Novo Mundo escrita por Mi Freire


Capítulo 8
Alguns desentendimentos.


Notas iniciais do capítulo

Estou postando os capítulos diariamente, porque estou bastante inspirada e adiantada com essa história. Tudo ainda está muito fresco dentro da minha mente. Mas não vai ser sempre assim, eu geralmente posto um dia sim e outro não. Depende muito de vocês! Eu gostaria que mais pessoas lessem e pudessem gostar da história. Por isso, estou tento muita paciência, pois sei que começos não são fáceis. E tenho bastante esperanças! Então, por favor, comentem!



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Alison vestia um vestido azul-turquesa com decote assimétrico longo que cobriam as sandálias de salto alto. Seus cabelos ruivos estavam soltos e lisos, havia passado uma maquiagem básica e algumas loções hidratantes pelo corpo. Pegou sua bolsinha, seu sobretudo e foi se encontrar com David que já estava esperando por ela em frente ao prédio.

Ela ficou surpresa ao ver que ele havia atendido ao seu pedido, não completamente, mas por um lado havia se rendido: um jeans claro, um blazer azul-marinho, sapatos marrons e uma camiseta gola V branca.

De longe ela podia sentir o cheiro do perfume dele.

Quando David a viu aquela noite nunca teve tanta certeza de que ela era a mulher mais bonita que ele já conheceu. E tinha sorte por ter a conhecido por acaso. Alison é bonita em todos os sentidos, não só aparentemente. Tudo que ela veste fica bem nela e tudo que ela faz ou como age e se comporta combina perfeitamente com ela.

É única, simples e encantadora.

— Você está... Linda! – ele disse quando ela se aproximou dando um beijinho no rosto dele. Linda não era o suficiente, mas naquele momento faltaram palavras. — Mas você ainda usa isso?

Ela prendeu a respiração quando ele tocou seu pescoço, imaginando que ele faria alguma outra coisa. Um carinho por exemplo. Mas não, David só queria saber porque ela ainda usava aquele colar.

— Eu tinha me esquecido! – disse ela, lembrando-se que ainda usava aquele maldito presente que Caleb lhe dera quando ainda namoravam. — Me ajuda a tirar isso?

Assim que David abriu o fecho e deu a ela o colar, Alison jogou o mesmo no chão e pisou em cima, despedaçando-o, com seus saltos.

— Pronto! – ela sorriu, satisfeita. — Assim é bem melhor.

— Eu concordo. – ele sorriu também. — Vamos?

Ela segurou sua mão muito alegre por aquela noite estar acontecendo, era importante pra ela. E os dois entraram no carro. Ele dirigiria. Os dois iriam ao teatro, como o combinado.

A peça foi incrível. Alison chegou a se emocionar. Apesar de já ter lido o livro que havia inspirado a peça. Mesmo concentrada na maior parte do tempo, ela não pôde deixar de pensar o quanto era sortuda por ter David ao seu lado naquele momento. Quando a maioria das mulheres em volta olhavam indiscretamente para ele. Mas David parecia não dar a mínima, ou ele era um bom ator, ou ele estava de fato gostando da peça, mesmo que nunca tivesse assistido a uma.

Na saída, ele a ajudou a colocar o sobretudo, afinal, ventava frio lá fora. E ela agradeceu, falando sem parar sobre cada detalhe da peça que ele não tinha observado por falta de conhecido.

— David Marshall...? – uma loira esguia, cabelos dourados longos muito bem tratados, meio ondulados, quase impecáveis, os olhos claros, a boca carnuda e um vestido vinho longo em decote V profundo se aproximou do casal. Sorrindo. — Alison Harvey?

David ficou estático. Já Alison sorriu ainda mais.

— Professora Foster?

As duas se abraçaram, eram muito próximas. Meredith Foster foi a professora mais jovem, e a mais bonita também, que Alison teve na Universidade. Muito bonita e super inteligente. Era uma de suas professores prediletas.

Meredith deu aula para Alison durante o primeiro ano da faculdade. Ela ainda dá aula na Colúmbia, mas só para alunos dos primeiros semestres. E agora elas mal se veem.

