Paz Temporária - Olhos Amaldiçoados escrita por HellFromHeaven


Capítulo 21
A calmaria antes da tempestade




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Depois de muito esforço e mudanças de rotas, finalmente chegamos ao nosso esconderijo. Levamos horas para isso e estávamos exaustas no final do percurso. Trancamos a porta principal do prédio assim que entramos e fizemos o mesmo com a do nosso quarto. Fomos direto ao banheiro e... Bem... Tomamos outro banho juntas... Não... Eu ainda me senti desconfortável. Enfim, mal nos falamos e já fomos dormir. Não havia mais energia nem sequer para uma conversa. Acordei cedo. Dormi muito bem naquela noite (graças ao cansaço, claro), mas mesmo assim acordei dolorida e sem ânimo. Jade estava sorridente como sempre e preparava o café da manhã. Levantei-me com dificuldade e fui à sua direção. Ela estava fazendo omeletes com algumas ervas e cogumelos. Estranhei, mas não quis dizer nada por pura educação e tentei desviar minha atenção com uma conversa:

– Bom dia.

– Bom dia! Dormiu bem?

– Sim, mas ainda estou um bagaço.

– Hehe. Normal. Demos mais de uma volta na cidade ontem sem nem sair da área neutra.

– Pois é... Ontem foi... Intenso.

– Bem... Fazer o quê? Essa vida que escolhi é muito complicada e perigosa. Aconselho-lhe a se afastar assim que tudo acabar.

– Eu entendo...

– Estou brincando! Quando acabarmos com os Harrisons não haverá mais com o que se preocupar.

– Você está bastante confiante quanto a isso.

– Claro! Os Valentines não são quaisquer uns! Nossa vitória é certa! Afinal, eles têm a estrategista mais “gatosa” do mundo.

Jade disse isso fazendo uma pose como se fosse tirar foto e depois começou a rir. A acompanhei, já que a situação me impedia de fazer o contrário.

– “Gatosa”? O que seria isso?

– Gata e gostosa, meu bem. Vai me dizer que estou errada?

– Prefiro ficar no anonimato.

– Tsc. Essas pessoas que negam a verdade para elas mesmas.

Ficamos rindo por algum tempo e depois comemos a omelete. Até que tinha ficado bom, mas preferia o tradicional do meu país: com azeite, salsa, óleo de amêndoas e um pouco de sal. Enquanto lavava a louça, notei que minha companheira de quarto tinha acabado de se jogar novamente na cama e estranhei:

– Ué? Não tem nada planejado para hoje?

– Nem. Aliás... Eu tinha, mas nem rola.

– Por quê?

– É que eu gosto de trabalhar sempre com duas hipóteses: na primeira o babaca lá aceitaria a proposta e poderíamos agir livremente hoje. Já na segunda ele negaria e teríamos que fazer uma grande confusão na delegacia, nos impossibilitando de fazer algo hoje. Ainda devem estar procurando por nós.

– Oh... Isso é verdade.

– Por hora, o melhor a fazer é se esconder. Então vamos aproveitar esse dia para relaxar e recuperar as energias que gastamos ontem.

– Entendo. Isso me parece uma ótima ideia.

– Não é? Enfim, que tal usar esse tempo para nos conhecermos melhor? Tudo aconteceu tão rápido que nem tivemos tempo para isso.

– Nossa... É verdade. Tudo o que eu sei a seu respeito é o que dizem na televisão.

– Heh... E o que você acha agora? Eles estão certos ou errados?

– Mais errados do que certos. Você certamente é uma criminosa, mas é muito diferente do que eles dizem. Sei que aquela não foi a única pessoa que você matou, mas sei que você não é ruim.

– Heeeh. Como pode ter tanta certeza?

– Agora eu não me lembro se já disse isso a você, mas eu vejo as pessoas como elas realmente são. Não há como me enganar nesse quesito.

– Ah... Entendo... Ou quase. Quando você diz “como realmente são”... O que você quer dizer com isso?

– Bem... Se uma pessoa é boa, eu a vejo como um ser humano normal. Se ela for muito boa tem até uma espécie de “aura” luminosa em volta da mesma. Agora... Se ela for ruim, primeiramente a vejo como alguém normal, mas depois esse alguém vai ficando deformado e... Bizarro. Quanto pior a pessoa, pior sua aparência.

– Oh... Isso deve ser... Difícil para você. Ainda mais nessa cidade. Por mais que eu goste daqui... Esse lugar está cheio de gente filha da puta.

– Não mais do que no meu país. Agradeço por só ter ganhado essa maldição quando já estava em Solene.

– Você é do sul, certo?

– Sim.

– Ouvi dizer que as coisas por lá são muito complicadas. Altos índices de desigualdade social. Sem falar nas ditaduras...

