The Amazing Spider-Man escrita por Leinad Ineger


Capítulo 36
Capitulo 36 - Pródigo


Notas iniciais do capítulo

Mary Jane! Flash Thompson! E a estréia de Joe Luto, um vilão com uma sombria ligação com o passado de Peter Parker! O que seu retorno significa para o Homem-Aranha? E de que lado ele está desta vez?!



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Segunda-feira.

Ao contrário do que dizem, Peter Parker não considera a segunda-feira um dia pior que os outros. Na verdade, ele está até gostando. Acorda ansioso, pronto para mais um dia de trabalho, coisa que ele não sentia há...

Bom, talvez nunca tenha sentido.

Era uma sensação boa, de estar rejuvenescido, revigorado. Como se estivesse pronto para encarar qualquer coisa. Pronto para a vida.
Pronto para viver novamente.

– Bom dia, tia May.
– Bom dia, Peter. Já está de saída?
– É, quero aproveitar pra estudar um pouco os manuais do laboratório antes do expediente começar.
– Que bom ver você animado assim, Peter. Acho que você não fica tão empolgado com o trabalho desde...
– É, pensei a mesma coisa. Acho que nunca gostei tanto assim do meu trabalho.
– Estou orgulhosa de você. E aquela garota, Marianne? Quando eu vou conhecer?
– Quer que eu marque um encontro pra vocês duas?
– Bobinho. Você ligou pra ela?
– Esqueci...
– Ela vai pensar que eu não te dei o recado. ¹
– Não se preocupe, tia. Vou explicar direitinho pra ela o que aconteceu. E hoje o Flash vai sair do hospital, quero passar no apartamento dele pra ver como ele está.
– Ah, finalmente! Espero que ele esteja melhor.
– Da última vez que liguei, ele já estava paquerando as enfermeiras, então ele está melhor sim. Ainda não entendi direito como foi o acidente, mas o importante é que ele está melhor.
– Dê lembranças minhas a ele, sim?

May sentou-se de ao lado do sobrinho, servindo-se de uma xícara de café.

– Não sei o que aconteceu sexta-feira, porque você demorou tanto pra chegar em casa, mas deve ter sido algo muito bom.
– Encontrei uns... amigos. Eles me disseram algumas coisas muito legais sobre a maneira como eu estava vendo a vida, e sobre como eu deveria estar vivendo. Eu estava muito deprimido, muito chateado com algumas coisas. Com muita raiva. E estava esquecendo de prestar atenção nas coisas boas que eu tenho, em como minha vida tem melhorado ultimamente e no bem que eu posso fazer. Acho que o pior já passou. A vida não é perfeita, mas não consigo imaginar as coisas ficando tão ruins de novo.
– O segredo, Peter, é que “isso também vai passar”.
– O que!? May Parker virou uma pessimista? – perguntou Peter, rindo.
– Não, não é isso – a senhora respondeu calmamente, após dar um longo gole em seu café. – Mas você já teve fases muito boas e outras nem tanto na vida. Como qualquer pessoa. Ouça: um rei, muito rico e feliz, com uma família numerosa, começou a perder tudo. A esposa morreu, os filhos foram assassinados, a fortuna foi roubada, o reino lhe foi tirado... Mesmo assim, ele procurou não se entregar ao desespero. Não desistir de acreditar em algo bom, algo maior do que ele. E começou a trabalhar, trabalhar, até que voltou a ser rei, recuperou sua fortuna, construiu uma família tão feliz e numerosa como a que ele tinha antes. E ele ficou pensando nesses reveses, nas viradas que a vida dá. Ele foi consultar um sábio e pediu algo para ele nunca esquecer da lição que tinha aprendido. O sábio mandou forjar para o rei um anel, onde estava escrito “isso também vai passar”. Então, não importando quão bom, ou quão ruim era o momento, o rei precisava ter consciência de que, tudo nessa vida, é passageiro, é efêmero. O que nos resta é o caráter. Se ele não perdesse suas virtudes, estaria preparado para manter a humildade enquanto fosse rei e não perder a esperança enquanto fosse mendigo. Entende o que quero dizer?
– Melhor do que gostaria, tia. Não queria que esse bom momento acabasse.
– Nem eu. Mas você precisa estar preparado para, se sofrer alguma derrota na vida, não se entregar ao desespero. Não perder suas virtudes. Continuar lutando pelo que é certo. Você pode ajudar muitas pessoas agora com seu trabalho. Está se esforçando, está tirando o melhor disso. Eu tenho certeza que seu tio Ben ficaria orgulhoso de você...
– Mas...
– ...mas você precisa tomar algumas decisões que já está adiando há tempo demais, não é mesmo?
– Odeio quando você tem razão.
– Não, você odeia quando eu não te dou razão.
– Isso também. Bom, tenho que ir. Obrigado pelo café, tia.

Peter não estava fugindo do assunto. Na verdade, ele já tinha conversado com a tia May sobre a decisão que precisava tomar. O problema é que, na teoria, tudo funcionava muito bem. Mas, na prática, morria de medo de encarar o que o futuro lhe aguardava.

Pegou o celular e ligou para Mary Jane.

Enquanto isso:

– Lá vem ela.
– Corra!

Sam Stacy e Mike Moran saíram rapidamente do laboratório quando Mari Potter chegou. Não que tivessem algum problema com a colega, pelo contrário. Mas não iam agüentar começar a semana perguntando por Peter novamente.

Mari já estava achando graça do comportamento dos dois, mas eles tinham razão. Ela ia perguntar por Peter. Sabia que precisava tirá-lo da cabeça, ele era um cara muito legal, mas difícil de alcançar. Bonito, inteligente, solteiro...

E foi casado com uma modelo irresistível.

Sentou-se em frente ao seu terminal de computador começar a trabalhar. Abriu uma pasta chamada “pparker” e começou a visualizar os arquivos.

Era um log de registro das atividades de Peter.

Sim, estava espionando o colega. Sim, era errado. Mas tinha algo de misterioso nele que era absolutamente irresistível para uma detetive como Mari. Tinha registros do site que ele visitava, arquivos que ele abria, casos em que ele trabalhava... E um pequeno arquivo .txt em que anotou algumas atividades estranhas do colega, com data e suas impressões pessoais. Tudo protegido por senha.

A senha? Era “aranha”.

– Bom dia, Mari.

Era Peter. Fechou o arquivo com um movimento imperceptível e cumprimentou o colega de maneira amistosa.

Mas ainda ficava um pouco nervosa na presença dele.

– Tudo bom, Peter?
– Tudo, eu... Eu recebi seu recado, mas o corrido de semana foi meio final. Não! Eu quis dizer, o final de semana foi meio corrido.

Ora, ele também fica nervoso, divertiu-se Mari.

– Ah, tudo bem. Não era nada importante.
– Ah, tá.
– Então...
– Poizé.
– É, fica assim.
– Isso aí.

Peter deu as costas e já estava voltando para sua mesa. Parou por um segundo. Pensou por dois. Quando se virou, trombou com Mari.

– Oops!
– Desculpa, Mari!
– Não, a culpa foi minha...
– Eu...

Estavam perto o suficiente para notar que a respiração se alterou, a sala ficou mais quente e estavam diante de uma oportunidade que não podiam deixar passar.

– Almoça comigo? – perguntou Mari.
– Justamente o que eu ia te perguntar...
– Quando?
– Meio-dia, ué.
– Não... Quando você ia me perguntar?
– Agora...
– Por isso estava gaguejando?

Peter pensou em dar uma resposta séria, mas quando viu o sorriso de Mari achou inoportuno. Pensou em uma resposta espirituosa, mas quando viu o brilho nos olhos dela, não conseguiu pensar em mais nada.

– E...?
Combinado!
– Não precisa gritar, Peter...
– Foi mal.
– Ok.
– Então...
– A gente precisa trabalhar...
– Ah, é. Então, até mais.
– Até.

Encantador, pensou ela, tentando segurar o sorriso e a vontade de gritar pra todo mundo que tinha conseguido. As horas iam se arrastar até que finalmente fossem almoçar.

Minutos depois, o Dr Eisner entrou na sala. Estava bem, apesar do stress que passara na sexta-feira, quando foi seqüestrado (junto com treze andares do edifício Empire State) por Mysterio, sendo salvo graças aos esforços combinados do Homem-Aranha e do Grande Máquina. ²

– Bom dia a todos. Peter, como está?
– Bem, obrigado. E o senhor?
– Pronto para o trabalho. Quero todo mundo na minha sala.

Só então Peter encontrou Moran e Stacy, que ficaram escondidos o tempo todo no laboratório, espionando a conversa que ele teve com Mari. Mas não tiveram tempo pra fazer nenhuma piada com o colega novato:

– Quero agradecer pelo apoio de vocês na crise de sexta-feira. Eu realmente detesto quando esses malucos resolvem aterrorizar a cidade. Felizmente, o Aranha e o tal Grande Máquina os prenderam, eu estou bem, passei um final de semana tranqüilo com minha família, então está tudo bem. O que eu preciso agora é que todas as evidências que vocês coletaram sobre o ocorrido na sexta me sejam entregues, pois eu preciso apresentar tudo na Unidade de Crimes Especiais. Infelizmente, saiu de nossa jurisdição.
– Mas por que, chefe? – perguntou Stacy. – O Mysterio já foi preso, só precisamos reunir as evidências contra ele.
– Dois motivos. O primeiro, com o qual eu não concordo, é que qualquer crime envolvendo fantasiados passa a ser jurisdição da Unidade de Crimes Especiais. Nós poderíamos trabalhar com eles, mas são ordens de cima. Nem eu, nem os responsáveis pela UCE têm controle sobre isso. O segundo motivo, que eu acho plenamente justificável, é que, saindo desse caso, vamos poder nos concentrar em crimes que ainda não foram solucionados. Em criminosos que precisam ser presos. Em cenas do crime que precisam ser examinadas, evidências que precisam ser coletadas. E isso não veio de cima, veio de mim. Nós precisamos desse tempo pra realmente desenvolver nosso trabalho. Como você mesmo disse, Stacy, o Mysterio já está preso. Então não há realmente nada que a gente possa fazer para “elucidar” esse caso. Vamos passar as evidências pra UCE e voltar ao trabalho.
– Vendo por esse lado...
– Só o Parker concorda comigo? Vamos, tragam todo o material do Empire State pra mim, que eu tenho prazo pra apresentar isso na UCE.

A equipe saiu da sala e voltou com duas malas, repletas de amostras químicas, fotos, digitais e outras evidências que conseguiram coletar. Todos, exceto Peter, apresentaram o que tinham.

– E você, Parker?
– Bom, eu...
– Parker estava me ajudando, senhor – interrompeu Mari. – Por isso perguntei dele na sexta-feira.
– Entendo. Bom, voltem ao trabalho. Devo estar de volta até o meio-dia.

Peter sentiu-se grato pelo que Mari tinha feito, mas não sabia por quê ela tinha feito. Não sabia nem como tocar no assunto para agradecer por ela ter limpado a barra dele, mas tinha até a hora do almoço para pensar em alguma coisa.

– Você entendeu minhas instruções?
– Sim. Eu...
– Vamos, diga!
– Eu vou capturá-la. E levá-la para...
– Sem feri-la! Entendeu? Não quero que ninguém se machuque. Não antes da hora. Não até que paguem por tudo que lhe fizeram, meu filho. Eu lhe dei vida, eles a tomaram de você. Agora, nós vamos tomar de volta!
– Sim, eu entendi... pai.
– Perfeito. É isso que você vai usar.

