The Amazing Spider-Man escrita por Leinad Ineger


Capítulo 35
Capitulo 35 - Equinócio


Notas iniciais do capítulo

Batman e Superman cara-a-cara com o Homem-Aranha, numa história que será um divisor de águas para o Herói Aracnídeo... E apenas mais um passo rumo a mais mudanças!



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A respiração do Homem-Aranha era profunda, desritmada, como uma bateria de músicos sem entrosamento. Ele estava descontrolado. A postura de combate, arcado sobre a própria coluna com os braços lançados para frente, deixava claro que ele estava pronto para qualquer coisa.

Até mesmo enfrentar Batman e Superman.

– Homem-Aranha, espere...

Antes que o Homem de Aço pudesse terminar a frase, o Aracnídeo não estava mais lá. Estavam acostumados a vê-lo como um piadista, um jovem espirituoso e bem intencionado. Mas o Superman jamais imaginou que, dado o seu nível de poder, talvez o Aracnídeo estivesse contendo sua força, suas capacidades. Sempre havia o medo de machucar alguém desnecessariamente, medo de que “a força proporcional à de uma aranha” causasse danos permanentes a um adversário.

Agora ele não tinha mais medo.

Era apenas uma sombra espreitando os Melhores do Mundo em um beco imundo de Nova York. Cercados pela sujeira, pelos ratos e pela escuridão, viram-se cercados por um homem só. Batman, contudo, estava preparado para qualquer eventualidade. E, por mais rápido que fosse, o Aranha não estava à altura do Kryptoniano.

– Dois segundos, Clark.
– Do que você...?

Batman acionou um dispositivo em seu cinto, gerando uma quantidade intensa de luz estroboscópica, no exato instante em que o Homem-Aranha tentava atacá-lo. O clarão foi suficiente para cegá-lo. Caído no chão, diante dos dois mais admiráveis membros da Liga da Justiça, as lágrimas turvando a visão e a máscara sufocante, perdido para sempre num mar de culpa, ressentimento e dor.

Arrancou a máscara, ainda curvado no chão, o peito arfando. Começou a vomitar, um efeito colateral de todo o nervoso que tinha passado combinado com a luz estroboscópica. As mãos tremiam, não estava em condições de lutar. Desejou estar morto, desejou jamais ter ganho seus poderes, jamais ter visto a luz do dia, jamais ter que fazer escolhas.

Ou viver com as conseqüências delas.

– Um soco... – cochichou Superman para o Batman.
– Você podia ter evitado – respondeu o Cavaleiro das Trevas.
– Desculpe. Fugiu aos meus sentidos aguçados. Homem-Aranha, ouça – disse, afastando-se do velho companheiro de LJA. – Não viemos aqui para lutar. Não viemos julgá-lo. Se você nos deixar...
– Eu fiz o que tinha de fazer!
– Mas já acabou, Aranha. Já acabou. Você salvou todos nós. Não precisa mais lutar, não precisa mais se sacrificar ou carregar essa culpa. Acabou. Ninguém está te condenando pelo que aconteceu, mas se o seu comportamento tiver qualquer coisa a ver com o que aconteceu... Nós estávamos lá. Nós entendemos, já fizemos nossos sacrifícios. E queremos ajudar.

A voz do Aranha se tornou um soluço.

– O que vocês sabem sobre sacrifícios? Vocês são tudo o que eu queria ser...
– Você é tudo que nós deveríamos ser, Aranha.

Aquelas palavras atingiram Peter como um soco bem dado, ainda que ele não tenha entendido exatamente porque elas soaram tão pesadas. Subitamente, ele se viu encarando seus erros, o pesado fardo de uma vida inteira dedicada às suas responsabilidades, e viu o quanto aquilo era demais para um homem só, demais para uma pessoa comum.

O que o tornava extraordinário não era o quanto ele conseguia carregar.

