Novo Mundo escrita por Mi Freire


Capítulo 4
Se conhecendo melhor.


Notas iniciais do capítulo

Eu adorei escrever esse capítulo. Ele fala bastante coisa sobre os personagens principais.



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Terminaram de almoçar já era quase cinco horas da tarde e o ar estava ficando cada vez mais frio lá fora. David ajudou Alison a trancar todas as janelas do apartamento. Os dois lavaram a louça, limparam a cozinha e guardaram o resto da comida na geladeira.

— Me fala mais sobre você. – ele pediu, quando se sentaram no sofá da sala, cada um com um copo de suco de laranja. Os dois cansados e satisfeitos. — O que faz da vida além de ter que aturar pessoas impertinentes assim como eu?

— Eu durmo, estudo e trabalho. Nessa ordem. – confessou ela, fazendo-o rir. Gostavam da maneira descontraída que o rumo de suas conversas sempre tomava. — E você?

— Trabalho e saio. – respondeu ele, bebericando um pouco do seu suco em seguida. — Você tem amigos? Você não sai de vez em quando?

— Tenho duas amigas: Margo é a mais próxima, minha vizinha e colega de faculdade. E Corine, amiga antiga do colégio que casou a pouco tempo. E sim, eu saio as vezes para comer fora, ir ao cinema, teatro, museus, essas coisas. Nada de mais.

— Não vai a festas? Barzinho? Danceterias? Boates? – perguntou ele, curioso. Arqueando uma das sobrancelhas escuras.

— Não! De jeito nenhum. – ela riu. — Eu não bebo, esqueceu? Tão pouco sei dançar. Não sou fã desse tipo de lugares. Prefiro coisas mais formais, tranquilas, menos movimentadas, sem música alta, gente bêbada, casais se pegando ou fedor de tabaco. Lugares normais.

— Meu Deus! Você é sempre assim tão certinha? – apesar de indignado por nunca ter conhecido ninguém parecido com ela, ele conseguiu rir. Não imaginava que ainda existissem pessoas assim. — Você, por acaso, já fez alguma loucura na vida?

— Olha bem pra mim. – ela pediu, com um meio sorriso. — O que você acha?

— Não... Você faz mais o tipo que segue as normas, as regras à risca, você é o tipo de pessoa que prefere não se manifestar muito ou se envolver diretamente. Acertei?

— É, digamos que sim. – Alison deu um último gole em seu suco, deixando em seguida o copo de lado, sobre a mesinha. — E você, mais para o oposto de tudo isso. Acertei, não aceitei?

— Parece que sim. – ele sorriu, também deixando o copo de lado, sobre a mesinha de centro. Remexeu-se no sofá e procurou uma posição mais confortável: pernas cruzadas, como de índio. — Mesmo sem me conhecer, o que você vê? Quando olha pra mim.

Bonito, charmoso, irresistível, sexy, apaixonante...

Não Alison! Não é isso. Não pense tanta bobagem!

— Você me parece um tanto inconsequente e despreocupado. Você parece não se importar tanto com determinadas coisas quanto as outras pessoas se importariam. Você gosta de sair, ir em lugares movimentados, agitados e divertidos ao seu modo de ver. Gosta de conhecer pessoas, estar entre amigos, brincar, dar risada. Gosta de se sentir bem fazendo aquilo que você gosta.

— Como é que você sabe tanto sobre mim? Tem certeza de que nunca tivemos essa conversa antes?

≈≈≈

O céu estava começando a ficar em um tom de azul mais escuro com as nuvens rosadas. O sol já havia sumido e eles nem perceberam, mal viram a hora passar. Mas já eram quase sete da noite. Aliso percebeu, naquele instante, em uma curta pausa da conversa entre eles, de que Gael estava agitado demais. Ele precisa sair e dar uma volta.

Alison chamou David para acompanhá-los, mas antes de saírem os dois vestiram seus casacos. Lá fora estava ficando cada vez mais frio.