Um traje inteiriço, negro, com uma máscara que ocultava até os olhos. Parecia uma sombra, extremamente leve e flexível, porém denso e resistente.

– Isso vai proteger você. Será sua nova identidade. Você não precisa mais ser um João-ninguém.
– Quem eu sou agora?
– Joe Luto, meu filho.

O rapaz ficou longos minutos olhando para o traje, que lhe parecia tão familiar e, ao mesmo tempo, tão estranho. Voltou para a academia improvisada e continuou esmurrando o saco de areia, até que ele estourasse. Testes de força, agilidade, complementos alimentares e diversas instruções lhe foram passadas durante o final de semana. Sabia onde deveria atacar e para onde deveria ir depois, onde esperar e quando lutar. Tinha se tornado um soldado, uma arma, pronto para retribuir todo o mal que lhe fizeram.

Mas...

Quem eram os inimigos? Que mal lhe tinham feito, afinal? Por que era incapaz de lembrar o próprio nome?

Colocou as mãos na cabeça, dobrando os joelhos e gritando de dor, tentando afastar a névoa que cercava seus pensamentos, tentando clarear o raciocínio. Seu benfeitor se aproximou, tentando ajudá-lo:

– O que foi? O que está acontecendo?
– Eu... não consigo...
– Não consegue... o quê!?
– Lembrar... Eu não lembro quem sou!

O benfeitor tentou acalmá-lo, dando-lhe uma garrafa com um preparado energético. Algo para repor sais minerais e hidratar o corpo, durante o treino. Ele tomou rápido, como se estivesse morrendo de sede. Aos poucos, começou a se sentir melhor.

– Não sei o que aconteceu comigo...
– Um efeito previsto, depois de tudo que você passou. Suas habilidades, seus talentos, tudo está na mais perfeita ordem. Mesmo sua cabeça ainda é capaz de processar as instruções de seu treinamento sem dificuldades. Mas você não precisa se lembrar quem era, não agora. Precisa pensar no que você se tornou.
– Joe Luto.
– Sim. Joe Luto. Eu tenho um teste pra você, Joe Luto.

O Laboratório da Polícia de Nova York fica em um bairro chamado Jamaica, no distrito do Queens. Apesar de já ter sido conhecido por ser um bairro predominantemente negro, Jamaica vem sendo influenciado por outras etnias que se estabeleceram ali, como indianos, árabes, russos, porto-riquenhos e dominicanos. Apesar do nome, o bairro não tem nenhuma relação com o país caribenho, ainda que imigrantes jamaicanos morarem nele. Os ingleses que ocuparam a área em 1664 chamaram o bairro de “Jameco”, por causa dos índios Yamecah que viviam nas praias ao norte da Baía Jamaica (um grande lago próximo ao Aeroporto JFK), e significa “castor” na linguagem indígena.

Em Jamaica ficam vários outros prédios do governo, inclusive a Suprema Corte. O centro, ao redor da Avenida Jamaica e da 165ª rua, é um grande centro comercial, onde também se situa a Biblioteca Pública do Queens.

Peter se perguntava por que nunca tinha prestado atenção a tudo isso nos últimos anos.

– E o Martin Scorcese nasceu aqui, você disse?
– Sim. E o Joey Ramone. 50Cent. Peter, nem parece que você mora em Nova York!
– Eu nunca prestei muita atenção...
– O restaurante que eu gosto é ali na frente. Ainda bem que é perto, dá pra chegarmos aqui a pé.

O nome do lugar era Rincon Salvadoreno Restaurant. Especializado em comida mexicana, talvez fosse um pouco demais para Peter e sua úlcera, mas Mari adorava comida bem temperada. Resolveu fazer um esforço por ela.

– Então, aqui estamos.
– É...
– O mocinho pode fazer o favor de me dizer onde se enfiou na sexta-feira?
– Encontrei uns amigos...
– E largou o serviço assim, sem avisar nada?
– A gente tinha um assunto pessoal pra resolver, eu e esses meus dois amigos. Claro que eu não queria sumir daquele jeito, mas foram circunstâncias totalmente fora do meu controle.
– Deve ter sido importante...
– Foi sim. Bastante. Significou muito pra mim e nossa conversa me fez um bem danado.
– Que bom, Peter. Como você está vindo trabalhar?
– De metrô. Eu moro perto da estação de Forest Hills.
– Ah, sim, perto do Tennis Club?
– Isso.
– Meus pais moram perto, eu já morei lá. Vizinhança bacana. Mas eu prefiro o Brooklyn.
– Brooklyn? Achei que você morasse em Manhattan.
– Muito caro – disse ela, com um sorriso de fazer perder o fôlego. – No Brooklyn, eu fico perto a meio caminho do trabalho, meio caminho de Manhattan... E, morando sozinha, tenho mais privacidade.
– Já morei em Manhattan. Eu dividia o apartamento com um amigo. Foi no tempo da faculdade, quando eu ainda fotografava pro Clarim.
– Ah, sim. O fotógrafo do Homem-Aranha.
– Acho que ele precisa de outro relações públicas, agora.

Foi a vez de Peter sorrir. Mari não pode deixar de notar o quanto ele era charmoso, mas ainda tinha uma pulga atrás da orelha com relação a Peter e o Homem-Aranha.

Uma pulga do tamanho de um elefante.

– O que vai pedir, Peter?
– Hmmmm... Quesadilla com... arroz Del Pueblo e frijoles. e uma coca.
– Eu quero uma Enchillada com burritos e um suco de laranja.

Estômago, se você agüentar o veneno com o qual estou prestes a te intoxicar, prometo que compro todos os anti-ácidos que aparecerem pela frente!– pensou Peter.

Estava vivo novamente. Tinha um uniforme novamente, uma vida, um propósito. Algumas coisas passavam pela sua cabeça, como flashes de uma vida passada. Quantas vidas tivera, quantas mentiras vivera? Quantas escolhas lhe foram roubadas?

Não suportava mais a indecisão, o medo, a angústia. Alguma coisa nublada em sua mente parecia se dissipar, mas ainda tinha uma missão a cumprir. Continuar de onde parou. Matar todos, até que ninguém mais ficasse em seu caminho. Ia seguir as ordens de seu benfeitor misterioso, seu “pai”, e ia encontrar o maldito traidor que arruinara sua vida, condenando-o a uma existência de dor, sofrimento e miséria.

A fúria pulsava em cada gota do seu sangue, tinha vontade de gritar e dividir sua frustração com o mundo, matando todos que encontrasse pela frente. Mas isso era errado... Não era? Estava esquecendo de algo, uma palavra...

Uma coisa que lhe disseram, muito tempo atrás, e que fazia toda a diferença do mundo em momentos assim.

“Assim”, como? Quando foi que tivera uma vida, do que realmente se lembrava? No que podia confiar?

O Homem-Aranha de uniforme negro que vira na sexta-feira era apenas o indício de que algo estava terrivelmente errado com o mundo, alguma coisa precisava ser feita, consertada. Tinha que lutar até não restar mais nada em seu caminho, tinha que usar...

Alguma coisa... da qual não conseguia se lembrar...

– Você está pronto, filho?
– Pai? Eu... Sim, eu...
– Dúvidas?
– Eu... meus pensamentos... vêm e vão...
– É compreensível, considerando os traumas pelos quais você passou. As mentiras que lhe disseram. Mas eu encontrei você, não foi? Eu o salvei assim que pôs os pés nesta cidade. Lhe dei uma nova vida. Um propósito. Um uniforme. Um nome.
– Eu... Obrigado, pai.

Joe Luto saltou pela janela, não mais que um vulto, um pensamento fugidio. E, da mesma maneira como aparecera, ele estava fadado a sumir novamente. Era apenas um sonho, daqueles que esquecemos pela manhã e nunca mais damos atenção.

Hospital Monte Sinai:

– Mary Jane!
– Flash! Você está ótimo!

Ele levantou os braços para abraçá-la, mostrando que, apesar da cadeira de rodas, estava bem. Não se viam desde que Norman Osborn drogou Flash Thompson, forçando-o a vestir o traje de Duende Verde num rompante de violência que aterrorizou a cidade. ³
– Cadê o Peter?
– Emprego novo. Ele é cientista da polícia agora.
– Olha que beleza!
– É mesmo, né? Ele começou há pouco tempo, então não teve como escapar do serviço pra vir te buscar. Mas garanto que ele deve te visitar em seu apartamento nos próximos dias.
– E como vocês estão?

Houve um longo silêncio, antes de Mary Jane respirar fundo e responder:

– Estamos bem.
– Que merda,hein?

Os dois riram juntos, mas Mary Jane sabia que podia se abrir com Flash. Ele não sabia o segredo da vida dupla de Peter Parker, mas os dois se tornaram grandes amigos com os anos. Talvez fosse o único que Peter ainda tivesse. E era sempre uma companhia divertida e alguém em que ela poderia confiar, principalmente em um momento como aquele.

– Na verdade, o Peter me ligou hoje – disse Mary Jane, enquanto empurrava a cadeira de rodas até um táxi. – Ele quer conversar comigo. Sobre o nosso relacionamento.
– Isso é bom, não é?
– Não sei. A gente se afastou muito nos últimos meses. Tudo ficou tão... Distante entre a gente. Parece que foi um sonho, parece que foi outra pessoa, não sei explicar. Parece difícil de acreditar que um dia eu gostei tanto dele.
– Pô, MJ! Vocês formavam um casal tão bonito!
– Isso é o que mais me machucou nos últimos tempos, sabia? A gente investiu tanto no relacionamento, se esforçou tanto pra ele dar certo... E hoje parecemos estranhos um pro outro. Não sei se podemos retomar as coisas. O que ele vai fazer? “Oi, tudo bem? Vamos continuar de onde paramos?”
– Não se surpreenda se ele disser isso. Seria a cara dele fazer algo assim!
– Eu sei – ela relaxou. Eu falei pra ele me pegar mais tarde no seu apartamento e a gente vai conversar. Queria ter a chance de falar com você antes. Talvez... um conselho, não sei.
– Amigos são pra essas coisas, ruiva.
– Que bom que você pensa assim. Então, não vai ficar chateado de saber que estou levando só comida natureba pra gente almoçar. Nada de carnes, nem gordura!
– Com amigos como esses...

Peter e Mari Potter conversaram agradavelmente durante o almoço, chegando ligeiramente atrasados para o expediente. Não que se importassem. Estavam felizes, aproveitando a companhia um do outro. Moran e Stacy não puderam conter o riso quando viram os dois voltando juntos pro laboratório. Sem dúvida, estavam fazendo um monte de piadas sobre a situação. Peter não percebeu e Mari nem se importava mais.

Os dois falaram sobre planos futuros, sobre as expectativas que tinham e sobre o trabalho. Mari contou que, além de Harry, tinha mais uma irmã. Era casada, mas morava em Nova York mesmo. A família era bem grande, ela tinha tios e primos espalhados por toda a cidade. Nova-iorquinos típicos, e também italianos, judeus e brasileiros. Uma mistura e tanto.

Peter contou sobre seu casamento com Mary Jane e sobre como as coisas ficaram difíceis entre os dois. Falou sobre sua tia e no esforço que ela fez para criá-lo quando o marido morreu. Contou que, graças ao Homem-Aranha, conseguiu certa notoriedade como repórter fotográfico, mas isso nem sempre foi benéfico. E falou sobre suas expectativas para uma nova vida a partir daquele momento, a vontade de conhecer coisas novas, se aventurar pelo mundo sem o peso de anos e anos de frustrações e histórias mal-contadas, como se fosse um dia completamente novo para ele.

