The Amazing Spider-Man escrita por Leinad Ineger


Capítulo 30
Capitulo 30 - Revolução Industrial




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Onde está o Homem-Aranha?

Peter leu a matéria de primeira página do Clarim sem esboçar qualquer reação. Os editoriais de Jameson a princípio o incomodavam. Depois, se tornaram uma piada sem graça. Mas não sabia mais o que pensar. Como uma piada repetida à exaustão, que perde a graça depois de algum tempo, ler as acusações do seu velho editor tornou-se tão interessante quanto a previsão do tempo para a Venezuela.

O corpo ainda doía.

O coração, muito mais.

Sentia saudades dela, era uma boa amiga. Talvez devessem conversar. Sentia que seu vínculo com Felícia Hardy, a Gata Negra, estava longe de terminar. Mas, ultimamente, tinha agido... Fora de suas características. Não era mais o mesmo Homem-Aranha de outrora. Teve diversas luxações, escoriações, hematomas e arranhões, por causa de uma discussão idiota. Mas não era nada que ele não pudesseresolver com band-aids e analgésicos. Também não era a sensação de já ter passado por tudo isso antes com ela. Isso era fichinha, afinal, o relacionamento dos dois foi construído dessa forma.

Snap!

Era estranha a sensação de ter amigos que sequer o conheciam direito. Era assim com Semeghini. Tinha um mau pressentimento quanto ao fato do chefe de polícia vestir o uniforme do Vigilante e tentar ajudá-lo, mas o que dizer para alguém que coloca a responsabilidade acima de tudo? Mas desde que enfrentara o Camaleão, achava melhor abrir logo o jogo com Semeghini e dizer para ele desistir. Era arriscado demais para alguém sem Sentido de Aranha. Era arriscado demais para qualquer um. E não queria ver outra pessoa que o respeitava dentro da polícia morrendo.

Snap!

Não era mais um membro da Liga da Justiça. Tinha pedido afastamento. Não sabia se precisava formalizar o seu pedido ou se bastava não aparecer mais, mesmo assim resolveu conversar com o Caçador de Marte. Não fazia sentido em andar ao lado do Batman e, principalmente, do Superman, depois do que acontecera na Lua. Não queria mais encará-los. Não queria encarar ninguém, nem a tia May, nem Mary Jane ou quem quer que fosse. Precisava se afastar, precisava ficar sozinho, longe demais para ouvir as pessoas cobrando, perguntando, interrogando, os olhares acusadores, a inquisição que se formara ao seu redor.

As trevas de sua própria alma.

O verdadeiro problema era a sensação de que não tinha mais ninguém em quem confiar. Toda vez que esse pensamento o assombrava, tentava pensar no bem que há nas pessoas. Tentava se lembrar de que valia a pena se esforçar para ser melhor do que os criminosos que enfrentava.

Mas era difícil pensar dessa forma quando o estalo de um pescoço partido o trazia de volta à realidade.

Snap!

A Liga da Justiça ficava em sua Torre brilhante na Lua, enquanto crianças eram envenenadas, trabalhadores eram assassinados, gerações inteiras eram corrompidas por uma esteira de ódio e barbárie. Não era o ódio pura e simplesmente, mas a repulsa pela situação a que havíamos chegado que incomodava o Aracnídeo. Um vírus de corrupção parecia ter se apossado de tudo que era bom e decente, tudo que acreditava e pelo que sempre lutara.

O vírus finalmente se apossara dele próprio.

Ou a corrupção estaria apenas em seus olhos? Um reflexo distorcido de toda dor, sofrimento e miséria a que tinha sido submetido nos últimos meses? A vida nunca tinha sido fácil para Peter Parker, mas encarava a pior fase de sua vida. Primeiro, Semeghini e dois agentes do FBI matam um garoto para poupá-lo de sofrimento. Depois, o Carnificina promove um massacre no Ravencroft. Finalmente, foi a vez de Norman Osborn transformar seu mais antigo amigo, Flash Thompson, no novo Duende Verde. A situação tinha se tornado insustentável por si só, a melhor coisa nessas horas é não sair da cama.

Mas ele saiu.

E encontrou o Homem-Areia e o Justiceiro.

Depois, foi atacado pela Mulher-Aranha, pela Gata Negra, Camaleão e finalmente...

Snap!

Perdeu o emprego na Universidade Empire State, por conta da confusão em que Felícia Hardy o envolvera. Perdeu a amizade da Gata Negra. Perdeu Flash Thompson, vítima de Norman Osborn. Perdeu o status de membro da Liga.

Snap!

Ajoelhou-se na calçada em plena Quinta Avenida e começou a vomitar.

Talvez tivesse conseguido dar conta da situação se estivesse dormindo bem. Mas ao enfrentar o Camaleão, um conhecido terrorista internacional, ainda sentindo dores pelo seu confronto com o Homem-Areia, a Mulher-Aranha despejou seu veneno bio-elétrico nos pulsos do Aracnídeo, explodindo seus lançadores de teia e deixando-o com sérias queimaduras nos antebraços. Felizmente, os médicos da SHIELD estavam prevendo muitas mortes e, se é que podemos agradecer por esse tipo de previsão, fizeram curativos e lhe deram antibióticos.

Muitos antibióticos.

Snap!

Estava tomado por uma estranha apatia. Nada parecia realmente importar. Continuou vomitando, uma cidade inteira indiferente ao que se passava com ele. Os pulsos voltaram a doer, precisava voltar pra casa. Não! Precisava arrumar um novo emprego, se estabelecer... Precisava de amigos...

Snap!

Recostou-se num prédio atrás de si, tentando respirar. Tudo girava ao seu redor, pensamentos desconexos atropelavam seu raciocínio, ao mesmo tempo que fazia força para não pensar Não pense! Não pense!, tinha que tirar tudo da cabeça Não pense!, era só levantar a cabeça, respirar fundo e Não pense NELA!

Snap

Gwen.

Escalou a parede do edifício em plena luz do dia, o mais rapidamente que conseguiu, sem se importar com máscaras ou as pessoas na rua.

Só queria fugir.

Em outra parte da cidade...

O chão tremia de maneira ritmada, como se fossem passos.