— Me fala mais sobre a Colúmbia, sua Universidade. Há quanto tempo você estuda lá? – ele perguntou, enquanto caminhavam pelas calçadas razoavelmente movimentadas aquele sábado à noite.

Gael andava mais a frente, olhando para os lados atentamente, farejando o chão. Ele adorava seus passeios noturnos.

Enquanto isso, Alison e David continuavam a conversar, finalmente conhecendo melhor um ao outro, pouco a pouco. Mas ela é bastante sensível ao frio e quando começou a sentir coriza em seu nariz, os três voltaram para o apartamento, antes que o tempo piorasse.

— Para o jantar vamos pedir uma pizza? Eu pago. - ele sugeriu.

— Por mim tudo bem, desde que tenha bastante queijo.

Os dois jogaram algumas almofadas sobre o carpete, e ali mesmo, no meio da sala de estar com o rádio ligado no volume baixo, os dois fizeram um piquenique improvisado. O céu lá fora já estava repleto de estrelas. Gael não tirava os grandes olhos dos pedaços de pizza dentro da caixa aberta no chão.

— Apesar da insistência dos meus pais na minha adolescente, eu optei em não fazer faculdade. Eu não me via trabalhando em um escritório, ou em uma grande empresa, de terno e gravata, sapatos sociais, com aquela pastinha ridícula de baixo do braço, o cabelo com gel penteado pra trás e barba sempre bem feita. Desde que eu era só um garotinho, eu não me imaginava fazendo nada isso. Mas era difícil para os meus pais, principalmente para o meu pai, aceitar a ideia de que eu não seria um grande doutor, advogado ou engenheiro.

Cuidadosamente ele levou um pedaço de pizza até a boca e mordeu, esticando o queijo. Ela observava cada gesto dele, hipnotizada.

— E quando eu disse a ele que não faria nada daquilo, que seria do meu jeito e que não adiava ele tentar me persuadir, meu pai virou as costas pra mim e minha mãe que sempre foi uma escrava particular do meu pai não fez outra coisa a não ser também virar as costas pra mim a pedido dele. Logo eu que sempre fui um excelente filho, apesar desde muito pequeno bastante cabeça-dura. Não é como se eles tivessem orgulho de mim tanto quanto seus pais devem ter de você. Eu mal sei sobre eles desde que tomei minhas próprias decisões e segui com a minha vida sem a ajuda deles. Tudo isso, só porque eu nunca quis ser o que a sociedade impõe como um profissional bem sucedido.

— Eu nem sei que o dizer. – ela abaixou os olhos, sem-jeito. Limpando o canto da boca com o guardanapo. — Deve ser difícil pra qualquer pai ouvir ou ver seu filho se tornando aquilo que ele nunca imaginou que um dia ele fosse quando se tornasse adulto. Mas também, isso não é motivo para excluir um filo de sua vida ou não sentir orgulho dele, só porque ele não quis ser o que você sempre sonhou. Às vezes, é necessário entender, mesmo que você não aceite. E eu, particularmente não acredito que seus pais não tenham orgulho de você. Porque eles têm sim. Você é admirável, Dave. Em todos os sentidos.

Ela gostou da forma como ele sorriu pra ela, como se verdadeiramente acreditasse em suas palavras de conforto.

Alison nunca se considerou boa nisso, mas naquele momento sentiu que estava se saindo bem e deveria continuar.

— Você pode até não ter se tornando o que as pessoas hoje em dia consideram grandes profissões. Mas o que você faz, o que você escolheu pra você, não deve ser de todo mal. Afinal, com o que você trabalha?

— Obrigado pelo apoio, Ali. Mas você realmente não conhece os meus pais. Eles nem se quer telefonam para saber como eu estou, agem como se eu não existisse. Não é como se eu sentisse falta, porque eu realmente já me acostumei com isso. Não sinta muito por mim, eu não quero que você tenha pena de mim. Eu nem sei porque te contei tudo isso. Normalmente eu não falo dessas coisas com ninguém. – ele esticou as pernas doloridas. — Quanto ao meu trabalho, quanto ao que eu faço, isso é uma surpresa, por enquanto. No momento certo você vai saber.