Também contou sobre seu amigo Flash Thompson, que era um tormento quando estudaram juntos, mas esteve ao seu lado desde então. E que pretendia rever hoje, depois de meses hospitalizado por conta de um “acidente”.

O trabalho no laboratório era bastante burocrático a maior parte do tempo. Testes repetidos à exaustão, relatórios, formulários e assinaturas tornavam o dia bastante estressante. Mas não para Peter.

Ele estava adorando cada segundo do que fazia ali. Até conseguir a assinatura do Dr Eisner para a liberação de um teste espectrográfico tinha uma aura de “cumprimento do dever” para ele. Era minucioso e aprendia rápido, todos estavam começando a admirá-lo. Era meio CDF às vezes, mas Peter já estava acostumado com esse estigma há muito tempo. O importante era como as coisas seriam dali pra frente. Uma vida de verdade, sabendo lidar com suas responsabilidades como Homem-Aranha e para com as pessoas que amava.

Como a tia May. Ela era, sem dúvida, a maior beneficiada pela estabilidade de seu novo emprego. Também precisava agradecer Edward Semeghini, o Vigilante, que, em seu último dia na polícia, indicou Peter para a vaga. Talvez Batman tivesse algo a ver com o fato de Peter não ter precisado fazer uma série de exames médicos para a polícia, ainda não tinha certeza. Bruce era bom em insinuar coisas, mas era difícil saber se...

Estou chamando o Batman de “Bruce”. Trutão!

Precisava falar com Felícia também. Foi dela a idéia da indicação para o laboratório da polícia. Será que ela iria visitar Flash hoje também? Estava a poucas horas de descobrir.

– Quer uma carona pra casa, Peter?
– Obrigado, vou visitar aquele meu amigo de que te falei.
– Onde é?
– Avenida Kingston.
– Aí fica fácil pra mim. Vem, eu te levo.
– Vai, Peter – sussurrou Moran, do outro lado do laboratório.

Para evitar que as gracinhas continuassem, resolveu aceitar. E, como Mari morava no Brooklyn, era caminho pra ela.

– Foi divertido hoje, Peter. A gente devia fazer mais vezes.
– Claro. Quer almoçar onde amanhã?
– Não, eu quis dizer... Nos vermos mais vezes. Não pra almoçar. Não no horário de serviço.
– Claro, eu... Bom, como eu te disse, ainda tenho um assunto pra resolver.
– Mary Jane?
– Sim. Nós nos afastamos, mas nunca conversamos sobre... o rumo que as coisas tomaram. Isso é algo que ainda preciso ver com ela. Faz tempo que a gente não se fala, eu nem sei ao certo qual rumo a vida dela tomou.
– Eu entendo.
– Não fique chateada, eu não quero brincar com você, ou com seus sentimentos.
– Não, eu entendo mesmo. Sério. Mas nós ainda não falamos sobre “meus sentimentos”.
– Não, claro. Eu quis dizer... Não vou esconder de você a vida que eu tive.
– Eu realmente espero que você nunca esconda nada de mim, Peter.
– Com certeza.

Mari parou o carro em frente ao prédio onde Flash Thompson morava. Queria conversar mais com Peter, mas precisava ser paciente. Alguma coisa realmente estava acontecendo entre os dois, alguma coisa muito boa e que a deixava muito feliz. Não queria estragar tudo sendo ansiosa ou pressionando Peter. Mas esse não era o maior problema. O que realmente a incomodava eram os segredos dele.

– Você está entendendo, Peter? Eu espero que você nunca esconda nada de mim.
– Sim, sem problema.
– Acho que eu não devia te cobrar isso...
– Não, eu entendo.
– Desculpa...
– Ei, Mari – interrompeu Peter, segurando-a pelo queixo. – Tudo a seu tempo. Ok?
– Ok – respondeu ela com um grande sorriso, aquele sorriso que mexia tanto com Peter.

Pensava em Mari com carinho, mas apenas dois dias antes jamais poderia imaginar que estariam conversando de maneira tão próxima. Pensou nela o dia inteiro e era incrível como tudo parecia estar dando certo entre os dois.

Mas ainda havia Mary Jane. E sabia que ia encontrá-la em alguns minutos.

Saiu do carro, mas voltou e foi até a janela de Mari:

– A propósito, da próxima vez, eu escolho o restaurante.
– Você não tinha cara mesmo de quem gosta de comida tex-mex!
– Eu gosto, é que... Ah, tá. Da próxima vez, vamos no Subway.
– Pra mim está ótimo. Tchau, Peter.
– Tchau.

O carro se afastou. Da janela do apartamento de Flash, Mary Jane observava os dois conversarem.

– Mary Jane? O que foi?
– Peter chegou, Flash.

Mari mal teve tempo de dobrar a esquina, quando percebeu Peter correndo atrás dela. Parou o carro e abriu o vidro novamente. Ele logo a alcançou.

– Peter? O que foi?

Mas tinha se enganado. Não era Peter.

– Pete!
– Flash! Cadê as enfermeiras nuas?!
– Estou esperando você ir embora pra ficar com todas pra mim. Beleza, trutão?
– Firme, meu querido. E você?
– Melhor agora. Soube do seu novo emprego.
– Poizé. Quem diria. Eu, trabalhando com um bando de nerds.
– Mais estranho seria se eu virasse jogador de futebol, não é?
– Concordo plenamente, Flash!

Nesse instante, Mary Jane saiu da cozinha, trazendo refrigerantes.

– Oi, gatão.
– Oi, MJ.

E um súbito clima gelado se instaurou na residência de Flash Thompson. Percebendo a saia justa, o anfitrião logo tratou de usar sua falta de tato pra consertar a situação:

– Querem que eu saia pra vocês usarem o meu apartamento? Qualé, gente! Venham cá me dar um abraço, eu finalmente saí do hospital e vocês ficam aí de cara feia?!

E não é que deu certo?

O resto da noite transcorreu agradavelmente, com Peter contando sobre seu novo emprego, Mary Jane falando de novas propostas de trabalho e Flash tentando se inteirar de tudo que acontecera enquanto esteve no hospital. O clima era realmente festivo – apesar de não ter álcool, por causa dos antibióticos – e, por um momento, Peter chegou a pensar que as coisas poderiam ser como antes, poderiam ser mais fáceis.

Mas nunca era assim.

Depois de algumas horas muito agradáveis, Peter e Mary Jane se despediram de Flash e começaram a caminhar juntos de volta para casa.

– Bom... aqui estamos, Peter.
– É. Bom... Não era exatamente assim que eu imaginava que fossemos ter essa conversa...
– Por que?
– Já está tarde e... talvez seja uma longa conversa.
– Entendo. Vou ser sincera com você, Pete. Fiquei surpresa, e assustada, quando você me ligou hoje, dizendo que queria conversar. É bom ver você de novo, sabia? Acho que nós dois precisávamos disso. Mas eu não sei mais dizer o que há entre nós.
– Eu... entendo. É bom ver você também, Mary Jane. Quando você entrou na sala, foi... Putz, foi como a primeira vez. Foi como se passasse um filme na minha cabeça, lembrando tudo que aconteceu entre a gente, tudo que passamos juntos. Sexta-feira, depois daquilo que aconteceu no Empire State, eu... tive uma conversa. Com dois amigos.
– Que tipo de amigos?
– Amigos do Aranha. Batman e Superman.
– Uau!
– É. Nem me fale. “Uau” mesmo. Eles... Bom, foi meio que um “puxão de orelha”. Eu estava pegando pesado demais com a bandidagem, comigo mesmo... Machucando pessoas, por causa de uma série de coisas aqui que eu não sabia lidar. Aqui dentro – completou Peter, apontando para o estômago. – Coisas que guardei por muito tempo, MJ, e que estavam me fazendo mal.

As lágrimas escorriam pelo rosto de Mary Jane. Teve medo que aquilo fosse o fim. Não se sentia mais casada, não se sentia mais próxima a Peter, não se sentia mais a mulher dele, namorada... Nada. Mas, ao mesmo tempo, sentia que estava perdendo o que de melhor tinha acontecido em sua vida.

Nenhum dos dois notou, mas as lágrimas começavam a se formar nos olhos de Peter também.

– ... e o Batman não é nada daquilo que dizem, sabia? Ele é durão e tal, mas, bem lá no fundo, é alguém que está lutando muito pra fazer o que é certo. E eu percebi que não estava mais fazendo o mesmo. Não estava mais lutando pra fazer o que é certo. Estava apenas lutando. Esse final de semana, eu parei com tudo. Não saí com o uniforme nenhuma vez. Curti a companhia da minha tia, pus a mão na consciência, relaxei.

E pensei muito, MJ. Pensei em mim. Em você. E em nós dois. E no que temos feito com o nosso relacionamento, no que temos feito um ao outro desde que você voltou a Nova York. Fiquei feliz como nunca quando te reencontrei, mas parece que de lá pra cá tudo aconteceu pra gente se desencontrar. Tive um monte de problemas, como Peter e como o Aranha, nem tudo eu te contei. Daí eu chegava em casa, depois de ter lutado com tudo que é vilão maluco que aparece nessa cidade, e você não estava lá me esperando. Eu encostava a cabeça no travesseiro, e não sabia onde você estava, ou o que estava fazendo. Ao mesmo tempo, eu não tinha certeza do que seria melhor pra nós, do que eu queria fazer. Foi tudo tão confuso.

Os dois pararam, um de frente para o outro, de mãos dadas.

– MJ, eu...
– ...
– ...
– Peter, o que foi?
– Melhor sair daqui, MJ.

Tinha visto um agressor, alguém se aproximando nas sombras logo atrás de Mary Jane. Estranhamente, não tinha ativado o Sentido de Aranha, mas não gostava da idéia de alguém se esgueirando na direção dela, àquela hora da noite, vestindo uma roupa preta. Seja lá quem fosse, era rápido e muito forte. Peter quase não teve tempo de tirar sua ex-mulher do caminho, quando foi atingido de frente pelo misterioso atacante. Apenas um vulto em roupa negra, uma sombra. Os dois caíram no chão, trocando socos que arrancavam pedaços do asfalto, manchas de sangue lançavam-se ao alto. Os dois estavam equiparados.

Primeiro pensou tratar-se do simbionte, mas Venom costumava vociferar ameaças com sua língua horrenda. Depois pensou em Norman, mas ele não usaria uma roupa daqu" "las. O "

Aquele não era Ben Reilly.

Simplesmente não podia ser. Tinha que ser algum truque. Talvez algum de seus inimigos estivesse engendrando perigosos jogos mentais. Alguém como Mysterio ou, quem sabe, o próprio professor Miles Warren. O Chacal.

O Chacal está morto!

Talvez fosse um fantasma de natais passados, uma aparição fantasmagórica simbolizando os erros que cometeu no passado, o fracasso em que transformou sua vida. Talvez fosse o próprio diabo, mas essa idéia lhe pareceu tão absurda que...

Chegava a ser plausível.

Não era o diabo!