Instintivamente, as pessoas começavam a correr, se dando conta de que, o que quer que estivesse causando aqueles tremores, boa coisa não devia ser.

Então o asfalto começou a se romper.

Uma explosão arremessou pedaços de concreto, rocha e água dos encanamentos. Um ciborgue com uma bandeira dos Estados Unidos presa no rosto saiu do meio da confusão. Suas pernas pneumáticas o levaram para fora do buraco na rua, enquanto seus braços assumiam a configuração de enormes metralhadoras. Os disparos atingiram os prédios próximos e alguns carros, mas, felizmente, não havia ninguém por perto para ser ferido. O ciborgue urrava descontrolado, deixando um rastro de destruição atrás de si. A configuração das armas nos braços mudava rapidamente, de metralhadora para uma bazuca. Os disparos podiam derrubar uma casa.

As pernas do ciborgue mudaram de configuração, então. Num instante, transformaram-se em poderosos propulsores pneumáticos. Ele caminhava pelas ruas, destruindo carros, as armas despejando fogo e gritos de dor. Em instantes, teria devastado todo o centro.

Antes que a histeria fosse longe demais, contudo, o ciborgue pareceu tomado de uma súbita vertigem, cessando os ataques e caindo em direção ao solo. Uma nova peça fora adicionado ao jogo:

– Muito bem, o que temos aqui? Nada que eu não possa...

O ciborgue tentava reagir. Seus sensores óticos captaram a imagem de um homem parado à sua frente, com um jato propulsor nas costas e um capacete que cobria todo o rosto.

– Ajude-me...
– O quê!? Peraí... Seu cérebro... Eu não posso...

Uma explosão os interrompeu. O ciborgue estava se recuperando rapidamente. Placas se levantaram em suas costas, disparando pequenas minas ao redor. A próxima leva de minas tinha o alvo travado à sua frente.

Com uma manobra rápida, o novo candidato a herói de Nova York decolou, escapando de ser reduzido a pó pelas explosões que se seguiram. Julgava-se capaz de deter a monstruosidade mecânica à sua frente, mas fracassara em sua primeira tentativa.

Tentou então rodeá-lo, atraindo os disparos, mas não estava fazendo nada que, efetivamente, pudesse deter o ciborgue. Precisava pensar rápido se quisesse impedir que Manhattan fosse devastada pela sua luta, mas não carregava armas.

Precisava de um plano, mas a súbita chegada da polícia só piorava as coisas. Quatro viaturas cercaram o ciborgue, policiais apontavam suas armas, convencidos de sua autoridade e o monstro mecânico, subitamente, parou.

O barulho de seus mecanismos continuava, como se ele estivesse apenas aguardando o momento certo.

– Você aí – disse um dos policiais, se aproximando. – Quem diabos é você?
– Eu sou a Grande Máquina.
– A... O quê?!
– Grande Máquina.
– É pra levar a sério?
– Ei, eu estou tentando ajudar!
– Ok, ok... Eu sou o chefe de polícia Semeghini. Estou no comando aqui. Agora, afaste-se, sim? Precisamos ver como...

Ruídos mecânicos... Engrenagens, ódio, vingança...

– Policial, acho melhor sair de perto antes que...

A nova configuração do ciborgue gerou tentáculos hidráulicos, muito parecidos com os do Dr Octopus. Os tentáculos começaram a girar furiosamente, ampliando o perímetro ao redor do ciborgue. Por muito pouco, Semeghini não foi cortado ao meio, tendo sido salvo no último instante pelo Grande Máquina.

– Parece que o problema está longe de terminar...
– Como você conseguiu derrubá-lo antes?
– Eu... posso controlar máquinas. Mas é mais difícil com ele.
– Por que?
– Muitas partes orgânicas. Acho que tem um cérebro humano no comando. Eu desativo, ele ativa de novo. Tenho medo de causar alguma lesão permanente.
– Não me leva a mal, mas acho que estamos ficando sem muitas opções. Não tem outra maneira de amansar esse cara?
– Distrai ele que eu tento travar o armamento.
– Distrair? Como?

Grande Máquina respondeu deixando Semeghini no chão com um rasante. Os policiais atiravam, tentando sair do alcance dos tentáculos, mas a maioria dos disparos seuqer atingia o ciborgue. Os tentáculos repeliam as balas – e também serviam para arremessar os carros longe. Uma viatura da polícia se lançou em alta velocidade contra o ciborgue – com Semeghini dirigindo.

O carro se chocou de frente contra o ciborgue, que não teve tempo de reagir. A viatura o arrastou por vários metros, até se chocar contra um muro. Era a deixa que Grande Máquina esperava para chegar mais perto e, num esforço de concentração, desativar o ciborgue definitivamente.

– Muito bem... “Grande Máquina”. Valeu pela ajuda.
– Bom, eu... Disponha. Eu não sabia muito bem se...
– Tudo bem, o importante é que funcionou. Escuta, não quero ter que prender você... Que tal cair fora rapidinho?
– Como é?
– Vigilantismo ainda é ilegal. E olha que sou amigo do Homem-Aranha. Mas eu sei que, às vezes, precisamos mandar as regras às favas. Sou grato pela ajuda, mas não dá pra fazer algo mais formal, entende?
– Claro... Sem problema.
– Valeu.
– Tá. Obrigado.
– Vai pela sombra.

Grande Máquina se afastou, deixando para trás uma Avenida 42 interditada pela destruição, pensando consigo mesmo: “Eu só estava tentando ajudar.”

... ao vivo da Avenida 42, onde um misterioso novo herói acaba de ajudar a polícia a deter o ciborgue.

– Peter, onde você foi se meter?

Mary Jane grudou os olhos na TV, esperando por notícias de seu ex-marido. Pelo jeito, a situação tinha sido resolvida, mas onde estava o Aranha? As últimas notícias não eram nada boas. Peter Parker estava mergulhado em um inferno astral que parecia não ter fim. Sentia-se culpada. Não estava sendo honesta com ele.

Mas como é possível sermos desonestos, ou desleais, com alguém que não faz mais parte de nossa vida?

Tudo que queria era retomar sua antiga vida. Não importava para ela que o Aranha fosse considerado o inimigo público número 1 de Nova York, ou que sua vida passasse a correr risco constante ao lado dele.

