Paz Temporária - Olhos Amaldiçoados escrita por HellFromHeaven


Capítulo 2
Continuando a conversa




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Mal consegui dormir aquela noite. Fiquei tentando entender o que estava acontecendo e meu sono decidiu me abandonar. Depois que eu aceitei o fato de que não conseguiria entender nada, fiquei rolando na cama até pouco depois do meu pai ir ao trabalho. Resultado: acordei e olhei para o relógio... Eram uma e meia da tarde! Tomei um susto e pulei para fora da cama direto no banheiro. Dei um foda-se para o banho, me arrumei às pressas, peguei minha bicicleta e parti em direção à Praça das Cerejeiras com a velocidade de um ciclista profissional em uma corrida importante de um campeonato. Quase fui atropelado três vezes, meu pulmão quase me abandonou, mas cheguei à maldita praça. Olhei para meu pulso e percebi que tinha esquecido meu relógio. Fiquei muito puto e saí perguntando para qualquer um que avistava se a pessoa poderia me informar as horas. Tive sucesso na terceira tentativa: eram duas e vinte e sete. Levantei meu punho direito para o alto em um sinal de vitória, o que provavelmente parecia loucura aos olhos alheios. Porém minha animação durou pouco. Logo percebi outro problema: não havíamos combinado um local específico dentro da praça. Aquele lugar ocupava um quarteirão inteiro! Estava prestes a entrar em desespero, mas dei um tapa no meu próprio rosto e tentei me concentrar. Depois de pensar um pouco, acabei decidindo ficar em um dos bancos ao redor do grande chafariz que ficava no meio da praça. Qualquer coisa era só sair dando voltas pelo lugar já que eu estava de bicicleta.

Comprei uma garrafa d’água em um carrinho de pipoca, encostei a bicicleta no banco e me sentei. Aqueles 500 ml de água desapareceram incrivelmente rápido, afinal, eu estava sedento. Joguei a garrafa no lixo mais próximo e me esparramei naquele banco de madeira que parecia ser o assento mais confortável do mundo (provavelmente por causa do meu cansaço) e olhei para o céu. Estava nublado e, à medida que fui me acalmando, percebi outro erro trágico de minha parte: eu havia esquecido meu casaco. O calor repentino que sentia graças a minha jornada se transformou em uma intensa sensação gelada que se espalhou rapidamente por todo meu corpo. Rapidamente abracei meu corpo numa tentativa falha de aumentar a temperatura do mesmo e ouvi uma voz familiar que me deu um susto:

– Olá! Er... Harry, não é mesmo?

Era Lisa que estava vestindo um casaco de lã, um cachecol e uma toca todos da cor rosa. Invejei seu calor por um estante, mas me lembrei de ser educado:

– O-oi! S-sim. É H-Harry mesmo. C-como vai?

– Eita... Não me lembro de você ser gago.

– N-não sou. É s-só o f-frio.

– Oh! Nesse caso...

Ela retirou o cachecol do pescoço e o ofereceu para mim. Em outra ocasião eu teria rejeitado e fingido que estava tudo bem, mas eu estava com um puta frio! Então rapidamente peguei aquele pedaço de lã e o amarrei em volta do meu pescoço. Sim, eu sei que era rosa, mas eu também ignorei isso.

– Obrigado!

– De nada! Aliás... Não acha melhor continuarmos essa conversa em um lugar mais quente?

Aquilo foi como música para meus ouvidos e eu respondi quase que automaticamente:

– Claro! Tem algum lugar em mente?

– Bem... Poderíamos ir à lanchonete da esquina da minha casa. Eles têm aquecedor.

– Eu topo!

Não estava agindo com a maior educação do mundo, mas qualquer um em meu lugar faria o mesmo. A acompanhei até a lanchonete enquanto me perguntava ela pôde dizer tão facilmente que aquele lugar ficava na esquina da casa dela. Digo, ela nem me conhece. É claro que eu não faria nada de mais, mas e se eu fosse algum filho da puta aí? A cidade anda cheia desse tipo de gente. Enfim, nos sentamos em uma das mesas e pude finalmente aproveitar uma doce e agradável sensação de calor.

– Você devia estar mesmo com frio.

– Pois é... Não sei se consegue ver, mas estou sem casaco.

– Oh! Isso explica muita coisa. Mas... Por que saiu de casa assim?

– Perdi a hora e tive que me arrumar às pressas.

– Entendo...

– Bem, sobre a conversa de ontem...

– Oh! Como estou distraída hoje. Gostaria muito de continua-la agora mesmo!

– Tudo bem então.

– Desde quando você consegue ver essas coisas?

– Tudo começou depois que eu e minha família sofremos um grave acidente de carro. Eu quase morri e minha irmã e minha mãe não resistiram aos ferimentos e morreram ao longo da semana.

– Oh... Eu sinto muito...

– Não se preocupe. Não foi culpa sua. Eu vejo números ou contadores, como eu gosto de chamar, em cima da cabeça das pessoas desde que acordei naquela cama de hospital.

– Hmm... Deve ser meio complicado.

– Nem tanto. Demorei a perceber o significado daqueles algarismos, mas me acostumei relativamente rápido com isso. Não é algo tão perturbador assim. Você quem deve ter problemas. Digo ver o futuro não deve ser muito agradável.

– Nem um pouco. O principal problema é que ele está sempre mudando. Cada ação que você faz muda seu futuro de algum jeito. E ver todas essas possibilidades ao mesmo tempo toda vez que olhava para alguém estava me deixando maluca. Foi por isso que tentei me cegar.