— Por favor, só não me diga que você é um assassino de aluguel?

≈≈≈

Os dois conversaram por horas. Até que, um pouco antes da meia-noite e meia, Alison começou a sentir os olhos pesarem. Em seu quarto, ela pegou pra ele um cobertor limpo, toalhas que nunca foram usadas e uma almofada. Entregou tudo a ele e se despediu, já iria se recolher.

Gael a seguiu, ele gosta de estar perto dela.

Alison tomou um rápido banho quente, vestiu um pijama leve de calça comprida e mangas longas, nos pés ela colocou meias, ajeitou a cama, apagou as luzes, correu até a cama e deitou-se, apenas com o abajur ligado ao lado.

Do quarto mesmo com a porta trancada ela conseguiu ouvir David da sala com a tevê ligada e provavelmente já bem acomodado no sofá.

Antes estava com sono, o corpo bastante exausto e olhos insistiam em se manterem fechados mesmo contra a vontade dela. Só que de repente, de uma hora pra outra, o sono foi embora. Ela não conseguiu mais dormir e ficou se revirando sobre a cama, pensando em um milhão de coisas ao mesmo tempo.

Entre elas uma pergunta que não queria calar: estava ela sendo precipitada demais em deixar um estranho ficar na sua casa?

Se bem que depois do dia inteiro que passaram juntos ele já não era tão estranho assim, tão pouco desconhecido. Os dois tinham conversado bastante, apesar de David não ter falado exatamente sobre tudo, com todas as palavras. Ele consegue ser bastante misterioso quando quer, uma qualidade bastante envolvente. Agora ela já sabia que ele não era como os outros. Literalmente. Não fez faculdade, nunca sonhou em ser um grande profissional, quase não tem contato com os pais desde que saiu de casa, não sofre por isso – pelo menos ele diz que não e faz parece que não, é imune a isso ou aprendeu a ser –, não se importa com a opinião alheia, sempre foi do tipo que tomou as próprias decisões e se responsabilizou pelas consequências disso. Além de ser experiente com a... vida.

Cansada de ficar se remoendo, Alison levantou-se da cama, calçou os chinelos, abriu a porta do quarto e foi até a cozinha. Precisava de um copo com água. Pelo canto do olho, ela viu que David ainda estava acordado assistindo alguma coisa qualquer na tevê, deitado no sofá com seu cobertor e uma camiseta branca fininha.

— Também não consegue dormir? – ele perguntou, pegando-a de surpresa.

— É. Não. Não consigo. – respondeu ela sem jeito. Alison se perguntou se não era melhor voltar pra cama correndo.

— Quer conversar até o sono vir bater outra vez? – ele sentou-se no sofá deixando um espaço pra ela.

Aquilo era bastante convidativo.

— Sobre o que vamos conversar? – ela perguntou, unindo-se a ele. Puxou um pouco do cobertor pra ela, sentindo no mesmo instante o cheiro de perfume dele.

Se isso a afetou, ela tentou não demonstrar.

— Ah, eu não sei. – ele passou a mão na barba. — Sobre qualquer coisa. Por exemplo... Como foi a sua infância?

Ela contou a ele sobre a sua infância, detalhando os momentos de prazer ainda frescos em sua memória. Quando tudo era mais fácil, havia inocência e cumplicidade, quando só bastava o sol lá fora para o dia ficar bem. Alison foi uma criança muito ativa, cercada de amigos, brincavam no jardim de boneca, no parque de pega-pega e na rua de bola. Ela adorava quando sua mãe preparava torta de maçã e ela podia chamar todas as suas amigas para comer com ela em sua casa. Ou quando seu pai a colocava nos ombros e lá de cima ela se sentia maior, mais velha, sortuda e especial por ter pais que na maioria das vezes eram bons.