Ao menos, sentiria-se segura. E não perdida. Como agora.

O telefone tocou. Ela sabia que não devia atender, precisava ficar no seu canto, quieta, sozinha, até que Peter a encontrasse. Não podia dar chance para uma interpretação equivocada de suas amizades. Os paparazzo a seguiam por toda parte, sabia que logo estamparia as primeiras páginas dos tablóides. Sua vida social era um prato cheio para os fofoqueiros de plantão.

Curiosamente, Peter era a âncora que a mantinha com os pés no chão, seu porto seguro. Ele era apenas um fotógrafo, cientista nas horas vagas. Uma vida comum, com salário comum, amigos comuns. Nada de badalações, amizades oportunistas ou dinheiro em todas as questões.

Eram apenas um casal. Um belo casal.

E se fosse ele ao telefone?

– Alô?
– Mary Jane? Sou eu, John Jameson.

Grande Máquina resolveu acompanhar, voando à altura dos prédios, o caminhão da polícia. Transporte de prisioneiros sempre era uma operação delicada, ainda mais com um prisioneiro daquele porte. Braços e armas integrados ao mais avançado sistema de armas, rede neural de alta velocidade, uma alma humana presa a um demônio de aço e silício. Podia entender a linguagem das máquinas, mas não sabia como eraser uma delas. Aquilo ia além muito além do que seus poderes podiam compreender.

Enquanto sobrevoava a cidade, notou uma estranha perturbação no tráfego. Alguns sinais mudaram subitamente de verde para vermelho, num estranho efeito dominó. Dois carros esporte pretos se aproximavam a alta velocidade, causando o caos no trânsito já complicado da metrópole. Àquela hora da manhã, não deveria haver uma confusão como essas. A menos, é claro, que a coisa estivesse sendo manipulada por alguém...

Num vôo rasante, Grande Máquina se aproximou do asfalto, apenas para ser recebido por uma saraivada de balas. Levantou vôo novamente, fugindo do alcance dos disparos. Mas tinha uma vantagem.

Ninguém sabia do que ele era capaz.

Ao voar por cima dos veículos, gritou para que as armas parassem de atirar. Isso causaria estranheza a qualquer testemunha que passasse pelo local, mas as armas obedeceram ao comando. Os carros, então, tomaram rotas diferentes pelo centro da cidade. Grande Máquina podia ver que direção eles tomaram, mas só tinha como perseguir um. E os carros estavam longe demais para que ele ordenasse qualquer coisa.

Escolheu o da direita.

O veículo seguiu pela contra-mão em diversas avenidas, aproveitando-se do trânsito lento. Grande Máquina não tinha habilidade o suficiente para alcançá-los em vôo, mas podia esperar que cometessem algum erro. O carro parou próximo ao cais e seus ocupantes partiram em disparada à pé. Usavam um estranho uniforme que cobria o corpo inteiro e uma máscara grande, que ocultava suas identidades.

Grande Máquina pegou um deles e subiu até a altura da Estátua da Liberdade, para incredulidade do marginal:

– Está vendo aquilo ali? Está vendo!? Eu arremesso sua cara imunda lá se você não me disser quem são vocês e de onde vieram, entendeu bem?! Quem os mandou aqui? O que querem com aquele ciborgue?!
– Nós... Eu não posso... Não posso!
– Não brinca comigo!
– Não me solta! Não me solta!
Diga!
– IMA!

Aquele nome não significava muito para Grande Máquina, mas já tinha por onde começar. Desceu rapidamente até o local onde encontrara os dois carros, mas a polícia já tinha cercado a área. O transporte de prisioneiros tinha desaparecido, o ciborgue fora levado e os policiais tinha sido mortos.

– Droga... O que eu faço agora?
– Aceita uma ajuda?

Grande Máquina se virou e se deparou com um vulto em preto e branco.

Homem-Aranha!?

Horas atrás:

Respire...

Sentia o vento batendo em seu rosto. Era um alívio. Estava no alto de um dos muitos arranha-céus de Manhattan, mas sequer lembrava de como tinha ido parar lá. Não devia ter saído de casa, não devia ter se metido procurar um emprego nessas condições. Não tinha condições sequer de se levantar. Precisava ir pra casa, dormir um pouco, comer as panquecas da tia May. Qualquer coisa que não tivesse relação com aquele uniforme, com aquela vida idiota de viver apanhando. Precisava de um emprego, mas a Gata Negra já tinha arruinado tudo. Precisava de Mary Jane, mas não tinha notícias dela há dias. Precisava dela mais do que nunca. Era incompleto sem ela.

Defeituoso.

Fraco.

Alquebrado.

Respire, Peter... Respire...

O vento esfriava o suor em seu resto, um bálsamo depois de tantos meses de lutas violentas e descerebradas. O mundo estava mais perigoso, mais sanguinário. Talvez não houvesse um lugar para o Homem-Aranha nessa cidade. Talvez Nova York estivesse se tornando outra Gotham City, podre, corrupta, decadente.

Talvez o Aranha precisasse morrer, e então renascer.

Estava velho. Ultrapassado. Em uma noite, o Carnificina promoveu uma contagem de corpos na casa de três dígitos. O Homem-Areia só não o matara por muito pouco. Seu melhor amigo, Flash Thompson, tinha vestido o uniforme do Duende Verde, aterrorizando a cidade. Até mesmo Felícia...

Respire, Mary Jane...

Não!

Estava decidido. Ia se levantar e voltar pra casa. Ia tomar um bom banho, adormecer na frente da TV e procurar emprego na manhã seguinte. Ia falar com Tony Stark, Reed Richards ou qualquer outro membro da comunidade heróica que pudesse lhe oferecer trabalho. Talvez até saísse de Nova York pra tentar a sorte em Metrópolis. Podia trabalhar no Planeta Diário, ao lado dos melhores jornalistas do país, a cidade do...

Não, não queria ir para Metrópolis. Os pesadelos o perseguiriam lá, precisava fugir, esquecer, deixar tudo para trás, todos os pesadelos, a Liga da Justiça, o bebê...