— Vocês se conhecem? – Alison perguntou, olhando para um e depois para o outro. Meredith ainda sorria, maravilhada pelo encontro, mas David por sua vez, ainda estava imóvel. E fechado.

— Ah sim. Nós...

— Vamos embora, Ali. Agora.

David a puxou pelo braço, sem machuca-la e sem parecer muito grosseiro, e a levou dali, longe daquele turbilhão de gente saindo do teatro. Foram até o carro. Ele ainda em silencio, sem se explicar. E Alison chocada, sem entender o que tinha acontecido ali.

≈≈≈

— Por acaso você não quer me contar alguma coisa? – assim que entraram em seu apartamento foi a primeira coisa que ela quis saber, antes mesmo de tirar aquela roupa.

David sentou-se no sofá, ainda sem qualquer tipo de expressão. Gael, aproximou-se dele, desejando um carinho.

— Não vamos falar sobre isso.

— Porque não?

— Porque eu não quero.

— Mas e se eu quiser?

— Não seja ridícula, Alison. Não é da sua conta.

— É sim. Claro que é! Ela é minha professora.

— Ex-professora.

— Como é que você sabe?

— Não sei.

— Sabe. Você acabou de dizer.

— Não é nada. É melhor você ir se trocar.

— Porque?

— Não seja tão infantil, Alison. Vai logo se trocar.

— Não. Eu não vou só porque você quer.

— Tudo bem. Eu a conheço sim.

— O quê? Como? Ela deu aula pra você também?

— Não! Eu a conheci por aí. Só isso.

— Só isso? Tem alguma coisa que você está me escondendo!

— Não! Não estou. Você é tão insistente e irritante!

— Eu sou irritante e insistente? E você que é um mentiroso?

— Não estou mentindo. Só não quero falar toda a verdade.

— Hum... Já sei! Você era aluno dela e vocês tiveram um caso.

— Não! Ficou louca? Claro que não! Que bobagem!

— Então me fala, David! Qual é?

Ele estava começando a ficar impaciente.

— Não vai falar? Ah, tudo bem. Então vai ser assim...

— Que droga, Alison! Você tem mesmo que fazer esse drama todo?

— Querido, quem está fazendo drama aqui é você.

Os dois se encararam feio.

— Por acaso ela destruiu a sua vida?

— Não. Ela destruiu o meu coração.

Ele levantou-se, odiando a si mesmo.

— Satisfeita agora? Essa é a verdade. Ela destruiu o meu coração!

Essa última frase ele praticamente gritou.

E logo depois, ele foi embora.

≈≈≈

Fazia dois dias em que David não aparecia e que Alison não tinha notícias sobre ele. Sentia-se culpada, poderia ter evitado aquele pequeno desentendimento entre os dois. Mas com certeza tudo seria bem mais fácil se ele não complicasse tanto. Custava muito se abrir mais com ela? Não! Claro que não! Mas as vezes ele era tão durão e isso a irritava.

Ligava pra ele de hora em hora e ele nunca a atendia.

Estava a evitando.

Saiu mais cedo aquele dia do escritório e sabia exatamente onde encontrar David naquele horário. Já o conhecia o suficiente para saber cada passo que ele dava. Ou pelo menos era nisso que ela acreditava. E foi dirigindo até o Central Park. Era a única estranha de saia social, uma meia-calça fina, uma blusinha de seda, jaqueta e saltos altos no parque, andando entre as arvores, procurando por David. Todos olhavam para ela, intrigados. E foi quando, de uma hora pra outra ela o viu. E lá estava ele de bermuda jeans, regata branca e um tênis velho, correndo com os cachorros que ele cuidava. Uma espécie de babá.

A cena era um tanto engraçada, mas também muito atraente.

— Vim aqui te pedir desculpas. – disse ela prontamente, parando de frente a ele. Os cachorros olhando bem para ela, cansados. — E não vou mais insistir sobre algo que você definitivamente não quer conversar. Mas por favor, pare de me evitar. Isso está acabando comigo! Eu fico preocupada com você.

Ele sorriu, adorava esse jeito dela.

— Tudo bem. Já está desculpada. Eu só precisava de tempo. Também fui um babaca com você. Só não vamos mais falar sobre isso... Tudo bem? Quem sabe um outro dia. – ele deu de ombros. — Estou morrendo de calor! Quer tomar um sorvete comigo?

