As Crônicas das Lágrimas escrita por H M Stark, Daniel Grimoni


Capítulo 4
S01E04 - Luxúria


Notas iniciais do capítulo

Espero que goste, caro amigo apreciador da boa e velha arte de escrever - e ler, afinal, quem foi que disse que ler não é arte? Capítulo escrito por H. M. Stark.

Sinopse: Entre discussões e batalhas ardilosas, a mente sucumbe à carne e ao prazer. O ódio dá lugar a um amor selvagem, a vida dá lugar à morte, e mais uma vez Adam Thieve encontra-se carregado pelo seu desejo de vingança



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– É uma armadilha, Adam! – redarguiu Alna, a viúva de Antony Thieve.

Ela não tinha uma aparência tão bela quanto há algumas semanas. Seus fios encaracolados estavam desgrenhados, mas alguns cachos cor de mel ainda a coroavam delicadamente, num misto de beleza e desordem; o velho confronto entre o belo e o caótico.

Adam estudou a mulher: esguia, com seios firmes, mas acanhados; braços e mãos macias, porém hábeis manejando tanto uma agulha quanto uma espada. Um longo vestido cinzento, de lã, atravessado por uma faixa prateada de seda ocultava seu belo corpo, apesar dos seus quarenta e cinco anos. Os olhos primaverais agora fixavam-se numa coluna como se ela fosse o seu finado marido, ali, encarando-a de volta.

– Eles o mataram! – Adam rugiu.

No entanto, Alna não desviava seus olhos esverdeados da maciça pilastra de pedra escura. Adam discerniu uma pontada de desejo e saudade em seu olhar; uma mistura perigosamente próxima da melancolia – aquela que assassina o sorriso, a ilustre fazedora de mortos-vivos.

– Você não sabe – ela respondeu, grogue, imersa em pensamentos indiscerníveis.

– Quem mais seria? Não há praga neste inferno que dê conta do corpo de um homem saudável daquela forma! Só magia - magia negra! E nenhum homem é tão perito em tal quanto aqueles diabos da noite! – Adam cuspiu ao nomeá-los.

Alna desferiu uma forte tapa em seu rosto.

– Como ousa cuspir no salão onde o seu irmão governou?! – ela bradou – Você não vai caçá-los! Não tem provas de que foram eles! Assassinar pessoas inocentes por conta de uma suspeita? Você está acima disso, Adam. – Alna virou as costas e fitou a plenitude da câmara.

As colunas pedregosas desenhavam um longo caminho até o pesaroso trono rajado, enquanto a escuridão preenchia os recantos longínquos e solitários do salão.

– Suspeita?! – o homem gritou – Foi-se o tempo em que a sensatez sobrepujava a política. – dito isso, cuspiu outra vez.

A viúva tornou o olhar, agora feroz, para Adam. Sua mão cortou o ar na direção do rosto do cunhado. Ele foi mais veloz: capturou seu pulso com força e aparou o seguinte golpe com a outra mão. Girando o corpo e torcendo os braços da mulher, jogou-a contra a coluna que ela tanto mirava; um desejo sombrio tomou Adam subitamente, como uma praga que invade o lado mais aclarado do cérebro, transformando a consciência num turbilhão de pensamentos horrendos.

– Foi aqui que seu marido a fodeu pela última vez?! – bradou – Foi?! – Seu riso ecoou pelo salão como os urros de um urso. – Foi há quantos anos? Cinco? Dez?

Ele forçou a coluna da mulher para baixo, obrigando-a a empinar-se.

– Uma boa foda para aprender a se pôr em seu lugar. Eu sou o Amo agora! Vou caçá-los se eu decidir que é preciso! Está me ouvindo?! – ele a sacudiu brutamente – Está?!

– Você não pode! – ela rugiu de volta. – Guardas! GUARDAS!

– Ninguém pode te ouvir, senhora. – Adam escarneceu. – Dispensei todos para que cuidassem de suas mulheres - pareceram muito contentes. Talvez, um dia desses, apareça alguém disposto a dá-las o que eles não podem por estar em seus postos.

Adam levantou o vestido da mulher, revelando nádegas tão lisas quanto seda; tão desejáveis a ele quanto sua vingança.

