos bastante hoje, amanhã já estaremos na fronteira de Du Weldenvarden, tenha a certeza disso... Amanhã já estaremos em Ellesméra, provavelmente! – A velha surgiu como se estivesse ali desde sempre.

– Como você nos alcançou? – Serje perguntou, mas arrependeu-se logo em seguida. – Esqueça. – Sorriu.

Sentou-se de pernas cruzadas e abriu o Draumr-böetq Faghrória, o livro sobre as criaturas de asas.

– Hã... Velha? – Serje cobriu a boca com a mão, envergonhado. Sentiu-se desconfortável ao chamá-la desta forma, então percebeu que ainda não sabia o nome dela. – Oh, raios... Diga-me, qual é o seu nome?

A velha o olhou com divertimento.

– Não... me chame de velha, é melhor assim. – Ela apontou para o livro. – Já consegue ler algo?

Serje suspirou, aborrecido.

– Mal consigo decifrar as palavras do meu idioma... Essas da língua antiga são apenas rabiscos para mim.

– Em Ellesméra achará muitos escritos... Muitos deles na sua língua.

– Em Ellesméra acharei ajuda para reconquistar Carvahall, eu espero. – Disse ele.

Serje estava quase se arrependendo de seguir para a floresta dos elfos. Estava distanciando-se cada vez mais de sua cidade, e também de Martelo Forte. Sentia-se culpado por ter seguido a velha. Aquilo era próximo demais de fugir.

A velha pigarreou.

– Você é muito estúpido... não posso simplesmente aguentá-lo, não! – Ela segurou seu cajado com força nos nós dos dedos, e então afrouxou-os como se lutasse consigo mesma. – Por que sua cabeça funciona de forma tão errada? – Ela suspirou. – Já se passou anos desde a última vez que convivi com pessoas jovens iguais a você. – Sentou-se ao lado de Serje. – Garoto, entenda. Não é apenas de Carvahall que estou falando, Estamos lidando com algo que põe em risco toda a Alagaësia. – Ela segurou seu ombro. – Ponha a cabeça no lugar, e conseguiremos impedir que algo muito ruim aconteça.

Serje estava confuso. Muito atordoado, na verdade.

– Os Cavaleiros não podem simplesmente vir e resolver tudo isso? – Perguntou.

– Os Cavaleiros não virão, e nem saberão do que está acontecendo aqui, de forma alguma. – Ela disse com nítida certeza.

– Não virão? – Serje estava perturbado. – Os Cavaleiros são inteligentes, não é verdade? Sabem de tudo o que acontece em qualquer parte. – Franziu o cenho. – E é dever deles manter a paz!

– Apenas acredite em mim, eles não virão.

Aquela velha o assustava. Tudo nela o assustava. Sua postura, seus olhos, suas palavras, seu jeito, tudo parecia um recanto de segredos.

– Hum... Espero que a Rainha Arya nos disponha uma boa ajuda.

– Não! – Ela bateu com o cajado na cabeça de Serje. – Você é que irá dispor de uma boa ajuda para ela. E é por isso que tem de equilibrar-se, não quero apresentar à Rainha um garotinho arrogante e ignorante.

– Como eu... EU!... posso ajudar a Rainha dos elfos? Eu preciso da ajuda dela... Sou apenas um soldado de Carvahall. – Serje abaixou a cabeça, depois de pensar no que disse. – Nem isso eu acho que sou mais.

– Não, você não é mais. Agora é mais que isso. Olhe para ele. – Ela apontou para Zoräes.

O lobo olhava para a lua, com os olhos desiguais brilhantes como carvões incandescentes, seus pêlos eram o mesmo fio prateado e brilhoso do dia de sua transformação. As asas fechadas colavam-se nas costelas e as garras enormes cravavam-se na grama. O pescoço arqueado dava-o o mesmo tom solene de sempre.