≈≈≈

— E eu quero que você venha comigo. – disse ele em uma tarde de sol. Os dois estavam caminhando aquele sábado de manhã. Alison não era uma pessoa que gostava muito de se exercitar, mas David praticamente a obrigou a isso.

E ela gostava de estar com ele, então acabou se rendendo.

Basicamente o ponto fraco de ambos era discutir um com o outro. Sabiam que não valia a pena. E acabavam sempre se rendendo um ao outro, se conhecendo melhor, adaptando os dois mundos.

— Eu não sei se posso aceitar. Meus pais me matariam! E eu também, não sei se estou preparada para algo assim.

David havia acabado de pedir a Alison que o acompanhasse até a casa de seus pais no dia de Ação de Graças para comemorarem juntos o feriado. Não que ele gostasse de coisas assim, mas seu pai acabou o convencendo. Havia muito tempo que ele não via seus pais, mais de um ano. Tudo que eles tinham para resolver era via internet ou por correio. David preferia assim, mas sabia também que não poderia fugir para sempre. Afinal, eles ainda são seus pais. E não queria ter que fazer isso sozinho, por isso, Alison precisava ir com ele.

Com ela, ele poderia aguentar melhor a barra.

— Se quiser, seus pais podem vir também.

— Não! De jeito nenhum. Seria um desastre.

Para Alison a ideia de conhecer os pais de David era um tanto assustadora e ao mesmo tempo empolgante. Por muitas vezes ela se pegou imaginando como eles eram e o que achariam dela. Não que fosse grande coisa, mas era amiga de David e isso deveria servir.

Ele a deixou em casa naquele comecinho de noite e antes mesmo de tirar a roupa suada e tomar um banho morno ela decidiu que era melhor ligar para os pais o quanto antes.

Não seria fácil, mas por David valia a pena arriscar.

— Não tem problema, querida. – seu pai, Tom, era sempre muito paciente a tudo e compreensível. — Sua mãe vai ficar um pouquinho decepcionada. Você sabe como ela é. Mas eu vou dar um jeito. Prometo. Assim você poderá viajar com seu amigo sem problemas. E eu também já estava planejando algo diferente para nós dois há muito tempo.

— Obrigada, pai. Eu sabia que você iria entender. Eu te amo muito! Mas não se preocupe, eu irei visitar vocês assim que puder.

Os dois conversaram um pouco mais e assim que Alison desligou o telefone, ligou para David em seguida, precisava contar a novidade.

≈≈≈

Depois de duas horas de viajem, David parou o carro em frente a uma imensa mansão. Ao descer do carro, Alison mal pode disfarçar a surpresa. Sentia-se como se fizesse parte de um cenário de um filme de Hollywood, diante daqueles imensos portões recepcionados por seguranças carrancudos, logo atrás além do jardim impecável e o extenso gramado, estava a grande casa cheia de janelas e sacadas.

— Seus pais moram... Aqui? – ela perguntou. David não parecia tão contente assim por estar ali. Estava falando pouco.

Ele assentiu positivo em resposta.

Quando os seguranças o viram logo abriram os portões automáticos, cumprimentando David. Um dos seguranças pegou a chave do carro para estaciona-lo no lugar adequado. Era assim que ali tudo funcionava. Tinha sempre um alguém responsável para determinada tarefa.

Alison passou pelos seguranças ao lado de David, tentando ser o mais simpática possível. Ela fazia uma certa questão de que as pessoas tivessem uma boa impressão sobre ela. Um outro segurança falou no rádio com alguém e não demorou muito para um casal aparecer na grande porta principal de madeira. Ao lado mais alguns empregados, agora mais mulheres que homens.

Ela deduziu que fossem os pais de David.

Um senhor baixo, gorducho, de terno, com cabelos grisalhos apenas nas laterais da cabeça e um sorriso largo. Ao lado, uma mulher mediana, séria, de postura rígida, elegante em uma saia lisa cor creme, uma blusa de seda preta e um blazer também creme. Os cabelos também grisalhos dela estavam presos em um coque fixo, ela usava muitas joias, estava de sapatos razoavelmente altos, tinha a pele um tanto esticada e muito bem maquiada. Uma mulher luxuosa até demais. Alison começou a se sentir um pouquinho mal.