Quando foi a vez dele falar, Alison o ouvia atentamente, sem tirar os olhos dele. David por outro lado foi uma criança que os pais a privaram de muitas coisas. Pois eles queriam que ele ficasse estudando na maior parte do tempo e só depois poderia ir lá fora brincar. Mas como ele se recusava a isso, sempre que podia sair era tarde demais, não havia mais ninguém na rua. Pouco tempo depois ele parou de obedecer aos pais, revelando-se, mesmo que tivesse que apanhar por isso. Tornou-se bagunceiro, desleixado no colégio, respondão em casa e fazia muita birra.

Enquanto ela o ouvia, achando tudo aquilo uma barbaridade, uma crueldade sem tamanho de se fazer com uma criança; David se divertia ao contar sua história. Como se nada daquilo houvesse o afetado e fosse apenas uma página virada em sua vida.

Lá pelas duas da manhã Alison não pôde mais resistir ao sono. E dormiu ali mesmo, no sofá, sentada. Vendo a cena, David se comoveu, apesar do receio em toca-la. Mas ele simplesmente não poderia deixa-la ali, de qualquer jeito, poderia acordar com o pescoço doendo. Sendo assim, com cuidado ele colocou a cabeça dela no braço do sofá a cobriu com seu cobertor, afastou seus cabelos do rosto e ficou olhando pra ela por um tempo, adormecida, completamente admirado por sua beleza genuína. Como se o tempo não tivesse passado e ela ainda fosse aquela garotinha ruivinha brincalhona de quem ela tanto falou.

≈≈≈

Alison acordou no domingo de manhã por volta das onze horas e viu através da janela da sala que o céu estava nublado.

Sentiu uma pontinha de decepção quando se viu no sofá da sala e completamente sozinha. Nenhum sinal de David. Apenas Gael ainda dormindo no chão aos seus pés e roncando baixinho.

David havia preparado café e comprado pãezinhos frescos. Deixou também um bilhete sobre a mesa para ela, dizendo que precisou dar uma saidinha para resolver umas coisas, mas que logo voltaria. Ela tomou banho, se trocou, tomou café da manhã, desceu para uma volta com Gael, deu uma passadinha rápida no apartamento de Margo mas ela estava bastante ocupada entretendo Tony que quase não saia de lá, assistiu um pouco de televisão e esperou. Esperou. E nada.

David só apareceu por volta das três e meia da tarde.

— Fui ter uma conversinha com o proprietário do meu loft e, bom, infelizmente não adiantou de nada. Vou ter que dar meu jeito. – ele foi se explicando ao tirar a jaqueta de couro. Ela nem precisou perguntar nada. Como se de alguma forma ele lhe devesse aquilo. — Dei uma passadinha também no meu trabalho, há muita coisa para serem feitas hoje. Que tal você vir comigo? Quer conhecer?

— Claro! – ela se animou. — Pensei que você iria manter esse segredo guardado por mais tempo. – ela riu. — O que devo vestir?

— Nada de mais. Um jeans, um tênis e um suéter facilitará muito.

Alison correu até o quarto e só precisou colocar seu velho All Star vermelho desbotado. Passou uma maquiagem leve e perfume. Olhou-se pela última vez no espelho: simples e básica. Pronto. Estava pronta.

Ela preferiu que ele dirigisse já que não saberia o caminho. David apesar de não ter um carro, sabia dirigir muito bem. Durante o caminho ele se manteve todo o tempo calado apenas com um sorrisinho infantil e ela também não fez perguntas imaginando o porquê de todo aquele mistério. Apenas o som do carro estava ligado.

Ele parou com o carro em frente a um prédio antigo, a fachada amarela, janelas e portas estilo colonial. Desceram do carro, ele na frente e ela atrás. Entrando no hall depararam-se com uma senhora negra com os cabelos amarrados em um alto rabo de cavalo, alta, magra e com óculos de grau de lentes grossas apoiados na ponta do nariz.

