Paz Temporária - Olhos Amaldiçoados escrita por HellFromHeaven


Capítulo 23
Lembranças obscuras




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Acordei com a vista ligeiramente embaçada e uma incrível dor em todo o meu rosto, principalmente na testa. Estava com o rosto voltado para baixo e minha visão estava direcionada para meu colo. Tentei levar minha mão direita até minha cabeça, mas mal consegui movê-la. Fiz o mesmo com a esquerda, sem sucesso. Notei, então, que eu estava sentada em uma cadeira e meus pulsos estavam amarrados com cordas (que machucaram os mesmos devido ao atrito). Ainda estava muito atordoada e ergui lentamente meu rosto para tentar entender o que estava acontecendo. Estava no eu parecia ser um grande galpão sem quase nenhuma luminosidade, exceto por uma lâmpada posicionada em cima de mim que mal iluminava o chão. Tentei levantar, mas meus calcanhares também estavam amarrados. Só então percebi que não havia escapatória.

À medida que meus sentidos voltavam ao normal, comecei a inspecionar melhor o local. Havia dois homens de pé ao meu lado (um de cada lado, para ser mais exata) cujos rostos estavam escondidos pela escuridão e eu estava exatamente em frente à porta de uma espécie de armazém. Quando minha visão voltou ao normal, percebi que dentro daquele armazém, também amarrada em uma cadeira, estava... Jade. Ela estava acordada e me olhava com um sorriso tranquilizador em seu rosto, embora um filete de sangue escorresse de sua testa até o queixo. Essa visão fez com que eu acordasse completamente e me lembrasse do que acontecera antes de eu apagar.

Estava começando a me perder em meus pensamentos, quando fui interrompida por minha colega:

– Jackie! Acordou de vez?

– Sim... Tem ideia de onde possamos estar?

– Não. Na verdade... A única coisa que posso garantir é que estamos na área Harrison da cidade.

– Imaginei...

– Você está bem?

– Minha cabeça dói bastante, mas devo estar melhor do que você.

– Pois é. – disse depois de rir um pouco. – Essa gota de sangue está me incomodando muito! E nem sequer posso limpá-la. Malditos Harrisons.

– Heh... Parece que deu merda, não é?

– É o que tudo indica. Mas eu entrei nesse ramo ciente de que esse dia poderia chegar em algum momento da minha vida. Meu único arrependimento é ter te arrastado junto comigo.

– Não se preocupe com isso. Essa não é a primeira vez que passo por uma situação dessas... Na verdade... É a terceira.

– Nossa! E eu aqui pensando estar falando com uma novata. Pelo jeito é até mais experiente do que eu.

– Não sei se deveria me orgulhar disso.

– Claro que deve. Afinal, se você ainda está aqui, significa que sobrevivei às últimas duas experiências. Orgulhe-se disso!

– Oh... Eu... Nunca tinha visto por esse lado...

– O problema da maioria das pessoas é que quando elas passam por momentos ruins, passam o resto de suas vidas pensando no quão ruins foram esses momentos e não no que aprenderam com eles.

– Heh... Até em situações como esta você consegue manter a calma e me dar lições de moral... Queria ter conhecido você antes disso tudo...

– Bem... Seria realmente interessante, mas não se pode alterar o passado. Fazer o quê?

– Pois é. Acha que temos alguma chance de escapar?

– Bem... Sempre há uma mísera chance. Mas isso só saberemos mais tarde.

O galpão devia estra praticamente vazio, pois conseguíamos nos ouvir com muita facilidade. E isso também nos possibilitou ouvir passos vindos de trás de mim seguidos de um barulho de... Rodas. Tentei virar meu rosto, mas a escuridão e meus movimentos limitados impediram qualquer visão clara. Logo, palmas podiam ser ouvidas. Pelo jeito, vinha apenas de uma pessoa e mantinham um ritmo lento e “sarcástico”.