Serje olhou para o livro dos Fäghros com a ansiedade queimando por dentro.

– Os elfos conhecem os Fäghros? – Perguntou, com medo da reação que os mágicos da floresta pudessem ter ao ver Zoräes.

– Conta-se nos dedos as pessoas que conhecem os Faghrórios na Alagaësia. – Ela fechou o livro nas mãos de Serje. – E quanto menos souberem, melhor. Existem poucos Fäghros e cada vez menos... São animais solitários... adoráveis e complexas criaturas solitárias. Vivem a imortalidade, mas muitos são mortos por criaturas cruéis do céu, da terra, ou das águas. Não sentem a necessidade de procriar ou encontrar um parceiro... – Ela deu um sorriso triste. – São poucos... Muito poucos os que restaram por aí. – Ela olhou para as estrelas com um olhar franzido que não significava nada além de espera. – Há apenas duas pessoas entre os elfos que tem conhecimento dos lobos de asas. E é por isso que estamos indo lá.

Serje olhou para o companheiro com tristeza. Reparando nos pelos brilhosos e nos mágicos olhos. Sentiu uma profunda tristeza ao pensar que aquela criatura poderia deixar de existir no mundo.

Pensou em Carvahall, nos amigos, nos inocentes de goelas abertas e flechas cravadas na pele... Pensou em Ismira... e guardou o olhar do lobo de asas.

É tudo o que me resta... Reconquistarei Carvahall, mas não posso fingir que você não entrou em minha vida... Se eu puder ajudar a salvar os lobos de asas que restam, os salvarei.

Serje resmungou baixo e pôs o Draumr-Böetq Faghrória de lado antes de levantar-se.

– Irei caçar... Talvez volte antes do amanhecer... se não, seguiremos logo viagem. – Correu, respirando vividamente até o lobo.

Saltou para as costas do animal, que parecia feita para ele. O lobo saltou para o ar com o mesmo desejo de Serje.

Mas o rapaz não sabia se o estado de espírito do animal era o mesmo que o seu. Sentia-se desolado, com um desejo profundo de se desculpar a alguém. Ali, voando nas costas de um lobo que poderia fugir de tudo com algumas batidas de asas, deixar todos os problemas para trás, mas que também era mais capaz de aventurar-se em situações conturbadas e arriscadas que os demais. Aquilo o matava por dentro. Tudo o que queria era voar o mais rápido possível até Carvahall e matar cada um dos invasores que lá estavam. Sentia-se ruim por não sentir-se ruim em querer ver o sangue de cada um deles derramado no chão pela sua espada. Sentia-se a pessoa mais terrível do mundo inteiro por não resolver imediatamente aquele sombrio problema.

Ismira também o assolava. Antes ele alimentava esperanças de que ela estivesse viva. A final... a filha do senhor de Carvahall seria protegida pelos soldados. Mas nem sequer era possível reconhecer quem era de Carvahall ou não naquele inferno! Serje queria ser esperançoso, mas não conseguia mais pensar na jovem como alguém que ainda vive.

Rosnou, e logo o rosno transformou-se em grito.

– Vamos, Zoräes. – Disse tentando afastar o peso de seus pensamentos. – Ali... veja. Algo para nós!

Uma árvore especialmente grande, entre a devastação que já surgia do inicio do deserto Adarac, negra no luar. Serje sabia o que significava. Não foram poucas as vezes em que acabara sozinho ou perdido depois de uma batalha... Aprendeu muitas coisas, ou foi ensinado por soldados mais experientes, enquanto mantia-se vivo em suas viagens de volta para casa.

Sabia que aquela árvore estava infestada de morcegos, e não estava com ânimo para procurar qualquer outra coisa. Não que fosse encontrar muitas opções em um deserto... ali estava a sua caça mais próxima.

– Já comeu morcegos antes? – Ele perguntou a Zoräes. – Eu nunca... Será algo digno de se recordar, não? – Sorriu.