– Não! NÃO! – ela chorou. – Não faça isso, Adam! Por favor... Por fav... – seu pedido perdeu-se no vento quando foi penetrada com força. O nojo subjugou a raiva, e depois o prazer, seguido por fascínio e lascívia. – Não para... – ela venceu o orgulho para dizê-lo – Não...

Gemia enquanto Adam a agarrava pelos cachos. Por fim, um grito de prazer percorreu o salão, vencendo as maciças portas de carvalho e reverberando pelo Forte.

O sol queimava em seu auge, fitando os montadores de tigres por entre as frestas do manto cinzento que acobreava o céu. Os tigres aceleravam impiedosamente pela Floresta dos Lamentos; corriam entre pinheiros manchados por sangue enquanto o cruel vento do outono nortenho açoitava os longos cabelos dos guerreiros.

Em contrapartida ao flagelo gelado, os cavaleiros vestiam apenas uma calça de pele de urso-da-noite e capacetes de couro tão pálido quanto a pele de seus bestiais felinos albinos. Suas feições lhes conferiam um aspecto imponente; ásperos como a face de uma montanha, duros como o ouro salpicado de sangue de seus pesados martelos de guerra.

As imensas patas das feras amassavam a terra com graciosidade, sem produzir som. Bruma encabeçava a equipe, montada pelo Amo Adam Thieve, cujo olhar tempestuoso corria entre as intermináveis lanças de madeira vermelha que nasciam do solo. Seus cabelos longos e escarlates dançavam para trás, num caos adornado com um quê de encanto. Os fios encrespados e ruivos de sua barba cresceram consideravelmente nas últimas - e confusas - semanas, emaranhando-se e apartando a mais de um centímetro do queixo robusto.

Mais cinco ferozes cavaleiros compunham o séquito: Rolnan, Vaemer, Rinald, Ackle e Ethan. Rowling, o escudeiro de Adam, ficara para trás sob ordem do próprio Amo; ele queria apenas os melhores naquela caçada.

Adam não tinha a menor ideia de quantos selvagens encontraria, mas carregava em seu coração uma certeza indomável de que acharia os malditos e bastardos que mataram Antony, Eldreth e Olivia, sua preciosa e finada esposa. A fogueira poderia ter se apagado há mais de um dia, mas as pegadas continuariam a marcar o solo macio; suas presenças etéreas poderiam ser rastreadas pelos tigres; seus cheiros residiriam ainda no local - e eles não deveriam estar muito longe. Se fora realmente uma batalha entre as duas seitas de selvagens, muitos estariam disseminados pela floresta, desesperados para encontrar algum dos seus. Sabiam que a fogueira atrairia os Thieves - até por experiência de caçadas passadas -, portanto se esconderiam o máximo que possível quando se juntassem; caso eles se juntassem.

– Homens! – Adam bradou, erguendo seu martelo áureo à frente. – Sem misericórdia!

As feras avançaram, incentivadas pelas palavras do líder.

Seus fios prateados estavam empapados de suor e sangue. Os olhos púrpuros, carregados de ira; ao seu redor, cruelmente feridos e inchados. Seus lábios encontravam-se rachados e vermelhos de sangue. As costas foram fustigadas, o rosto, esmurrado e seu corpo, violado. Mas a ferocidade ainda vivia ali, em seus olhos ocultos pelos ferimentos.

Um gigante adentrou sua cela. O homem parecia trajar a própria noite; botas de couro, calça, túnica e manto de pele negra, olhos sombrios e longos cabelos funestos que beijavam sua barba catastrófica, tão extensa quanto os seus fios selvagens. Apenas seus dez anéis de prata afrontavam as trevas que o pareciam envolver; adornos maciços, tão sedentos pelo sangue no rosto de Shara quanto o próprio homem.

– Dessa vez não vou repetir a pergunta. – Krame anunciou. – Onde está o maldito rum?

Shara abriu um sorriso da cor do vinho nortenho; escuro, salpicado de pontos brancos, como a noite estrelada. Ela cuspiu saliva e sangue, que escorreram pelo seu queixo, pousando em seus grandes, porém firmes seios. Estava nua. Sentia o vento flagelar o seu sexo.

Um murro de prata feriu-lhe a bochecha.

– O rum, vadia! Diz onde está!

– Você... – ela gemeu de dor. – Não ia... perguntar... só... um-ma v-vez?