Ou era o choque pela luta com um oponente à sua altura, como se o subconsciente estivesse gritando para entender como era possível que alguém estivesse em condições de igualdade com ele. Talvez fosse alguém completamente diferente, um negro, uma mulher, um skrull. Seria tão difícil assim? Sua vida já tinha histórias suficientes para servir como tese de mestrado de algum psiquiatra. Como alguém enfrenta tanta coisa e ainda conserva a sanidade? Como alguém pode lidar com tantas perdas?

Você sabe que era ele!

Talvez não possa. Talvez estivesse irremediavelmente perdido, sua mente prisioneira de seu corpo, enquanto toda uma vida de aventuras se desdobrava apenas para sua imaginação ter algo em que acreditar, para poder resistir.

Não há como fugir disso!

Talvez fosse o Batman testando seus limites e sua sanidade. Talvez fosse um sonho. Estava preso em um universo onírico de sua própria criação. Não tinha motivo nenhum para acreditar que qualquer mascarado que aparecesse fosse Ben Reilly, não tinha motivo nenhum pra achar que o tinha visto em algum oponente misterioso. E se o Espantalho estivesse de volta a Nova York? Seu gás do medo poderia surtir exatamente esse efeito, levando-o a questionar a própria razão. Lembrou-se de já ter se deparado com cenas assustadoras criadas por seus inimigos, cenas que envolviam mortes, funerais...

E ressurreições.

Todos voltam! Todos voltam!

Talvez ainda estivesse no caixão que Kraven fez para ele, talvez tivesse morrido e ido ao inferno. A expressão de ódio que ele enxergou em Ben ainda estava gravada em sua memória, um rosto malévolo, talhado em pedra para destruir tudo que encontrasse pela frente.

Mas...

Kraven está morto! MORTO!

E se fosse realmente ele? E Ben tivesse voltado, dessa vez como um inimigo? A simples idéia de que isso pudesse acontecer lhe dava náuseas. Todos os meses de dúvidas, medo, dor e agonia voltaram numa enxurrada que lhe revirou o estômago. Mas foi só quando considerou a hipótese de que aquele homem não era realmente Ben Reilly, mas o Duende Verde, que começou a vomitar. A consciência voltou na forma de um tapa violento em seu rosto, enquanto continuava vomitando, enfraquecido, fragilizado. Foi um alívio quando os primeiros clarões de luz lhe trouxeram a falsa esperança de que estava apenas vivendo um pesadelo, mas foi tão fugaz quanto qualquer esperança em sair vivo dali. A risada obscena de Norman Osborn preencheu o ambiente, concretizando seus temores mais íntimos.

– Até que enfim se dignou a acordar e tomar parte de nossa pequena soirée, Peter. Afinal, nenhuma reunião de família é completa sem a presença do Homem-Aranha. Não é mesmo...

...filho?

Ao lado do Duende Verde, Ben Reilly consentiu com olhos cheios de sangue e fúria:

– Sim, pai.

Enquanto isso:

Mary Jane não sabia onde estava. Estava amarrada e vendada, sentia dores lancinantes nos pulsos e tornozelos. Um cortante vento gelado parecia arrancar sua pele. Tentou gritar, mas a voz não saiu. Tentou se debater, mas os pulsos doíam muito. Não entendia o que estava acontecendo, não se lembrava de como foi parar ali. Precisava organizar os pensamentos, limpar a cabeça. O que tinha acontecido? Estava na casa de Flash... Encontrou Peter... Os dois estavam conversando, por um momento ela achou que Peter queria reatar... Não, não era isso. Ele viu Peter conversando com outra garota num carro antes de entrar no apartamento de Flash. Pareciam... juntos. Foi aí que tudo começou a dar errado, foi aí... Não, não é nada disso. Estava conversando com Peter, estavam indo embora juntos. Pensou que Peter fosse dizer que ainda a amava, mas o mesmo valeria para ela? E se ele tivesse dito isso, teriam conseguido consertar as coisas?

Eu pensei muito, MJ.

Pensei em mim.

Em você.

E em nós dois.


Foi quando... Sim, é isso! Uma... sombra o atacou. Um vulto. Os dois lutaram, e o misterioso agressor voltou, carregando Peter inconsciente. “Você vem comigo”, ele disse, com uma voz estranhamente familiar. Parecia cansado pela luta, mas a máscara negra cobria todo seu rosto. Devia ter fugido enquanto podia, mas ficou ali, ao lado de Peter, como sempre fazia, esperando o desfecho do combate. Foi nocauteada e agora...

Onde estava, afinal?

O vento continuava açoitando sua pele com unhas geladas e mortíferas.

Longe dali, Marianne Potter tentava se mexer. Estava acorrentada no chão, ouvia o barulho do metal batendo, os elos machucando seu corpo. Estava com um capuz, a respiração abafada, o lugar era frio e não conseguia ouvir mais do que o barulho do vento. Tudo que se lembrava era de ter deixado Peter na frente do apartamento de um amigo, o tal Flash Thompson.

Que tipo de nome é “Flash”, afinal?

Mas não era isso que a incomodava.

Era Mary Jane Watson. A ex-mulher de Peter.

Não tinha o direito de cobrar nada dele, de vigiar seus passos. Mas havia algo em Peter, alguma coisa estranhamente relacionada ao Homem-Aranha, que ainda não tinha conseguido entender. Onde Mary Jane se encaixava nessa história? Quem era Peter Parker, afinal?

Obviamente, não era o homem que veio correndo atrás de seu carro, logo que deixou Peter no apartamento de Flash. Parecia com ele, mas algo estava errado. Quando parou o carro, viu um vulto mascarado que... Ele deve tê-la agredido. Sim, era isso. O queixo doía. Foi nocauteada e trazida para... onde quer que estivesse agora. Acorrentada no chão, com um capuz, o corpo dolorido. Precisava de Peter. Teve a sensação de que ele poderia tirá-la dessa enrascada, podia explicar quem era o seu “sósia” e que, de alguma forma, o Homem-Aranha estava envolvido nisso tudo. Precisava pensar, juntar as peças. Era uma investigadora, não ia resistir a um mistério assim.

Mas antes, precisava escapar com vida.

– O que você fez, Norman!?

O seu mais terrível inimigo parecia dar pouca importância a seu rompante de fúria. Norman nunca demonstrava medo, nunca demonstrava receio ou hesitação. Era um espírito movido por pura maldade, por ódio, ganância, inveja e sordidez.

Ele era a morte.

Mas dessa vez, as coisas tomaram uma nova dimensão. Ben Reilly, o clone que acreditou ter morrido enfrentando o próprio Norman, estava ao lado dele dessa vez.

Seus pesadelos se tornavam realidade.

– Peter, meu bom garoto... Toda essa exaltação pode fazer mal para o seu estômago. Pare de gritar, sim? Não gostamos de bagunça em nossas reuniões. Não gostamos do seu tom de voz. Não é mesmo, filho?
– Sim, pai – respondeu Ben, com os dentes cerrados, o som mal deixando sua garganta. Estava cheio de ódio, os punhos fechados e o olhar fixo em Peter.
– Ele não é seu pai!

Acorrentado a uma coluna, Peter não teve como evitar o tapa desferido por Ben. Os dois eram equivalentes em tudo: força, velocidade, inteligência. E ambos pareciam muito sujeitos à raiva naquele momento.

– Vamos, Peter! Deixe de bobagem. Não queremos machucar você mais do que o necessário. Não queremos machucar você fisicamente.
– O que você fez com Mary Jane?!
– Ah, pensou rápido... Interessante como você associou sua ex-mulher com a dor que prentendo lhe infligir hoje, Peter. Consciência culpada, talvez? Por alguém que você não conseguiu salvar?
– Norman, nós dois sabemos como isso acaba!
– Não somos só nós dois agora, Peter. Pergunte ao Ben. Estou dando a ele a oportunidade de tomar seu lugar de direito. Reaver a vida que você roubou dele, pegar tudo de volta. Como meu filho e meu herdeiro.
– Isso é loucura! Ben! Ele está usando você, como ele fez quando...

Um murro. O sangue encheu sua boca.

– Chega de mentiras, Peter. Não temos tempo para isso.
– O que você quer, desgraçado?
– Não é óbvio!? – a gargalhada de Norman encheu a sala. Parecia um dos laboratórios abandonados do Duende Verde, mas isso não ajudava muito. Podia estar em qualquer lugar de Nova York, ou onde quer que a Oscorp tivesse uma fábrica instalada. Terminais de computadores desativados, bancadas vazias, prateleiras empoeiradas... O lugar não era usado há muito tempo. Contrastava sordidamente com os planos de Norman, o maníaco que sempre voltava para aterrorizar sua vida e a de todos ao seu redor. Aquilo tinha de acabar, precisava encontrar um jeito de deter Norman, jogá-lo na cadeia e vê-lo apodrecer. Estava forçando as correntes que o prendiam à coluna, mas estava ainda longe de conseguir se soltar.

– Desista, Peter. Você não vai conseguir estourar essas correntes.
– Eu vou acabar com você, Norman...
– Não, não vai. Me diga, rapaz... Como é se olhar no espelho e ver uma vida que não lhe pertence? Uma vida que você roubou, que não é sua por direito, não lhe pertence? Você tirou tudo de Ben. Tirou dele a chance de escolher. De decidir. Tirou-o da própria vida sem pedir licença, sem desculpas ou explicações e...
– Você está distorcendo tudo!
– É você quem distorce tudo, quem destrói tudo que toca, quem fere as pessoas que devia estar protegendo! Quantos já morreram por sua causa, Peter?! Quantas vidas mais você precisa destruir!? Agora, não contente em enterrar amigos e namoradas, você os deixa sem vida, sem passado!
– Mentiroso!
– Você podia ter ajudado Ben! Podia ter ficado ao lado dele, mas não o fez! Você queria a vida dele, queria a esposa dele, o emprego, os amigos, a reputação... Tomou tudo! E agora, Peter... Agora nós vamos matar você. Mas antes, você vai sentir toda a dor e sofrimento que nos causou. Você tirou meu filho de mim... Tomou cinco anos de minha vida... E fez muito pior com Ben. Agora é a hora do acerto de contas, Peter. Você vai morrer, não se iluda. Vai morrer devagar, como um cachorro de rua. E vai morrer sabendo que causou a morte de mais pessoas, de inocentes...

Peter arregalou os olhos. Finalmente percebeu qual era o plano de Norman, porque Ben o atacou quando ele estava conversando com Mary Jane. O gosto amargo da bile subiu à sua boca quando lembrou de Mari Potter. Talvez ela estivesse em perigo também. Talvez o monstro tivesse...

– Elas morrem hoje, Peter. As duas. Sua ex-mulher e sua namoradinha. Sim, eu sei sobre ela. Sei o que vocês almoçaram hoje e sei a placa do carro dela.
– O que você fez com elas?!

Norman ligou os monitores do laboratório. Metade deles mostrava Mary Jane, presa no alto de um prédio. A seus pés, um contador amarrado a um pacote, que só podia conter explosivos. Não conseguiu identificar que prédio era aquele, mas era a bomba que o preocupava. A outra metade dos monitores mostrava uma mulher encapuzada acorrentada a trilhos. Era uma câmera com visão noturna, estava muito escuro e ela só podia estar em algum túnel do metrô. Ela se debatia, mas não havia a menor chance de escapar daquelas correntes.