— Você deve ser a Alison, a namorada do David. – disse o senhorzinho, puxando-a para um abraço.

— Não, senhor. Apenas uma amiga. – ela sorriu sem jeito, completamente desconcertava. Não esperava que um homem tão rico gostasse tanto de gestos íntimos como um abraço acolhedor. — É um prazer conhece-lo, sou Alison Harvey.

Alison estendeu a mão para a mãe de David, que mal sorriu e muito menos apresentou-se. De fato, era ela uma mulher muito fechada e reservada, exatamente como David a descreveu todas as poucas vezes que falou sobre ela. Já Charles, o pai, era bastante animado.

David tinha um pouquinho da personalidade de ambos, dependia muito do bom humor dele.

David por sua vez mal falou com os pais e já foi logo entrando na grande casa.

— Vamos, querida. Vamos entrar. – Charles pegou sua mão. — Não precisa ser tímida. David nunca trouxe uma garota antes pra casa. Você é a primeira. Você deve ser muito especial.

Charles fez questão de mostrar a casa a Alison, enquanto David ficou com a mãe na sala de visitas. Eram tantos cômodos! Alguns até um tanto desnecessários, mas para pessoas ricas, sempre era pouco. Alison ficou perdida, porém admirava com a arquitetura e a decoração impecável, com mistura do moderno com o clássico. Mas ao mesmo tempo em que a casa era gigantesca, parecia vazia.

Ao voltarem para a sala de visitas, Alison sentou-se ao lado de David em um dos tantos sofás. Uma empregada serviu café e biscoitinhos refinados. David recusou, ainda fechado. Exatamente como a mãe. Já Alison achou que seria falta de educação fazer recusas.

— Me fala um pouco sobre você, querida. Estamos curiosos! – Charles sorria todo o tempo sem tirar os olhos dela. Alison gostava dele. Era um senhor muito caloroso.

— Eu vou subir e tomar um banho. – disse David, impaciente. Ainda não sabia dizer porque havia aceitado ao convite de seu pai em passar o feriado ali, em sua antiga casa, cercado do luxo que ele nunca fez tanta questão. Só queria ser um alguém normal. Mas nunca foi. Não quando se tinha mesmo sem pedir, tudo que alguém poderia querer.

— E eu vou ver se está tudo certo para o almoço. – disse a mulher, ajeitando a saia ao se levantar. Muito elegante. Era a primeira vez em que ela falava. Havia uma certa doçura em seu tom de voz que ela, por algum motivo, preferia manter guardado.

— Desculpe a falta de senso de humor de Susan, querida. Ela é assim mesmo. Estamos casados há quase trinta anos e eu ainda não me acostumei. – ele riu, fazendo ela rir também.

Apesar de tudo, quem nunca desejou ter um casamento tão durador?

≈≈≈

Haviam tantos talheres e taças sobre a mesa de jantar que Alison não sabia nem por onde começar. Já havia lido milhares de livros sobre etiqueta, mas naquele momento, diante da realidade, ela esquecera de tudo que aprendeu nos livros. Sentia-se perdida. E David com seu terrível mau-humor não estava ajudando. Já Charles não parava de falar um só quer minuto. Susan parecia muito concentrada em ser uma mãe, uma esposa, uma mulher de classe e uma anfitriã exemplar.

— Aja normalmente. Seja você. – David sussurrou quando finalmente percebeu que ela estava perdida com o almoço.

Alison suspirou forte. Era fácil pra ele falar. Pois mesmo sendo ele mesmo: um completo desligado. Ainda assim sabia se portar a uma mesa elegante, pois havia nascido e crescido ali. Querendo ou não ele sabia, diferentemente dela.

Eu vou te matar, David Marshall. Espere só o momento certo.

Após o longo almoço, Charles convidou Alison para conhecer o jardim em um passeio na tarde de sol. Ainda perguntando muito sobre a vida dela, a faculdade dela, os amigos dela e a família dela. E também falando muito sobre sua empresa, a casa, seu dia-a-dia repleto de mordomias, sobre seu casamento de anos. Mas parecia evitar falar sobre o próprio filho. Como se aquilo o deixasse desconfortável.

