Paz Temporária - Olhos Amaldiçoados escrita por HellFromHeaven


Capítulo 1
Um dia quase normal




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O dia estava tão frio que era possível ver a própria respiração sem nenhum esforço e a famosa brisa gelada de Sahoc, que de “brisa” só tinha o nome, enfatizava a importância do uso de roupas quentes. Não é como se eu odiasse o frio, na verdade eu costumava amá-lo enquanto era apenas um despreocupado estudante que só precisava se preocupar com uma coisa: estudo. Mas tudo isso acabou na minha formatura do ano passado e o mesmo frio que me ajudava a justificar o fato de que eu mal saía de casa agora pregava em peças em mim enquanto estou à procura de um emprego. Por que estou procurando um emprego ao invés de estar me matriculando em uma faculdade? Muito simples: eu não atingi a média necessária para que eu pudesse frequentar a faculdade que almejo. Então como não posso mais ficar à toa (palavras do meu pai), devo ao menos arranjar um meio de ajudar nas despesas de casa. Fora minha leve mudança de vida, o ano de 1856 parecia um ano como outro qualquer.

Estava caminhando de volta para casa depois de perceber que eu não levo jeito nenhum com coisas relacionadas à cozinha da pior maneira possível: em um emprego numa lanchonete local arranjado por um amigo do meu pai. Tenho certeza de que ele ficará puto, mas não posso fazer nada se o fogão me odeia. Enfim, pensava no que dizer ao meu velho olhando para frente sem prestar atenção em nada que se passava ao meu redor, quando meus olhos se focaram em um homem de aproximadamente 26 anos que estava apoiado em uma placa de trânsito bem próxima à rua. Ele parecia bem cansado e estava prestes a relaxar seu corpo sobre o pedaço de metal que aparentava estar bem úmido. Nada disso parece chamativo, mas o contador dele estava bem próximo do zero. Saí rapidamente de meus pensamentos e corri em sua direção. Ao encostar-se à placa, o homem escorregou e seu corpo começou a cair em direção à rua totalmente movimentada. Felizmente cheguei à tempo de segurá-lo e puxá-lo de volta á calçada.

– Você está bem?

– Puta que pariu! Que susto!

– É. Pelo jeito está.

– Muito obrigado garoto! Não sei como posso te agradecer.

– Não precisa. Apenas tome mais cuidado.

– Pode contar com isso. Nunca mais chego perto de uma dessas.

– Não precisa disso tudo né, mas... Se está bem para você.

– Oh droga! É melhor eu atravessar agora antes que o sinal abra de novo. Tchau!

– Heh... Se eu não estivesse por aqui ele seria atropelado por apoiar as costas sobre uma placa de trânsito poucos segundos antes do sinal fechar. Seria cômico se não fosse trágico.

O quê? Nossa, é verdade! Eu ainda nem me apresentei. O quê? Sobre o contador? Droga! Tenho que ficar mais atento. Já irei explicar tudo. Meu nome é Harry Stavic, tenho dezoito anos e farei dezenove em agosto. Gosto muito de desenhar e (modéstia à parte) me considero bom nisso. Tentei entrar para a faculdade de artes no extremo norte do país, mas minha nota no vestibular foi uma falha catastrófica. Moro com meu pai Shad e não nos damos muito bem. Nem sempre foi assim. Costumávamos ser uma família feliz até que um acidente de carro matou minha mãe, minha irmã mais nova e quase me levou junto. Desde então deixei de ser um garoto alegre e levemente hiperativo para me tornar essa pessoa calada e reservada de hoje. Aliás, foi depois do acidente que comecei a ver os contadores.

Depois que acordei no hospital, recebi a notícia de que eu havia morrido por cerca de cinco minutos e que poderia ficar com algum tipo de sequela. Eu não me sentia mal (apesar das dores do acidente, claro), mas notei algo muito estranho: eu via números em cima da cabeça de cada pessoa. Cada um tinha uma série de números diferente e eles estavam sempre em contagem regressiva. Primeiramente achei que fosse apenas efeito da morfina e ignorei. Depois que recebi alta passei a visitar minha mãe e minha irmã que estavam em estado grave. E foi aí que comecei a perceber o significado daqueles números. Notei que as séries das duas estavam bem perto de zero e quando minha mãe morreu, o contador zerou. Pois é, por algum motivo ganhei a habilidade de ver o tempo de vida restante de qualquer pessoa. Logo após ambas morrerem, me dediquei a decifrar totalmente cada número daquele contador e observei um padrão: eram seis séries de números com dois dígitos levemente separados e cada dígito representava um tipo de contagem de tempo – Anos – Meses – Dias – Horas – Minutos – Segundos. Não preciso nem dizer que acabei ficando paranoico com algumas coisas como bebidas, cigarro e comidas industrializadas. É incrível o quanto algo tão pequeno pode reduzir a sua vida. Algumas ações também podem aumentar a contagem. Mas chega de falar disso. O importante é que sempre que vejo alguém com a contagem próxima ao zero tento fazer algo para mudar o destino. Este está sempre em mudança, ao contrário do que aquele povo religioso acha.

