Simplesmente...
Kaline Bogard

Capítulo 06

Derek desceu do Camaro e sequer fechou a porta, indo até o lado do motorista, para abrir o carro e abaixar-se a frente do namorado muito pálido. A primeira atitude de Hale foi inclinar-se e destravar o cinto, libertando o garoto e facilitando a respiração.

Em seguida segurou o rosto de Stiles com as duas mãos e o observou cuidadosamente.

— Hei, hei. Eu estou aqui agora, está tudo bem — foi dizendo e ignorando a presença da loira no banco ao lado — Como se sente? Parece que o pior já passou.

Stiles apenas balançou a cabeça, sem forças para dizer nada. Conseguia respirar melhor e o peito não doía, mas o corpo continuava dormente e a sensação de morte eminente pairava ameaçadora sobre si, algo como sombra encobrindo a luz do sol.

— Onde estavam indo? — a pergunta foi direcionada a Erica, apesar de os olhos verdes não se desviarem da face lívida de Stiles em momento algum.

— Ao hospital — ela explicou — Minha avó sofreu um infarto. Vim apenas pegar algumas roupas, mas eu estava nervosa demais e Stiles se ofereceu para me levar. Eu sinto muito. Não sabia que...

— Tudo bem — Derek cortou — Eu levo vocês até o hospital. Consegue andar...?

O garoto balançou a cabeça confirmando. Saiu do carro com ajuda do namorado e se deixou levar até o banco de trás do Camaro.

— Vou travar o cinto, mas se um ataque de pânico acontecer nós estacionamos e resolvemos isso, okay? A... Erica... — nesse ponto Derek olhou para a loira, que os seguia silenciosa;em busca da confirmação de que acertara o nome — Vai sentar ao seu lado e segurar sua mão o tempo todo. Se tiver alguma sensação ruim apenas aperte a mão dela e nós estacionamos, okay?

Stiles acenou com a cabeça, tentando relaxar no assento. Logo a vizinha tomava lugar ao seu lado e seguia as instruções de Hale, entrelaçando os dedos de ambos. E partiram em direção ao hospital em que Erica informara estar internada sua avó.

Quando chegaram lá, Stiles já se sentia mais senhor de si; conseguindo sair do carro sozinho e dando mostras de estar envergonhado pelo que acontecera.

— Obrigada pela carona... — Erica foi dizendo, tentando dissipar o clima estranho e, ao mesmo tempo, deixando os dois rapazes livres para ir embora.

— Não! — Stilinski a cortou — Vamos com você... saber notícias da senhora Amber.

E olhou para Derek, sondando se o namorado concordava com a idéia.

— Vamos — foi tudo o que o mais velho disse.

Os três seguiram até o hall de entrada, Erica rumou direto para o balcão de informações, enquanto Stiles e Derek seguiam para a sala de espera. O garoto sentou-se em uma das poltronas, mas o outro ficou em pé.

— Vou buscar algo para você beber. O que prefere?

— Água está bom.

Em silencio seguiu até uma das máquinas automáticas e trocou algumas moedas por uma garrafinha de água gelada. Voltou para perto de Stiles quase ao mesmo tempo que Erica.

— Vovó está na sala de operação — informou com os olhos brilhando. Sentou-se ao lado de Stiles, colocando a maleta sobre o colo — Agora é só esperar.

Derek estendeu a garrafinha para o namorado e sentou-se do lado dele. Ficaram daquele jeito, em silêncio expectante, até por volta do almoço, quando uma enfermeira veio chamar Erica.

— Queremos conversar com a senhorita...

— Nós estaremos no refeitório — Stiles informou — Serão boas notícias, anime-se!

A loira sorriu e afastou-se junto à funcionária. Só então os dois caminharam até o refeitório, lugar que tinha uma cantina conjugada. Compraram sanduíches naturais e encontraram uma mesa para sentar.

Sem nem mesmo começar a comer, Hale cravou os olhos verdes em seu namorado e soltou a pergunta que estivera atormentando sua mente desde que recebera o chamado de Erica.

— Por que não me ligou?

Stilinksi mastigou um pedado do sanduíche lentamente, de um jeito que nunca fazia, esfomeado do jeito que era. Visivelmente enrolava para responder.

— Eu sou idiota... só... pensei que você não ia me atender... eu...

— Eu nunca deixaria de atender uma ligação sua — Derek foi categórico. Para reforçar estendeu o braço e colocou a mão por cima da mão de Stiles — Mesmo que eu esteja agindo como um idiota por causa do meu ciúmes estúpido.

— Derek...

— Estamos juntos a tanto tempo. Devia saber que eu atenderia sua ligação até durante uma reunião com os acionistas da minha empresa.

Nesse ponto Stiles riu um pouco. Deu outra mordida sem vontade no lanche e mastigou devagar, pensativo.

— Tem mais, Derek. Eu... eu pensei que conseguiria. Pensei que... droga — soltou o pão sobre a mesa, desanimado — Pensei que podia dirigir a droga de um carro! Não quero ter que ligar para o meu namorado bancar o chofer ou... você não é meu pai! Não quero que resolva tudo por mim.