— Sabe como foi que eu conheci o Dave? – ela arriscou. Precisava tocar no assunto. Queria saber o que o pai tinha para falar sobre o filho.

A expressão dele logo mudou, ela percebeu. Mesmo assim, sentia que precisava fazer aquilo. Para o bem de todos. Eles são pai e filho, deveriam deixar explícito o quanto se amam apesar de todas as diferenças. Não é todo mundo que tem pais maravilhosos, não é todo mundo que tem um pai e uma mãe, não é todo mundo que tem sorte. Não devemos deixar nada passar despercebido, ou pode ser tarde demais.

Alison contou a Charles como foi que conheceu David naquela noite chuvosa após o casamento de Corine. Contou a ele também como foi que se tornaram bons amigos, dois meses depois desde a primeira vez que se viram. Contou o quanto eles se dão bem, apesar de tudo.

Charles não poderia imaginar que existisse um sentimento tão grandioso entre eles. Muito mais do que aparentava.

Charles mostrou a ela o jardim bem cuidado, as piscinas, o gramado, o celeiro e o estabulo onde ficavam seus mais preciosos animais. E por fim, no finalzinho da tarde ele mostrou também a ela o campo de golfe. E ela fez questão de aprender a jogar um pouquinho, escutando as dicas dele.

Enquanto isso, lá dentro, Susan os observava pela janela do quarto, vendo o quão bem eles estavam se dando mesmo quando haviam acabado de se conhecerem. Teve uma primeira boa impressão sobre Alison, ela é linda e encantadora. Sabe exatamente porque David a escolheu, era visível. Os dois formavam um belo casal, mesmo negando. Por dentro, Susan torcia para que essa história desse certo. Talvez assim, Alison pudesse aflorar o lado de David que ela como mãe nunca conseguiu. Nem mesmo Charles, o pai.

David é irredutível.

≈≈≈

Já era noite, David tinha praticamente passado o dia todo dentro do seu antigo quarto. Exatamente como ele deixara, apesar de muito mais organizado. Certamente sua mãe pedia para as empregadas limparem o cômodo diariamente. Susan é uma mulher muito perfeccionista, ela cuida de cada detalhe, sempre foi muito prestativa a tudo dentro de casa e cuidadosa.

Ao quarto em frente, ele sabia que Alison já estava se preparando para dormir. Apesar de todo a insistência dos seus pais em dormirem em um único quarto, acabaram por fim o convencendo de que eram amigos, mas ele pareceu ainda não acreditar muito.

David está deitado em sua cama já de pijama, os braços atrás da cabeça, a janela do quarto aberta refrescando o quarto, fitando o teto do quarto repleto de adesivos de parede de constelações que brilhavam com a luz apagada. Quase como se fossem estrelas reais. Ele sempre amou as estrelas, a noite.

Já se passa das onze e meia da noite e ele não consegue dormir.

Isso, por vários motivos.

Primeiro: está absurdamente desconfortável dentro de sua própria casa. Como se ali já não o pertencesse mais. Na verdade, nunca pertenceu. Nunca foi muito fã da própria realidade, mas também nunca foi mal agradecido. Sabia que tinha muito mais sorte que a maior parte das pessoas que conhecia. Mas também não se glorificava por isso.

Segundo: Seus pais estavam cada vez mais caretas. Seu pai em especial, praticamente empurrou Alison pra cima dele todo o tempo. Como se ela devesse ser a namorada dele e não uma simples amiga. Os dois, tanto o pai quanto a mãe, a todo o tempo tentando disfarçar com conversas fiadas e risos o quão estão aborrecidos e decepcionados com o rumo que a vida dele levou com suas próprias escolhas.

Terceiro e último: não consegue não pensar em Alison, no quarto ao lado, provavelmente se sentindo muito diminuída por estar em uma casa tão grande, em um quarto tão diferente do dela, e, sozinha. Não pôde deixar de perceber que ela passou o dia tentando se adaptar a esse mundo, e ao mesmo tempo deslumbrada como tudo, como se ela sempre tivesse sonhado com aquilo.