Ia levar Mary Jane e a tia May consigo, elas iam gostar de viver em um lugar onde não há extremistas arremessando aviões contra os edifícios, ou serial killers com super-poderes esperando em cada esquina. Ia esquecer essa bobagem de Homem-Aranha e nunca mais precisaria vestir aquele uniforme...

O som de sirenes dispersou seus pensamentos.

Aproximou-se do beiral do prédio com dificuldade. Um branco.Talvez fosse um desmaio, não tinha certeza.

Quando abriu os olhos novamente, sentiu-se desorientado. Não entendeu o que tinha acontecido. Falhas de memória? Os antebraços queimavam de dor. Precisava fazer alguma coisa. Ir a um médico, tomar um antibiótico.... Ajudar.

Sim, é para isso que o Homem-Aranha servia.

Para ajudar.

Mesmo que não haja recompensa ou reconhecimento. Mesmo que seja por pura e simples teimosia.

Mas o Homem-Aranha precisava morrer, precisava mudar, precisava se tornar...

Algo novo.

Livre do passado, livre de comparações. Ainda tinha seus lançadores de teia, voltou para casa torcendo para não ter jogado fora. Tinha dificuldade em se libertar do passado. O tecido roçou em suas mãos parecendo acolhê-lo de volta.

Vestiu a máscara.

Estava vivo novamente!

Agora:

– Homem-Aranha...!?
– Onde está o Semeghini?
– Eu...

A voz do Aracnídeo soava pesada, distante. Fria. Não era o que o Grande Máquina esperava de seu primeiroencontro com o herói mais popular de Nova York. Os relatos de suas aventuras, os inimigos que enfrentava, as perseguições da imprensa... E ali estava ele, diante do Homem-Aranha.

– Você conhece o Semeghini?
– Quem? Ah, o chefe de polícia... Claro, eu...
– Estou aqui, Aranha – disse Semeghini, se aproximando. – Bonita roupa.
– O que aconteceu?
– Um ciborgue assassino apareceu no centro, destruindo tudo. O “Grande Máquina” aí ajudou a polícia a detê-lo, mas o transporte em que colocamos o ciborgue foi atacado.
– Herói novo na cidade?
– É, eu... Eu consigo “controlar” máquinas. Conversar com elas.
– Parece bacana.
– Eu consegui interrogar um dos caras. Tem o nome que eu arranquei de um deles. IMA. Te diz alguma coisa?
– Idéias Mecânicas Avançadas. É uma organização terrorista.
– Sabe onde é a base secreta deles?
– Nem idéia.
– Então voltamos à estaca zero, Aranha.
– Tem certeza? Se você pode mesmo controlar máquinas... Dá pra usar e descobrir onde está o tal ciborgue?
– Dá pra rastrear transmissões com o meu capacete. Talvez eu capte algo suspeito.
– Tá, vai tentando aí.

Enquanto sintonizava seu capacete e dava comandos para localizar transmissões com palavras-chave específicas, Grande Máquina se afastou do Aranha e dos policiais. O Aranha não queria atrapalhar, nem que percebessem o quanto estava abatido. Ficar sozinho era a melhor opção para o momento.

– Acho que podemos confiar nele.
– ...
– Aranha, está tudo bem?
– Está. Está sim, Semeghini. Por que não estaria?
– Até onde eu sei, esse uniforme negro diz respeito a um capítulo da sua vida que você queria esquecer. É o uniforme do Venom, não é?
– Era meu antes de ser dele. Você conhece o Venom?
– Já o persegui uma vez.
– Eu não sou ele, Semega. Só acho que essa roupa pode me dar mais vantagem. Além do mais, andei passando por muita coisa e...
– É justamente sobre isso que eu queria conversar. Parece que você tem um amigo precisando de ajuda, não?
– Como é?
– Peter Parker, do Clarim. Você o conhece, não é?
– Como sabe sobre Parker?
– Aranha, isso tem que ficar só entre nós dois. Eu andei fazendo umas investigações por conta própria e acabei fazendo uma amizade em comum. Felicia Hardy. Ela pediu pra eu falar com você, pedir pra você entrar em contato com o Parker pra mim. Parece que ele é um cientista brilhante e está desempregando. Acontece que tem vaga pra polícia científica de Nova York, e a Srta Hardy tinha me sugerido o nome dele. Disse que você o conhece e tal, mas é muito importante que você não diga ao Parker que foi a Hardy que sugeriu o nome dele.

O Aracnídeo ficou em silêncio por alguns instantes tentando assimilar aquelas informações. Então, era isso? Felicia ia se tornar seu anjo da guarda? Depois de tudo que tinha acontecido, ela ainda...

– Ei! Ouçam isso!

Grande Máquina se aproximava, rapidamente. Parecia finalmente ter descoberto uma pista.

– Aranha, captei uma conversa por rádio... Dizia “pegamos o Super-Patriota, mas perdemos alguns agentes”... Acho que era isso.
– Super-Patriota?
– Ei, eu já ouvi falar desse cara – cortou Semeghini. – Lutou na Segunda Guerra Mundial, mas nunca foi assim um Capitão América. Alguns anos atrás, já velho e aposentado, foi espancado por uma gangue de skinheads. A tal Cyberdata salvou a vida dele, implantou órgãos cibernéticos...
– Então, aquele era o Super-Patriota!
– Devia estar sendo controlado remotamente. Enquanto eu lutava com ele, ele gritava coisas do tipo “socorro, me ajude”.
– Tem como rastrear essa conversa?
– Tem, sim. Na verdade, já fiz isso. Vem da Baixa Manhattan.
– Bem no centro? O que aconteceu com as bases secretas longe do perímetro urbano?
– Aranha, nós podemos fazer isso juntos. Esses homens ainda têm uma série de protocolos pra cumprir, por causa da fuga. Talvez nós três possamos ir até a base da IMA antes de pedirmos reforços.
– Por mim, beleza.
– Aranha, tem certeza? – cortou Grande Máquina. – Sem ofensa, mas pode ser perigoso para um...
– Humano normal? Não se preocupe. Eu sou quase como um de vocês, mas tiro folgas.

