Paz Temporária - Olhos Amaldiçoados escrita por HellFromHeaven


Capítulo 22
Reflexões




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O silêncio era absoluto no caminho de volta. Levamos o corpo de Kimi no banco de trás e se não fosse pela enorme mancha de sangue em seu paletó, pareceria que estava apenas dormindo. Ao chegar à mansão, convocamos todos os Valentines presentes e fizemos uma breve cerimônia para ela e, logo após, a enterramos no cemitério da família (até então desconhecido para mim) que ficava no mesmo quarteirão da mansão.

Depois disso, tomei um longo banho quente e fui direto à minha cama, onde me estirei de bruços. Permaneci daquele jeito por uns dez minutos e depois me virei para olhar o teto. Não sei quanto tempo fiquei naquela posição, mas fui acordado do “transe” pelo toque do meu celular. Rapidamente o atendi e uma voz conhecida adentrou meus ouvidos:

– O-oi... Você pode falar agora? Não estou te atrapalhando, estou? Eu acho que deveria ligar outr...

– Está tudo bem, Lisa. Eu posso falar sim.

– Ah... Que bo... Espere... Sua voz... Aconteceu alguma coisa?

– Bem... Hoje foi um dia cheio. Um dos nossos tentou nos trair e... Acabamos perdendo um... Uma irmã no conflito.

– Oh... Eu... Sinto muito. Você deve estar horrível... Digo... Argh! Sou péssima em tentar animar os outros.

– Heh... Não se culpe. Também não saberia o que dizer no seu lugar. Aliás, eu nem sei direito o que pensar. Só... É a segunda vez que isso acontece enquanto estou responsável da segurança... Eu...

– Hey! Agora sou eu quem tem que lhe dizer para não se culpar. Você caiu de paraquedas nessa situação sem fazer parte deste mundo. Não há como você acertar de primeira e... Por mais que seja triste... É comum ver notícias de criminosos morrendo em conflitos com facções inimigas. Você ainda é apenas um humano.

– Heh... Obrigado pela preocupação. E me desculpe ao mesmo tempo... Eu... Sinto muito, mas acho que vou tentar dormir agora.

– Está cedo, mas... Se é o que você quer. Tente relaxar um pouco. Eu sei que parece difícil, mas é o melhor para sua saúde física e mental. A-amanhã a gente se fala.

– Sim... Eu ligo para você.

– Tudo bem. Tchau!

– Tchau.

Parte de mim queria continuar conversando com ela, mas senti que não conseguiria prosseguir por muito tempo. Eu estava muito abalado e acabaria deixando-a preocupada sem necessidade. Sem falar que... Eu estava muito cansado, principalmente mentalmente. No fim, falar com a Lisa deixou-me um pouco mais tranquilo, mas mesmo assim resolvi tentar dormir.

Rolei de um lado para o outro da cama a noite inteira e só consegui pegar no sono por volta das quatro da manhã, apenas para ser atormentado com pesadelos relacionados ao meu pai, Will e Kimi. Foi uma noite horrível, mas eu sobrevivi e “acordei” (lê-se: decidi levantar) por volta das nove da manhã. Fui até a cozinha e peguei uma boa xícara de café, depois fui até a sala. Notei algo que me deixou intrigado: todos os Valentines com quem encontrei estavam... Normais. Não pareciam abalados ou coisa do tipo. Isso só poderia significar duas coisas: ou eles são frios demais ou sou mole demais. Pensar nisso me pareceu desagradável, então apenas me sentei no sofá e fiquei encarando a belíssima programação da televisão desligada, dando um gole ou outro no café de vez em quando.

Não sei bem quanto tempo fiquei ali, mas quando cheguei na metade do café, ele já estava gelado. Geralmente quando ficava encarando o “nada”, eu o fazia de mente vazia. Mas desta vez, várias imagens dos últimos acontecimentos passavam pela minha mente de forma caótica, deixando-me num transe desagradável. Porém, este foi quebrado quando senti algo cutucando minha bochecha direita. “Acordei” assustado e me virei rapidamente... Para o lado errado (minha mente estava muito bagunçada naquele dia). Quando percebi minha burrada, levei minha mão direita ao meu rosto e me virei lentamente até a direção correta. Encontrei algo que não esperava: Lisa estava me encarando com as mãos sobre a boca, como se estivesse tentando segurar o riso. Fiquei apenas olhando para ela por um tempo, pois demorou um pouco para cair a ficha do que estava acontecendo (como eu disse, eu estava num dia complicado).