O lobo voou lentamente até o chão, e pousou como uma folha. Serje, de olhos estreitos vidrados no escuro da arvore, saltou com alguma fração da leveza do lobo.

Zoräes virou a cabeça para o céu repentinamente.

– O que foi? – Serje olhou para o céu, na direção que o lobo olhava. – Oh...

Ao brilho do luar ele conseguiu ver asas batendo. Asas membranosas batendo velozmente para dentro do deserto. Parecia ser enorme... Por um instante Serje pensou tratar-se de um dragão, mas não poderia ser um, era... diferente.

– Zoräes... não, não vá lá! – Ele agarrou o pescoço do lobo e forçou-o a olhar nos seus olhos. – Não sabemos o que é.

Mas o Fäghro não se conteve. Abriu as asas e saltou para o ar abruptamente, fazendo os morcegos voarem da árvore para longe.

– Raios! – Serje segurou com todas as suas forças o pescoço do lobo... Já estavam alto o bastante, se o soltasse não sobreviveria.

Zoräes esbarrava nos morcegos enquanto subia rapidamente.

– Maldição! – Serje abraçou forte o lobo e lutou para prender as pernas em sua cintura. Quando finalmente encaixou-se no dorso do animal retirou o arco das costas, com dificuldade, enquanto os morcegos esbarravam em seu rosto, e puxou uma flecha da aljava, encaixou-a no arco e deitou nas costas de Zoräes para não cair.

Quando a nuvem de morcegos ficou para trás, Serje pode ver claramente a criatura. Ele não acreditava no que estava vendo... As asas membranosas batiam com rapidez e levava a criatura cinzenta para a direção de Zoräes. A criatura esbelta tinha muitos espinhos ao longo do pescoço. As patas tinham longas e afiadas garras negras, e saltando da boca tinha dentes afiados.

Assemelhava-se muito a um dragão, mas não era... ele lembrava-se de ouvir das histórias que o pai contava para ele e Havena sobre as criaturas assustadoras da Alagaësia. Serje passava noites em claro com medo das ilusórias criaturas... E aquilo, ele sabia, era uma Fanghur.

– Zoräes! Vamos sair daqui!... AGORA! – Serje olhou a criatura voar célere em direção à Zoräes... e o lobo ia de encontro a ela com mesma velocidade. O rapaz teve tempo apenas de disparar desajeitadamente uma flecha, antes das duas criaturas se chocarem.

Voou das costas do lobo e viu-se caindo enquanto os animais “flapeavam” enroscados um no outro.

– Zoräes! – Gritou o mais alto que pode, até a garganta doer. Não podia deixar-se morrer.

O lobo olhou para ele... estava muito longe, mas ele podia ver os olhos brilhantes focados em si. Rapidamente soltou-se das garras afiadas da Fanghur e voou em direção a Serje.

Zoräes não o alcançaria, sabia disso. Segurou forte o arco, lutando contra o vento e puxou uma das últimas flechas que não tinham voado da aljava. Encaixou o melhor que pode enquanto caia. Mirou na Fanghur que perseguia Zoräes e... Atirou.

O prazer foi tamanho quando a flecha atingiu o peito do animal que Serje quase se esqueceu que estava caindo. Abriu um sorriso enquanto a Fanghur enroscava-se no ar.

Viu o olhar de Zoräes arregalar-se antes de encontrar o chão.

*

Serje abriu os olhos devagar. Uma nuvem de poeira cobria o céu. Foi preciso de algum tempo para lembrar o que havia acontecido. Quando lembrou, pareceu inacreditável estar vivo.

– Zorä... – Tossiu fortemente tirando toda a poeira dos pulmões.

Tentou levantar-se, mas uma dor agonizantemente aguda rompeu em suas costas. Respirou rapidamente, sentindo a poeira entrar nos pulmões. Tenho de fazer isso... Ignorando a dor o máximo que pode, Serje colocou-se de pé. Foi tão trabalhoso quanto escalar uma montanha.