– O que você fez!?
– Fui justo com elas. E com você. Estou te dando uma chance. Talvez você consiga nos derrotar – disse Norman, enquanto vestia a máscara do Duende Verde. – Talvez você consiga vencer nós dois a tempo de sair daqui e salvá-las. Mas não há tempo de salvar as duas. Elas estão em lados opostos da cidade, uma perto das nuvens e outra debaixo do solo. Você vai ter que escolher qual delas salvar. E aí, Peter? Quem vai tirar a palha mais curta? Você? Elas? Como espera nos derrotar? Se você não conseguir, vai ficar aqui para vê-las morrer enquanto surramos você. Eu diria que suas chances são boas – e, novamente, a gargalhada demoníaca do Duende Verde ecoou pela sala.

Mas Norman tinha razão. O Duende Verde sozinho já quase o matara várias vezes. Contra Ben Reilly, suas chances tendiam a zero. Mas não precisava vencê-lo, não tinham de lutar. Talvez pudesse convencê-lo a voltar à razão, lembrando-o de quem era e do que tinha feito. E, principalmente, do que Norman tinha feito. Mas antes, precisava escapar dali. Começou a dar coices violentos na coluna de concreto atrás de si, esperando derrubá-la para se livrar das correntes.

– Vamos, filho. Ajude nosso amigo.

Quando Ben se aproximou, Peter o deteve com um chute direto no rosto. Aquilo lhe deu tempo para forçar as correntes, destruindo o que restava da coluna. O Duende Verde já preparava uma de suas bombas-abóbora. Peter girou as correntes rapidamente acima da cabeça, desarmando-o. Mas não houve tempo para comemorar. Joe Luto se jogou em cima deles, e os dois destruíram armários e prateleiras que estavam no caminho.

Os socos eram carregados de fúria, uma raiva reprimida por anos de esquecimento. Ben não parecia preocupado com as conseqüências, tudo que ele fazia era continuar agredindo, tentando não dar a Peter tempo para se recuperar. Peter se esquivava, enquanto tentava conversar com ele:

– Ben! Pare! Ele está usando você! Ele tentou matá-lo antes, você precisa se lembrar!

Mas era difícil dialogar com alguém cego pelo ódio, principalmente porque ainda precisava se esquivar das lâminas em forma de morcego que o Duende Verde estava arremessando. Deu um salto mortal para trás e, logo em seguida, Joe Luto destruiu a bancada em que estava com os punhos, avançando na direção de Peter. O Homem-Aranha caiu de pé em cima de outra bancada, mas novamente precisou dar um salto para trás, antes que seu clone o esmagasse com um golpe. Tudo isso enquanto ouvia as lâminas zunindo próximas de seu corpo. E foi assim por mais três bancadas, até chegar a uma parede. Quando Ben saltou na sua direção, Peter viu as lâminas cortando o ar. Elas matariam Ben, a menos que saltasse também e o derrubasse no chão. Os dois rolaram enquanto trocavam socos. O Duende Verde gargalhava e gargalhava...

– Isso é o melhor que pode fazer, Parker!? Meu filho vai matar você! E eu vou cuspir no seu cadáver, seu verme! Eu vou empalar o seu cadáver!

Ben finalmente conseguiu imobilizar Peter no solo, erguendo o punho para esmurrá-lo.

– Ben! Ouça! Ouça! Ele não dá a mínima pra mim ou pra você! Tudo que ele quer é vingança, dor e morte!Mas você não é assim! Eu conheço você, você é melhor do que isso! Você não pode continuar ajudando o Duende Verde! Você precisa...

Mas Ben não queria ouvir. Tudo que lhe interessava era continuar sua briga, era esmurrar seu inimigo até que ele estivesse morto. Assim, seu pai teria orgulho dele e teria sua vida de volta. Enquanto seu punho descia velozmente, com a força de um trem desgovernado, Peter se lembrou de que os dois não eram exatamente iguais, não mais. Durante sua luta na rua com Joe Luto, tudo se resumiu a socos, chutes e saltos. Ele não tinha lançadores de teias, e não estava mais contanto com elas numa luta. Mas Peter não precisava mais de lançadores.

A teia atingiu Ben no rosto, atrapalhando seu golpe. Um novo disparo e Peter conseguiu empurrá-lo, arremessando-o contra uma parede e o prendendo. Já há alguns meses, seu corpo produzia suas próprias teias orgânicas. Agora era a hora de usar isso em seu favor.

Porém, mal se viu livre dos golpes de seu clone, foi a vez do Duende Verde acertá-lo com os dois pés no peito.

– Teias orgânicas!? Que tipo de aberração você virou, Peter!?
– O tipo que não precisa de drogas pra se sentir macho...
– HAHAHA! Acabaram-se as piadinhas!? É tudo por orgulho, agora? Então venha, seu moleque. Tenta mostrar pra mim que é mais macho, tenta me provar que é adulto... E eu juro que vou arrancar seus olhos...
– Ah, cala essa boca.

O golpe foi certeiro, um soco poderoso no olho direito do Duende Verde. Norman é destro, então isso deve atrapalhar bastante sua mira, eliminando o problema das lâminas-morcego. Estava pensando no combate como o Batman, procurando eliminar as maiores ameaças até que o seu adversário ficasse inofensivo. Porém, o Cavaleiro das Trevas nunca tinha enfrentado Norman Osborn. Ele cambaleou com a força do soco, mas logo voltou para trocar murros com Peter.

Enquanto isso, Ben se esforçava para se livrar das teias.

– Como você fez isso, Norman? Como trouxe Ben de volta?!
– Ele voltou sozinho, idiota! Acha mesmo que um clone perfeito como ele simplesmente derreteria diante de seus olhos? A degeneração celular foi uma boa desculpa para tudo que aconteceu com ele, mas não... Miles Warren era um gênio... Seus clones foram feitos para durar...
– Mas por que...?
– Ele ficou longe de Nova York, sem memória, todo esse tempo. Quando eu voltei da Europa, minha primeira providência foi garantir que isso seria resolvido entre nós dois apenas, Peter. Eu apaguei as lembranças dele, eliminei tudo que fosse relacionado ao Homem-Aranha ou mesmo a Ben Reilly. Mandei outro clone pra morrer nos seus braços, com uma “bomba bioquímica” no organismo para simular os efeitos que vocês esperavam de uma degeneração celular, eliminando completamente qualquer esperança sua de conviver com seu “irmão”! Ele se tornou um homem com grandes poderes e nenhuma responsabilidade, vagando a esmo por Nova Jersey, vivendo como um mendigo... Até o dia que ele soube de você... Soube o que você estava fazendo em Nova York, o uniforme negro... Pode ter sido no noticiário, enquanto assistia TV em um albergue, ou com os jornais que usava pra se cobrir à noite. Mas o fato é que ele ficou sabendo de você e, de alguma forma, seu cérebro voltou a funcionar. Ele nem lembrava de que o Homem-Aranha tinha algo a ver com sua vida e voltou para Nova York. Eu o monitorei durante todo esse tempo, e soube assim que ele pôs pés aqui. Ele é meu brinquedo, Peter. É leal a mim. E vou usá-lo para acabar com você. Se nenhuma de suas namoradinhas sobreviver a esse dia, Ben irá encontrar conforto nos braços de alguma outra... Vai tomar tudo de você e vai corromper. Ele será meu filho e o Homem-Aranha se tornará a ameaça que Jameson tanto apregoa. Vai ser caçado. Humilhado. E por fim, esquecido. Só restaremos Ben e eu, Peter. E tudo que você ama será conspurcado.
– Seu filho da...

Porém, antes que tivesse tempo de atacar Norman novamente, foi agarrado por trás. Ben imobilizou seus braços, erguendo-os, agora que finalmente estava livre das teias. Sem dizer mais uma só palavra, Norman começou a espancá-lo, desferindo poderosos murros no herói.

– Ben... NÃO! Unghh... Você tem que resistir, Ben! Você tem que... Unghh! Você precisa... Unghh...

Seu corpo começou a relaxar. Estava certo quando considerou mínimas as suas chances de derrotar os dois. Nos intervalos entre os socos do Duende Verde, conseguia enxergar de relance os monitores que mostravam Mary Jane e Mari Potter. Quando a bomba aos pés de MJ explodisse, ela não sentiria nada. Não haveria tempo para dor ou sofrimento. Mas talvez mais pessoas naquele prédio morressem, talvez os destroços caíssem na rua e ferissem alguém. E Mari ouviria o som do metrô se aproximando, sentiria o tremor nos trilhos, muitos segundos ainda antes da morte, que a encontraria sozinha e assustada. Ela jamais saberia qual decisão Peter teria tomado, jamais descobriria com quem ele realmente quis ficar no final. Logo, estariam todos mortos. E teria fracassado novamente em construir algo para si, em manter um relacionamento, em levar as coisas até o final. Tudo que não lhe era tomado, ele próprio se encarregava de abrir mão. Foi assim com seu casamento, com seus empregos, com tudo em sua vida. Os músculos não ofereciam mais resistência, tudo que podia se lembrar é que sua tia lhe dissera que “isso também vai passar”. Os bons momentos não duravam para sempre, mas os maus não podiam ser eternos. A tia May...

– Ben... – balbuciou Peter, usando suas últimas forças. – A tia May... Ela está viva...
– Cale-se!– gritou Norman, já pronto para desferir um golpe mortal em Peter. Seu punho, porém, foi detido por Ben Reilly.
– O que foi que ele disse?
– Me solte e deixe eu acabar logo com isso!
– Não! Ele disse que a tia May está viva!
– Ele está tentando jogá-lo contra mim! Me solte, seu...

Ben soltou Peter e desferiu um soco violento em Norman, que caiu para trás.

– Eu quero a verdade, “pai”! Você me disse que ela tinha morrido! Você me disse que eu não pude ficar ao lado dela ou ir ao enterro, porque Peter tinha roubado minha vida! Que história é essa de ela estar viva?!
– Você... Você não devia nem mesmo se lembrar dela...
– Ela era a pessoa mais importante da minha vida e eu não pude nem ficar ao lado de seu leito de morte! Disso eu me lembro muito bem! Eu chorei por ela! E agora eu descubro que ela está viva!?
– Isso não importa, você vai tomar tudo de volta...
– Eu só me lembro de ficar sozinho enquanto sofria! É isso que vou ter de volta? Um quarto de hotel vagabundo, sem família e sem amigos!?
– Ora, pare de se lamentar...
– Como é possível que ela esteja viva!?

A voz de Peter veio num sussurro, exausto pela briga. Levantou-se com dificuldade e segurou o braço de Ben:

– Ele... fez isso... Não era... a tia May... Era uma... atriz... que ele usou... para... nos fazer... sofrer... A... verdadeira tia May... estava... presa... Eu a encontrei... meses depois...
– É mentira!
– Não, Norman... Ela está viva... e você... nos usou...
– Não dê ouvidos a ele! Acabe logo com isso e vamos tomar nosso lugar de direito! Nós temos que...

Ben Reilly acertou um soco no Duende Verde com muito mais fúria e ódio do que achou que fosse capaz de conter, com muita mais violência do que tinha usado na luta contra Peter, com muito mais determinação do que já tivera em toda sua vida.

Não ia ser usado novamente.

Nem por Norman.

Nem por ninguém.

– Seu... monstrinho sem alma... Eu vou matar você, como deveria ter feito anos atrás...
– Eu vou adorar ver você tentar, “pai”...