Mas o fato de que ele sempre seguia em frente quando tudo lhe era tomado.

– Já é hora de dividir esse peso com alguém, Peter.

Abraçou o Superman e chorou, como não fazia desde a morte do tio Ben, desde a morte de Gwen, desde que Norman Osborn colocou Flash Thompson no hospital, desde que enfrentara o Homem-Areia, desde o Carnificina, desde...

Desde que matara uma criança

Era hora do pesadelo terminar.

Enquanto isso:

– Cheguei tarde demais... Ele... Ele não está aqui... Eu nunca estive à altura do qu ele representa... Nunca fui como ele... Seria melhor se eu tivesse morrido quando... Eu não sei. Eu não sei quando! Toda a imitação que eu chamo de “vida” foi um completo desperdício, tudo não passou de uma mentira, eu fui usado, manipulado e tudo que consegui foi ficar à sombra dele. Uma sombra. É isso que eu sou. Eu não sou nada!
– Não devia pensar assim, garoto.
– Você!
– Sim. Eu, que te dei a vida. Eu, que a tomei. Eu, que pretendo restituí-la. Venha comigo, meu jovem. Temos muito que conversar.

A Caverna:

– Então é aqui que você mora?

O lugar era enorme. Enquanto voava em velocidade Mach-3 no jato do Cavaleiro das Trevas, o Homem-Aranha não teve tempo de prestar atenção na rota que tomaram. Até onde sabiam, podia estar em qualquer lugar da Costa Leste. Bom, era certo que estavam em Gotham City. Era a cidade do Batman. Mas a gigantesca caverna o deixou com a impressão que, por um de seus túneis, seria possível chegar a qualquer ponto da América. Estava aturdido. Jamais imaginou que um dia entraria ali, ao lado do dono do lugar e do Superman. A viagem foi curta, mas sua mente divagou entre todas as recentes escolhas que fizera em sua vida e tudo que sua vida poderia se tornar dali por diante.

A menos que...

– Vocês me trouxeram aqui pra me matar?
– Não seja ridículo.
– Desculpe. Senhor.
– Batman, vamos pegar leve. Ok? Ele nem sabe onde está.
– Sim, onde estou?
– Eu moro aqui, Peter. Você já deve ter ouvido alguém falar sobre a “batcaverna”. Minha casa. Fique à vontade.

Uma sala de troféus comparável à da Torre de Vigilância da Liga na Lua, uniformes do Batman e um do Robin, dezenas de modelos do Batmóvel, um dinossauro, uma moeda gigantesca e um computador que parecia vivo. Isso contando apenas a informação que seus olhos eram capazes de processar.

Muita coisa, ele não fazia idéia do que era.

– Nós queremos conversar, Peter. Sente-se.

Aquele lugar já devia ter sido usado para diversas reuniões. Muitas vezes, os destinos da humanidade ficaram nas mãos daqueles dois homens e de seus aliados. Batman e Superman. E agora, Peter Parker estava prestes a ter uma longa conversa com eles.

Porque fora convocado.

Porque eles queriam falar sobre os últimos meses, sobre tudo que acontecera na vida do Homem-Aranha. Queriam cobrar algo dele. Algo que ele não estava certo se seria capaz de oferecer.

– Sim – começou o Batman. – Nós sabemos quem você é. Nós sabemos como tudo começou pra você. Quase tudo. Sabemos sobre seu tio Ben. Sabemos sobre Gwen Stacy. E sobre cada outra pessoa que passou pela sua vida e foi ferida, ou morta, porque você é o Homem-Aranha.
– Essas são as boas notícias – continuou Superman. – As más notícias têm a ver com os últimos meses. Você sempre pareceu capaz de superar as perdas. Superar a dor. Continuar fazendo as escolhas certas, combatendo o bom combate. Até que começaram a aparecer notícias de um Homem-Aranha ultra-violento, um vigilante inconseqüente que mandava criminosos para o hospital após o que pareciam gestos de mais pura crueldade. O uniforme negro. Vários indícios de que você não está bem. De que você está agindo fora de suas características, não está sendo você mesmo.

