Simplesmente
Kaline Bogard

Capítulo 02

Ia levando o copo de papel aos lábios quando a porta da saleta foi aberta de supetão e uma voz se fez ouvir.

– Stiles... nós temos um problema!

O garoto voltou a colocar o copo sobre a mesa e respirou muito fundo. Girou a cadeira de rodinhas e encarou seu melhor amigo, aluno daquela faculdade; mas do curso de Medicina Veterinária, que dividia o mesmo campus.

– Você reiniciou o computador, Scott? – e ergueu as sobrancelhas um tanto irônico.

Isso fez com que o recém-chegado derrubasse os ombros em sinal de derrota.

– Cara, você nunca vai me deixar esquecer isso? Foi apenas uma vez! E muito tempo atrás, desapega.

Stiles riu.

– Você surtou por que o seu PC travou. Era só reiniciar o sistema operacional... simples assim.

– Simples assim... – Scott imitou fazendo uma careta – E o problema hoje não é o meu PC. É na toca do Dragão.

– Ah, cara. Tá de brincadeira comigo?! – o rapaz levou as duas mãos ao rosto e esfregou desesperado – Eu acordo e dou de cara com aquele meu vizinho tarado que se acha um modelo da Victoria's Secret. Dai saio de casa e quem me dá bom dia? A insuportável da Erica e aquele gato que faria o Snorlax parecer anorexo. Quando penso que a vida pode ser mais suave... sou chamado à Toca do Dragão?! Porra, dá um tempo aí, Destino.

Scott riu do drama antes de dar de ombros.

– Nada é tão ruim que não possa piorar.

– Você não é mais meu melhor amigo, Scott – e fez um gesto que deveria ser de desprezo, porém acabou esbarrando o cotovelo no copo de papel e derrubando café sobre a mesa – MERDA!

Agilmente conseguiu salvar o tablet de tomar um banho de café quente. Por pura sorte não tinha enchido o copo, por isso o líquido não chegou a derramar, apenas se espalhou pelo tampo.

– Eu avisei.

– Tá, tá – Stiles resmungou – Limpa isso para mim que eu vou ver o que o Dragão quer.

– Stiles!

Scott começou a reclamar, mas o outro escapou da saleta rapidamente, deixando-o a falar sozinho. Mal humorado saiu do prédio. Teria que ir para o outro campus, que por sorte (ou azar) ficava no mesmo terreno. Provavelmente era puro azar. Se fosse um campo distante, como das Engenharias, Stiles não teria que ir até lá, ser sacrificado como uma inocente donzela.

Okay, alguém percebeu como ele é dramático? Caso não tenha percebido, pare o mundo e desça para tomar um ar. Stiles Stilinksi é um jovem Drama Queen com PhD em Exagero.

E transbordando pensamentos negativos sobre como acabar com aquele demônio em forma de gente sem precisar cumprir pena por assassinato. Não conseguiu achar uma solução que não acabasse em sangue. A não ser que chamasse os Winchester para ajudar. Mas os Winchester são ficção e sangue derramado é sinônimo de cadeia.

Então Stiles aceitou seu destino com honra. Chegou ao prédio da Administração e seguiu para a sala da Coordenação. Bateu na porta e entrou sem esperar resposta.

– Bom dia. Precisa de ajuda? – foi dizendo sem humor algum.

A mulher sentada atrás da escrivaninha ergueu a cabeça e franziu as sobrancelhas de leve.

– Não, Stilinski. Eu te chamei aqui por que sou masoquista e gosto de me torturar olhando para a sua cara feia.

Stiles apertou os lábios para não responder à altura, apesar da grande vontade de mandar aquela mulher a... algum lugar pouco apropriado para o horário matinal.

Não compreendia por que ela o odiava tanto. Kate Argent, uma mulher loira, de meia idade e beleza estonteante, sem dúvidas. Mas de um gênio e caráter terríveis. Kate não gostava de Stiles e fazia questão de deixar isso claro.

O rapaz também não caia de amores pela Argent, mas ainda fazia uso da boa educação. Além, é claro, do fato de que a família dela tinha anos e anos de tradição naquela faculdade. Eram gerações de Professores Doutores, pesquisadores e coisas do tipo.

Entrar naquele jogo de provocação era entrar em uma guerra que não podia vencer. Fato que não impedia Stiles de soltar uma ou outra alfinetada.

– Scott me avisou que seu PC está com problemas. Tentou reiniciar?

Kate inclinou a cabeça levemente para a direita.

– Se todos os problemas se resolvessem com reinicialização não precisaríamos de nerds como você. Pode apenas fazer o que recebe tão bem para fazer e consertar meu computador? Preciso das provas que estão armazenadas nele.

– Claro, senhorita Argent.

– Doutora Argent – ela corrigiu.

– Se me permite posso lhe apresentar um ou dois sites de armazenamento que...

– Stiles, cale essa boca. Pegue o meu computador e resolva logo o problema, antes do almoço. Ou eu garanto que o resto do seu dia será muito, muito desagradável.