– Melhor nem tocar nesse assunto. Meu país só saiu desse regime há alguns anos atrás. Era tudo uma grande bosta quando eu morava lá. Era pobre e sofria bastante discriminação por isso. Aqui ainda rolava no começo, mas não na mesma intensidade.

– É coisa de Sahoc. Se estivesse na cidade vizinha seus problemas seriam maiores. Este é um dos motivos deu gostar tanto daqui: o povo pode ser filho da puta, mas é mente aberta.

– Heh. Isso é verdade. Nunca sofri nenhum tipo de discriminação pela minha origem.

– Sahoc é uma cidade feita de diversidades. Tem pelo menos uns três representantes de cada país por aqui. É a cidade mais diversificada do mundo. Alguns até dizem que não deveria ser considerada parte de Solene e sim algo como um patrimônio mundial. Acho isso desnecessário, mas não deixa de ser interessante.

– Sim. Isso é uma coisa boa. Você também não é daqui, certo?

– Sim. Eu vim de Mariesis. Não gostava muito de lá. Povo elitista e preconceituoso. Tratavam os estrangeiros do norte com desdém e os sulistas como lixo. Não sei como ainda chamam aquilo de “país desenvolvido”. Por causa dessas coisas eu estranhei bastante quando cheguei por aqui, mas logo me acostumei e me apaixonei. Esse é um dos motivos para não deixar que os Harrisons vençam.

– Me parece um ótimo motivo. Não é à toa que os outros Valentines sejam tão leais a você.

– Bem... Acontece um caso de traição de vez em quando, mas fazer o quê? Humanos sempre serão humanos e o dinheiro sempre será uma grande tentação.

– Sim... O dinheiro corrompe os homens... Digo... Os homens se corrompem facilmente por causa de dinheiro.

– É... Essa conversa chegou num ponto interessante para mim. Sabe qual a diferença crucial entre os Valentines e os Harrisons?

– Bem... Ambas são organizações criminosas e... Quem sabe a liderança?

– Sim e não. Isso com certeza faz uma grande diferença e influencia diretamente no ponto aonde eu quero chegar, mas não é tudo.

– E então o que seria essa diferença?

– Simples: eles são um grupo e nós somos uma família. Pode parecer besta, mas isso faz uma grande diferença. Num grupo existem várias pessoas com objetivos semelhantes, mas nem sempre há uma ligação muito forte, o que os deixa facilmente sujeitos a separações. Já numa família, existe um forte laço entre todos os membros e cada um está disposto a morrer pelo próximo. Isso nos dá força para continuarmos em frente sem nos preocuparmos, pois sempre haverá alguém cobrindo nossa retaguarda.

Eu tentei dizer alguma coisa enquanto a Jade fazia uma pausa, mas não pude. Eu estava impressionada e admirada. Naquele momento eu passei a entender o porquê de seguirem aquela garota. Ela transpirava confiança e transparecia honestidade. Uma pessoa altamente carismática e... Um ótimo exemplo de líder.

– É claro que isso é apenas na teoria. Funciona bem na prática, mas como eu disse antes... Humanos sempre serão humanos e sempre aparece um que apenas finge ser parte da família. Mesmo assim a maior parte permanece unida e firme. É por isso que nosso índice de traições é muito menor do que o deles. É por isso que a população está do nosso lado. É por isso que o Lucas está tão puto comigo. É por isso que estou tão confiante e é por isso que eu lhe garanto que ganharemos essa guerra.

Fiquei encarando-a boquiaberta por alguns segundos enquanto ela exibia um sorriso determinado em seu rosto. Acabei não conseguindo dizer nada e, depois de terminar o que estava fazendo, também fui até a cama. Eu estava cansada demais ( principalmente mentalmente) e decidi aceitar o conselho da Jade e relaxar um pouco. Logo me toquei e me perguntei se ela não havia achado ruim meu silêncio, mas quando me voltei para ela, a encontrei dormindo tranquilamente. Parece que eu não era a única exausta.

Decidi, então, me deitar e apenas observei o teto sem penar em absolutamente nada por alguns minutos. Quando percebi, já eu tinha cochilado e já era de noite. Jade não estava mais na cama e todas as luzes estavam apagadas, com exceção da cozinha. Levantei-me afobada e fui até lá. Senti um cheiro gostoso de café, o que me fez ir mais depressa ainda. Minha “colega de quarto” estava sentada na mesa tomando uma xícara de café e sorriu ao me ver.

– Bom dia! Ou seria... Boa tarde ou... Boa noite... Enfim... Oi.

– Oi. Parece que nós duas cochilamos.

– Sim. Digamos que foi um descanso merecido.

– Faz muito tempo que você acordou?

– Nem. Faz uns dez minutos. Tentei falar com a Bunny, mas parece que a operadora ficou fora de ar o dia inteiro.

– Oh... Que droga.

– Sim... Estou com saudades. Eu seu que foram só alguns dias, mas...