Hale respirou fundo e recostou-se na cadeira.

— Eu não sou seu pai, Stiles. Não resolvo tudo por você, nem quero. Sou seu namorado e quero resolver com você. Por que é assim que namorados fazem. Juntos.

O garoto respirou fundo.

— Sinto muito...

— Não quero que esconda nada de mim também. Você teve algum ataque de pânico que não me contou?

— Não! Totalmente não! — Stiles tratou de negar — Por isso achei que conseguiria dirigir. Faz muito, muito tempo que não tenho um desses. Mas a possibilidade de matar alguém me assusta pra valer. Eu... nem consegui girar a chave.

Derek pareceu satisfeito com a resposta firme.

— Nunca mais tenha medo de ligar para mim, ou conversar comigo. Você me conhece, Stiles.

Um sorriso sem graça se desenhou nos lábios do rapaz. Ele desviou os olhos para o lado, um tanto envergonhado.

— Você é demais, Derek. Merece alguém melhor o que eu... alguém que seja normal.

O mais velho ia responder, mas não teve tempo. Uma voz bem humorada fez isso por ele.

— E que não seja um idiota — Erica chegou sorridente, sentando-se na mesa ao lado de Stiles e surrupiando o sanduíche que ele abandonara — Vovó saiu da operação. Ela vai ficar na UTI a princípio, mas passa bem.

— Ótimo! — Stiles sorriu abertamente — É ótimo saber disso!

Erica deu uma mordida generosa no sanduíche, mastigando e engolindo com alguma dificuldade.

— Você tem ataques de pânico? E acha que não é normal por isso? Stiles, eu tive convulsões até minha adolescência — então bateu na têmpora com o dedo indicador — Tem uma pane no meu cérebro. A qualquer momento posso cair no chão, em qualquer lugar, e me debater até molhar as calças. Tenho uma condição, mas isso não me faz menos normal do que qualquer outra pessoa.

— Eu não sabia disso — Stiles sussurrou admirado. Derek apenas ouviu, sem comentar nada.

— O colegial foi uma droga. Ninguém aliviou a minha barra. A pior época foi quando descobri que tinha um vídeo meu rolando na Internet, imagina a cena: eu me debatendo no chão da sala, toda babada e mijada.

— Erica, isso é totalmente horrível! — Stiles soou verdadeiramente sensibilizado.

Então a loira voltou-se para ele e o olhou com seriedade.

— A pessoa que fez o vídeo e postou é “normal”? As pessoas que riam de mim são “normais”? É esse o tipo de “normalidade” que você busca? Vou te dizer uma coisa: ninguém lá fora é melhor ou mais normal do que você, Stiles. Mas a sociedade pega nosso ponto fraco e tenta nos derrubar dia após dia. Quando entendi isso, eu mudei. Me tornei outra pessoa, fiz da minha fraqueza um escudo para me proteger. Surpreendi todo mundo pra valer.

Terminou o discurso dando uma última mordida no sanduíche que devorara. Por um breve instante o silêncio permaneceu na mesa, quebrado apenas pelo som das conversas em derredor, que chegava a eles como um zumbido indistinto.

Então Stiles respirou fundo e sorriu.

— To sem palavras, Erica. Obrigado.

A loira fez uma careta e desdenhou com um gesto de mão.

— Ah, só vim aqui para agradecer e liberar vocês. Podem ir para casa!

— Não quer que a gente fique mais um pouco — Stilinski ofereceu olhando rápido para Derek — É chato ficar sozinho no hospital.

Erica sorriu de um jeito suspeito.

— Obrigada, mas meu namorado conseguiu encerrar o turno mais cedo e vem para ficar comigo. Sim, Stiles, não seja um idiota e feche essa boca. É claro que eu tenho um namorado — a garota resmungou e acertou um tapa na nuca do vizinho.

Stiles riu baixinho.

— To chocado. Totalmente chocado. Em um único dia descobri que a minha vizinha trabalha, tem um namorado e não é uma vadia sem coração!

— Stiles! — Derek bronqueou, metendo-se na conversa dos jovens pela primeira vez.

Mas a garota balançou a cabeça, nada ofendida com as palavras do rapaz. Levantou-se da mesa e espreguiçou-se de modo quase felino.

— Ah, relaxa. Eu posso dizer o mesmo. De repente descubro que meu vizinho não é um nerd filhinho de papai vivendo o sonho americano com o namorado perfeito — então hesitou um pouco e piscou matreira para Derek — Ou quem sabe o namorado até seja perfeito. Não é, Mozão?

E escapou da mesa antes que os rapazes pudessem rebater sua provocação. Hale virou-se para seu jovem companheiro, com uma expressão quase sinistra.

— Stiles...

Ao invés de responder, ele apenas ergueu-se da mesa, sentindo-se leve e feliz.

— Vamos para casa, Sourwolf.

A sombra havia desaparecido. O sol voltara a brilhar mais forte do que antes.

continua...