A noite em que Cal desaparecera da festa ainda estava em minha mente, mesmo dois dias depois daquilo. A polícia fez uma ronda no bairro e, sem nenhum resultado, aumentaram a zona de busca. Tinha passado por um interrogatório básico, assim como alguns dos jovens da festa. Foi algo difícil, pois Josh havia nos dito que Cal não estava bem, e por algum motivo, não comentado, omitimos essa parte para os policias a mando, forçado, de Robert. "Sangue escorrer pelo nariz" era algo que não soava muito bem, e algo que não havia sido comentado na história de Josh aos oficiais. Só nos sabiamos daquilo, até Paul prometera guardar isso para si. O que me preocupava era o fato de ele não se encontrar nem mesmo nos locais onde ficávamos juntos. No rio ou na floresta perto de sua casa... Ele havia sumido.

Fitei um dos cartazes de "Procura-se" que estava na parede enfrente a escada. Ele não gostava de fotos e havia sido chato convencê-lo a tirar aquela em seu último aniversário.

– Hey – disse Paul, ao meu lado – você não está comendo...

Eu passei a comer em qualquer lugar que não houvesse muita gente. Muita gente pensando A Amiga do Louco Fugitivo. Isso não me incomodaria muito se às vezes até Paul me falasse coisas idiotas em relação a Cal e começássemos uma discussão.

– Acho melhor você ir Paul, alguns dos seus amigos podem nos ver juntos e...

– Não são só "meus amigos" não é?

– Agora não...

– Sam – ouvi a voz de Josh e o olhei surgir na frente da escada – está... Ocupada?

Ele havia me visto aos amassos com Paul na festa, mesmo não tendo feito nenhum comentário eu sabia que provavelmente deveria estar se perguntando em como eu podia estar com Paul, logo um dos caras que meu melhor amigo detestava.

– Não – disse.

Paul saiu depois de me lançar um olhar de "ainda não terminamos" e Josh sentou-se onde ele estava. Preparei-me para o discurso "não confraternize com o inimigo"

– Sei que não nos falamos direito... Mas, você sabe que não vão procurar Cal por muito tempo. Ele não deixou nenhum rastro...

– Eles não podem desistir assim...

– Sim, podem. Nós que não podemos. E não vamos, Robert também não vai. E ele talvez saiba mais que nós.

Ele estava certo. Quando os oficiais cansassem de procurar, iriam fechar o caso ou algo assim, não sei quanto tempo até isso acontecer. E Cal tinha desaparecido sem deixar rastro. Como se tivesse sido apagado de onde estava e só deixado lembranças. Robert estava escondendo algo, isso eu sentia.

– Temos que falar com Robert.

– Sim.

– Depois que sair da escola vou direto a casa dele.

Josh assentiu. Depois disso comi meu almoço enquanto ele ficava ao meu lado. A camisa era um verde escuro, ele gostava de verde.

– Cal sabia?

Demorou um instante ate entender do que ele falava. Paul.

– Eu... Não. Eu ia falar... Mas Cal não tem que aprovar os caras com que saio. Ele é só meu amigo

– Então porque escondeu? Escondeu dele. Sabe que ele odeia Paul e seu grupinho, mas não é só isso.

Eu não iria ouvir aquilo.

– Vou falar com Robert. Depois te ligo.

Virei sem esperar respostas de Josh e desci a escada indo para a próxima aula. O Sr. Clark era o professor novo e bonitão que há semanas nos dava aulas. Ao passar pela porta da sala, lá estava ele.

– Samantha.

Assenti. Ele levantou-se da carteira e foi em minha direção parecendo preocupado, parando quando o sinal tocou e jovens começaram a entrar e ocupar seus lugares. Sentei-me rápido em uma carteira, tentando não contar os minutos intermináveis até o fim da aula. E assim com o restante das outras.

Enquanto saia quase correndo da escola, vi dois novatos no meio do corredor, já sem os gritos e barulho de jovens loucos. Um garoto, não muito alto, cabelos lisos castanhos. Não vi seu rosto, ele estava de frente a uma garota, um pouco mais baixa que eu. Ela tinha uma face dura, mas era linda, olhos azuis escuro, os cabelos longos, lisos e tão negros, davam um contraste a pele leitosa. Estavam falando algo, não escutei. Tentando bisbilhotar a conversa dos novatos? Passei direto e sai pela porta da entrada, descendo as escadas que levava ao pátil, entrei no carro e o dirigi até a casa-fazenda de Cal, preparando-me para falar com Robert.

Eu tinha que pegar uma estrada mega estranha para chegar lá. Mas nesse horário não era perigoso, o céu ainda esbanjava claridade e não era perto do crepúsculo. Estacionei e sai do carro andando até a varanda da casa de Cal. Sua bike vermelha estava ao lado de uma coluna, ele costumava pedalar na trilha da floresta. Parei quando lembrei que havia esquecido a bolsa no carro.

– Foda-se. – Dando de ombros, voltei a andar pela varanda. Quase batendo na porta, mas vozes de uma discussão pararam minha mão frente à porta.

– Eu o protegi! – dizia Robert – fiz o que pude, não podem me culpar!

– Fez o que pode – disse uma voz masculina, séria – mas o jovem ainda anda desaparecido. Transitando...

Transitando?

– Caleb é forte, irá passar pela transição...

– Tonturas, falta de ar, escorrer sangue – sangue!? – está ciente que isso são os menores dos problemas... Ele pode morrer. Ou melhor, ele não pode. Sabe que isso seria o fim de nossas esperanças. Talvez fim da guerra...

Morte. Cal pode morrer... Meu coração acelerou e me virei para sair da varanda, mas bati na bike de Cal, derrubando um vaso de plantas, vazio, no chão. Olhei para porta e voltei-me seguindo para o carro com uma dor física e outra provocada por medo e confusão. Tarde demais. Robert havia aberto a porta.

– Sam!

Virei-me, já na porta do carro, e fitei Robert. Ele sabia de muita coisa que não sabíamos e isso já havia se provado verdade. A única coisa que pensei em dizer, não sei a razão, foi:

– O que você fez com Cal? – minha voz saiu rouca a meus ouvidos.

– Eu só quero protegê-lo Sam.

– Samantha!

– Eu não o fiz mal algum. – Ele suspirou e vi seus olhos, ele havia chorado... – Quero levá-lo a seu destino. Mas antes, preciso achá-lo.

Não havia percebido, mas o homem – alto , ombros largos, moreno – já estava ao lado de Robert.

– Deixe-me ajudar. Quero procurar e encontrar Cal! – sei o quanto pareci infantil.

– Sam, Samantha, não pode se envolver nisso...

– Calma O4.3, pelo que vejo, essa humana – Robert e eu fitamos o moreno, seus olhos castanhos arderam ao me olhar – pode ser ligada.

Virando-me para olhar Robert, em seus olhos pude ver uma brecha de luz com um misto de temor.

– Ligada a Caleb – ele sussurrou.