Restaurante Aquavit, Nova York:

Mary Jane sentiu que não devia ceder tão facilmente às investidas de John Jameson. Estava solteira, mas ainda pensava em Peter. Na verdade, não conseguia entender que mundo é esse onde duas pessoas que se gostam não ficam juntas. Não seria tudo mais fácil se pudessem, simplesmente, deixar o amor tomar as decisões por eles? Provavelmente, para isso, precisariam de um mundo sem Homem-Aranha. Mas o que fazia tantos casais, aparentemente “perfeitos”, terminarem de lados opostos? Problemas financeiros, ciúmes, falta de cumplicidade... Ela e Peter já tinham passado por muita coisa juntos, muitas provações. E sempre resistiram. Mas, ultimamente, era como se... Era como se tudo conspirasse para afastá-los. Não se lembrava da última vez em que conversaram sobre o relacionamento. Da última vez que namoraram. Da última vez que se amaram. E ali estava John Jameson, desfiando seu repertório de cantadas e galanteios, numa tentativa vã de trazê-la para a realidade dos relacionamentos ditos normais. Ele era bonito, bem sucedido e tinha muito em comum com ela, muito mais do que Peter. Mas a gente não escolhe quem vai amar. A gente não tem como pré-definir. Afinal, não era a beleza de Peter que a cativara, muito menos a condição financeira. Nem mesmo o que ele fazia em seu “outro emprego”. Havia algo de indefinível entre os dois, uma ligação muito maior do que palavras. Como se tivessem, de fato e de direito, nascido um para o outro. Pois todas as noites, quando encostavam a cabeça no travesseiro lado a lado, diziam boa noite para a pessoa mais importante do mundo, sentiam o perfume que mais desejavam e, quando dormiam, sonhavam um com o outro.

Antes que John pudesse interromper seus devaneios, as cenas da luta do Aranha contra o Super-Patriota apareceram na tela de uma TV do restaurante.

– John, eu... Eu não estou me sentindo bem. Pode me levar pra casa?

O Homem-Aranha acompanhava à distância. Grande Máquina seguia na frente, tentando encontrar o caminho mais curto para Semeghini, que estava em seu carro particular vários metros abaixo. O novato podia entrar em contato com os faróis da cidade e fazer com que o trânsito sempre lhe fosse favorável. Isso dava uma bela vantagem...

Foi quando começou a sentir vertigens novamente.

O Sentido de Aranha oscilava, martelando sua cabeça e fazendo com que perdesse o controle, indo direto de encontro a uma parede. A vertigem não era nada, sentiu vontade de vomitar. Grande Máquina já tinha disparado na sua frente. Não fazia sentido tentar segui-lo naquele estado, precisava se sentir melhor. Tirou a máscara para respirar ar puro, mas não deu muito certo. Vomitou com força, a garganta queimando.

Outra vez.

Outra...

Foi quando ouviu o que parecia ser mais alguém vomitando. Olhou ao redor e percebeu uma mulher curvada em um terraço próximo. Aquele cabelo não o enganava: era Felícia Hardy.

De todos os prédios em Nova York, foi se chocar justamente com a residência da Gata Negra!

Aproximou-se devagar, enquanto sua velha amiga tentava se recompor. Também estava péssima, vomitando bastante.

– Felicia?
– Homem-Aranha!? O que você está fazendo... E por que esse uniforme!?

O olhar aterrorizado de Felicia lembrou ao Aranha que muita gente ainda associava aquele uniforme ao Venom. Com ela não seria diferente, pois passou maus bocados nas mãos de Eddie Brock e seu simbionte.

– Eu... Eu estava passando e... ouvi você... Eu também estava passando mal, comecei a vomitar... E estava justo aqui, no seu prédio...
– Olha, a menos que você tenha algum plasil aí, melhor ir embora... Eu não...

Felícia cambaleou junto ao beiral da sacada, mas o Aranha conseguiu ampará-la de um salto. Ela estava linda, vestindo apenas um roupão de seda preto, contrastando com seus cabelos platinados.

Linda como sempre.

Então ela começou a rir.

– Felicia? O que...?
– Peter... Depois de tantos meses, nós dois fomos nos reencontrar justo no dia em que estamos ambos passando mal? Não tem nada de romântico em um casal vomitar junto!

O Aranha sorriu pela primeira vez em muito tempo. Sem dúvida, não conseguia pensar em situação mais absurda para reencontrar a Gata Negra.

– Eu precisava mesmo falar com você, Felicia.
– Aconteceu alguma coisa? – a preocupação dela era sincera. A Gata Negra seria capaz de ir ao inferno pelo Homem-Aranha, e Peter sentiu-se envergonhado por jamais ter sido capaz de amá-la como ela merecia.
– Não, é só que... Eu falei com o Semeghini hoje. Quer dizer, ele falou com o Aranha. Pediu para que eu encontrasse Peter Parker, porque tinha uma proposta de emprego para ele. E que eu deveria ficar quieto sobre quaisquer detalhes, porque a idéia foi de Felicia Hardy, que não queria que Peter soubesse quem estava tentando ajudá-lo...
– Peter, eu... Olha, não era mesmo pra ele ter te contado... Acho que falei demais com ele ao telefone e ele acabou tagarelando...
– Felicia...
– Não, me escute! Eu sei que estraguei as coisas pra você na UES, mas quis fazer algo pra consertar. Você é um cientista brilhante, sua vida devia ser mais do que dar aulas e tirar fotos. Achei que seria uma boa oportunidade pra você recomeçar sua vida do zero, tentar algo em que você é realmente bom, estar dentro do departamento de polícia... Desculpe, eu não queria que você ficasse bravo comigo de novo, a gente já brigou tanto... Já se machucou tanto...

Ele viu tristeza nos olhos dela, viu sinceridade e um vazio muito grande. Sentiu vontade de abraçá-la, não por pena, mas por ternura. Mesmo diante do inferno que suas vidas se tornaram, ainda havia lugar no coração de Felicia Hardy para um ato de justiça. Para tentar ajudar o homem que tanto amava e, certamente, jamais esqueceria.

– Felicia... Eu vim agradecer.

