Paz Temporária - Olhos Amaldiçoados escrita por HellFromHeaven


Capítulo 9
Aliviando a culpa




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Não dormi nada naquela noite, mas isso não era incomum. Minhas lembranças me atormentam há bastante tempo... Só que dessa vez em particular, a causa da insônia foi externa: meu sentimento latente de culpa. Rolei de um lado para o outro da cama e, mesmo com algumas palavras de conforto de Jessy, não consegui eliminar aquele sentimento maldito. Quando eu decidi sair da cama, o Sr. Hakkido já havia saído para o trabalho e apenas tentei despertar preparando chá e tomando algumas xícaras. Sentei-me na varanda e comecei a planejar o meu dia. Como era sábado, eu estava livre e a ideia de descobrir o paradeiro do garoto estava martelando em minha cabeça. Mantinha o olhar em um ponto fixo qualquer enquanto pensava até ser interrompida por Jessy, que colocou a mão em meu ombro esquerdo:

– Está muito pensativa esta manhã.

– Pois é... Estou apenas planejando o dia, já que não trabalho hoje.

Ela olhou nos meus olhos e permaneceu me encarando por algum tempo, depois encostou sua cabeça em meu ombro e sorriu:

– Você é uma boa garota...

– Não tenho tanta certeza disso...

– Não se preocupe com o garoto. Não foi sua culpa terem queimado a casa dele.

– Eu... Eu...

– Quer ver se ele está bem com os próprios olhos, certo?

– Sim...

– Jackie, Jackie... Nem preciso usar meus poderes para saber o que se passa pela sua mente.

– Está dizendo que sou muito previsível?

– Não. É que já estamos juntas há um bom tempo, então eu te conheço melhor do que qualquer um.

– Isso é verdade... Mas não mude de assunto. Você sabe onde ele está não é?

– Olha... Não.

– E quanto aos seus poderes?

– Não sou Deus, apenas um espírito. Então meus poderes são limitados, principalmente hoje em dia...

– Mas eles ainda funcionam certo?

– De certa forma. Mas não posso prever o futuro, afinal, há diversas possibilidades de como ele poderá ser. E são essas possibilidades que eu vejo.

– Então... Não há como saber?

– Bem, se considerarmos os acontecimentos de ontem há apenas dois lugares onde ele possa estar.

– Então me leve até o mais perto daqui.

– Agora? Acho melhor você tomar o café-da-manhã antes.

– Oh... Verdade...

Tomei o café-da-manhã e andei pela cidade seguindo as indicações de Jessy. Levei cerca de vinte minutos para chegar ao local. Era uma casa relativamente grande e muito bonita (bem diferente do lugar onde eu estava vivendo). Ameacei bater na porta, mas percebi que existia uma campainha e a utilizei para chamar a atenção de... Naquela hora me lembrei de que não sabia de quem era aquela casa, já que a Jessy não havia informado:

– Jessy! Acabei de tocar a campainha da casa de um desconhecido!

– Desconhecida. Procure pelo nome de Lisa Hartfield

– Tudo bem.

Uma mulher alta e bonita atendeu a porta com um grande sorriso:

– Pois não?

– Estou procurando Lisa... Hartfield.

– Oh. Você é amiga dela?

– Na verdade... Conhecida.

– Qual o seu nome, querida?

– Jackie.

– Tudo bem. Vou chama-la. Espere só um pouco.

Esperei a porta se fechar e o som de passos ficar distante para falar novamente com minha amiga invisível:

– Acabei me metendo em uma situação complicada não é?

– Pois é... Mas algo me diz que você não será enxotada.

– Espero que esteja certa.

Depois de alguns segundos pude ouvir novamente o som de passos se aproximando da porta. Dessa vez uma garota de aproximadamente 1,65 metros, com um grande e cacheado cabelo loiro e olhos levemente acinzentados com alguns pontos brancos na íris. Ela me olhava intrigada e sua expressão passou de confusa para espantada em questão de segundos:

– O... Olá... Você deve ser a Jackie de quem o Harry estava falando...

– Oh... Ele falou algo sobre mim?

– Sim... Entre.

A acompanhei pela casa. Subimos uma escada e seguimos até o final do corredor, onde havia um quarto. Era incrivelmente organizado e não possuía muitas decorações, mas o que mais me chamou a atenção foi uma caixa característica feita para se guardar violinos encostada em um dos cantos do mesmo. Ela fechou a porta e ambas sentamos na cama. Um silêncio constrangedor tomou conta do local, então resolvi dizer alguma coisa:

– Então... Você toca violino?