Enfim, agora que já expliquei tudo posso voltar ao meu dia. Dei uma última olhada no homem para conferir o contador antes de continuar meu caminho. Ele ganhou alguns dias de vida. Parece que a sorte dele realmente é uma merda. Virei e continuei caminhando até parar em uma avenida que estava com o sinal aberto. Aparentemente não estava passando nenhum carro no momento e fui checar se havia a possibilidade de atravessar. Mas meus olhos se depararam com algo que me fez entrar em movimento involuntariamente: havia uma garota prestes a colocar os pés na rua para atravessar e seu contador estava... No zero! Corri o mais rápido que pude e a puxei pelo braço. Ela se assustou e olhou para mim como se eu fosse algum tipo de sequestrador. Seus olhos tinham uma cor levemente acinzentada com algumas manchas brancas na íris. Olhei novamente para a rua e o sinal estava fechado sem nenhum carro passando. Não pude acreditar naquilo e fiquei ainda mais chocado quando conferi novamente o contador dela. Continuava zerado. Ela me olhava espantada e acho que eu fazia o mesmo. Ficamos nos encarando por alguns segundos até que decidi falar a coisa mais sem sentido que alguém poderia dizer naquele momento:

– Como você está viva?

Sim, eu sei que qualquer um me xingaria ou faria algo parecido, mas o que ela disse me espantou ainda mais:

– Por que eu não consigo ver seu futuro?

Depois que percebemos o que cada um havia dito, um silêncio constrangedor tomou conta do local. A situação ficou daquele jeito por alguns segundos, quando decidi continuar:

– Como assim ver meu futuro?

– E como assim “como eu estou viva”?

– Olha... É algo difícil de explicar... Principalmente porque não tenho provas...

– Tente ué. Se você disser eu digo.

– Tudo bem. Eu consigo ver o tempo de vida que cada pessoa tem.

Ela arregalou os olhos, mas não parecia duvidar do que eu disse. Coisa estranha, pois todos para quem contei isso riram da minha cara, me chamaram de maluco e pararam de falar comigo.

– Então... Somos parecidos.

– Mas que porra? Como assim?

– Eu consigo ver o futuro das pessoas se eu me concentrar.

– Espere... Mas seus olhos...

– Oh... Sim, eu sou quase totalmente cega. Só consigo ver vultos com contornos. É o suficiente para me movimentar sem precisar de um cão guia ou uma bengala, mas ainda me priva de muitas coisas.

– Entendo... Ou quase...

– Eu... Eu... Droga! Tem horas?

– Tenho... São 17:45.

– Puta merda! Estou muito atrasada! Tchau!

Ela ameaçou atravessar a rua, mas parou e se virou novamente em minha direção:

– Ah! Eu quero continuar essa conversa. Vá até a Praça das Cerejeiras amanhã.

– Que horas devo estar lá?

– Umas... Duas e meia da tarde. À propósito, meu nome é Lisa.

– Harry.

– Bem... Eu tenho que ir. Tchau! Não vá me deixar esperando hein!

– Não se preocupe, estarei lá.

Fiquei observando-a até que ela desaparecesse de minha vista em meia à cidade. Tentei digerir ali mesmo o que havia acabado de acontecer por alguns minutos sem nenhum sucesso, então desisti e decidi voltar para casa e pensar lá. Sempre achei minha cama o melhor lugar para se pensar, principalmente depois do acidente. Depois de chegar em casa, ouvi alguns sermões do meu pai ( como previsto) e fui direto para o banheiro do meu quarto. Tomei um longo banho quente (tive vontade de ficar embaixo do chuveiro para sempre) e, depois que tive coragem de sair da água quente para o meu quarto gelado, me joguei na cama. Pois é, parece que me enganei ao achar que esse seria apenas mais um ano totalmente normal.


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Notas finais do capítulo

Bem... O fato do Nyah sumir da internet por uns tempos me prejudicou com essa aqui. Acabei perdendo grande parte da inspiração por causa do social spirit, aquele site onde ninguém comenta avn iouanuvanunEnfim... vou ficar mais um tempo sem escrever(talvez umas duas semanas) já que as provas começam tipo... amanhã.Espero que gostem dessa minha nova história, parte 2/3 de meu projeto e agradeço a quem leu, é claro. Até o próximo capítulo =D



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