Ao menos, ela havia se dado bem com seu pai e por fim se saído muito bem em todos os aspectos. No almoço e no jantar. Alison era boa ouvinte e também boa de puxar conversa com os mais velhos. Isso fazia dela uma pessoa única. Que se saia bem em qualquer ocasião. Mesmo ela não acreditando nisso. Alison não sabe o valor que tem.

David sentia-se muito culpado por ter sido um idiota o dia todo, se isolando em seu quarto como uma adolescente emburrado. Sentia-se mal por ter a deixado sozinha com seu pai exagerado e sua mãe que mal fala. Sentia-se culpado por não ter sido ele a apresentar a ela melhor a casa, suas antigas coisas ou contar as inúmeras histórias que tinha aquele lugar onde cresceu. Sentia-se mau por ser tão durão e, automaticamente, despejar tudo sobre ela como se ela tivesse culpa de alguma coisa. Quando na verdade, ele era o único culpado.

Determinado a contornar aquela situação, David levantou-se da cama em um pulo, calçou os chinelos e saiu do quarto, tentando não fazer barulho com a porta. Ou os pais, mais seu pai do que sua mãe, poderiam ouvir do quarto deles e pensarem bobagens. Devagarzinho ele foi até o quarto em frente do longo corredor. Nem bateu na porta, apenas girou a maçaneta e entrou.

— Ei. Quanta ousadia! Não sabe bater não é? – Alison se cobriu com o roupão novamente. Havia acabado de tomar um bom banho de banheira e já estava se preparando para dormir. Decidindo-se se iria por ou não o pijama que Susan havia emprestado a ela. Não parecia correto abusar.

O quarto cheirava a lavanda.

— Você quase me viu pelada!

— Não seria como se eu não gostasse.

Eles riram.

— Idiota!

Ela jogou a almofada nele, rindo.

— Mas então, o que faz aqui? Que eu saiba seu quarto é em frente.

Alison sentou-se na cama e ele fez o mesmo.

— Vim me desculpar com você por.... Tudo.

— Hum. Finalmente! Pensei que isso iria durar até amanhã, até a hora da gente ir embora. – ela tirou os chinelos e jogou as pernas sobre a cama. — Desculpas aceitas. Você está... Melhor?

— Ah, sim. Estou. – David também jogou as pernas sobre a cama, sentando-se ao lado dela. — Estou me sentindo melhor agora.

— Que ótimo! – ela sorriu, tirando a toalha do cabelo molhado e pegando a escova de cabelo sobre o criado-mudo para penteá-los. — O dia foi adorável com o seu pai. Ele é um bom homem! Me ensinou muitas coisas. Você tem um pouco dele. Já sua mãe, parece não ter gostado muito de mim. Ela mal falou comigo!

— Ela gostou de você sim. – ele a observava, pentear os lindos cabelos alaranjados. — Esse é só o jeito dela. Eu saberia se ela não tivesse gostado. Ali, é impossível não gostar de você.

— Você só dizer porque é.... Você. – ela soltou um riso, terminando em fim de desembaraçar os fios. Deixou a escova de lado e levantou-se para colocar a toalha molhado no banheiro e apagar a luz, antes de voltar para a grande cama de casal no centro do cômodo.

David acendeu o abajur.

— Você já está com sono? – ele perguntou quando ela deitou a cabeça sobre o peito dele. Molhando sua camiseta branca do pijama simples.

— Não muito. Se quiser, podemos conversar. – disse ela, ficando mais perto dele para poder se apoiar melhor. Estavam em um estágio na amizade em que a intimidade já lhe encorajavam a fazer muitas coisas.

— Não. Tudo bem. – ele começou a passar os dedos entre os fios da cabeça dela, sentindo o perfume doce do shampoo. — Vamos ficar apenas aqui. Assim. Vamos esquecer o mundo lá fora por um momento.

David apoiou sua cabeça sobre a dela, estavam ainda mais próximos aquela noite. Fecharam os olhos juntos e adormeceram ao mesmo tempo, no mesmo quarto, sobre a mesma cama, apenas com o cantarolar nos grilos lá fora entrando pela janela.

≈≈≈

Acordaram cedinho na manhã seguinte, o sol entrando pela janela.