– Sim, mas não pratico há um bom tempo.

– Entendo...

– Mudando de assunto... Você é realmente como Harry disse.

– O que quer dizer com isso?

– Você é diferente das pessoas normais e das anormais.

– Mas o quê?

– Você vê algo que não deveria certo?

– Como você...

– Eu vejo o futuro de... Mas que porra?

Levei um puta susto e me virei para o lado. Jessy estava sentada no chão e acenou para mim. Não vi nada de anormal, então apenas voltei a olhar para Lisa:

– Quem é aquela garota e... Como é possível...

– Pelo jeito você é que nem o tal do Harry e consegue ver a Jessy.

– Sim, mas... Não deveria ser possível... Eu sou quase totalmente cega!

– Oh... Isso explica algumas coisas...

– Vejo apenas contornos. Agora, eu te vejo com uma certa distorção e ela... Eu a vejo como se minha visão estivesse me perfeito estado! Como... Como...

– Isso acontece porque eu sou um espírito e não são seus olhos humanos que estão me vendo.

– O que isso quer dizer?

– É algo meio complicado para ficar repetindo e como eu tenho certeza de que seus amigos vão querer essa explicação, vou guarda-la até que estejam todos reunidos. Por hora apenas lide com isso.

– Tudo bem... Eu acho... Enfim... O que veio fazer aqui?

– Bem... Não sei se você viu na televisão, mas...

– Oh! Está falando da casa do Harry? Vi sim... Tentei ligar pra ele várias vezes ontem, mas ele não atendeu... Estou muito preocupada...

– Sério? Mas que droga...

– Já disse para não se preocupar com isso! – interrompeu-me Jessy. - Posso assegurar que ele está bem e, se não está aqui, só há um lugar onde ele possa estar: a casa dos Valentines.

– Oh! Isso nem passou pela minha cabeça...

– Ele faz parte da família?

– Não, não. Conhecemos a Jade no mesmo dia em que conhecemos o Lucas. Estamos fazendo uma espécie de pesquisa sobre gente como nós... E você é uma grande incógnita para nós.

– Imagino... Você não me disse que havia outros “erros”, Jessy.

– Não era necessário. Os seus destinos estavam cruzados desde o início, então pra quê explicar se ver ao vivo e em cores é melhor?

Pensei em milhões de xingamentos e respostas possíveis para aquela afirmação, mas consegui me conter e, depois de pensar um pouco, acabei chegando à conclusão de que ela estava certa. Então apenas abaixei o rosto.

O silêncio voltou a reinar sobre aquele belo quarto. Continuei cabisbaixa, mas pude notar trocas de olhares entre Jessy e Lisa até que a última coçou a cabeça e, como se lembrasse de algo, sorriu e virou-se para mim:

– Estava pensando aqui... Por que você veio atrás do Harry?

– Oh... Eu? Bem...

– Pelo que ele me disse vocês apenas trocaram algumas palavras.

– Sim... Foi isso mesmo, mas é que...

– Diga.

– Ela está se sentindo culpada pelo que aconteceu ontem à noite.

– Espere... Você tem algo a ver com isso?

– Não! Digo... Pelo menos eu acho...

– Como assim?

– A Jackie acha que bater no Lucas e em seus capangas pode ter acendido as chamas da vingança no coração do líder orgulhoso.

– Oh... Entendo... Mas acho que esse não deve ser o caso.

– O quê? Aquele filho da puta já matou um homem só por causa de uma discussão sobre o resultado de um jogo.

– Eu sei disso, mas tudo indica que foi “culpa” do Harry mesmo. E por um motivo mais idiota ainda.

– S... Sério?

– Sim. O tal do Harrisson é como nós e pode ler o pensamento das pessoas e o Harry o odeia e pensou muita merda sobre ele na primeira vez em que nos encontramos. Daí ele ficou puto e quis acabar com ele ali na praça mesmo, só que você o impediu. Ou seja, não teve nada a ver com você. O máximo que pode ter acontecido é ele ter arranjado uma birra contigo também.

– Oh...

Naquele momento eu senti como se retirassem uma enorme rocha de minhas costas e não pude conter um profundo suspiro de alívio. Lisa parecia satisfeita com minha reação e prosseguiu:

– Bem, eu poderia ligar pro Harry agora, mas como já sei onde ele está acho melhor visita-lo. Prefiro tratar desse tipo de assunto pessoalmente.