Era difícil prestar atenção em qualquer outra coisa quando o Superman falava. Seu carisma, sua liderança natural, faziam dele um mito. Um ícone vivo.

E ele era apenas Peter Parker.

– Peter... O que aconteceu?

Manhattan:

– Mary Jane, você está me ouvindo?
– O que!? Ah! Desculpe, John.

Mary Jane achava John Jameson um sujeito encantador, mas simplesmente não conseguia prestar um pingo de atenção nele. Não que houvesse algo de errado em conversar com um astronauta bonito, inteligente e muito charmoso.

O problema era com ela.

O tumulto no centro¹ havia terminado e John passou por lá para levá-la a um restaurante chinês muito conhecido. Mas ele passou meses convidando-a para sair, levando-a para as melhores festas, os melhores restaurantes, eventos sociais... Tudo. Fazia de tudo para agradá-la, para conseguir a atenção dela, mas Mary Jane parecia estar sempre com a cabeça em outro lugar.

E, para ser franco, John estava começando a se sentir cansado de mendigar por afeto.

– Desculpe, mesmo...
– Tudo bem, eu já me acostumei.
– John, também não precisa...
– Realmente. Eu não preciso disso. Eu sei que você teve um casamento tumultuado, uma separação difícil. Mas estou tentando de tudo pras coisas darem certo entre a gente. O problema é que você, simplesmente, não se decide. Você não sabe o que quer. Nunca recusa um convite meu pra sair, mas é como se não estivesse aqui. O seu corpo passa pela porta e a cabeça fica dentro daquele apartamento e, seu coração, sabe Deus onde. Eu gosto de você, MJ. Gosto da sua companhia. É tão difícil assim de entender isso? Eu acho que não. Acho que você já percebeu, acho que já deixei bem claras as minhas intenções. Até quando você vai ficar presa ao passado, a um casamento que não deu certo? Quando você vai seguir em frente e simplesmente aceitar que a vida é assim? Você não é única. Eu conheço um monte de gente que já passou por isso, que já sofreu por amor, que investiu tudo em um relacionamento apenas pra ver as coisas desmoronarem ao seu redor. Já vi gente à beira do suicídio por causa de um amor perdido. E sabe o que aconteceu com elas? Nada. Absolutamente nada. Seguiram em frente. Porque o mundo continuou girando, o sol continuou nascendo todas as manhãs, indiferente ao seu sofrimento. Porque a vida não pára. É a maneira do mundo nos dizer que nós também não devemos parar. Devemos continuar vivendo. E, Mary Jane, sejamos sinceros... Eu já estou cansado disso e preciso continuar vivendo. Você não?

O silêncio dela, o olhar distante, foram muito mais uma resposta do que qualquer palavra. John se levantou, sem dizer uma palavra, e foi embora, deixando uma pensativa Mary Jane Watson para trás.

– John... Me desculpe...

A Caverna:

Fez-se um longo silêncio, uma pausa daquelas que deixavam algumas respostas no ar... e uma série totalmente nova de perguntas. Não fazia sentido usar a máscara ali. Diante do Batman e do Superman, ele era apenas Peter Parker. Sentiu como se estivesse insistindo em uma mentira com todos ao seu redor sabendo qual era a verdade. Não podia mais mentir. Não para eles.