Seus pés afundaram-se na areia e ao seu redor ondas de areia iluminadas de prata morriam no horizonte.

– Dunas... – Ele sorriu. Tudo o que podia fazer era sorrir da sua sorte. – Poderia estar morto agora.

Olhou em todas as direções. Estava muito longe... precisava encontrar Zoräes. Não compreendia, o lobo estava presente quando Serje caiu...

Então avistou entre as dunas. A Fanghur contorcia-se no chão, tremendo e arrastando-se na areia. Zoräes observava-a como um abutre esperando a morte de um animal qualquer.

Serje desceu a duna o mais depressa que pode, mas tropeçou e rolou para baixo. Suas costas explodiram em dor novamente.

– Raios! – Rastejou na areia tentando alcançar o lobo. – Zoräes... Zoräes! O que está fazendo aí?

Mais uma vez pôs-se de pé. Caminhou até a Fanghur que não parava de se contorcer. Olhou-a bem nos olhos... Olhos escuros e cheios de raiva, ou talvez dor. Não conseguiu por muito tempo, afastou o olhar e sentiu um arrepio na espinha.

A flecha atingira a criatura debaixo do braço. Serje desembainhou a chama do inverno e enterrou-a completamente no peito do animal. Os tremores nervosos transformaram-se num suspiro curto, e a Fanghur deixou a vida.

– Você não vai comer isso. – Disse ao lobo que olhava com olhos famintos enquanto Serje retirava a espada do peito da Fanghur. – Ou vai? Precisamos de uma fogueira, também preciso comer. – Levou a mão ao estomago que embrulhava-se de fome.

Zoräes levantou-se e caminhou até Serje. Deitou-se de barriga convidando o rapaz para montar.

– Vai abandonar a caça? – Serje montou o dorso fofo do lobo. Logo que encaixou-se, o animal abocanhou o pescoço da Fanghur prendendo-o bem entre os dentes.

O lobo saltou para o ar com um impulso forte. Por um momento Serje achou que sua força não seria o suficiente para sustentá-los no ar com o peso da Fanghur, mas com algumas fortes batidas Zoräes estabilizou o vôo.

– Você é mais forte do que eu imaginava. – Serje olhou para as dunas no horizonte. – Essa criatura não deveria estar tão perto do Império... – Um arrepio percorreu a espinha de Serje, o olhar do animal gravara-se em sua mente.

Logo avistou a velha na colina, e a fumaça de seu cachimbo. Pousou sem modéstia. Queria mostrar à velha o que tinham conseguido. Desmontou e caminhou ao lado de Zoräes para onde a velha tragava o cachimbo, na frente de uma fogueira.

– Não me disse que eu estaria em perigo no deserto! – Serje ralhou com a velha quando viu sua indiferença ao olhar para a Fanghur.

– Você está em perigo neste momento! – Ela puxou o cajado e bateu-o em sua cabeça antes que ele percebesse o que estava acontecendo. – Está em perigo desde que saiu de casa. Se não pode se proteger a culpa não é minha. – Ela bateu em sua cabeça novamente. – O momento em que acredita não haver perigo algum é o momento onde encontra-se em maior perigo. Você torna-se o maior perigo para si mesmo.

Zoräes arrastava a Fanghur pelo pescoço sem dificuldade alguma.

– Você não pensou em comer isto, não é?

– Eu... – Serje olhou para a Fanghur.

– Deixe-a para o lobo, tenho o suficiente para nós dois. – De dentro da sua bolsa ela retirou um embrulho.

Serje cheirou.

– O que é?

– Um bolo de frutas do norte...

Ele olhou desconfiado enquanto ela desembrulhava o bolo.

– Hum... frutas do norte? Que frutas? – Ele sabia que não poderia esperar algo pouco surpreendente da mulher.

