Simplesmente escrita por Kaline Bogard


Capítulo 5
Capítulo 05


Notas iniciais do capítulo

Não foi betado



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Simplesmente...
Kaline Bogard

Capítulo 05

Sem que pudesse controlar Stiles sentiu um calor subir por seu pescoço e seu rosto. Ele soube que estava corando. O coração disparou no peito e a boca ficou seca. Foi com muita dificuldade que encontrou sua voz para elaborar a terrível pergunta.

— Cara, o que é que você quer?

— A senha do seu Wi-Fi.

A palavra “não” estava na ponta da língua do jovem nerd. E ali ficou. A ficha caiu e ele compreendeu o pedido.

— A senha do meu Wi-Fi? — Stiles perguntou franzindo as sobrancelhas.

Isaac teve a decência de parecer sem jeito, desviando olhos para o céu da noite.

— Eu... estou meio sem grana, tive que fazer uns cortes, sabe? Mas ficar sem Internet é doloroso. Prometo que não faço downloads muito pesados para não deixar a conexão lenta...

Stiles coçou a nuca. Não podia negar a surpresa pelo inusitado pedido. De todas as coisas que passaram por sua mente, aquela estava totalmente fora da lista de possibilidades.

— Okay, tudo bem. Eu te passo a senha e você pára de andar de cueca pela área de serviço. Parece perfeito.

— Então temos um acordo! Vou pegar o celular e você me envia a senha por Bluetooth.

E foi para dentro de casa cumprir o prometido. Stiles fez o mesmo e foi pegar o próprio smatphone. Alguma coisa naquela “negociação” deixou Stiles desconfiado de que Isaac agira de propósito para conseguir a sua senha desde o principio. Mas era um preço pequeno a se pagar se com isso pudesse evitar brigas desnecessárias com Derek, graças ao vizinho chantagista.

oOo

O dia seguinte era sábado. Nenhuma Coordenação de Curso funcionava, apesar de algumas aulas, inclusive de Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado. Por isso Stiles tinha o dia todo para si.

Pensou em ligar para Derek e logo mudou de idéia. Era melhor que o namorado tomasse a iniciativa quando a raiva infantil tivesse passado. Ao invés disso esticou-se no sofá com uma vasilha cheia de flocos de chocolate e leite. Assim que começou a comer lembrou-se dos remédios e quase desistiu de tomá-los. Mas sabia que não podia. TDHA era um transtorno similar à Bipolaridade: quando o paciente passava por um período de estabilidade, a falsa segurança fazia a pessoa crer que podia suspender a medicação por conta própria, algo extremamente perigoso.

Sabendo disso o garoto levantou-se e foi para a cozinha fazer a medicação. Satisfeito consigo mesmo retornou ao ninho e ajeitou-se no sofá. Zapeava os canais sem parar em nenhum, a não ser para enfiar uma colherada de cereal na boca.

Mentalmente repassava uma lista de coisas que poderia fazer naquele sábado: o apartamento estava limpo, mas precisava colocar o lixo na coleta seletiva. Também podia adiantar um pouco a produção de seu artigo para os pontos extras do Mestrado, todavia isso o lembrou da dificuldade de leitura e consequentemente da necessária visita ao oftalmologista. Desistiu do artigo.

O melhor era ficar deitado até a hora do almoço, encomendar comida chinesa e voltar para o sofá. Esperaria a ligação de Derek até a hora do jantar. Se o crianção não desse sinal de vida, Stiles ligaria para ele. Além disso, podia jogar vídeo-game ou assistir algum filme.

Ao terminar a tigela de flocos de chocolate, o garoto trocou o pijama por roupas confortáveis para ficar em casa. Recolheu o lixo separado em saquinhos coloridos de coleta seletiva. Como morava sozinho e passava praticamente o dia fora, não tinha muita coisa acumulada.

Saiu do apartamento e apertou o botão do elevador. Enquanto aguardava observou que os vasos da senhora Amber estavam secos, fato que era muito estranho. A velha senhora sempre os aguava pela manhã, logo após voltar das compras semanais.

Como se fosse uma resposta as dúvidas do rapaz, a porta do 2101-A se abriu e Erica saiu apressada por ela. A loira estava com uma aparência péssima, com os olhos vermelhos, ofegante e parecendo perdida, carregando uma pequena mala na mão. Quando parou ao lado de Stiles para esperar o elevador, ele notou que a jovem tremia.

— O que aconteceu? — mesmo que ela o perseguisse e pegasse no seu pé, Stilinski não podia se fazer de indiferente ao sofrimento de outra pessoa.

— Minha avó — Erica respondeu chorosa — Teve um infarto.

Stiles abriu a boca, surpreso. Imediatamente se contagiou com a preocupação.

— Ela está bem? Isso é totalmente horrível. Sinto muito.

— Não sei como ela está. Me ligaram no serviço. Parece que vovó estava no supermercado quando passou mal. Ela insiste em fazer tudo sozinha e... meu Deus! Espero que ela esteja bem!

Para desespero de Stiles a loira começou a chorar desconsolada. Ele aproximou-se de Erica e ousou colocar uma mão sobre o ombro dela.

— Não está em condições de dirigir. Eu levo você ao hospital, okay? Segura o elevador que eu vou pegar minha carteira.

A loira balançou a cabeça concordando e Stilinski voltou para o próprio apartamento, levando consigo os sacos de lixo. Enquanto pegava o celular e a carteira hesitou por uns segundos. Talvez fosse melhor chamar Derek e pedir ajuda...