– Vocês... Vocês sabem mais ao meu respeito do que eu gostaria. E acho que sabem mais do que admitem.
– Sabemos que você é péssimo em preservar sua identidade. É um milagre que a imprensa ou a polícia ainda não tenham descoberto.
– Eu sei, Batman – lamentou, olhando para a máscara em suas mãos. – É que... No fundo, eu me sinto seguro usando a máscara. Com a idéia de que ninguém sabe quem eu sou. Poder falar livremente, agir livremente, sem me preocupar com as conseqüências. A máscara é... libertadora.
– E também é um grilhão – respondeu o Superman.
– Fácil pra você falar. Não usa nenhuma. Como consegue preservar a sua identidade?
– Sendo discreto.
– Tá me zoando?
– Não. Eu não me exponho desnecessariamente. Achamos que, trabalhando na polícia, você vai conseguir entender o que isso significa. Longe do Clarim Diário, daquela coisa de tirar fotos de você mesmo para ser difamado em um jornal de grande circulação. Não foi sua melhor idéia, foi?
– Eu acho que nunca tive uma boa idéia...
– Seus lançadores de teia são bastante engenhosos.
– Eu não tenho mais lançadores – respondeu o Aranha, tirando as luvas e arregaçando as mangas. – Algum tempo atrás, o Camaleão tentou matar o Secretário Geral da ONU. Eu e a Mulher-Aranha estávamos tentando impedí-lo, até que ela achou que eu fosse o Camaleão. E disparou suas rajadas bioelétricas nos meus pulsos, estourando os lançadores me envenenando. Eis o resultado:

Peter disparou duas teias no dinossauro gigante da caverna. Ele ainda deixava as mãos na postura que estava acostumado com os lançadores mecânicos, era um hábito. Mas não dependia da posição dos dedos para lançar as teias, que pareciam mais fortes e mais viscosas que as antigas.

– Impressionante – disse o Superman.
– Algum efeito colateral? – perguntou o Batman.
– Não que eu saiba. Bom... Eu tive uns enjôos... Eu tenho úlcera, sabe? Às vezes tenho náuseas, sinto muita dor. Andei passando por muita coisa e depois do... depois disso, tive uns enjôos, vomitei pra caramba. Mas agora não sinto mais nada.
– Quem examinou você?
– ...
– ...
– ...
– Ninguém examinou você...
– Eu achei que não precisava.
– Ok. De repente, você aparece com, sei lá, seis braços. E acha que nem precisa ir no médico, é só usar roupas mais largas. Certo?
– Ei, em que médico eu ia confiar!?
– Reed Richards, pra começo de conversa. Hank McCoy. Curt Connors. Stephen Strange. Dr Meia-Noite...
– Ele é cego.
– E você é inconseqüente.
– Bruce...
– Não, tudo bem. Ele tem razão. É que... Eu não sei em quem confiar quando essas coisas acontecem. Eu...
– Você se isola e acha que não dá pra confiar nas pessoas? Como espera que elas confiem em você?
– Maus hábitos...
– Sem dúvida. Estique o braço. Vou colher uma amostra do seu sangue.
– Você?
– Eu tenho um laboratório bastante avançado aqui. E meu pai era médico.
– O Batman pode ser um pouco grosseiro, mas eu colocaria minha vida nas mãos dele, Peter.
– Você já fez isso.
– E não me arrependi. Algo mais que a gente deva saber sobre suas novas teias orgânicas? Uma alteração biológica dessa natureza pode ter afetado toda sua fisiologia.
– Bom, é só o que eu sei.
– Atividade sexual? – perguntou o Batman.
– Não estou namorando.
– Não foi o que perguntei. Enquanto eu não tiver uma análise completa do seu sangue, você pode ter arriscado a vida de outra pessoa fazendo sexo.
– ...
– E então?
– Teve a Gata Negra.
– A ladra?
– Ela mesma.
– Ora – interrompeu o Superman. – Vocês dois se envolveram com ladras que se vestem como gatas? Têm muito mais em comum do que eu poderia supor!
– Você precisa conversar com ela a respeito, Peter.
– Eu... Eu vou procurá-la. As coisas estão... meio tensas entre a gente.
– Claro. Quando você não está com a super-modelo que faz parte das fantasias de metade dos homens, está com a ladra que faz parte do fetiche da outra metade.
– Isso não é justo...
– O mundo não é justo. A menos que o forcemos a isso.
– Não é disso que estou falando! Vocês sabem tudo a meu respeito! Sabem quem eu sou, onde moro, com quem eu vou pra cama e, daqui a pouco, vão saber até meu tipo sangüíneo! Vocês me chamaram aqui pra “conversar”, mas como esperam que eu me abra com gente que eu mal conheço, quando eu não consigo falar a respeito nem com minha tia?!