– L-Lisa?

Ela tirou as mãos do rosto de abriu um grande e tranquilizador sorriso.

– Oi! Que cara é essa? É tão estranho assim eu vir te visitar?

– O quê? Não! Eu... Anh?

– Heh... Você está legal?

– Estou... Mais ou menos. Só espere um pouco que já voltarei ao normal.

– Tudo bem então...

Ela sentou-se ao meu lado e esperou enquanto eu reorganizava meu cérebro. Demorou menos de cinco minutos até que eu estivesse completamente fora do transe.

– Desculpe-me pela demora. Eu estava pensando em várias coisas... Daí meus circuitos fritaram ou algo do tipo.

– Entendo... As coisas tem sido difíceis para você, não é?

– Bem... Sim. Entrei para essa vida buscando vingança, mas acho que estou me arrependendo. Quer dizer, sei que tirar os Harrisons da cidade seria bom para todos e tudo mais, só que... Não sei se eu sirvo para esse tipo de trabalho.

– Por que acha isso?

– Olha... Para começar, eu fico abatido com muita facilidade.

– Harry. Terei que discordar disso.

– Como assim?

– Veja bem, se você está usando o resto dos Valentines como base, então você já começou errado.

– O que você quer dizer com isso?

– Eles já estão nessa vida há muito mais tempo do que você e eu tenho certeza de que também estão abalados. Só que eles sabem esconder seus sentimentos. Você não é fraco ou coisa do tipo. Perdeu o pai, a casa e logo depois entrou para um mundo completamente novo e diferente do que vivia antes e agora está se esforçando o máximo para se manter aqui sem atrapalhar ninguém. Isso não faz de você uma pessoa fraca, então pare com essa porra.

Eu apenas fiquei encarando-a enquanto fazia seu discurso. Pensei em interrompê-la no começo, mas logo desisti. Ela disse tudo aquilo com muita seriedade e... No final eu senti que estava certa. Eu não devia ser tão ruim quanto eu pensava... Só tive o azar de passar por um monte de merda, uma atrás da outra.

– Entendeu o que eu disse? Se eu te pegar pensando nessas coisas de novo, você vai se ver comigo. – disse Lisa levantando seu punho direito.

– Tudo bem, senhorita. Vou me certificar que isso não acontecerá novamente.

– Oras, se você tem tempo para ficar se lamentando, então tem tempo para pensar em coisas úteis!

– Tipo o quê?

– Bem... Coisas! Tipo... É... Você sabe.

– Acho que não.

– Merda! Não seja chato! Você me entendeu.

– Hahaha. Tudo bem. Ficarei quieto.

– Também não é para tanto. Você está complicado hoje, hein?

– Nem me fale.

Nós dois ficamos rindo por algum tempo, depois nos entreolhamos e sorrimos. Aquela garota realmente sabe como me animar.

– Heh. Você é uma mentirosa.

– O quê? Como ousa dizer isso?

– Ontem você me falou que é péssima em tentar animar os outros. E isso é uma mentira cientificamente comprovada.

– S-sério? Eu n-não sei bem o que dizer quanto a isso.

– Não precisa dizer nada. Aliás, você já disse tudo.

Um silêncio ligeiramente constrangedor tomou conta do ambiente e desviamos nossos olhares para baixo. Meu coração começou a acelerar e senti um nervosismo querendo surgir dentro de mim. Mas como não queria estragar o momento, o mandei pra longe e decidi “quebrar o gelo”:

– Ah! Você ainda está me devendo um recital de violino.

– Oh... Eu não me lembro de recital nenhum. Eu disse que tocaria uma música para você. Não abuse da minha generosidade.

– Tudo bem. Mas isso vai sair algum dia, não?

– C-claro! Eu só preciso praticar mais um pouco! B-bem... É como dizem: a pressa é a inimiga da perfeição.

– Gostei de ver. Só espero que eu não seja o próximo Valentine a morrer.

– Idiota. Nem brinque com isso!

– Hehe. Então vou usar isso como desculpa para continuar vivo.

– Desculpa? Não seria melhor dizer que é um motivo?

– Tanto faz. Desde que eu não morra.

– Ai ai... Você tem probleminhas, cara.

– Eu sei.