Os passos se aproximavam cada vez mais, assim como todos os outros sons, e, para meu espanto, revelaram uma figura conhecida ao chegarem à área de luminosidade da “minha” lâmpada. Lucas Harrison. Aquele sujeito desprezível (no qual eu dei uma surra dias atrás) caminhava lentamente enquanto aplaudia lentamente esboçando um grande sorriso sádico em seu rosto. É claro que isso ficou ainda mais macabro do meu ponto de vista, já que sua face e corpo foram se deformando até virar um amontoado de carne podre com... Presas, garras e... Coisas pontudas e afiadas saindo de sua cabeça e... Onde antes eras suas costas. Esse é um exemplo do quão maravilhoso é possuir essa maldição ocular.

Ele passou direto por mim e bem em frente à porta, sem nem ao menos colocar um pé dentro do armazém. Olhou ao redor e deu um sorriso psicótico ao me ver. Ficou me encarando por alguns segundos (provavelmente no intuito de me ver assustada ou coisa do tipo), mas apenas mantive minha expressão séria até ele se cansar. Depois disso, sua atenção se voltou para minha companheira que ainda exibia um sorriso, agora ligeiramente debochado, em seu rosto. Lucas pareceu se irritar com a expressão de Jade e decidiu quebrar o silêncio:

– Não entendo o motivo desse sorriso. Mas na verdade, nem preciso entender. Logo essa sua expressão mudará completamente.

– Se é o que você diz...

– Insolente como sempre, Jade. Terei que lhe ensinar algumas cosias.

– Não estou disposta a aprender nada que venha de você. Só está todo sorridente porque estou amarrada e você está em maior número. Ainda não passa de um covarde.

– Se eu fosse você, escolheria melhor minhas palavras.

– Se eu fosse você, escolheria melhor minhas ações. Pois elas podem te condenar a um destino muito pior do que o atual.

– Você não está em posição de exigir nada. E você... – disse apontando para mim. – Por que não diz nada?

– Você lê mentes, não é? – perguntei.

– Como você... Bem... Sim.

– Então não há o que ser dito.

– Bem... Isso é verdade. Enfim, seu papel será apenas de espectadora mesmo. Meu trabalho hoje é com a senhorita Valentine.

– Espectadora?

– Sim. Eu ia mata-la também, mas decidi fazer algo um pouco pior. Eu quero passar uma mensagem e você vai fazer isso para mim.

– E se eu me recusar?

– Não há como escolher. Agora...

Ele estalou os dedos e três homens vieram da mesma direção que ele. Um deles carregava um carrinho com vários materiais de metal cortantes, perfurantes e... Alguns com funções desconhecidas por mim. Mesmo assim, eu não precisava ser uma especialista para saber que aquilo não passava de material de tortura. Os homens entraram no armazém, seguidos de Lucas.

– É... Parece que eu vou nessa. – disse Jade. – Cuide da Bunny por mim.

– O-o quê?

– Vamos começar! – exclamou Lucas.

Logo após dizer isso com um ar de vitorioso, ele fechou a porta com tudo. A partir daí, não me lembro de muita coisa. Apenas fiquei encarando a porta fechada enquanto ouvia barulhos horríveis... O que me lembra vagamente do segundo pior dia da minha vida.

Já fazia algum tempo desde minha experiência de quase morte, na qual perdi meus pais, minha casa e tudo o mais. Passei um bom tempo no hospital e depois pulei de orfanato em orfanato, até decidir morar sozinha. Foi muito difícil no começo, principalmente porque eu ainda era muito nova. No final eu consegui me erguer, arranjei um emprego junto ao Sr. Hakkido e aprendi a me defender. Só para constar, a esposa dele tinha uma pequena loja de conveniências e foi lá onde trabalhei. Eles simpatizaram comigo e acabaram dando aulas de graça, o que foi ótimo na época.

Aos dezesseis anos, já tinha um pequeno apartamento, trabalhava em dois empregos (numa sorveteria e como guarda noturna, pois a esposa do Sr. Hakkido faleceu) e fazia o possível para conseguir estudar no tempo livre. Para isso, tive que sacrificar algumas horas de sono, o que fez com que sempre estivesse com olheiras. As coisas pareciam estar melhorando e eu me lembrava daquela noite terrível cada vez menos. Isso é claro... Até aquele dia.