Ele fez exatamente o que lhe foi mandado. No fim das contas reiniciar o sistema operacional realmente não resolveu e ele teve que levar a CPU até a Coordenação em que trabalhava e entregá-la para que algum dos estagiários resolvesse. Não perderia um segundo com a insuportável da Argent.

Pouco antes das onze horas da manhã o computador estava pronto para uso e nada fora perdido, felizmente. Chorando sangue mentalmente Stiles tomou para si a tarefa de devolver a CPU à Coordenação da Administração. Nenhum estagiário merecia sofrer com a fúria da Argent.

Caminhou devagar, sem pressa. Odiava cada segundo passado respirando o mesmo ar que aquela loira. Por isso enrolou o máximo possível antes de adentrar no prédio da Administração e ter uma agradável surpresa.

Kate Argent não estava lá. Fora chamada para alguma reunião com alunos e Stiles sentiu que um little pony nascia em algum lugar de Nárnia pelo milagre. Cantarolando conectou a CPU e testou para ver se ligava corretamente.

Com um profundo senso de dever cumprido escapou do prédio o mais rápido possível, antes que a odiavel mulher voltasse e cumprisse a promessa de estragar o seu dia.

Como passava pouco do meio dia, resolveu ir direto para o refeitório onde encontrou-se com Scott.

– Sobreviveu? – McCall debochou enchendo o lanche com catchup e depois mostarda.

Stiles suspirou com exagero e deixou-se cair sobre o banco.

– Cara, na boa, essa mulher tem uma paixão reprimida por mim. É a única explicação.

Scott ficou muito sério, observando enquanto Stiles rodava o papel com o número do seu pedido entre os dedos longos. O ar de desolação de seu melhor amigo era tocante.

– Stiles... você devia procurar a ouvidoria e fazer uma reclamação. Isso já tá virando assédio moral.

O menino deu de ombros.

– Eu sobrevivi ao bullying no colegial, Scott. Posso aguentar a chateação daquela mulher. Além disso, a família dela inteira trabalha nessa faculdade. Se eu arrumar briga com os Argent estou ferrado.

– Ah, a Allison é legal. Se quiser eu falo com ela.

– De jeito nenhum! Eu tenho vinte e um anos, meu QI me ajudou a pular o primeiro ano colegial. Consegui emprego na faculdade assim que fiz dezoito e já estou fazendo mestrado. Acho que posso cuidar de uma pessoa arrogante.

– Ah, aí está você se gabando desse cérebro de gênio. Quem é arrogante mesmo?

Stiles riu. Antes que dissesse qualquer coisa viu o número do seu pedido piscar em vermelho no painel. Levantou-se para buscar a salada e uma porção de batatas fritas, junto com suco de laranja. Mudara radicalmente seus hábitos desde que o pai ficara doente. Agora, mesmo morando sozinho e longe, não desacostumara de comer comida saudável.

McCall apenas observou o melhor amigo. Sabia o quanto Stiles odiava incomodar os outros. Preferia encarar tudo calado quando a situação era com ele. Pois quando era para defender outra pessoa, não hesitava um segundo.

Prometeu, silencioso, que se Kate Argente continuasse perseguindo o menino, ele falaria com Alllison.

oOo

O resto da tarde passou voando. Stiles fez uma ronda nos dois laboratórios principais, parando para conversar um pouco com os alunos, exemplos de nerds que fariam Sheldon Cooper e cia morrer de inveja. Isso se o elenco de The Big Bang Theory existisse na vida real...

Todos os PC's estavam funcionais e operando de modo satisfatório. Então Stiles voltou para a Coordenação e viu como os estagiários se saiam em suas incumbências. Orientou dois rapazes que encontravam dificuldades em reprogramar uma rotina em Delphy (programa que Stilinski adorava) e, quando pensou em voltar para seus artigos, Stiles percebeu que era hora de ir para casa.

Feliz juntou suas coisas, desligou o PC e liberou os jovens estagiários. Saiu tranquilo e sem pressa.

Vinha para o trabalho de metrô pela manhã, por que não dirigia mais. Antes amava sair por Beacon Hills, sua cidade natal, e explorar a reserva florestal com o jipe. Mas a medida que crescia e a TDAH evoluía era cada vez mais complicado manter o foco e a atenção na direção. Stiles sabia que grande porcentagem dos acidentes no transito eram causados por distrações. E pessoas como ele estavam mais propensas a causá-los. Mesmo que tomasse seu remédio corretamente.

Se havia uma coisa no mundo que o garoto não podia aceitar era a possibilidade de machucar alguém ou pior: causar a morte de uma pessoa.

Por isso vinha trabalhar de metrô. E na hora de ir embora...

– Olá! – Stiles sorriu feliz ao chegar ao estacionamento da faculdade, segurando em ambas as abas da mochila – Desculpe o atraso.

– Está tudo bem – o homem encostado no Camaro preto avançou um passo e esperou o menino aproximar-se para fazer-lhe um carinho no rosto, antes de beijá-lo de leve – Acabei de chegar também.

E na hora de ir embora... Derek Hale, namorado de Stiles, vinha buscá-lo todos os dias.

Continua...