— Chegou tarde, David. – a mulher disse, com sua voz grossa. Aparentava ser bem mais velha do que realmente era. Parecia bastante exaustada. Dito isso, ela entregou a ela uma prancheta e uma caneta.

David assinou e em seguida ela lhe entregou uma pilha de papeis.

— Temos muito trabalho pra hoje. – ele disse, ainda com os olhos fixo nos papeis em mãos. — Vamos?

— Vamos.

David dirigiu por mais algumas avenidas até chegarem na primeira parada do dia: um asilo. Ao perceber, Alison pensou que teriam errado o caminho ou se perdido. Mas a verdade é que estavam certos, era ali mesmo. Um asilo para vovós e vovôs de idade, um asilo de classe baixa que necessitava urgentemente de ajuda.

Alison ficou de longe, paralisada, sem saber ao certo que fazer, tinha medo de cometer algum engano. Mas não tirava os olhos de David e o seguia por todos os lados. Enquanto isso, como se ela não estivesse ali, ele trabalhava rápido, com agilidade, sem pausas para descanso.

Em pouco tempo David ajudou na cozinha na preparação do café da tarde, ajudou na higiene pessoal de alguns velhinhos, ajudou aqueles que precisavam de auxílio para locomoção, na limpeza do local, sentou com eles na sala de estar enquanto tomavam chá e conversavam, jogaram baralho, deram risada, passaram o tempo e aqueles que era mais tímidos e reservados David os acompanhou até a sala de tevê, os ajeitou pelos sofás e poltronas e trocou o canal da tevê.

Ele fazia de tudo um pouco.

Desde ir pegar um copo com água a ajudar na hora do banho.

Alison ainda não sabia ao certo que dizer, estava impressionada demais para dizer qualquer coisa que fizesse sentido. Antes das cinco e meia, os dois foram a outro lugar. O segundo ponto de parada: um abrigo para cães e gatos abandonados.

David ajudou no banho e tosa dos mais necessitados, ajudou os veterinários com a medicação dos mais doentes, limpou os canis, trocou a água, carregou sacos pesados de ração, soltou alguns cachorros para correm no gramado e deu carinho e atenção aos gatos mais carentes.

— Você faz trabalho... Voluntário?? – ela perguntou por fim, quando ele finalmente parou. Os dois entraram no carro pela quarta vez no dia. O céu já ganhava suas primeiras estrelas e o ar estava ficando mais gelado agora. — E não ganha nada por isso?

— Só a satisfação em poder ajudar como eu posso. – disse ele, sorrindo de lado. — Eu trabalho em um Centro Voluntariado, no final do mês sempre acabo ganhando alguma coisinha. É muito pouco, mas dá para sobreviver. Eu nem preciso do dinheiro mesmo. Eu amo o que faço, e faço mais por amor do que por qualquer outra coisa.

— E seus pais não se orgulham... Disso? Dave, o que você faz é lindo! É incrível! A coisa mais emocionante que eu já presenciei. Seu trabalho vale mais que qualquer outro. Muito mais que ser um doutor, um engenheiro ou um grande advogado. E você não ganha nada por isso. Nada concreto, mas ganha valor interior. – ela começa a sorrir. — Dave, você não para um minuto! É sempre assim? Você não se cansa não?

— Fisicamente sim. Mas a retribuição ao ver uma criança sem pai ou mãe sorrindo, ou um cachorrinho machucado abandonado nas ruas abanando o rabinho, ou um velhinho dizendo que gostaria de poder ter um neto parecido comigo faz qualquer dor desaparecer.

Ela ficou olhando pra ele por um tempo, fascinada com cada gesto e cada palavra dele. Ele dirigia, atento a tudo. E ela, no banco do carona se perguntava mentalmente se ele era mesmo real.