– Ora... são frutas! É tudo que precisa saber. – Ela olhou de relance para ele com a cara emburrada. – Coma logo antes que eu empurre-as goela abaixo.

Não pretendo morrer de fome... – Ele resmungou retirando uma fatia do bolo azulado.

Serje abocanhou o estranho bolo cremoso. Estava gelado, e tinha vários sabores, conforme dançava em sua língua enquanto mastigava.

– Isto... Isto é... bom... ruim, não sei dizer. É... bom. – Ele mordeu outro pedaço, saboreando cuidadosamente desta vez, mas o gosto já era outro, embora ainda bom.

– Isso irá lhe fortalecer um pouco... – Ela olhou enquanto tragava mais fumaça de seu cachimbo. – Presumo que irá querer partir ainda pela madrugada.

– É o que pretendo... – Ele comeu o ultimo pedaço em suas mãos.

Serje havia tomado gosto pela madrugada. Não conseguia mais dormir por muito tempo à noite... Preferia ativar-se ao escuro, apenas ao brilho das estrelas. Não sabia o porquê, mas, nos últimos dias, era o momento o qual sentia-se mais vivo, no escuro da noite.

Antes de decidir que já era hora de partir, Serje tentou ler uma passagem do livro dos Faghros, quando não conseguiu, pediu à velha que lhe falasse mais sobre eles.

– ...E assim acontece com que é corajoso o suficiente para aventurar-se no norte inabitado da Alagaësia. – Ela terminou com aquela sua gargalhada rasgada.

– Não sei... – Serje envolveu o queixo com os dedos. – As histórias dizem que Murtagh, irmão de Eragon Matador de Rei, foi embora para o extremo norte.

– Um demônio inquieto. – Ela pestanejou. – Murtagh viaja por muitos lugares, não se pode dizer onde ele está exatamente, nem quando ele está.

Serje franziu as sobrancelhas.

– Você sabe tudo à respeito de tudo?

– Sei de tudo a respeito do que é preciso saber. – Ela soltou um jato de fumaça. – Vamos seguir viajem agora. Pela manhã já estaremos em Ellesméra, se você voar rápido bastante.

– Voarei... – Montou Zoräes. – Você... ah, sei que estará lá quando eu pousar.

– Você deverá pousar assim que chegar às margens da floresta, está ciente disto, certo?

– Não se preocupe.

*

O vento frio avivava sua alma. A escuridão da madrugada excitava-o e um leve frio percorria sua barriga.

Olhou por cima dos ombros, entre as batidas de asa de Zoräes ele avistou o negro da densa floresta.

– As margens... – Zoräes mergulhou no ar. – Ela já estará lá quando pousarmos, tem duvidas? – Serje sorriu ao ver a velha tragando seu cachimbo lá em baixo, olhando para a fronteira da floresta. – O que eu disse?

Zoräes pousou com hesitação fitando as enormes árvores que formavam a parede à frente. Só ao pousarem é que Serje deu-se conta do tamanho das árvores. Nós estamos realmente aqui...

– Impressionante, não? – A velha deu um meio sorriso. – Mas não podemos ficar parados olhando para esse monte de troncos, vamos... vamos logo!

Serje desmontou o lobo branco e seguiu para dentro da floresta. Quando a escuridão invadiu o local o rapaz tocou o lobo com a palma da mão, sem enxergar absolutamente nada.

– Não precisa ter medo. – Então uma luz branca surgiu, flutuando no topo do cajado da velha. – Nossos amigos não demorarão aparecer.

Nossos amigos não sabem quem eu sou! – Ele cochichou.

– Há! Mas nós sabemos que eles são, estão em desvantagem! – Ela falou com o cachimbo entre os lábios.

– Nós estamos aqui para pedir a ajuda deles... – Serje relembrou incrédulo. – Quem é você, afinal?