– Está acostumada a lidar com a morte?

– Não. Mas conheço muito bem o desespero.

– Entendo...

Mal sabia ela que o “desespero” era um bom e velho amigo meu, assim como a morte. Esperei até que ela trocasse de roupa e a acompanhei até a porta. Decidi ir com ela para limpar de vez minha consciência. Sim, eu era muito complexada e sabia disso. De qualquer jeito me sentiria culpada por deixar uma pessoa nas condições dela andando sozinha pela cidade até a casa de criminosos, mesmo que não tenham má fama. Sim, isso também fazia parte da minha “complexidade” emocional. Eu adquiria o sentimento de culpa com uma facilidade extraordinária. Fomos até a porta e, quando ia fecha-la, Lisa parou e virou para mim:

– Droga. Esqueci de me despedir da minha mãe. Já volto.

– Tudo bem. Não há necessidade para pressa.

Estava mais tranquila e apenas fiquei encarando um ponto específico no vazio. Ela demorou um pouco e, quando passava pela porta, fui tirada de minha “meditação” por um forte puxão no ombro. Virei-me e Jessy apontava para dois homens que vinham em nossa direção. Um deles segurava um pedaço de papel e ambos pareciam procurar algum lugar. Depois de uma breve observação, suas formas foram mudando até que assumiram formas grotescas. Não eram boas pessoas nem de longe. Virei novamente para Jessy, mas a mesma não estava mais lá. O tempo em que ela podia ficar materializada era limitado, mas acabar justo naquele momento foi deveras inconveniente. Estava quase xingando alto quando Lisa tocou no meu ombro, visivelmente confusa:

– Ué... Onde está a outra?

– Voltou a ser um simples espírito. Não se preocupe mais tarde ela volta.

– Tudo bem então...

– Com licença.

Os dois homens estavam agora à nossa frente e o portador do papel disse enquanto lia:

– Você conhece... Lisa... Har... Hart...

– Dê-me essa droga, idiota! – gritou o outro enquanto tomava o pedaço de papel bruscamente das mãos de seu companheiro. – Lisa Hartfield.

– Bem...

Ela estava prestes a responder, mas a interrompi com a primeira desculpa que veio à minha mente:

– Oh! Conheço! Ela saiu há pouco tempo.

Lisa me encarou confusa, mas permaneceu em silêncio. Algo me dizia para fugir dali o mais rápido possível. Aqueles dois não poderiam ter nenhuma boa intenção com a pobre garota e eu precisava fazer algo rápido.

– Entendo. Aonde ela foi?

– Foi... Comprar pão! Ah! Olhe ela ali!

Apontei para a esquina e, quando os dois olharam, aproveitei o momento de distração e dei um forte chute na nuca do mais próximo. Ele caiu de bruços e se arrastou por cerca de um metro. Seu parceiro se assustou e colocou a mão direita dentro do paletó, mas demorou demais para reagir e atingido por um soco no estômago. Usei toda a força que pude e foi mais que o suficiente para fazê-lo largar a arma e cair de joelhos no chão. Aproveitei sua posição e concentrei mais força ainda para dar uma cotovelada em sua nuca. Seu rosto bateu no chão fazendo um barulho muito alto. Os dois estavam apagados e Lisa me olhava espantada. Segurei em sua mão e corri o mais rápido possível. Havia um senhor no quintal de uma casa próxima ao local e, provavelmente, vira todo o ocorrido. Não pensei duas vezes antes de gritar:

– Avise os Valentines! Aquela família corre perigo. Vou tomar conta dessa aqui.

– Tudo bem...

Minha mais nova “amiga” parecia entender melhor o motivo de tudo aquilo. Peguei novamente em sua mão e corri... Corri o mais rápido possível. Apenas queria sair dali e encontrar um lugar seguro... As coisas estavam ficando cada vez mais complicadas...


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Notas finais do capítulo

Bem, mais um capítulo fresquinho~
Não sei se estão gostando de ler, mas posso garantir que estou gostando de escrever essa história xD
Tentarei postar um capítulo a cada dois dias (TENTARei, ou seja, é totalmente incerto). Enfim, agradeço a quem leu até aqui. Espero que estejam gostando e até o próximo capítulo =D



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