Os dois se olharam por alguns instantes e, sem dizer uma palavra, se beijaram, cúmplices mais uma vez do único crime do qual jamais se veriam livres. Para Peter foi como se as últimas semanas não existissem, como se os últimos meses tivessem sido um sonho e toda dor, sofrimento e miséria de sua vida não passassem das lembranças de outra pessoa.

Custava a admitir, mas era feliz ao lado da ladra.

Felicia, por sua vez, era incapaz de esquecê-lo, apesar de tudo que acontecera entre eles. Apesar das brigas, das decepções, de Mary Jane... Tinha certeza de que eram almas gêmeas, feitos um para o outro, e destinados a se reencontrarem sempre nas condições mais incomuns.

O beijo foi cheio de paixão.

Mas os dois não foram capazes de resistir e caíram na gargalhada.

– Você vomitou!
– Você também!
– Isso nunca me aconteceu antes!
– Pára com isso... O que deu em você, comeu Whiskas vencido?!
– E você? Tá grávido, por acaso?
– Eu estou péssimo há semanas, Felicia... Acho que tem algo errado comigo...
– Peter, vamos entrar... Está frio aqui e fora e acho que nós dois precisamos de um balde de listerine. E precisamos terminar essa conversa lá dentro.

Os dois entraram, abraçados, Felicia deixando seu roupão cair insinuantemente pelos ombros.

Minutos depois, longe dali, Grande Máquina parou diante de um galpão no porto. Semeghini manobrava seu carro pra longe dali, para que não pudesse ser identificado.

– Cadê o Aranha?
– Eu não sei, estava bem atrás de mim!
– Saco... Ele anda muito estranho ultimamente.
– Vocês são amigos?
– Não exatamente, mas já passamos por bastante coisa juntos. Vamos ter que fazer isso sem ele. Não podemos correr o risco de escaparem com o Superpatriota enquanto esperamos.
– Ok. Alguma idéia do que fazer quando entrarmos lá?
– Observar, apenas. Depois a gente pensa em agir. Se necessário, eu peço reforços. A IMA é cachorro grande.
– Por mim, tudo bem. Vamos.

O Grande Máquina não tinha muita esperança de se aproximar sem ser visto. Seu jato era barulhento e eles deviam ter sistemas de segurança. Mas podia se esgueirar pelas sombras, voando para longe do alcance de câmeras de vigilância. Podia dar certo. Antes de abrir uma das janelas do galpão, Grande Máquina olhou para trás. Viu o Vigilante do lado de fora, esperando por uma chance.

– Mas quem diabos é aquele cara? Será que o Semeghini...?

O galpão estava vazio. Se os homens da IMA tinham ido para lá, já abandonaram o local. Nem sinal deles, ou do Super-Patriota. Grande Máquina resolveu entrar e abriu a porta para o Vigilante.

– Que máscara é essa?
– Eu vim ajudar você e o Semeghini.

Grande Máquina deu de ombros, não acreditando que aquele não fosse Semeghini. Mas seria uma boa ter alguém de máscara dentro do galpão, para o caso de as coisas saírem muito erradas.

– Alguém esteve aqui.

De fato, o lugar parecia ter sido usado para comportar equipamento eletrônico. Alguns cabos ainda estavam no chão, mas nada que indicasse atividade terrorista. Exceto...

Havia uma lona estendida no chão. O Vigilante aproximou-se dela e a puxou. Ela ocultava uma espécie de escotilha.

– Descemos?
– Descemos, com certeza.

Uma escada em espiral os levou vários metros abaixo. Seguiram então por um túnel. Segundo os instrumentos do Grande Máquina, estavam debaixo do mar.

– Quem construiria um lugar como esses, bem no centro?
– A IMA.
– Claro. Vamos morrer aqui?
– Acho que não. Podemos esmurrar alguns capangas.

Antes que Grande Máquina pudesse responder, um clarão no final do corredor os silenciou. Correram em direção a uma gigantesca instalação tecnológica. Estavam em um duto de ventilação, não em uma das entradas. O lugar tinha uma piscina, ligada diretamente ao mar, usada por um submarino. A IMA tinha uma operação muito avançada ali. Em uma plataforma, alguns técnicos trabalhavam no corpo do Super-Patriota. Em uma parede oposta, tinham um prisioneiro fortemente vigiado.

O Dr Octopus!

Segunda Guerra Mundial:

Acorde!

Johnny Armstrong não falava alemão, mas o tom de voz de seu captor não deixava a menor dúvida. Precisava se levantar e voltar para o laboratório. Foi a primeira noite de sono em semanas. Os alemães estavam se cansado de seu rato de laboratório favorito. Capturado em combate, Armstrong implorou pela morte várias vezes.

Em todas elas, ouvia a voz do oficial nazista August Eigruber, pronunciando em um inglês carregado de sotaque:

– Cães não pedem para morrer.

Então os experimentos começaram.

Passou semanas no campo de concentração Mauthausen-Gusen, experimentando o que a humanidade tem de pior a oferecer. Viu homens sendo mortos apenas porque os carcereiros estavam entediados. Prisioneiros sendo espancados até que não sobrasse um só osso intacto em seus corpos. Mulheres sendo estupradas das formas mais brutais. Crianças sendo arremessadas a cercas de arame farpado. Pessoas tendo a pele de seus braços cuidadosamente arrancada para que a tatuagem que os identificava como prisioneiros ficasse bem visível nos abajures que iriam decorar.

Abajures.

Abajures de pele humana!

Os cientistas riam. Os testes tornaram-se mais simples. Armstrong deveria testar sua força contra blocos de concreto, porretes e homens muito mais fortes do que ele. Curiosamente, ele superava todas as adversidades. Estava mais forte, mais rápido. Sentia a adrenalina percorrendo seu corpo. Esse era o objetivo do campo em que fora aprisionado: desenvolver um super-soldado ariano.

Johnny Armstrong era um rato de laboratório.

E tinha uma tatuagem no braço.

Ele passou os próximos quarenta minutos matando soldados nazistas, libertando prisioneiros e reduzindo o campo a ruínas. Não ia descansar enquanto houvesse pedra sobre pedra. Jamais descansaria novamente, não enquanto lembrasse da crueldade que testemunhara. Seria uma arma contra o nazismo, e contra todas as formas de opressão e covardia. O experimento que o criara não seria duplicado, os homens que o transformaram em uma arma seriam punidos por seus crimes. Naquela noite, haveria esperança em Mauthausen-Gusen.