Ela não conseguiu completar a frase e demonstrava uma “timidez” que eu não esperaria vindo dela. Apenas sorri.

– Tudo bem. Deve ser difícil ficar longe da pessoa que você ama.

– Sim... Muito. Ainda mais do jeito que as coisas estão.

– Entendo... Espero que tudo se resolva logo.

– Eu também. Enfim... Já decidi nosso próximo passo. Estava lendo o jornal aqui e percebi uma coisa de que estava me esquecendo. O braço direito do Lucas é o herdeiro de uma família rica da cidade vizinha, Stan Mcloudy. Esse infeliz vem toda semana no cassino da cidade e gasta horrores em bebida e jogos e pelos meus cálculos, amanhã ele estaria por aqui. Ou seja, vamos apagar o cara amanhã à noite.

– Assim? Sem mais nem menos?

– Sim. Nossa luta está ficando cada vez mais “visível” e um golpe desses seria ótimo para expor nossa seriedade ao resto da cidade.

– Entendo... Enfim... Tem um plano para isso?

– Claro! – disse com um sorriso determinado em seu rosto.

Ela me explicou rapidamente o plano que consistia simplesmente em atrair o cara para um lugar um pouco mais isolado no cassino enquanto ele estivesse bêbado e assassiná-lo lá mesmo. Passamos o resto da noite acertando os detalhes da operação e dormimos cedo.

Infelizmente, tive uma péssima noite de sono e acordei muito mais cedo do que desejava. Jade ainda dormia e ficou assim por mais algumas horas. O dia foi marcado por discussões de como faríamos tudo até que chegou o momento. Eram cerca de seis horas da tarde quando saímos do velho prédio rumo ao cassino. Ele ficava bem perto da fronteira entre a área neutra e a área Harrison da cidade. Levamos duas horas para chegar lá, já que tivemos que passar em um contato da Jade antes e andar evitando lugares movimentados. Por fim chegamos ao local e estávamos prontas para agir.

O alvo demorou cerca de meia hora para chegar (contando do momento em que entramos no local) e já estava levemente alterado. Durante uma hora, apenas o observamos de longe enquanto gastava muito dinheiro com os jogos, bebia, conversava com outros jogadores, bebia, apostava mais, bebia, cantava as mulheres, bebia... Enfim... Era uma pessoa terrível e sua aparência não me agradava nem um pouco (cheguei a sentir certo enjoo por causa dessa maldição desgraçada). O jogo de espera estava entediante até que houve a oportunidade perfeita: ele veio em nossa direção (estávamos no bar) e puxou assunto com uma mulher que estava próxima a nós. Ficamos mais atentas até que ele vomitou na porra toda e quase caiu no chão. Jade se ofereceu para ajuda-lo e a acompanhei. Ele aceitou com muita facilidade e o levamos até os fundos do cassino. Deixamos o infeliz vomitar mais um pouco no chão enquanto nos entreolhávamos enojadas. Como ele não estava prestando atenção, Jade puxou sua arma e o chamou:

– Ei, filho da puta.

Ele se virou limpando a boca com a manga de seu paletó caríssimo sem entender nada e aparentemente zonzo.

– Não gosto de atirar em pessoas pelas costas, então olhe bem para mim enquanto acabo com essa sua vida medíocre e devassa.

O homem estava tão bêbado que nem sequer esboçou alguma reação, apenas continuou a encarando e limpando sua boca. Acho que ele nem entendeu o que ela disse. Jade se irritou e disparou contra a cabeça do alvo. A bala acertou sua testa, espirrando sangue em nós e fazendo com que o corpo dele caísse para trás. Com o barulho do disparo, pudemos ouvir uma grande confusão e vários gritos vindos de dentro do local. Rapidamente saímos pelos fundos mesmo e corremos o mais rápido possível dali. Infelizmente, algo que estava completamente fora dos planos aconteceu: demos de cara com quatro Harrisons quando estávamos prestes a deixar o local. Eles estavam com metralhadoras nas mãos e pareciam estar apenas nos esperando. Pensamos em dar meia volta e correr, mas quando nos viramos havia mais deles no outro extremo.

Tudo foi muito rápido. Não tivemos tempo nem de nos desesperar ou coisa do tipo. Quando nos viramos novamente, demos de cara com a coronha das metralhadoras em nossos rostos. Apaguei com a segunda pancada sentindo uma dor imensa em meu rosto. Aquilo foi o começo de outro grande trauma em minha vida...


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Notas finais do capítulo

Parece que eu "engrenei" novamente e novos capítulos virão ainda essa semana ='D
Estou realmente agradecido às pessoas que me apoiaram e feliz com o número de visualizações dos capítulos depois que eu postei o 20.
Enfim, aqui está mais um capítulo com um final tenso.
Agradeço a quem leu até aqui, espero que estejam gostando e até a próxima =D



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