Os chutes, os socos e a destruição da briga dos dois começou a destruir o pouco que sobrava do laboratório. O Duende Verde voltara todo o ódio que sentia pelo Homem-Aranha contra Ben Reilly, o “Joe Luto” que ajudara a criar. Mas Ben, que por muitos anos acreditou ser o Homem-Aranha original e, mais tarde, se tornou o próprio após assumir a identidade de Aranha Escarlate, tinha contas muito antigas a acertar com Norman. Se a tia May realmente estivesse viva, não ia desistir dessa luta, não ia cair antes que pudesse vê-la novamente. Antes que pudesse sentir uma pequena alegria em uma vida que não era mais do que dor, sofrimento e miséria.

– Ben! – gritou Peter. – Não há tempo pra isso! Onde elas estão!?

Norman agarrou a garganta de Ben com as duas mãos, para impedi-lo de falar o paradeiro de MJ e Mari. Dedos poderosos esmagavam garganta, laringe e traquéia. Mas Ben passara tempo demais se sentindo sufocado. Aquilo tinha que terminar.

Bastou uma joelhada entre as pernas de Norman para se ver livre.

– MJ está no Edifício Internacional... A outra está no túnel do estádio dos Yankees.
– E onde nós estamos!?
– Avenida Lexington! – gritou, antes de ser atacado novamente por Norman.

Porém, Peter não teria como ajudá-lo. Estavam exatamente no meio do caminho entre o Edifício Internacional e o estádio dos Yankees. Não sabia quanto tempo tinha antes de a bomba explodir ou do metrô passar pela linha do túnel, mas estava contando que a bomba fosse demorar mais. Norman pretendia espancá-lo a noite toda antes de permitir que as visse morrer.

Pelo menos, foi isso que ficou repetindo para si mesmo enquanto corria pelas escadas do laboratório rumo à Avenida Lexington, próximo ao Central Park. Quando chegou à estação do metrô, começou a correr pelos trilhos o mais rápido que pôde. Assim que um trem passou a seu lado, usou a teia para grudar nele e ir de carona até o Bronx, onde fica o estádio dos Yankees.

Porém, ainda teria que correr bastante. A linha em que estava, a linha 4 do metrô, ia até o estádio, mas o túnel em que Mari estava presa era na linha B, um ramal pouco usado. Sua esperança era que nenhum trem passasse por ali nos próximos vinte minutos, o tempo que levaria para chegar lá. Peter não sabia, mas depois disso teria apenas dez minutos para atravessar a cidade de volta se quisesse salvar Mary Jane.

Cada parada em uma estação era uma agonia para ele.

Quando finalmente chegou à estação do estádio, correu por dentro da estação até a linha ramal, e voltou a correr pelos trilhos. Seu Sentido de Aranha começou a tilintar, baixo a princípio, mas logo era como um carrilhão de sinos em sua cabeça. Estava correndo o mais que podia, até que finalmente viu Mari acorrentada nos trilhos. Um trem estava vindo por trás de Peter e logo o ultrapassaria, matando-a.

Talvez se não estivesse tão cansado pela surra que levara de Ben e do Duende, conseguisse chegar a tempo. Mas o trem já estava com seus enormes faróis em suas costas.

Pulou dos trilhos para que o trem o alcançasse e pudesse aderir no seu enorme pára-brisa, quase sendo esmagado no processo. A velocidade era grande demais. O maquinista viu o Homem-Aranha e, entendendo a situação, tentou acionar os freios de emergência. O trem estava vazio, por isso ele pôde acionar os freios abruptamente. Porém, o trem vazio viajava numa velocidade bem maior.

Peter tentou deter seu avanço colocando o pé nos dormentes dos trilhos, reduzindo sua velocidade. Sua perna quase foi esmagada pela pressão, enquanto os dormentes explodiam a seus pés, lançando afiadas lascas de madeira pra todos os lados. Sentiu o trem estremecer com sua tentativa, mas aquilo não foi suficiente para detê-lo. Nos poucos segundos que se passaram desde que subira na dianteira do trem, ele quase não reduzira a velocidade. O metal guinchava com o atrito entre as rodas e os trilhos, o metal despejava fogo, iluminando o túnel e Mari estava cada vez mais próxima. Tentou, então, deter o avanço do trem lançando suas teias para os lados, fixando-as nas paredes do túnel. Seus antebraços despejaram a teia fartamente, formando um lençol branco que parecia tentar arrancar seus braços. As paredes do túnel perdiam concreto, tijolos e aço para as teias.

Mari estava cada vez mais próxima.

Por fim, colocou novamente o pé nos dormentes, tentando desacelerar o trem. A madeira explodia, seus braços pareciam estar sendo arrancados, o cansaço já tinha tirado muito de suas forças, mas a simples idéia de que Mari morreria se falhasse aumentava a sua determinação.

Ela estava cada vez mais próxima.

A dor aumentava, precisava lutar para manter a consciência. Se desmaiasse, tudo estaria perdido.

Mais próxima...

O metal uivou cada vez mais altos, as rodas do trem estavam incandescentes, Mari estava a poucos metros de distância e, após treze segundos que pareceram uma eternidade, o trem finalmente parou.

Peter caiu em cima de Mari, que ainda se debatia contra as correntes.

Pôde ouvi-la dizendo seu nome.

Não conseguiria erguê-la, pelo menos não naquele instante. A única coisa em que conseguiu pensar foi abraçá-la. Ela se acalmou e Peter balbuciou um “obrigado”. Não sabia exatamente a quem estava agradecendo, ou por quê. Mas sentia-se grato. Mais do que já estivera em toda sua vida.

Enquanto isso, no extremo sul de Manhattan, o marcador da bomba aos pés de Mary Jane mostrava menos de dois minutos para a detonação.

Mary Jane não fazia idéia de que havia uma bomba ali, mas por causa do vento gelado que insistia em castigá-la, já havia presumido que estava presa à torre de algum prédio. Restava saber se seria encontrada, se Peter sabia que estava ali.

Se ele ainda estava vivo.

O Edifício Internacional tinha 66 andares, Mary Jane estava amarrada a uma torre a quase trezentos metros do solo. Foi o prédio mais alto da baixa Mahattan até 1973, quando o World Trade Center foi construído. Atualmente, é o quinto mais alto de Nova York, e o décimo-quarto dos Estados Unidos. Mary Jane não sabia nenhuma dessas coisas. Só sabia que estava com medo de morrer ali, sozinha.

Sem ver Peter novamente.

Pensou então em todos os sonhos que tivera com o ex-marido, todos os planos, tudo que não conseguiram conquistar juntos. Uma filha, uma família. Um casamento. Tudo aquilo lhe parecia tão distante agora, tão amargo. As lágrimas escorriam pelo seu rosto, quando resolveu fazer uma oração. Não tinha mais esperança de ver Peter novamente, não tinha esperança de escapar com vida. Talvez fosse o fim para os dois. Talvez o reencontrasse de novo em algum outro lugar. Sabia que, se jamais o tivesse conhecido, não estaria prestes a morrer naquele instante. Mesmo assim, agradeceu pelos momentos que tiveram juntos. A alegria que compartilharam fez tudo valer à pena e, se pudesse voltar atrás, faria tudo de novo, exatamente do mesmo jeito. Pediu perdão e perdoou, pensou em sua tia Anna, na tia May e em todas as pessoas que conhecera. Em John Jameson, Harry Osborn, Flash Thompson, Liz Allen e até em Gwen Stacy. Pensou em como queria ter tido uma filha, em como queria ter constituído família. Pediu para não sentir dor.

E parou de chorar.

Sentiu, então, o prédio estremecer um pouco e, segundos depois, o ar esquentou enquanto o som de uma explosão fez os ouvidos dela zumbirem um pouco. Ficou pensando se aquilo era a morte. Subitamente, sua venda foi arrancada.

– Peter!
– Não.
– Você... Eu conheço essa roupa...
– Eu ataquei vocês, Mary Jane. Sinto muito.
– Não... Não pode ser...
– Sim, sou eu mesmo. Agora venha. Temos que salvar Peter.

O túnel do metrô:
Salva.

Mari estava salva.

O plano do Duende Verde para matá-la tinha falhado. O Homem-Aranha conseguiu deter um trem em movimento, usando apenas suas teias e sua força. Pela primeira vez, agradeceu pelas teias orgânicas. Se dependesse dos seus velhos cartuchos e lançadores, elas teriam se esgotado antes mesmo de entrar nos túneis em que Mari estava presa. Acorrentada, enquanto uma composição vazia do metrô trafegava em alta velocidade por uma linha pouco utilizada. Ela teria morrido se não fosse...

Ben Reilly.

O clone.

Ben estava vivo, e foi novamente um peão nas mãos de Norman Osborn. Sob a alcunha de Joe Luto, seqüestrou Marianne Potter, Mary Jane e o próprio Peter, como parte de mais um dos sonhos insanos de Norman para ter seu filho de volta. Ainda que fosse um clone de seu mais odiado inimigo. Peter estaria morto agora, surrado pelos dois, se não fosse a lembrança da tia May trazer Ben de volta à razão. Ele, Mari e...

Mary Jane!

Meu Deus!, pensou Peter. Ben estava segurando o Norman naquele laboratório enquanto eu vinha pra cá. Ainda tenho que salvar Mary Jane!

Reunindo suas forças, o Homem-Aranha começou a forçar as correntes que prendiam Mari. O maquinista da composição já tinha saído dali, procurando ajuda. Tinha se machucado um pouco durante a freada forçada pelo Aracnídeo. Talvez tivesse um kit de primeiros socorros lá dentro, mas precisava tranqüilizar sua colega de trabalho de alguma forma. Tentou forçar uma voz mais sombria para que ela não o reconhecesse:

– Fique tranqüila, senhorita... Eu vou...

Sentiu-se ridículo. Como o Batman fazia aquilo funcionar?! Provavelmente, ela sequer estava ouvindo, por causa do barulho do alarme do trem.

Mas, antes que pudesse descobrir, um golpe violento o arremessou em direção a uma das paredes do túnel.

– Não pense que já acabei com você, Peter!

”Peter?”, pensou Mari, enquanto tentava se desvencilhar das correntes.

Talvez estivesse enganada. Talvez aquela cacofonia infernal de metal e fogo se chocando estivesse mascarando o som de vozes. Talvez seus ouvidos, ainda zumbindo após terem ido ao limite do suportável, não estivessem mais distinguindo o que acontecia ao seu redor. Estava vendada e tudo que sabia é que alguém tinha feito muito barulho para deter um trem, e depois caído em cima dela. O que estava acontecendo agora, ela podia apenas supor. Mas, se Peter estivesse de alguma forma envolvido, o que isso queria dizer?

O que isso significava para os dois?

Antes de descobrir, precisava sobreviver. O barulho de explosões lhe deu a motivação necessária para se livrar das correntes e do capuz que a vendava. O Duende Verde, um notório criminoso de Nova York, estava lutando com o Homem-Aranha, usando explosivos e lâminas. Então, o Aracnídeo a tinha salvado... Isso lhe dizia muito mais sobre Peter Parker do que poderia entender, mas não podia perder tempo fazendo uma análise investigativa.

O Duende Verde é um assassino, todos sabiam disso.

Ou escapava dali, ou seus colegas estariam investigando sua morte na manhã seguinte.

– Está se achando esperto hoje, heróizinho!?
– Volta pro caixão, Duende!
– Eu vou levar você comigo, idiota! Eu vou destruir a sua vida e a de todos que você ama antes que meu tempo na Terra esteja terminado!
– Melhor correr, então. Você tá cada dia mais enrugado...
– Hahahahahaha!