Assim nasceu o Super-Patriota.

Décadas mais tarde, com o fim da Guerra, Johhny Armstrong passou a enfrentar criminosos ainda mais cruéis que os nazistas. Super-vilões, dotados de tecnologia, poderes e maldade elevados ao extremo. O Círculo Vicioso, uma gang desses criminosos sediada em Chicago, preparou uma armadilha para o veterano herói, em plena ponte do Brooklin.

O homem-tubarão conhecido como Mako devorou seus membros e boa parte do seu rosto.

O Super-Patriota implorou pela morte, pela segunda vez em sua vida.
Foi quando a organização científica Cyberdata o submeteu a outro tipo de experimento. Iriam torná-lo um herói melhor. Preparado para os novos tempos. A máquina de guerra do século XXI!

Inconsciente, caído no chão de um laboratório da IMA, Johnny Armstrong teve seus sonhos invadidos por estranhas memórias. Memórias de um homem com tentáculos de metal, um cientista brilhante, um monstro parecido com os que enfrentava. O Dr Otto Octavius gritava em sua mente, a dor iria enlouquecê-lo.

Capturados pela IMA, o Dr Octopus e o Super-Patriota estavam em uma prisão da qual não podiam escapar. Para o herói de guerra que havia dentro de Johnny Armstrong, aquela era uma batalha ingrata, muito além de suas capacidades.

Para o sobrevivente que havia dentro dele, chegara a hora de finalmente se render ao conforto frio da morte.

Pela terceira vez em sua vida, implorou pela morte.

Mas, novamente, isso lhe seria negado.

Seis meses atrás:

A explosão o cegou por alguns instantes.

Mas não foi o clarão... Foi a
dor.

Um barulho intermitente, como centenas de fogos de artifício dentro de sua cabeça, tirando o controle de suas funções motoras. Mitch Hundred achou que ia morrer naquela noite, sob a ponte do Brooklin, enquanto analisava o estranho artefato irradiante.

Se aquilo era uma arma, um estranho experimento científico ou mesmo um pedaço de lixo espacial alienígena, Mitch ainda não descobriu. Talvez isso seja o que menos importa. Um admirados dos grandes heróis que colorem os céus de Manhattan, Mitch decidiu dar sua parcela de contribuição para a comunidade super-heroística.

Iria se tornar um super-herói.

Era a melhor maneira de lidar com suas recém despertas habilidades. Afinal, a estranha cicatriz que ganhara no bizarro incidente não foi a única seqüela de sua experiência. Ele se descobriu capaz de se comunicar, e até mesmo controlar, artefatos eletro-eletrônicos.

Dá pra imaginar? O fã de super-heróis pode extrair informações de telefones celulares, travar armas de fogo, confundir câmeras e programar a TV a cabo – apenas falando com eles!

Num primeiro momento, achou que tivesse enlouquecido. Felizmente, pôde contar com a ajuda de dois amigos: o também engenheiro Rick Bradbury, que estava com ele na noite em que ganhou seus poderes, e o mecânico Ivan “Kremlin” Tereshkov, um velho amigo da família de Mitch e seu “mentor”.

A ajuda deles foi bastante providencial para criar o capacete, que servia para esconder a cicatriz em forma de circuito impresso em seu rosto, o traje e o jato que carregava nas costas. Não ia usar armas de fogo – elas não eram para heróis. Ia contar apenas com seus poderes e sua criatividade para combater o crime.

O problema é que, na maioria dos casos, isso não parecia ser o bastante.

Na primeira vez que tentou deter criminosos, causou um apagão no metrô que durou horas e deixou boa parte de Manhattan parada. Tudo isso porque tentou impedir que a composição atropelasse o meliante que estava tentando prender.

Da segunda vez, aliara-se à polícia para deter um ciborgue terrorista, o Super-Patriota, que surgira bem no centro. Conseguiu “desabilitar” o ciborgue, mas uma organização conhecida como IMA tinha outros planos para ele.

Teve a oportunidade de conhecer um dos heróis de Manhattan nessa noite também, mas ele desapareceu misteriosamente, deixando Mitch ao lado do chefe de polícia Edward Semeghini, investigando o galpão para onde o Super-Patriota tinha sido levado.

Mas Semeghini também saíra de cena.

O misterioso mascarado ao lado de Mitch Hundred atendia pelo codinome Vigilante.

Dois anos atrás:

Passavam pela ponte do Brooklin de mãos dadas, despreocupados, apenas admirando o mar e o tranqüilo trânsito de domingo. Eram jovens, estavam apaixonados e tinham a vida toda pela frente. Heather era uma escritora promissora, empenhada em causas sociais, com longos cabelos loiros um sorriso capaz de destruir um coração.

Edward tinha sido promovido a capitão de polícia, era idealista e tinha um senso de justiça bastante apurado.

E tinham acabado de se casar.

Foi ali, a poucos metros de entrarem em Manhattan, que decidiram que era hora de terem um filho. O primeiro, para Heather. O único, para Edward. Ele sabia que era uma questão de tempo até que ela o convencesse a terem outros, pois ela tinha lábios muito persuasivos.

– Se for menino, vai se chamar Tobey. Se for menina, Kirsten.

Ela já o tinha convencido dos nomes mesmo antes de começar a falar.

Ali, tendo o mar como testemunha, selaram seu “acordo” com um beijo e juras de amor eterno.

Depois disso, pegaram um táxi até o Central Park, onde pretendiam fazer um piquenique. Mas uma cruel ironia do destino mudaria o curso de suas vidas para sempre.

Uma luta entre o Homem-Aranha e o Dr Octopus terminaria em tragédia para o casal, quando o vilão arremessou uma viatura policial em cima de Heather. A lesão a deixou em permanente estado vegetativo: vivia ligada a aparelhos, se alimentando através de sonda e sob cuidados constantes de uma enfermeira contratada. Sua condição era estável – às vezes, Edward dava folga para a enfermeira e cuidava dos aparelhos sozinho, enquanto lia um livro para Heather. Os médicos disseram que seu quadro era irreversível...