– Espere... Eu pensei que você tivesse sofrido algum tipo de acidente.

– Não. Eu já não aguentava mais aquelas visões e resolvi dar um fim naquilo tudo. Como não tive coragem de furar meus olhos, enchi a pia de casa com um produto de limpeza e mergulhei o rosto de olhos abertos nele. Confesso que doeu demais.

– Imagino. Só de pensar meu olho já arde.

– Hehehe. Pois é. Meus olhos ficaram doloridos por mais ou menos uma semana e tive que usar bandagens neles por todo esse tempo.

– Não se arrepende?

– Nem um pouco. É claro que uma visão defeituosa tem suas desvantagens e dependo dos outros para várias coisas, mas ainda é melhor do que aquilo. Agora só vejo o futuro das pessoas se as encarar por algum tempo e, como sou parcialmente cega, ninguém se importa se eu conversar sem manter contato visual. Ou seja, acabei me acostumando.

– Entendo. Você teve que passar por uma mudança extraordinária para conviver com seu fardo. A única coisa que mudou em mim foi minha personalidade. Eu costumava ser bem alegre e sempre rodeado de amigos, mas depois do acidente acabei ficando cada vez mais reservado.

– Deve ter sido por causa da perda dos seus familiares.

– Isso deve ter ajudado. Aliás, ajudou. Mas não acho que tenha sido o único motivo. Passei a ter medo de perder pessoas importantes para mim. Então decidi estabelecer poucos laços afetivos.

– Hmm... Mas pelo menos você é uma boa pessoa.

– Como pode dizer isso? Você mal me conhece.

– Simples: você me puxou para a calçada quando eu estava para atravessar por ver meu contador no zero. Ou seja, você tentou salvar minha vida e pessoas ruins não fazem esse tipo de coisa.

Droga! Ela me deixou sem palavras. A única coisa que pude fazer foi olhar para baixo encabulado enquanto formulava alguma resposta. Acabei desistindo de continuar naquele assunto:

– Bem... Ah! Posso te perguntar algo?

– Claro.

– Você disse que tirou a própria visão por não se acostumar com o lance de ver o futuro. Então não nasceu assim, certo?

– Não. Eu consigo ver as coisas desse jeito há mais ou menos dois anos. Tudo começou depois de eu sofrer um acidente. Fui atropelada por uma caminhonete que furou o sinal vermelho e fiquei internada por uma semana.

– Esses barbeiros...

– Pois é... Eu não me lembro de muita coisa do atropelamento. Quando me dei conta estava no hospital e conseguia ver o futuro de todos. Foi um grande choque. Principalmente porque ninguém acreditava em mim...

– Sei como é...

– Parece que eu realmente estava certa quando disse que éramos parecidos. Até o jeito que conseguimos essas... Maldições... Foi parecido.

– Verdade... Parecido... Até demais...

– O que quer dizer com isso?

– Será que existe algum tipo de relação entre nossos casos? Ambos possuímos estranhas habilidades oculares adquiridas depois de um acidente no trânsito.

– Será mesmo?

– Talvez existam outros casos... Vamos fazer o seguinte.

Peguei um guardanapo e anotei o número do meu telefone e entreguei à Lisa. Ela encarou o papel por alguns segundos e depois voltou seu olhar para mim como se não estivesse entendendo nada. Foi aí que eu me toquei: ela era quase cega. Porra! Às vezes eu consigo ser muito idiota mesmo.

– Merda... Desculpe-me. Eu anotei o número do meu telefone nesse guardanapo aí.

– Ah! Então foi isso!

– Como eu estava dizendo, vamos pesquisar em revistas, jornais e qualquer outra fonte possível sobre casos parecidos com o nosso e nos reuniremos aqui nesse mesmo local no próximo sábado.

– Tudo bem. Mas... Por que o telefone?

– Oh... Sabia que estava me esquecendo de algo. É para caso você encontre algo muito importante. Gostaria que você me passasse o seu para que eu faça o mesmo.

Ela ditou os números para mim e anotei em outro guardanapo. Ainda bem que a garçonete havia esquecido a caneta em nossa mesa. Saímos da lanchonete e nos despedimos. Devolvi o cachecol a ela e voltei para casa voando em minha bicicleta. Cheguei congelando e fui direto para o chuveiro. Tomei um maravilhoso e demorado banho quente e sentei no sofá. Estava passando uma reportagem sobre um confronto entre os Harrisons e os Valentines. São as duas máfias que disputam o controle pela cidade. As coisas entre eles estavam ficando cada vez mais complicadas e os conflitos cada vez mais frequentes. No meu caso, eu sempre preferi os Valentines, apesar de morar em uma zona “neutra” que não faz parte da área de nenhum dos dois grupos. A líder dos meus favoritos é muito mais carismática que o babaca do líder dos Harrisons. Mas isso não é importante no momento.

Passei o resto da noite planejando minha semana. Seria uma grande “caça ao tesouro”, já que nunca ouvi falar de um caso parecido com o nosso. Mas, mesmo que as chances não estivessem do meu lado, eu estava animado e determinado a revirar a cidade inteira para atingir meu objetivo.


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Notas finais do capítulo

Consegui arranjar um tempo livre e... aqui está o segundo capítulo! =D
O próximo deve demorar a sair, mas assim que puder o postarei.
Espero que estejam gostando dessa minha segunda etapa do meu projeto e agradeço a quem leu até aqui.
Até o próximo capítulo =D



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