Meu emprego como guarda noturna era meio complicado. Cada semana eu estava em um lugar diferente, pois trabalhava em uma agência de guardas. Era uma segunda feira e a minha primeira noite no novo local: uma loja de artesanato bem afastada do centro da cidade localizada na área dos Harrisons. É claro que eu desconhecia tal fato. Se eu soubesse de tal divisão, não teria aceitado aquele serviço, mas com eu era ignorante... Fui sem nem ao menos questionar.

No começo tudo foi tranquilo demais. Aquela parte da cidade era muito pouco movimentada à noite e fiquei bem até cerca de duas horas da manhã. Esse seria o horário em que eu trocaria de lugar com um colega de firma, mas não havia sinal dele. A política a empresa era sempre chegar cedo, para que os clientes sempre contassem com pelo menos um vigilante o tempo todo. Estranhei, mas como o outro dia seria um feriado e, consequentemente, eu não teria aula, apenas esperei. E assim o tempo passou... E passou... E nada do infeliz aparecer. Olhei no meu relógio eram duas e meia. Fiquei puta e decidi procurar pelo cara. Afinal, ele poderia ter se perdido. Andei de um lado para o outro daquele bairro sem avistar uma alma viva sequer. Bem... Hoje eu preferiria que tivesse continuado assim. Mas quando estava voltando para a loja, passei por um beco e ouvi algumas vozes:

– O que uma garota como você faz acordada à uma hora dessas?

Virei-me instintivamente e apontei minha lanterna na direção da voz. Havia três homens vestidos com roupa social e paletós me encarando. Rapidamente notei que se tratava de Valentines ou Harrisons e mirei em seus rostos... Fazendo com que toda a minha segurança adquirida nas aulas do Sr. Hakkido fossem por água abaixo. Dois deles participaram do assassinato dos meus pais e... Para meu total desespero... Eles pareceram notar quem eu era.

– Espere um pouco... Eu conheço você! – disse um deles.

– O-o quê? É claro que não.

– Conheço sim... Eu nunca me esqueceria do seu rosto, sua putinha! O Reinald morreu por sua causa!

– Reinald? Eu nem conheço...

– Não venha com desculpas!

– Do que você está falando, cara? – perguntou o outro.

– Não se lembra? Tivemos que apagar uns inúteis que deviam para o chefe. Era um casal com uma criança. Daí quando íamos nos divertir com ela, o James resolveu interferir e matou o Reinald.

– Droga! Isso é verdade! Seu rosto... Você é aquela fedelha!

– O quê? Não!

Tentei me virar para correr, mas o terceiro homem já tinha se posicionado no intuito de evitar minha fuga. O primeiro homem rapidamente deu um chute nas minhas costas, fazendo com que eu caísse ajoelhada em frente ao terceiro.

– Nem pense em fugir! O James já não está mais aqui para nos atrapalhar.

– Pois é! Você nos deve isso pelo Reinald!

– Vocês... Mataram meus pais... Destruíram minha casa... Tentaram me matar... E ainda querem colocar a culpa em mim porque seu amigo morreu ao tentar me estuprar? Vocês são piores que lixo!

Neste momento, eu quebrei. Quebrei pela primeira vez. O terceiro homem estava se abaixando para me segurar, então aproveitei isso e levantei minha cabeça com toda minha força, batendo-a contra o queixo do mesmo, que caiu para trás. Os outros dois se assustaram e o segundo tentou me socar. Eu ainda estava me levantando, então não pude desviar com precisão e levei o soco no ombro. Aproveitei o impulso gerado pelo golpe, firmei minha base e girei para o mesmo lado, executando um chute que acertou a nuca do desgraçado. Ele caiu desacordado no chão. O primeiro homem me olhava espantado e tentou pegar alguma coisa dentro de seu paletó. Só podia ser uma arma. Então chutei seu braço para “fora” de seu corpo e depois dei um soco em seu queixo, fazendo-o cambalear para trás. O terceiro já estava levantando novamente, então aproveitei que se apoiava em uma das mãos e um dos joelhos e chutei seu cotovelo por trás, causando uma fratura exposta. Ele gritou de dor e se encolheu no chão segurando seu ferimento. Tudo parecia bem, mas daí ouvi aquele som ensurdecedor de alguns anos atrás e senti aquela queimação novamente.