Ficamos conversando o resto do dia. Por volta das seis horas da tarde, acompanhei Lisa até sua casa. Não era muito perto, mas como estávamos dentro da área Valentine da cidade, foi uma caminhada tranquila. No caminho cheguei a pensar em como a vida é engraçada. Faziam apenas alguns dias desde que eu conheci Lisa, mas parecia que éramos amigos de infância. Talvez isso tivesse a ver com o fato de compartilharmos “poderes” estranhos que apenas nós entendíamos, mas eu não me importava muito com isso. Na verdade, a origem de tais... Sentimentos não importava droga nenhuma para mim. O que importava é que ela tinha se tornado algo como um “porto seguro” para mim e eu estava muito feliz por isso.

Chegamos até a casa dela e as luzes estavam apagadas. Pelo jeito seus pais não estavam em casa. Mas isso não importava. O que importava era que ela estava entregue sã e salva.

– Bem... Cá estamos senhorita.

– Muito obrigada. Você não precisava ter me acompanhando, mas tudo bem.

– Como não? Já estava escurecendo quando você ia sair. O fato de estarmos em território Valentine não quer dizer que estamos seguros com essa disputa rolando.

– Isso é verdade, mas... Eu não queria te atrapalhar.

– Não se preocupe com isso. A Bunny não tinha nada planejado para hoje. Pode se dizer que tive um dia de folga.

– Oh... Entendo. Ainda bem. Você realmente estava precisando.

– Nem me fale...

– Bem... Tchau. Se cuida hein.

– Pode deixar. Até a próxima.

Voltei caminhando sem pressa alguma enquanto refletia sobre minha relação com Lisa. No final do percurso cheguei à conclusão de que... Eu não tinha conclusão nenhuma. Então decidi apenas deixar as coisas progredirem naturalmente.

Ao chegar à mansão, fui direto até a cozinha para pegar um copo de água e dei de cara com Ana, eu tentava abrir uma latinha de refrigerante. Seu braço engessado dificultava sua ação e resolvi ajuda-la.

– Tendo problemas aí?

Ela virou-se para mim e depois voltou-se novamente para a latinha enquanto tentava abrir a mesma.

– Mais ou menos. Mas não se preocupe. Eu vou conseguir.

– Essas pessoas que não gostam de receber ajuda...

Peguei a latinha das mãos dela, a abri e a devolvi. Ana suspirou e tomou alguns goles do líquido.

– Eu estava quase conseguindo.

– Se é o que está dizendo...

– Eu nem sempre terei alguém por perto. Então preciso aprender a me virar sozinha enquanto estiver com esse... Treco no meu braço.

– Deve ser horrível. Mas pense pelo lado positivo: estamos no inverno.

– Isso é verdade. Se eu estivesse no meu país natal... Estaria ferrada. Ninguém merece usar gesso no calor. Deveriam proibir isso.

– Hahaha. Isso é verdade. Não entendo como...

No momento em que fui terminar a frase, Bunny entrou correndo pela cozinha com uma expressão de desespero em seu rosto. Ela estava tentando recobrar o fôlego enquanto a encarávamos sem entender nada. Ela pegou o refrigerante das mãos de Ana, tomou alguns goles e depois o devolveu:

– Desculpe, mas é uma emergência.

– O que houve? – perguntei espantado.

– Eu... Preciso de você... Agora... Lá fora...

– Aconteceu algo? – perguntou Ana.

– Droga! Aqueles... Putos... Pegaram a Jade e a Jackie.

– Não seria uma armadilha?

– Não... Dessa vez é sério... Foi o próprio Lucas quem me telefonou dizendo o local... Ele... Usou o telefone dela...

Nós dois arregalamos os olhos e nos entreolhamos espantados. Rapidamente abri a geladeira e tomei o copo de água mais rápido da minha vida. Bunny correu para outro cômodo (provavelmente atrás de outros membros) enquanto eu fui até o lado de fora. James já esperava encostado no mesmo carro que utilizamos no dia anterior. Bunny não demorou mais que cinco minutos e apareceu com mais três Valentines. Entramos rapidamente no carro e James acelerou loucamente pelas ruas de Sahoc. Estávamos em uma corrida contra o tempo.


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Notas finais do capítulo

Aqui está mais um capítulo fresquinho~
As coisas estão ficando complicadas e, com isso, a história está chegando cada vez mais perto da sua reta final!
Agradeço a quem leu até aqui, espero estejam gostando e até o próximo capítulo =D



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