Logo desistiu da opção. Talvez o namorado não atendesse a ligação. Além disso, Stiles não era uma donzela em perigo. Ele podia muito bem sentar-se atrás de um volante, dar a partida e dirigir pela cidade. Qual a dificuldade disso? Tomara seus remédios, o Déficit de Atenção não seria um problema.

Convencido e mais tranqüilo voltou ao hall de entrada onde Erica esperava por ele. Desceram juntos até o estacionamento e a garota indicou um modelo esporte branco até que bem conservado, único no estacionamento do prédio no momento.

Assim que Stiles sentou-se no banco do motorista e travou o cinto, aconteceu. Como todas às vezes anteriores começou de repente. O que era uma porcaria impossível de prever. Primeiro foi a sensação de náusea. Um bolo amargo que subiu por sua garganta e travou a respiração. Logo em seguida veio a sensação de dormência pelo corpo e a hiperventilação. Uma mão trêmula segurou no volante com força, enquanto a outra ia ao peito e pressionava, como se o toque pudesse diminuir a dor que bombardeou-lhe o tórax.

Muito vagamente ouviu a voz de Erica chegando a si, perguntando se estava tudo bem. Mas Stiles não podia responder, não encontrava voz ou sequer a capacidade de articular uma frase. A sensação de que a realidade se esvaia o atordoou. Fazia tanto tempo que não tinha um ataque daqueles que tudo pareceu muito pior do que realmente era.

Erica ficou paralisada por alguns instantes, reconhecendo quase imediatamente os sintomas de seu vizinho. Ela nunca tinha presenciado um ataque de pânico antes, mas não era leiga; pois já sofrera convulsões em sua adolescência e participara de grupos de ajuda.

— Stiles, fique comigo, está bem...? Eu vou pegar o seu celular e ligar para o seu namorado — ela foi falando e agindo, sem saber que isso apenas piorou a situação, por que o rapaz achava que Derek não atenderia o chamado, já que estava com raiva. Lágrimas transbordaram nos olhos castanhos, pois ele queria falar alguma coisa, pedir desculpas por tudo aquilo, mas mal conseguia respirar — Aqui, achei. Deve ser esse “Mozão” nos seus contatos, não é? Respira, Stiles. Calma... inspira e expira, apenas isso. Não pense em mais... alô? Graças a Deus! Aqui quem fala é Erica Reyes, eu sou a vizinha de Stiles e... olha, não vejo um jeito melhor de dizer isso, seu namorado está tendo um ataque de pânico e... precisamos de você aqui e... okay. Estamos na garagem do prédio. Meu carro é o único estacionado. Okay, obrigada.

Assim que desligou o celular Erica voltou-se para Stiles e pegou a mão que ele mantinha contra o peito, segurando-a com força, querendo mostrar que o garoto não enfrentava aquilo sozinho. A pele estava gélida, a palma suava frio.

— Olha para mim. Se concentra na minha voz, Stiles. Eu sei que você não vai conseguir me responder, então ouça. Apenas ouça — ela foi dizendo firmemente, sem desviar a mirada em momento algum — Você não vai morrer. O mundo não está se desfazendo. A dor que sente no peito é uma reação do seu corpo por causa da adrenalina do ataque de pânico. É a maldita reação de luta ou fuga. Nós estamos no estacionamento do nosso prédio. O carro está parado, desligado e nenhum de nós corre perigo. Eu já tinha percebido que você não dirige, mas nunca parei para pensar no porquê.

Erica fizera parte de um grupo de pessoas com transtornos, como parte da terapia para aprender a conviver com as convulsões. No grupo conhecera algumas vitimas de ataques de pânico. Relatos sobre o medo de morrer, perda do senso de realidade, dor no peito, hiperventilação... tudo aquilo fora discutido à exaustão. Por isso sabia mais ou menos o que enfrentava e o mais importante: como enfrentar. Tinha que manter a calma e ser comedida, para não assustar o rapaz ainda mais, mesmo que significasse colocar a preocupação com a avó em segundo plano, já que não adiantava desesperar-se também. Não naquele momento.

— Posso ser uma vadia às vezes e adoro pegar no seu pé, mas conheço os limites. Sei que você tinha as melhores intenções ao se oferecer para me levar ao hospital, porque você é um cara bacana — nesse ponto Erica beliscou uma das bochechas pálidas de Stiles com carinho, querendo lhe mostrar com toques que era real — Aposto que acreditou que conseguiria enfrentar seus medos e me ajudar. Acredite, eu já estive no seu lugar muitas vezes. Não é sua culpa nada do que está acontecendo e eu não estou brava, nem chateada. Estou apenas preocupada. Quero que continue respirando, okay? Apenas isso. Inspire e expire. Seu Mozão já está vindo nos ajudar...

Erica continuou falando devagar e em um tom de voz cada vez mais gentil, por vários minutos; feliz por notar que a crise já parecia ter passado do pior ponto. A respiração de Stiles já não era mais trôpega, agoniante. As lágrimas cessaram, deixando apenas um rastro molhado pela face lívida.

Repetiu o discurso tranqüilizador mais uma vez antes de um Camaro preto entrar no estacionamento cantando os pneus e estacionar na vaga ao lado do carro de Erica.

E o Mozão devia ter violado todas as regras de transito para chegar ali tão rápido.

continua...


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