Kramer riu. E a esmurrou - novamente.

– Vadia... Por que não diz logo onde está o rum? Por que sofre tanto por isso?

Pela primeira vez, Shara ouviu Kramer falar quase que gentilmente com ela.

– Quem disse... – ela tossiu. – Que eu... est-tou... sofrendo?

Kramer desferiu um chute opulento em sua perna direita.

– Puta – então a acertou com seu punho revestido de prata. Em seguida a puxou pelos cabelos, com um sorriso perverso a cortar-lhe a face – Já que não usa a boca para falar, use-a para outros fins mais... – ele gracejou, saboreando a palavra – Prazerosos.

– Será... – ela saboreou o gosto do sangue – Uma delícia.

– Háh! Vadia! – seus anéis de prata embrenharam-se nos fios que pendiam sobre a nuca da mulher.

Quando Adam avistou a muralha de rochas soltas – que só os deuses sabiam como chegaram ali – ,foi que brandiu o seu martelo, com Bruma a acelerar sua corrida, na esperança de que os patifes fossem estúpidos o bastante para ainda estarem no lugar.

Não havia vivalma na clareira.

– Ackle! – Adam chamou.

– Senhor. – Era um homem de estatura média; ágil como uma pantera e um grande rastreador, qual a sua montaria. Seus olhos e cabelos cor de areia contrastavam com a escuridão da floresta, mas discerniam perfeitamente sua caça.

– À procura de vestígios daqueles malditos. – o Amo tocou o flanco do tigre com o calcanhar para que virassem. – Vaemer! – gritou.

– Senhor.

– Eu quero que você...

A frase nunca terminou. Uma flecha sibilou pelo ar à sua frente e atravessou o pescoço de Rinald - um guerreiro sereno, mas tão forte quanto um touro -, a poucos centímetros de Adam. Outra seta zuniu pela clareira, sem encontrar seu alvo.

A ira chamejou nos olhos bestiais, tanto de homens como dos tigres. A montaria de Rinald acometeu com uma fúria quase palpável, rugindo enquanto saltava sobre a muralha.

Bruma investiu contra o primeiro selvagem que surgiu sobre as rochas. Adam urrou e seu martelo carregou sua ordem, esmagando o crânio do inimigo. Outro homem tentou escalar a muralha rapidamente, para surpreender o Amo - mas escorregou e despencou na terra coberta por brasas. Bruma saltou em sua direção, pousando com um baque surdo em seu peito e fraturando seus ossos. Ela rosnava, enquanto sua vítima gritava de dor; enquanto esperava Adam matá-lo. O Thieve examinou o homem em um breve instante - um selvagem a implorar pateticamente por sua vida, fitando o martelo de guerra com puro terror.

– Bruma! Mate.

Adam desmontou de sua tigresa, deixando-a a sós com seu jantar; logo os gritos cessaram.

Não houve mais resistência. Quando a primeira flecha havia atingido Rinald e não Adam, qualquer esperança se perdera.

– Matem todos. Quero apenas aquele rapaz – anunciou, indicando um garoto de não mais do que vinte anos. Cabelos loiros e olhos azuis. Desgrenhado, mas feroz; ainda confiante de uma vitória, pois encarava os Homens de Castelo com furor.

Bastardo insolente.

– O que vai fazer com ele, senhor? – Ethan questionou.

Um brilho surgiu nas íris enevoadas de Adam.

– Matem todos e queimem-nos. Amarrem o garoto e se dividam em duas duplas para bater o terreno. Pode haver mais deles por aí. Deve haver mais. Eu ficarei aqui.

Uma segunda pira foi acesa, e logo consumiu os cadáveres; as labaredas avultavam, alimentando-se deles.

Rolnan e Ackle partiram para noroeste, enquanto Vaemer e Ethan rumaram a nordeste, de modo a cobrir o máximo de terreno. Estariam de volta ao pôr do sol.

– Temos bastante tempo para conversar, rapaz – Adam disse ao selvagem atado, o qual grunhia por trás das amarras que o impediam de falar. Um ar libertino tomou conta do sorriso esguio do Amo, parcialmente coberto por uma mão que levara à boca, pensativo. A última ordem veio após uma breve reflexão em sua mente. - Tire a roupa, garoto.