Batman e Superman lançaram um sorriso um para o outro. Peter continuou olhando para eles, sem entender onde eles queriam chegar. A presença deles era intimidadora. O fato de eles saberem tanto a seu respeito, contudo, era aterrorizante.

– Ok, Peter. Você venceu.
– Vamos contar.
– Contar o quê?
– A verdade. E a verdade o libertará.
– Do que você...?

Batman retirou seu capuz, voltando a tomar lugar à mesa.

– Meu nome é Bruce Wayne. Acredito que você já tenha ouvido a meu respeito. Meus pais foram assassinados por um marginal quando eu era criança. Isso fez de mim o que eu sou hoje.

Em Nova York:

– Alguém viu Peter Parker?
– Pela última vez, Mari... Não!

Peter não tinha voltado para a delegacia. Alguma coisa estava muito, muito esquisita. O Dr Eisner, chefe da equipe de peritos, ainda estava prestando depoimento. Sam Stacy e Michael Moran continuavam ocupados com seus afazeres. Aquele tinha sido um dia muito tumultuado, com o ataque de Mysterio, a aparição do Homem-Aranha e do Grande Máquina. Mas Marianne Potter não conseguia deixar de pensar em como tudo aquilo parecias estar interligado. Como um quebra-cabeças muito grande, que precisasse apenas de uma peça para ser completado e fazer sentido. Peter Parker tinha sido casado com uma das modelos mais conhecidas do país e agora ele era simplesmente um cientista forense. Quem era ele, afinal? Que tipo de pessoa é levada a fazer esse tipo de escolha?

E por que Mari não parecia se importar com mais nada que não tivesse relação com Peter?

– Hora de ir embora, Mari.
– O que... Ah! Dr Eisner!
– Terminei com o meu depoimento e teremos muito trabalho amanhã. Melhor tirarmos o resto do dia de folga, que tal?
– Eu... Eu estava pensando no Peter. Peter Parker, senhor. Ele não voltou com a gente.
– Entendo. Peter é um bom rapaz. Ele estará aqui amanhã. E você estará mais concentrada no trabalho. Ok?
– Sim, senhor.

Aquela era a maneira paternal do Legista-Chefe dizer que tinham coisas mais importantes pra se preocupar do que os devaneios de uma jovem apaixonada.

A palavra veio à cabeça de Mari pela segunda vez no dia.

“Apaixonada”.

Mal o conhecia. Ele era apenas um colega de trabalho tímido e retraído, cheio de segredos e mistérios. Um homem complicado, com uma vida estranha. Nada daquilo fazia sentido, não parecia estar sendo ela mesma enquanto se deixava levar pelos pensamentos.

Podia lidar com um amor platônico, podia aceitar não ser correspondida.

Mas era uma detetive da polícia. Das boas.

Não ia aceitar um mistério que não pudesse resolver.

De volta à Caverna:

Perplexo diante daquela revelação, Peter não notou o Superman colocando um par de óculos até que ele começou a falar:

– Nós já fomos apresentados. Meu nome é Clark Kent. Quando minha nave chegou à Terra, vinda de Krypton, fui encontrado por um casal no Kansas. Fui criado pelos Kent até me mudar para Metrópolis, quando me tornei o Superman.