– Onde enterrou seu senso de humor, rapaz? – Ela suspirou. – Não tema os elfos... são criatura amigáveis.

Caminharam incansavelmente pela sortida floresta. Serje respirava o ar denso e quente com anseio. Os troncos o faziam sentir-se como uma formiga, uma pequena formiga maravilhada com a magnificência daquele lugar à luz branca do cajado da velha.

De repente Serje percebeu as folhas das árvores levemente iluminadas, muito acima.

– Caminhamos a noite toda! Quando encontraremos os elfos?

– Quando eles nos encontrarem!

Serje estava a ponto de ralhar com ela quando uma voz melódica soou:

– Quem caminha há tanto tempo pela floresta dos elfos? – Uma silhueta escura de cabelos grandes recostava-se no tronco, logo à frente.

– Sou a visitante de Yonärea, ela certamente me aguarda.

– Imaginei que fosse você... – Disse ele numa postura empertigada. – Acompanhem-me, de onde estamos para Ellesméra será um dia inteiro de viajem. – Ele olhou para Serje de cima a baixo. – Mas creio que seu lobo de asas faça a viajem em poucas horas.

– Sim, acompanhe o rapaz... eu estarei lá quando chagarem.

O elfo aproximou-se da velha.

– Irei... – Uma pausa seguiu-se. O elfo olhava para o chão fixamente. – Dávya... – Ele segurou as mãos da velha. – Achei que não voltaria nunca mais. Há tanto tempo você não nos visita...

A velha soltou uma gargalhada áspera.

– Você é um jovem elfo, Visëur. Pouco tempo está há muito para você... – Ela soltou-se das mãos do elfo com delicadeza. – Mas não se preocupe, serei mais presente de agora em diante.

Dávya?! Serje pensou em dizer. Este nome nem sequer combina com você! Mas segurou a língua e acompanhou o elfo até o dorso de Zoräes.

– A partir do momento que passarmos pela barreira mágica estaremos totalmente em território élfico... Quando chegarmos à Ellesméra não fale nada, e não importe-se com os olhares curiosos direcionados à você. – O elfo disse antes de montar nas costas de Zoräes, logo atrás de Serje.

– Compreendido... – Zoräes saltou para o ar e subiu, deixando as longas árvores para trás. – Diga-me, quem é Dávya? Quando a conheceu? Os elfos a conhecem?

– Humano, não quero parecer rude, mas cabe a Dávya responder estas questões.

Serje calou-se, sentindo-se envergonhado.

O resto da viagem foi tranquila. Quando o sol ergueu-se no horizonte, Serje teve a verdadeira noção da vastidão verde. Era como se o lobo voasse sobre um extenso mar esverdeado.

Serje arquejou de deslumbre.

– Magnífico, não? – O elfo atrás de si sorriu melodiosamente.

– É grandioso... – Só agora Serje parara realmente para pensar aonde estava e o quão isso era improvável antes. – Isso... não me parece real.

– É mais incrível ainda por isso.

O lobo acelerou o ritmo, e logo o vento penteava os cabelos de Serje com força. Pareceu demorar uma eternidade para o sol alcançar o outro lado do mundo e finalmente começar a se por.

– Devemos descer agora... – O elfo alertou quando Serje já estava com os olhos ardendo devido ao vento, e mais ansioso pela cidade dos elfos do que maravilhado com a extensão verde.

Zoräes, compreendendo, desceu suavemente até mergulhar entre os galhos e folhas verdes. Pousou em meio às folhas caídas.

– Agora terá de seguir comigo e separar-se de seu lobo... entenda, não podemos deixar que a existência dos Fäghros seja revelada.

– Entendo... – Serje coçou o pescoço do lobo com a testa colada no grande focinho. – Até mais, parceiro... – Seguiu olhando para trás, até o animal sumir por entre as arvores. – Quem mais conhece os Fäghros além de você?

– Apenas mais uma... A quem Dávya está à procura...