Agora, pelo menos, os lábios de Shara estavam úmidos. Fora obrigada a esboçar um sorriso convincente quando Krame arfou de prazer. Ele fora fazer o que quer que fosse – ela não prestou atenção; pois enquanto trabalhava com a língua e os lábios, sua mente só pensava em escapar.

Mas sabia que era algo utópico. Encontrava-se em uma fortaleza sob a Floresta dos Lamentos. Milhares de túneis erravam por baixo da terra como serpentes venenosas; eram traiçoeiros e muito parecidos uns com os outros; centenas de salões, celas e, deuses!, como eram extensos! Roçavam a praia, no extremo norte de Arcádia, recuando para o sul até o Limiar da Floresta dos Lamentos. Séculos foram precisos para tal obra. Perder-se ali embaixo significava morte certa; quando fome ou sede não eram as piores formas de se morrer. Era senso comum entre os Lordes que os espíritos dos selvagens mortos durante os últimos séculos residiam naqueles túneis, vagando a esmo, lamuriosos. Seus uivos eram como lobos, e o frio que emanavam criava um inverno sem fim na fortaleza.

Há muitos séculos, Alard, o Cruel, atraíra metade dos Montadores de Tigres para dentro dos túneis – mais de vinte homens e felinos. É dito que seus gritos ainda flagelam as paredes revestidas por seixo.

Por vezes, algum Lorde se perdia. Quando era achado, tinha o corpo estraçalhado por alguma besta espectral, a repousar nas profundezas do Inferno Invernal – como chamam a Fortaleza.

Diversos salões já foram lacrados com distintos tipos de selos e feitiços. Nenhum parecia jamais ter funcionado. E poucos foram os necromantes e magos que retornaram. E apesar de Shara ter nascido no Inferno, não conhecia o lugar onde a colocaram. Alguma câmara nas profundezas da fortaleza - o que justificava o frio anômalo que beijava sua pele macia, a despeito do martírio.

Além dos fatores assombrosos inerentes à fortaleza, o lugar estava agora infestado com Noturnos e os últimos Lordes - dez vezes malditos, os canalhas e traidores.

Seus pensamentos se perderam diante da magnificência do lugar e, quando deu por si, Kramer a puxava pelos cabelos, com um sorriso displicente.

– Vai dizer onde está o rum? – perguntou, sem esperanças de resposta.

Shara ergueu seus olhos róseos; a voluptuosidade transluzia em suas íris tanto quanto a força traduzia os músculos abissais de Kramer.

– Maldita! – O gigante desferiu um soco enérgico em sua face fustigada. Em seguida, abaixou sua enorme calça de pele negra, agarrou os cabelos prateados e fez a boca da selvagem encontrar seu sexo.

No entanto, Shara empurrou o homem para trás de imediato, cuspindo o membro do Noturno.

– Vadia! – Krame gritou, erguendo o punho incrustado de anéis robustos e preparando um murro trovejante.

– Não! – a voz de Shara berrou.

Tarde demais.

A rocha que era a mão do gigante abriu três cortes em seu rosto em um único golpe - do qual se arrependeu rapidamente. A guerreira se levantou de súbito, célere como uma tigresa. Sua perna cortou o ar, encontrando as costelas de Kramer e estalando-as com um chute feroz.

– Bastardo! – cuspiu na cara do gigante. – Covarde! – solou o peitoral musculoso do Noturno com toda a sua força, fazendo-o recuar.

– Ainda não sei por que o chamam de Kramer, o Gigante – zombou, escarnecendo. – Essa merdinha... – cuspiu no sexo do homem. – Eu engoliria três dessa merda.

O líder dos Noturnos acometeu, ruborizado. Mas Shara não hesitou; deu um passo para o lado em um piscar de olhos, desferindo uma invejável joelhada no estômago do monstro.

Quando ele se curvou de dor, ela sussurrou em seus ouvidos:

– E agora, cretino? – Shara sacou a adaga de Kramer. – MALDITO! – Bradou, enquanto cravava a lâmina entre as nádegas do gigante, fazendo-o gritar como nunca antes.


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Notas finais do capítulo

Tolerância é a consequência necessária da percepção de que somos pessoas falíveis: errar é humano, e estamos o tempo todo cometendo erros. - Voltaire.

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