O Homem-Aranha ainda passou longos segundos em silêncio, tentando assimilar aquela revelação. Dois dos maiores heróis do mundo, dois ícones que serviram de inspiração para ele e muitos outros, acabavam de revelar seus maiores segredos. Isso elevava o termo “confiança” a um patamar completamente novo.

– Eu... Eu não sabia...
– Ainda bem! – disse Clark sorrindo, enquanto tirava os óculos novamente.
– Isso vai deixar você mais à vontade? Não é truque. Não é uma brincadeira. Estamos dispostos a oferecer nossa confiança para que você também confie em nós.
– Eu... Eu não sei o que dizer...
– Diga o que queremos saber, Peter. Confie em nós. Conte-nos o que aconteceu.

Ele respirou fundo e fez um longo desabafo, que ia desde seus primeiros dias como o Homem-Aranha até os eventos daquele dia. Falou sobre a morte do tio Ben e os esforços para ajudar a tia May. Falou sobre o colegial, a faculdade e sobre os empregos. Falou sobre cada uma das vezes que enfrentou Norman Osborn, o Duende Verde. Sobre como o canalha o fizera acreditar que sua vida não lhe pertencia, que sua tia havia morrido, a morte de Gwen Stacy e seu improvável retorno, tentando trazer Harry de volta à vida e colocando seu amigo Flash Thompson no hospital.

Também falou sobre seus problemas com Mary Jane e a Gata Negra, mencionou – de maneira quase acidental – uma colega de trabalho chamada Marianne Potter, mas não se esqueceu de dizer o quanto Gwen ainda significava pra ele.

Falou sobre os últimos meses, o 11 de setembro, a proposta de Neron, um menino chamado Raphael Meheshin, o Vigilante, o Carnificina, o Justiceiro, o Homem-Areia, o Camaleão, Dr Octopus, a traição de Semeghini, a Liga da Justiça e o confronto na Lua...²

Havia coisas boas, também. Havia o emprego novo, o distanciamento do passado. Como tudo aquilo o levara a usar o uniforme negro novamente, a violência que vinha empregando contra os criminosos. Não era mais um garoto de quinze anos aprendendo a lidar com seus poderes. Muito tempo já tinha se passado. E não havia fórmula mágica que pudesse fazer as coisas voltarem atrás. Tinha que seguir em frente e conviver com o peso de suas escolhas, com a responsabilidade que seus poderes traziam, com um mundo que, de repente, havia se tornado grande demais para o pequeno Homem-Aranha.

E para Peter Parker.

Superman e Batman o ouviram, pacientemente, sem interromper. Por horas. Muito daquilo, eles já sabiam. O que eles não sabiam era o elemento humano. Era como Peter Parker reagia diante de tudo aquilo. Como a psiquê de uma pessoa podia ser abalada pelo inferno que sua vida se tornara. Não há psicoterapia nesse ramo de atividade. Não há “ajuda especializada” a quem recorrer.

Nessas horas, a única coisa que importa é saber quem são seus amigos.