— Por hoje chega. É um domingo à noite, amanhã você tem aula... Vou pegar leve com você. – ele soltou um riso, olhando pra ela com o canto do olho. — Está com fome? Vamos parar para comer alguma coisa!

≈≈≈

Em casa os dois sentados no sofá continuaram conversando enquanto Gael comia a sobra do jantar.

David contava a ela a sua experiência profissional que ganhou ao longo do tempo desde que tinha dezenove anos.

Ele nunca trabalhou com outra coisa.

Era disso que ele sobrevivia: trabalhos voluntários.

Além das inúmeras histórias que ele tinha para contar a seu respeito, de tudo que já viveu, aprendeu e por tudo que já passou.

— E dá para viver bem apenas com isso? – ela perguntou. — Você consegue pagar todas suas contas, comer e se manter?

— Mais ou menos. Na verdade, como eu já disse: eu não preciso e nem quero o dinheiro. Mas como não posso viver de brisa, eu acabei aceitando uma espécie de mesada dos meus pais após muita insistência. Todos os meses eles depositam uma quantia pequena na minha conta no banco. O dinheiro que me ajuda a pagar as contas, comprar roupas e comida, ou qualquer coisa que eu precise. E isso é tudo.

— E você pretende viver assim, tipo, pra sempre?

— Você não acha que pra sempre é muito tempo? – ele perguntou, sorridente. Tomando um gole do seu vinho, na taça. Vinho que ele dera de presente a ela na sexta-feira e que estava guardado na geladeira. — Eu não sou muito de pensar no futuro. Eu vivo hoje. O agora. Faço tudo que eu posso fazer, sem pensar muito no amanhã. É assim que eu vou levando, sem nunca ter a certeza de nada.

Alison gosta do jeitão despreocupado dele, chega a ser bastante charmoso e cativante. Interiormente ela se pergunta se algum dia conseguiria ser como ele, assim, sem dar tanta importância as coisas que se pensarmos bem não são tão importantes quanto as que ele se preocupa. Ela acredita que não. Não conseguiria. Não seria ela, Alison Harvey, se não desse tanta importância aos mínimos detalhes, sempre preocupada com tudo e todos. Até mesmo se suas flores – as que ele deu para ela – na cozinha estariam recebendo boa iluminação onde elas estão: sobre a mesa. Ou se no dia seguinte, ao acordar, ela precisaria troca-las de lugar, colocando-as mais perto da janela.

— Quer saber? Eu te admiro muito! De verdade. – ela se aproximou dela, tocando seu braço com carinho. — Admiro sua coragem para tomar suas próprias decisões sem se importar com o que vão dizer ou pensar. Admiro a sua coragem de pensar mais no próximo, em quem realmente precisa, acima de si mesmo. Isso é lindo, Dave.

Impulsionada pelo calor do momento, Alison se posicionou atrás dele, nem muito perto nem muito longe, e passou a massagear seus ombros largos vagarosamente, sentindo a tensão de seus músculos. Ele merecia relaxar, após a longa tarde de trabalho.

Ele suspirou de prazer, saciado. Fechou os olhos e ficou ali, calado, apenas sentindo as pequenas mãos delas tocando seus ombros. E mesmo através do tecido da camiseta ele podia sentir o calor de seus dedos.

— Isso é bom! – ele sussurrou. — Eu não me importaria nenhum pouco em receber algo assim todos os dias.

— Nem pensar! – ela riu. Pelo menos era boa em alguma coisa. — Não se acostume. Não é sempre que eu sou tão boazinha com alguém.

— Você é sempre boazinha, Ali. Eu não consigo imaginar você de outra forma. E eu gosto de você assim, vejo verdade em tudo que você faz. E não é sempre que encontramos pessoas assim. Na maioria das vezes as pessoas só fazem coisas esperando por algo em troca. Mas você não.


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Notas finais do capítulo

E ai, o que acharam dessas vidas diferentes que agora estão interligadas de alguma forma?