– Não queria ter que apelar para isso, mocinha. Mas parece que as coisas... Complicaram um pouco.

O primeiro homem segurava um revólver apontado para mim com fumaça saindo de seu cano. Fiz o máximo possível para ignorar a dor e parti para cima dele. Ele efetuou mais alguns disparos e apenas o último me atingiu, mas mesmo assim não parei. Assim que tomei a distância necessária, firmei novamente minha base e dei uma sequência de socos seguida de um chute em sua nuca. Ele também caiu desacordado. Aproveitei a situação e corri o máximo possível. Corri sem nem ao menos ver aonde ia.

Depois de algum tempo, comecei a perder minhas forças e minha visão ficava cada vez mais embaçada. Decidi parar e sentei... Não... Foi mais como se meu corpo fosse puxado para o chão. Quando percebi, estava na floresta local. Fiz um grande esforço, mas consegui me aproximar de uma árvore e apoiei minhas costas nela. Foi só aí que decidi verificar meus danos. Um dos disparos me atingiu pouco abaixo da última costela esquerda e o outro... A parte direita do meu peito. Se fosse à esquerda, eu provavelmente teria morrido, mas mesmo assim era preocupante. Estava cada vez mais difícil respirar, então o tiro provavelmente havia atingido meu pulmão.

Comecei a pensar em tudo o que eu passara até aquele dia e me questionei se era justo. A minha vida sempre foi complicada e... Quando parecia que tudo estava dando certo, acontecia uma tragédia dessas. Não me lembro muito bem desses momentos, mas eu só sei que depois de refletir um pouco acabei aceitando meu destino. E foi ali, quando estava prestes a dar meu último suspiro, que uma luz muito forte apareceu à minha frente. Estranhei e levei minha mão à frente dos olhos com muito esforço. Dela, pude ouvir uma voz feminina cujo tom fez com que eu me sentisse em paz:

– A vida não é fácil, certo? Você passou por momentos muito complicados nesse percurso e pode ser que agora seja a hora do seu descanso. Mas... Se você quiser, posso lhe oferecer uma segunda... Não... Uma terceira chance.

– Uma... Chance?

– Sim. Uma chance de viver. Porém, se aceitar esse destino, as coisas não serão mais fáceis do que isso e precisarei de um... Favor seu.

– Favor?

– Sim. O mundo de hoje não possui mais fé, o que me impede de ajudar os humanos diretamente. Eu preciso de alguém para ser meu instrumento de ação nesta cidade. Mas como disse anteriormente, não será uma tarefa fácil. Aliás, sua dificuldade variará de acordo com suas escolhas. Enfim, o que me diz? Quer descansar em paz agora ou prefere viver uma vida difícil por mais um tempo?

– Eu... Eu... Quero... Eu quero viver!

– Então que assim seja.

O brilho daquele ser se intensificou ainda mais, tornando-se bem mais fraco logo em seguida. Depois disso, pude claramente uma garota sorridente à minha frente e meus ferimentos estavam curados. Enfim, depois daquilo, os Harrisons descobriram meu endereço e... Atearam fogo no meu querido apartamento. Passei um bom tempo morando na rua até que encontrei novamente com o Sr. Hakkido e passei a morar com ele. Me pergunto se teria aceitado o acordo se eu soubesse que a Jessy estava falando sério em relação à dificuldade do caminho que escolhi. Mas... Como a Jade mesmo disse: “Não se pode alterar o passado.”.


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Notas finais do capítulo

Heeeeh Esse aqui saiu bem cedo (eu estava querendo mesmo cumprir a meta de 3 capítulos essa semana e, pelo jeito, consegui =D)
Ontem eu recebi um boost de motivação, já que tive a confirmação de que essa história está "gostável". Enfim, é capaz de eu postar mais três capítulos semana que vem (desejem-me sorte e me mandem suas energias). Na verdade isso será minha meta, mas veremos se a faculdade permitirá xD
Bem, esse foi mais um capítulo quase que inteiramente dedicado ao passado de Jackie e... Bem... Pobrezinha ;-;
Agradeço a quem leu até aqui, espero que estejam gostando e até a próxima =D



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