– E... Acho que é isso. Eu sei que vocês devem estar me vendo como um criminoso, agora. Mas é difícil continuar lutando da mesma maneira quando...
– Nós entendemos, Aranha – interrompeu o Superman. – Perfeitamente. Eu e Batman nos conhecemos há anos e muitas pessoas nos vêem como modelos, como referência. Mas diversas vezes eu precisei contar com ele para me impedir de tomar uma decisão errada. E vice-versa.
– O que Clark está tentando dizer é que não podemos seguir em frente nessa vida sozinhos. Todos me vêem como o “vigilante solitário”, mas até onde eu teria ido sem Robin, sem a Batgirl, sem a Liga...? Sem pessoas como Clark e Diana? Não se iluda. Todos nós estivemos muito próximos de tomar uma decisão errada, mais de uma vez.
– Mesmo assim, vocês não matam.
– Porque você não deixou.
– Como é?!
– Eu teria matado o bebê, Aranha – respondeu Superman. – O que esperava que eu fizesse? Não foi por isso que você o tomou de mim? Para impedir que eu o matasse? Era exatamente o que eu faria.
– Mas você é o Superman! Você é o maior herói do mundo!
– Exato, Aranha – cortou Batman. – E o que define um herói? Acha que o Capitão América não matou ninguém durante a Segunda Guerra? Ele apenas não foi leviano. Mas teve que fazer escolhas difíceis e é exatamente isso que deveria definir um herói. Alguém que faz escolhas difíceis quando ninguém mais pode, quando ninguém mais tem coragem. O que Clark e eu fazemos é lutar para que ninguém morra e, principalmente, para que ninguém mate, até que um dia não sejamos mais necessários. Ele já salvou as vidas de Lex Luthor, Brainiac e Zod mais vezes do que salvou a própria esposa. Já me jogaram na cara que, se eu tivesse matado o Coringa anos atrás, o segundo Robin ainda estaria vivo e a Batgirl não estaria numa cadeira de rodas. São as minhas escolhas. São as escolhas do Clark. As decisões que ninguém mais teria coragem de tomar: não matar. Salvar vidas, sem olhar de quem. E viver com as conseqüências. Ele teria matado aquele bebê na Lua, sim. Era a escolha dele. Não importa o que ele tenha feito no final, ou que você o tenha interrompido, ele escolheu matar aquela criança porque era a coisa certa a ser feita e nem eu teria coragem de tomar essa decisão no lugar dele ³.
– Eu não sou como vocês...
– Então torne-se como nós.
– Eu não sei o que fazer!
– Seja um herói! Tome uma decisão que ninguém mais seria capaz, faça o que é mais difícil e lute, não se entregue à dor ou ao desespero! Eu treinei três Robins, ajudei muita gente a não cair em desgraça, porque eu sei o quanto é tentador se entregar à auto-piedade. Mas, se você fizer isso, o Homem-Aranha estará acabado! Você se tornará alguém completamente diferente, um monstro como os que você enfrenta! Ninguém nunca se deu conta do óbvio, Peter, nem você, mas quando Clark ou eu temos dúvidas sobre o que fazemos, a gente logo pensa: “se o Homem-Aranha consegue...” Nós ficamos orgulhosos de saber que somos uma inspiração pra você, mas eu tenho muito apoio em Gotham e o Clark é idolatrado no mundo inteiro! Mas você... Você já viu entes queridos morrerem, pessoas que amava serem feridas, sua alma-gêmea foi covardemente assassinada por um maníaco e, apesar de tudo isso, você ainda era o cara que fazia piadas na Torre de Vigilância. Quando eu e Clark não sabemos o que fazer, é de você que lembramos. Por que alguém que perdeu tanto continua lutando, Peter?

Porque você escolheu!

Silêncio.

Apesar de firme em suas palavras, Batman não tinha se exaltado. Ele estava plenamente convicto do que dizia, há muito tempo. Ele e Superman sempre souberam. O Homem-Aranha representava o que eles tinham de melhor. O equilíbrio perfeito entre o vigilante das ruas e o herói na ribalta.

Ele estava entre os Melhores do Mundo e não sabia o que dizer.

Estava aliviado por desabafar com alguém, por finalmente poder contar coisas que ninguém mais sabia, que não dera a ninguém a chance de descobrir. Tirou um peso enorme dos outros. Mas as palavras do Batman tiraram outro. De repente, não se via mais como um assassino. Não se via como um monstro.

Aquela era uma das poucas situações na vida em que se sentiu parte de algo maior, mais importante, melhor. Algo que exigia mais dele. Mais responsabilidade, mais pulso. E não mãos de ferro.

Olhou para seu uniforme negro, a máscara e as luvas sobre a mesa, o símbolo em seu peito, e teve a sensação de que tudo aquilo era muito inapropriado.