Serje meneou com a cabeça.

– Vamos andando, a cidade dos elfos nos espera.

Em determinado momento a quantidade de folhas mortas no chão tornou-se menor. Foi então que Serje percebeu. Estamos em Ellesméra... As árvores à sua volta tinham portas e eram moldadas como casas e barracas de aspecto sutil.

Entre as árvores, vários elfos, com seus corpos longos e cabelos deslumbrantes, saltitavam interagindo uns com os outros vividamente. Outros e cada vez mais olhavam para Serje com olhares duros em rostos perfeitos mascarados quando não de indiferença, de extrema curiosidade.

Eram todos tão solenes em sua indiferença ou divertimento. A postura era companheira fiel daqueles seres estranhos e belos.

– Nunca vi nada como isto... – Olhava boquiaberto para os elfos.

– Vão lhe roubar os dentes, rapaz. – A velha surgiu à sua frente. – Vamos logo, vão ficar aí o dia todo?

Ele fechou a boca, antes de tudo, e seguiu por entre aquele povo.

– Para onde estamos indo? Falaremos com a Rainha Arya?

– Silencio! Lembra-se do que eu disse? – O elfo o repreendeu. Agora à luz do sol Serje podia ver. Seus cabelos eram negros e caiam em uma trança que lhe batia nas costas. Os olhos eram verdes e penetrantes.

Serje seguiu em silêncio, sentindo-se uma criança estúpida. Sentia vontade de socar aquele belo rosto élfico egocêntrico.

Pararam em frente a uma grande casa feita de árvores encurvadas, formando um teto abobadado. Serje adentrou-o com bastante hesitação. Estava encurralando-se cada vez mais de desconhecidos. Ele não conhecia ninguém ali de verdade, nunca sentiu-se tão sozinho e aterrorizado como antes, nem Zoräes estava ali para fazer-lhe companhia.

Dentro do salão de arvores abobadado vários elfos encontravam-se sentados em uma longa mesa de madeira. No final da sala, sentava-se em um trono de madeira, enraizado no chão, uma elfa de cabelos ruivos acobreados, como os de Ismira. Ela tinha a pele extremamente branca, e parecia ter postura ainda mais solene que os demais elfos.

– Atra du evarínya ono varda, Dávya e Serje das Montanhas. – A elfa falou numa voz... a voz mais bonita que ele alguma vez já tinha ouvido, não era fina nem grossa, mas amena e forte ao mesmo tempo. – Aproximem-se, e desfrutem de nossa companhia!

Serje caminhou até o trono com a insegurança queimando por dentro. Ao aproximar-se, notou melhor o rosto da elfa. O rosto era anguloso como os dos outros elfos, mas lhe parecia mais expressivo e menos rijo. Os olhos eram de um azul claro como o céu em uma manhã de verão. A elfa era dona de um olhar mais ameno e doce do que penetrante e duro como os do outros elfos, eles traziam algo muito atraente e sensual, mas ele não compreendia o que era.

– Onde... Você é Arya Dröttning? – Falou com a voz embargada.

– Não. – Um meio sorriso abriu-se em seu rosto. – Sou Lady Yonärea, de Nädindel. Arya Dröttning teve de fazer uma viajem, então chamou-me para que fique aqui enquanto não retorna. Sei que tem assuntos urgentes à tratar conosco, mas peço que descanse um pouco, sua viagem foi longa e cansativa.

O elfo de cabelo trançado, que lhe acompanhara até a cidade olhou-o profundamente. Esta é a outra elfa que tem conhecimento dos Fäghros, humano. É ela quem você procura.


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Notas finais do capítulo

E então?
Serje conhece outro universo a partir de agora, e não tem mais volta, quando envolve-se de forma tão profunda em uma situação não há como voltar ao princípio.
O próximo capítulo pode sair semana que vem...
É isso. Até!
21/04/15



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