O Duende não gargalhava por causa das piadas. Não era pela emoção, não era pela luta. Não era pela vitória, nem pela expectativa de derrotar seu maior adversário, seu mais odiado inimigo.

Era apenas um reflexo de sua loucura.

Peter tinha pesadelos com a gargalhada do Duende Verde, mas sempre enfrentou os seus medos. Não seria diferente agora.

Saltou da parede onde estava em direção ao vilão, esquivando-se lâminas-morcego e bombas-abóbora. Atingiu-lhe reunindo todas as forças para um soco poderoso o bastante para abrir uma parede de concreto, esperando nocautear seu antagonista. Infelizmente, a fórmula que enlouquecera o Norman Osborn também era responsável pela sua força descomunal. Ele caiu do jato-morcego, em pé, enquanto seu planador se chocava com o trem. O Homem-Aranha caiu no chão mantendo uma postura agressiva, disparando bolas de teia.

Curiosamente, as bolas de teia foram idéia de Ben. Ele as chamava de “teias de impacto”, e atingiam com bastante força. Apenas a agilidade do Duende Verde impedia que ele fosse pego pelo ataque, mas Peter não tinha tempo para o balé macabro que os dois apresentavam. Tinha que salvar Mary Jane.

Mas o que acontecera com Ben Reilly?

– Onde está o Ben, Duende?! O que você fez com ele?
– Ah, não se preocupe... Infelizmente, ele puxou a você não apenas na estupidez... Aquele patético arremedo de vida foi salvar sua outra namoradinha... Mas, pelo sinal em meu pulso, parece que ele chegou tarde...
– Seu filho duma...

O Duende não parou de gargalhar enquanto o Homem-Aranha o atacava ferozmente, com socos e chutes. Precisava se esquivar, ou Peter o mataria, ainda que acidentalmente. Mas não seria uma divertida ironia, ver seu inimigo traindo todos os princípios pelos quais lutava?

Talvez outro dia.

Segurou seu adversário pelos ombros, dando-lhe uma cabeçada no nariz e, em seguida, um chute violento no peito. Arremessou, então, duas lâminas-morcego para o teto, que explodiram após dois segundos. A luz da lua invadiu o túnel.

– Vamos levar essa discussão lá pra fora, cretino!

Com um comando em seu pulso, o Duende Verde trouxe seu jato para perto, montando-o para ganhar as ruas. Antes que Peter pudesse lançar as teias que o levaria atrás dele, contudo, ouviu uma voz familiar perto dali. Era Mari:

– Homem-Aranha?
– Moça, melhor você procurar um lugar mais seguro, antes que...
– Obrigada.

Aquilo amoleceu Peter. Por mais que estivesse determinado a lutar até o fim para colocar um basta na loucura do Duende Verde, ouvir Mari mexeu com ele de uma maneira que ele não esperava ser possível. Não depois de todos os problemas que tivera com Mary Jane, ainda mais considerando que conhecia Mari Potter há muito pouco tempo. Mas sentia algo muito positivo nela, algo que o fazia acreditar no futuro.

Algo que não sentia há muito tempo.

Esperança.

Antes que pudesse verbalizar seus sentimentos, lembrou que ainda estava usando máscara. Ainda era o Homem-Aranha diante dela. E lembrou disso ao ouvir as explosões das bombas-abóbora, enquanto o Duende Verde levava o caos à cidade.

Resolveu sair sem dizer nada, ou poderia se entregar. Peter não sabia mas, para Mari, aquele silêncio era muito eloqüente.

Afinal, ela sempre o deixava sem palavras.

Quem é você, afinal?, pensou Mari, enquanto se virava para encontrar uma saída daquele túnel. Não tinha forças para correr, mas precisava sair dali o mais depressa possível. O Homem-Aranha tinha razão, não era seguro ficar nos túneis. Tinha que encontrar um telefone, chamar a polícia, voltar pra casa. Enquanto corria, o homem misterioso de roupa preta que a seqüestrara horas antes passou correndo, em sentido contrário, carregando uma ruiva nos braços. Por um instante, achou que ele tinha vindo atrás dela. Mas era claro que ele só podia estar atrás do Homem-Aranha. E quem seria aquela mulher? De qualquer forma, precisava retribuir o favor que o Homem-Aranha lhe fizera ao salvar sua vida.

Alheio a tudo isso, o Homem-Aranha só conseguia pensar em encontrar uma maneira de derrotar Norman Osborn, o Duende Verde. Geralmente, a tática do “bater até quebrar” era o suficiente, mas estava em franca desvantagem. Precisou para um trem - um trem!– usando sua força. Não restava a menor dúvida de que Norman estava em melhores condições para lutar. Mas isso não o deteria. Não enquanto não tivesse certeza de que Mary Jane e Ben Reilly estava a salvo.

– Resolveu voltar para a luta, Aranhinha!? Pensei que tinha se acovardado!
– Cale a boca.

A melhor coisa era não perder tempo, nem com piadas, nem com a conversa furada do Duende. Estava cansado demais, preocupado demais, para dar importância às provocações de seu inimigo. Os socos, longe do chão, pareciam coreografados para infligir o máximo de dano, com o máximo de risco. A qualquer momento, podiam despencar do planador, que voava cada vez mais alto. Mas aquilo tinha que terminar.

Chocaram-se contra o pilar de uma das torres da estação, usada para distribuição de água e transmissão via rádio nos anos 70. Agora, era apenas uma guarita de segurança muito grande. As luvas de Peter começavam a se desfazer no rosto do Duende, enquanto o mesmo acontecia com Norman. Cada novo golpe era comemorado silenciosamente, cada gota de sangue do inimigo fazia as cicatrizes valerem à pena.

Passou pela cabeça de Peter que vencer aquela luta não era o suficiente. Precisava dar uma surra em Norman que ele jamais esqueceria. Precisava ter certeza de que ele sentiria muita dor no dia seguinte pela manhã.

Placas de concreto se desprendiam da parede, o planador voava irregularmente. Acabaram por chegar à enorme janela que servia de guarita, estourando-a e caindo dentro de uma central com monitores. Era dali que os túneis eram vistoriados todos os dias, mas não àquela hora da madrugada. Não havia ninguém de olho nos túneis. Norman escolheu bem o local para colocar em prática seus planos.

– Espero que a gravação do seu desespero tenha ficado boa, Parker!
– Chega, Norman! Até quando você vai ferir outras pessoas pra me prejudicar!?
– Até você morrer junto com elas e pagar por tudo que fez!
– É você quem devia pagar, seu lunático! Por todas as pessoas que você matou só pra provar algo pra mim, para seu filho...
– Não ouse colocar o Harry nessa discussão!
– Por que? Ah, esqueci que a exclusividade em “deixar o Harry de fora” é sua...
– Morra!

Aquela era a resposta que Peter esperava. Emocional, descontrolada.

Ensandecida.

A luta recomeçou entre golpes poderosos dos dois oponentes. Agora era o momento de aproveitar a fúria cega de Norman. Peter usou suas teias de impacto diretamente no rosto do vilão. O Duende caiu sobre os monitores, tentando proteger o rosto, enquanto Peter o prendia com sua teia.

– Você vai ficar aqui até a polícia chegar, seu psicopata...
– Melhor trazerem... hmmm... peritos?! Hahahahaha!

Norman não estav protegendo o rosto.

Estava protegendo o pulso.

Nos controles de sua luva, ativou um dispositivo de detonação. Peter não sabia quanto tempo tinha, mas precisava desativá-la, precisava tirar Norman dali. Puxou o vilão até a janela com todas as suas forças, arrebentando a teia. Era estranho, mas ainda não tinha parado para compará-la com sua velha teia artificial. A textura era muito parecida, era apenas mais clara, quase translúcida.

E, infelizmente, muito mais resistente.

Finalmente, conseguiu arrancá-lo dos monitores. O Duende não parava de gargalhar, muito para o desespero de Peter, que já estava se sentindo pressionado o bastante ao salvar a vida de seu inimigo. Arremessou longe a sacola onde ficavam suas bombas e saltou, apenas uma fração de segundo antes de uma explosão mandar pelos ares toda a parte superior da torre. Usou sua teia para deter a queda enquanto, com o outro braço, segurava Norman. A manobra quase arrancou seu braço, mas isso não era o pior.

O Duende não parava de gargalhar.

O fogo e os destroços os derrubaram dali, atingindo pesadamente o chão.

Apenas Norman se levantou.

A tempestade flamejante acima deles abafava o som de sua voz. Peter estava lutando contra a inconsciência mas, quando as mãos de Norman envolveram seu pescoço, jurou ter ouvido seu inimigo destilando anos de ódio e rancor:

Você não vai morrer num acidente, Parker... Não vai morrer de velhice, ou de doença... Não vai morrer, a menos que seja pelas minhas mãos... A grande ironia é ter a chance de acabar com você logo depois de você salvar minha vida... Que grande idiota... Que grande desperdício de potencial... Eu podia ter feito de você um dos homens mais poderosos do país, podia ter te dado a Oscorp de bandeja... Eu viveria através de você, através de sua genialidade... Veria através de seus olhos e amaria pelo seu coração. Mas você recusou todas as chances que lhe dei, e por quê? Por causa de um estúpido código moral auto-imposto, uma justificativa pra sua própria covardia, pra sua incapacidade de encarar os problemas de frente e dar um fim neles! Devia ter me matado quando teve chance, Peter... Devia ter me deixado morrer. Eu não pretendo cometer o mesmo erro. E depois, vou atrás de Reilly, vou atrás de Mary Jane, da sua tia, da sua namoradinha nova, de todos os seus amigos, de cada pessoa que você conhece... Vou matar todos eles, seus parentes, familiares, amigos... Vou destruir cada pessoa cuja vida você possa ter tocado, cuja existência importe para você... Vou tirar tudo deles também, vou incendiar suas casas e salgar a terra para que nada, nunca mais, volte a crescer por onde quer que sua sombra tenha passado! E você morre hoje, sabendo que é tudo culpa sua... Sabendo que...

– Atrás...
– O que disse, Parker!? Vai implorar por sua vida?
– Atrás de você...
– Se você acha que isso é suficiente para lhe garantir mais alguns minutos de vida, está muito enganaaaAAAAHHH!

Ben era tão forte quanto Peter, e não estava tão cansado. Sob o impacto de poderosos golpes, Norman largou Peter.

E Ben Reilly tinha uma existência inteira de frustrações para fazer o Duende Verde pagar.

– Por que não me deixou morrer?! Por que não me matou, Duende? Eu não vou deixar Peter tirar uma vida, nem mesmo a sua... Mas nada vai me impedir de acabar com você! É hora do troco, seu desgraçado! A retribuição por ter me criado para sofrer...
– E você acha que é o único, Reilly? – balbuciou Norman, a máscara rasgada, o rosto ensangüentado. O sorriso zombeteiro do Duende não era uma parte de sua persona maligna, mas era um totem que ele usava para aterrorizar seus adversários. Um sorriso insano, mórbido, obsceno.

Diabólico.