– Este... Este não sou eu...
– Aquela sala é um vestiário. Há um uniforme ali.
– De Robin?
– De Homem-Aranha.
– Eu queria ser o Robin...
– Vá!

Peter caminhou, meio desorientado, com vontade de rir às gargalhadas. Estava melhor. Muito melhor, as coisas finalmente pareciam estar dando certo. E estava tirando sarro do Batman, vejam só.

– Belas palavras, Batman.
– Obrigado.
– Você leva jeito com os jovens.
– Ele não é mais tão jovem assim.
– Não desconverse. Devíamos fazer isso mais vezes. A gente se saiu bem. O Cavaleiro das Trevas e...
– ... e o maldito Superman.
– ...
– ...
– Bicho, isso magoa.

Fim de noite em Nova York:

– Alô, é da casa de Peter Parker? – Sim, quem é?– Meu nome é Marianne Potter, eu trabalho com ele e... queria... falar com ele. Ele está?
– Não, querida. Ele não voltou do trabalho. Mas você não trabalha com ele?
– Nem sempre nos vemos aqui. Muito agitado. A senhora deve ser a tia dele...
– Sim, e ele já me falou de você também...
– Já!? O que ele... Quer dizer... Ah, legal.
– Não se preocupe, querida. Ele disse coisas boas. Seja paciente, sim? Boa noite.

Mari desligou o telefone tentando entender exatamente o que esperava conseguir ligando para a casa de Peter... Mas a tia disse que ele tinha ido trabalhar e ainda não voltara. Era quase meia-noite... Onde Peter poderia estar a uma hora daquelas?

Seja paciente, sim?

O que ela quis dizer com isso?

Despedidas

– Eu... Obrigado.
– Lembre-se, Peter. Você não está sozinho.
– Eu sei. Estou consciente disso, acho que pela primeira vez na vida. Vocês... Putz, acho que vocês me salvaram, sei lá.

Peter abraçou Superman, emocionado. Quando se voltou para o Batman, foi interrompido:

– Nem pense nisso.
– Obrigado. Quer dizer, desculpa.
– Tudo bem.
– Como faço pra ir embora?
– Tubo de teleporte. Vai te deixar em uma antiga embaixada da Liga em Nova York. De lá, fica fácil pra você.
– Certo. Eu... Obrigado.

Por um momento, Bruce pareceu amolecer, reconhecendo em Peter alguém muito próximo a Dick, Jason ou Todd. Muito próximo a um filho. Mais do que isso, tinha muito dele em Peter. Talvez o Homem-Aranha fosse uma versão melhor do Batman, sem a fúria, sem a obsessão, sem... as trevas. As tragédias de Bruce Wayne não eram maiores que as de Peter Parker, mas ainda assim aquele rapaz tinha chance de levar uma vida normal, em um mundo onde Homem-Aranha, Batman ou mesmo Superman não fosse necessários.

Para Bruce Wayne, essa opção já havia sido há muito descartada. Não conhecia nenhuma outra vida.

E não ia permitir que um dos jovens mais brilhantes que já conhecera desperdiçasse isso.

– Abraço?
– Não exagere, Peter.
– Desculpe. Bom, eu... Acho que “até a próxima aventura”, né?

Ele se dirigiu até o tubo de teleporte já sabendo que aquele era o tipo de segunda chance que não podia desperdiçar. Contava com o voto de confiança de dois ícones, os Melhores do Mundo. Faria de tudo para não decepcioná-los. Eles lhe confiaram suas identidades secretas, sua amizade. Agora era com ele.

Estava com uma garota na cabeça e tinha uma importante decisão a tomar.

Resolveu se balançar até em casa, quando viu o Shocker fugindo da polícia. Estava de volta ao seu uniforme azul e vermelho, cheio de confiança e energia, sentindo-se melhor do que nunca.

Aquilo devia ser um sinal.

Era um novo dia para o Homem-Aranha.


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Notas finais do capítulo

A seguir: Joe Luto



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