Depois do café da manhã em família agora com um David bem mais sorridente e alto-astral, os dois aproveitam juntos o dia ensolarado lá fora. Caminharam pelo jardim enquanto David contava suas histórias de infância vividas ali com seus amigos, depois Alison foi empurrada na piscina por ele e David acabou entrando também aos risos, fizeram uma pequena pausa para almoçar, depois sentarem-se um pouco no jardim e de longe observavam Charles jogar golfe, mais tarde andaram a cavalo, em seguida Susan ofereceu o lanche da tarde e por fim, quando o céu estava começando a escurecer dois decidiram que era hora de ir embora, voltar para casa. E cada qual foi arrumar suas coisas.

— Quer ajuda? – Susan entrou no quarto de Alison quando viu que a porta estava aberta. Alison estava arrumando suas coisas na bolsa.

— Ah, não. Não precisa Mrs. Marshall. Já estou terminando. Mas obrigada mesmo assim. – sobre a cama Alison pegou seu batom e jogou dentro da bolsa, fechando o zíper em seguida.

— Foi muito bom ter vocês dois aqui no dia de Ação de Graças. Há muito tempo não tínhamos um feriado tão prazeroso. Obrigada...

Susan estava finalmente falando.

— Eu que agradeço, por tudo. Vocês são pais maravilhosos!

— Meu filho, David, não pensa como você...

Susan sentou-se na cama, meio cabisbaixa, tentando disfarçar a tristeza com um meio sorriso. Pegou Alison de surpresa, que ficou comovida com a aproximação. Apesar de passar dos quarenta e cinco anos, Susan é uma mulher linda e muito bem conservada.

— Eu gostei muito de conhecer você, Alison. Não pense o contrário. Eu só não sei bem como me expressar. Eu nunca soube e esse é um dos meus maiores defeitos. Só não quero que vá embora hoje pensando que....

— Não, Mrs. Marshall. De forma alguma. – Alison sentou-se ao seu lado, pegando sua mão para segurar. Olharam dentro dos olhos uma da outra. — Eu já entendi. Você é assim. Eu que sou uma boba mesmo, achei que não iriam gostar de mim por eu ser....

— Não! Isso nunca, querida. – Susan sorriu. — Quero muito que você volte mais vezes. De alguma forma você trouxe mais alegria a esse lugar. Você é uma filha que eu sempre sonhei em ter. E pelo que pude ver, você faz muito bem ao meu filho. E se ele está feliz é tudo que importa. E por favor, cuide bem dele por mim.

— Eu cuidarei. Eu prometo! – Alison se emocionava facilmente e não resistiu ao abraçar aquela frágil mulher que a princípio se assustou com o gesto, mas logo retribuiu.

David apareceu na porta, interrompendo aquele momento.

— Ali, vamos?

— Vamos.

As duas se levantaram ao mesmo tempo, se recompondo.

Tiveram uma ligação imediata que não sabiam explicar.

— Vou me despedir do seu pai. – Alison foi até David e entregou a ele sua bolsa. — Se despeça da sua mãe. Ela sente sua falta. – ele sussurrou, passando por ele e saindo do quarto.

David ficou paralisado, segurando a bolsa de Alison de um lado e a sua do outro.

— Tchau, mãe. – disse ele a distância.

— Tchau, filho. - foi então que ele percebeu que ela segurava o choro, pelo tom da sua voz. E aquilo era tudo que ele não queria presenciar.

Aquela cena fragilizou seu coração. Pois assim como sua mãe, David nem sempre foi muito bom em demonstrar o que sente.

David largou as coisas no chão e foi até ela, dando-lhe um forte abraço.

— Eu sinto muito por tudo. – disse ele ao fechar os olhos, sentindo a fragilidade de sua mãe.

— Não sinta, querido. – ela deixou escapar algumas lágrimas. — Eu me orgulho muito de você, filho. Eu te amo.

— Eu também te amo, mãe. Sempre amarei.

O que os dois não sabiam era que Alison ainda estava ali, escondida no corredor, atrás da porta, observando aquela cena de longe e ouvindo tudo com atenção, também chorando de emoção, sensibilizada por eles estarem bem finalmente.


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Notas finais do capítulo

Não deixem de comentar! Qualquer coisinha por minimo que seja já é bastante válido.