– Você realmente acha que é o único?
– Ben... Não dê ouvidos a ele...
– Ora, Parker... Você é o mais interessado em saber a verdade... Clones não viram poeira em pleno ar! Não se desintegram como se fossem detergente biodegradável! Quantos experimentos vocês acham que eu realizei até acertar? Quantos acham que eu realizei depois de ter conseguido triunfar?
– Do que você está falando, afinal?!
– Ora, “tio Ben”... Como você acha que eu consegui tirar a pequena bebê May do hospital em que Mary Jane estava?! Eu tinha outras preocupações no momento, mas a verdade é que Mary Jane nunca deu entrada no hospital para dar à luz! Eu a substituí por um clone! Eu teria levado a verdadeira Mary Jane para a Europa, onde eu faria ela servir à minha vontade, mas o maldito Kaine deteve o barco que a transportava! Enquanto isso, meu clone de Mary Jane foi levado para o hospital, onde foi submetido a um trauma tão grande quanto perder uma criança! Peter Parker esteve casado com a Mary Jane-Bizarro! Hahahahaha!

O choque daquela revelação atingiu Ben e Peter. Não esperavam algo assim, nem do Duende Verde. Não havia nenhum indício que corroborasse sua afirmação, no entanto... No entanto, era algo que ambos sabiam ser perfeitamente capaz de ter vindo da mente doentia de Norman Osborn.

– Isso... Isso é impossível...
– Que diferença isso faz, “tio Ben"? Kaine está em algum lugar da Europa, casado com a verdadeira Mary Jane e criando a pequena bebê May. Isso é, se ele não derreteu. Sabe, eu nunca falei muito sobre o assunto, mas demorou um pouco até eu criar clones que não virassem chiclete...
– Mentiroso!
– Tanto faz... tanto faz...

Das palmas das mãos do Duende Verde surgiram duas lâminas, muito finas, que cortaram o ar num rápido movimento. Os dois pequenos punhais abriram um enorme corte em forma de “x” no peito de Ben.

– De qualquer forma, você vai morrer junto com Parker, seu monstrinho...

Mas Peter tinha voltado para a briga. Os golpes se sucediam rapidamente, cada um mais disposto que o outro a dar um fim às mentiras de Norman. Mas eram golpes movidos pelo desespero, por uma ânsia quase irracional de acabar com qualquer possibilidade de que aquilo pudesse ser verdade, que Mary Jane pudesse ser um clone. Não era mais uma questão de descobrir a verdade, mas sim de fugir dela, qualquer que fosse.

O som de sirenes tirou a concentração dos dois. Enquanto lutavam, Mari telefonou para a polícia e conseguiu ajuda. Seria o fim do Duende Verde, mas “Joe Luto” precisava desaparecer dali o quanto antes.

– Onde está Mary Jane?
– Eu a deixei perto daquele buraco no túnel do metrô.
– Ótimo. Vejo você no “local de sempre”.

Ben tratou de correr, dando grandes saltos para ficar longe do alcance da polícia. Assim que Peter deu o primeiro passo em direção aonde Mary Jane estava, foi atingido nas costas pelo Duende Verde.

– Este round é seu, Peter. Mas quem dorme com um barulho desses, hein? Hahaha!

O planador do Duende Verde tinha voltado e, com isso, a chance que o vilão precisava para fugir. Peter ainda podia ir atrás dele, mas queria tirar Mary Jane dali. Ela não estava longe. Abraçou-a e, usando suas teias, balançou-se para longe da estação.

Mary Jane, contudo, não abraçou Peter. Ela ficou de cabeça baixa, como se estivesse tentando esconder seus olhos. Parecia distante.

– Mary Jane? Ei, MJ! Você está bem?
– Eu... Eu ouvi o que Norman disse, Peter...

As viaturas chegaram logo em seguida, ninguém foi preso, ninguém foi interrogado. Marianne Potter ainda teve tempo de ver o Homem-Aranha se afastado com um a mulher ruiva em seus braços. O sol nascia despejando as tintas róseas da alvorada sobre Nova York, banhando a cidade com a luz de um novo dia.

A partir de então, nenhum dia seria mais como os anteriores, nunca mais.

Ponte do Brooklyn

– Como ela está, Peter?
– Eu... Não sei dizer. Abalada. Ela ouviu o que Norman disse. Sobre ela ser um clone.
– O quê!? Mas como? Eu a deixei...
– Ela não ia ficar esperando sem saber o que tinha acontecido com a gente. Quis ir ver a luta com os próprios olhos e acabou ouvindo tudo.
– Putz. Bom, não quer dizer que o Duende estivesse dizendo a verdade. Não seria a primeira vez que ele mente sobre... clones.
– Espero que MJ se convença disso.
– Você vai estar lá do lado dela, pra garantir isso.
– ...
– Não vai?
– Nós... Nos separamos alguns meses atrás. E não encontramos o caminho de volta.
– Sinto muito, Peter.
– Tudo bem. Eu segui em frente, MJ também.
– A tal Potter?
– É... No final das contas, é nela que estou pensando... Ela acabou sendo arrastada pra essa loucura, mas eu só queria poder dizer que tudo vai ficar bem. Minha vida mudou muito, eu mudei muito. Estou recomeçando. E acho que Mari é parte disso. A parte pela qual eu tenho que agradecer, por me ajudar a manter o foco.
– Quem diria... Quando eu ataquei você e Mary Jane, achei que ela não fosse tão importante assim. Mas, pelo visto...
– Falar com ela é tudo que importa agora. Quero que as coisas fiquem sérias entre a gente.
– A propósito, desculpe por ter atacado vocês...
– Tudo bem. Só acho irônico essa coisa do Norman ter acontecido logo agora. MJ está se sentindo sozinha, talvez mais do que jamais esteve.
– Eu conheço a sensação. Acredite, eu entendo perfeitamente.
– Pode fazer algo por ela, Ben?
– EU?! Mas o que eu vou dizer pra ela, "o Peter não vem"?
– Você vai saber o que dizer. É o mais indiciado pra isso. Quem mais? Acho que você sofreu mais com a loucura de Norman do que eu. Quanto ele tirou de você? O quanto lhe foi negado? Roubado? Por falar nisso, onde você esteve esse tempo todo?
– Vagando... Sem memória... Vivendo nas ruas... Maus momentos eu tive, Peter. Quando voltei pra Nova York atrás de você, tinha certeza de que encontraria respostas. Mas Norman estava me esperando. O resto, você já sabe.
– Voltou pra ficar, agora?
– Não sei se tem espaço pra nós dois aqui. Isso ia atrapalhar sua vida, acho que vou pra um lugar onde possa viver em paz.
– Em paz? Você é meu clone!
– Heh. É verdade. Mas... “Joe Luto” foi idéia do Norman, não minha.
– Então você precisa voltar a ser o Aranha Escarlate.
– Hm, não sei...
– Ben, eu não sei como é passar pelo que você passou... Viver a sua vida... Mas, no fundo, é o que você é. É o que sempre vai ser. Chega de fugir. Quando o Norman roubou sua vida foi uma coisa, mas se você desistir do que você pode fazer agora, vai estar entregando a vitória pra ele por WO. Ele precisa saber que o Aranha Escarlate voltou. Precisa saber que perdeu. Que, não importa o quanto ele tente, nada vai te tirar do rumo certo. “Com grandes poderes...”
– Ok, já entendi! Você tem razão, Peter. Eu... Preciso ficar longe de Nova York, ou as pessoas vão começar a nos confundir. Preciso ter minha própria vida. Talvez você possa me ajudar com isso. Vou ser o Aranha Escarlate longe daqui e quero vir visitar meu “irmão” de vez em quando. Mas antes, tem uma coisa que eu quero lhe pedir.
– Claro, Ben.
– Eu quero ver a tia May de novo.

Os dois se abraçaram, cúmplices de um sentimento que os unia e não eram capazes de explicar. No fundo, o amor de tia May deu origem ao Homem-Aranha.

Criou Peter.

E também salvou Ben Reilly e o Aranha Escarlate.

Laboratório da Polícia

Era sábado. Ninguém viria trabalhar.

Peter não vem.

Marianne Potter estava sozinha, digitando freneticamente tudo que era capaz de se lembrar sobre a noite anterior. O Homem-Aranha, o tal Joe Luto, o Duende Verde...

E Peter Parker.

Ainda não entendia como ele se encaixava nisso tudo, mas tinha alguns palpites. Talvez estivesse sendo precipitada, talvez fosse desconfiança demais. Tinha seus traumas, como qualquer pessoa, tinha um histórico de relacionamentos que não deram certo. Custava a acreditar que Peter era assim. Se ele estivesse escondendo alguma coisa, mereceria sua confiança? Se descobrisse algo ruim a seu respeito, iria denunciá-lo? A única certeza que tinha é que não iria tolerar a dúvida. Já tinha levantado diversos arquivos da polícia sobre criminosos como o Duende Verde. Precisava cruzar informações, ver aonde tudo isso a levaria.

Apenas torcia para, qualquer que fosse a verdade, Peter a contasse antes que descobrisse sozinha.

Jamais ficaria com um homem em quem não pudesse confiar. Ou que não confiasse nela.

Centro

Mary Jane estava deitada no sofá, as janelas fechadas, seu apartamento completamente às escuras. Não ligou a TV nem o rádio. Estava perdendo uma reunião com uma conceituada estilista de Nova York, mas não se importava nem um pouco. Sequer estava pensando no assunto.

Peter não vem.

As palavras do Duende Verde não saíam de sua cabeça.

Quantos experimentos vocês acham que eu realizei até acertar? Quantos acham que eu realizei depois de ter conseguido triunfar?

Fazia sentido... Havia um clone de Gwen Stacy... Quem sabe quantos outros... Quem era real e quem não era... O próprio Ben acreditou ser o verdadeiro Peter Parker por algum tempo...

Como você acha que eu consegui tirar a pequena bebê May do hospital em que Mary Jane estava?!

Nunca puderam investigar a fundo, para não revelar a identidade de Peter. Norman podia fazer o que quisesse com ambos. Denunciá-lo significaria entregar o Homem-Aranha de bandeja a todos os seus inimigos. Significaria perder a bebê May para sempre.

Mary Jane nunca deu entrada no hospital para dar à luz!

Tudo que sentia, tudo que acreditava ser real... A dor do parto, da separação... Os planos para uma família... Tudo isso era falso? Que mente doentia orquestraria um plano tão diabólico? O trauma de ter perdido uma filha era, na verdade, causado pelo despertar em um hospital após ser tirada do laboratório onde fora “fabricada”?

Eu a substituí por um clone!

Norman já tinha mentido antes. Sobre várias coisas. Não seria a primeira vez. Mas ele sequer sabia que Mary Jane estava ali! Tinha certeza que ele não a vira! Tudo que fez foi escalar o buraco no túnel do metrô e se esgueirar até onde ele, Peter e Ben estavam lutando. Se aquilo era uma mentira, quem seria a vítima? Ela? Ou Peter?

Enquanto isso, meu clone de Mary Jane foi levado para o hospital, onde foi submetido a um trauma tão grande quanto perder uma criança!

Toda a dor, toda a tristeza, o incrível vazio dentro dela, todas as decisões que tomou depois, o casamento arruinado, relacionamentos que não vingavam, dúvidas, uma vida que não lhe pertencia, um amor que não era real... Seria essa a vingança do Duende Verde?

Peter Parker esteve casado com a Mary Jane-Bizarro!

Mary Jane ficou o dia todo no escuro, em silêncio. Não ligou a TV, não atendeu o telefone. Não pensou em outra coisa que não fosse desistir de uma vida que parecia ter sido uma mentira.


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Notas finais do capítulo

A seguir: Peter Parker investiga um terrível assassinato! Ben Reilly reencontra a tia May! O destino de Mary Jane! E o que será do namoro de Peter e Mari Potter?



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