Mas tudo que Edward Semeghini se lembra daquela tarde era a coragem do Homem-Aranha em enfrentar o vilão, tentando, a todo custo, evitar que mais inocentes saíssem feridos. Ele deixou de capturar Octopus naquele dia para socorrer Heather, tirando o carro de cima dela. Ele a teria levado a um hospital, se não fossem os apelos de Edward para que ele não mexesse no corpo da moça até que os paramédicos chegasem. Uma intervenção mal-feita poderia matá-la.

No hospital, Edward soube que, se ela tivesse chegado à UTI um pouco antes, os médicos poderiam ter impedido que a lesão em seu cérebro causasse maiores danos, e talvez ela...

Passou a se interessar pelo mascarado conhecido como Homem-Aranha. A imprensa, em particular o Clarim Diário, o difamava, mas o que ele vira naquela tarde não teve nada a ver com um “caçador de glórias”, uma “ameaça mascarada” ou um “sujo criminoso”. Pelo contrário.

Todo mundo já ouviu falar no Batman ou no Superman. Mas o Homem-Aranha estava num meio-termo entre os dois. Ele estava nas ruas, próximo do homem comum, mas sem o status de lenda urbana. Ele conversava com as pessoas que salvava, enfrentava vilões muito mais poderosos do que ele e ia embora, sem pedir recompensa ou reconhecimento.

Ele apenas fazia o que tinha de ser feito, usando seus poderes de maneira responsável.

Como era possível que a própria polícia o perseguisse!? Algo estava terrivelmente errado, a imprensa causara um dano inconcebível à reputação do Aracnídeo, mas Edward sabia, tinha a mais absoluta certeza, de que o Homem-Aranha era um herói.

Aprendeu a admirá-lo, a lutar ao lado dele e, finalmente, a imitá-lo.

A máscara tinha sido uma idéia para proteger sua privacidade e, ao mesmo tempo, poder quebrar algumas regras que tornavam o trabalho de pessoas como o Homem-Aranha único. Sem precisar se reportar a instituições corruptas, sem que ninguém soubesse que ele tinha uma esposa doente em casa, poderia combater o crime de igual para igual.

Isso gerou atrito com o próprio Homem-Aranha. Edward ainda era um policial.

E usava armas.

Felizmente, seu relacionamento com o Aranha foi capaz de se tornar maior que suas diferenças. Naqueles dias, considerava-o um amigo. E ia fazer tudo que estivesse ao seu alcance para garantir que as verdadeiras ameaças fossem presas e pagassem por seus crimes, gente como o Dr Octopus!

Diante dele, estava um aprisionado Otto Octavius e um exército de soldados da IMA.

O apartamento de Felícia Hardy:

Peter acordou sentindo-se incrivelmente bem, como há muito não se sentia. Talvez fosse por finalmente ter expulsado de seu estômago tudo que lhe fazia mal, exorcisando de sua vida os fantasmas que o atormentavam, tirando do porão as coisas que tinha guardado e o deixavam furioso.

Fúria...

Por uma noite, esquecera a fúria. Esquecera os últimos meses, a dor e a confusão, o sangue e os gritos. Dormiu bem, sem pesadelos, aliviado e satisfeito. Sentia-se renovado. Não havia mais a pressão sobre seus ombros, pendurada ao redor de seu pescoço. Os pulsos não doíam mais, os ferimentos cicatrizaram e apenas dois enormes hematomas o lembravam do ataque da Mulher-Aranha. O sol entrava pela janela e o banhava sutilmente.

Demorou um pouco para perceber que Felícia não estava mais ali. Talvez ela estivesse preparando o café, ou mais uma de suas surpresas. Não tinha problema. Não sabia o que faria daquele dia, não sabia o que seria do resto de sua vida.

Foi quando se lembrou do Super-Patriota. Estava ajudando Semeghini e o novato, o tal Grande Máquina, a tentar encontrá-lo. Não podia simplesmente ficar ali na cama com Felícia até que a situação se resolvesse por si. Tinha que fazer alguma coisa. Provavelmente, os dois já tinha resolvido o caso àquela altura, mas era melhor não dar chance ao azar. Tinha que fazer alguma coisa.

Levantou-se e encontrou um bilhete de Felícia em cima do seu uniforme:

Peter, recebi uma chamada logo cedo da contabilidade da Cat’s Eye. Há algumas pendências que preciso resolver fora de Nova York. Me desculpe por sair assim, mas o dinheiro não dorme. Beijos, Fel.

Peter não estava acostumado a ouvir Felícia dizendo a verdade¹. Talvez os dois realmente merecessem essa chance.

No mínimo, mereceram aquela noite.

Colocou o uniforme negro e ganhou os céus em direção aos armazéns que investigava com Semeghini e Grande Máquina.

Jamais encontraria Semeghini sem a providencial ajuda de um Rastreador Aranha, plantado nele durante a noite passada. Ainda levou boa parte da manhã entre os armazéns do cais, tentando descobrir alguma atividade suspeita ou algum sinal do seu Rastreador. Pelo menos, era pra cá que estava vindo com Grande Máquina e Semeghini, qdo começou a passar mal.²

Era quase meio-dia e sentia o estômago colado nas costas. Devia ter filado algo no apê da Felícia. Ser honesto demais às vezes é um problema! Enquanto cogitava gastar alguns dólares em uma lanchonete, viu dois furgões pretos com vidros filmados entrando no armazém 72. Até aí, nada de anormal. O problema é que o armazém 72 não estava sendo utilizado. Nada justificava aqueles dois furgões.

Resolveu se aproximar para uma observação mais cuidadosa. Para sua surpresa, homens com o uniforme da IMA saíram de dentro dos veículos.

O Sentido de Aranha disparou, mas não era por causa dos homens da IMA. Tinha, finalmente, pego o sinal do seu Rastreador.

Bingo!

Escalou o teto do armazém e começou a observar por uma clarabóia. O local estava vazio, e os homens da IMA tinham sumido!

Resolveu entrar pela clarabóia e encontrou uma lona no chão, ocultando uma escotilha. Havia uma escada em espiral e um túnel, levando em direção ao mar. Rastejou silenciosamente por algum tempo, até encontrar o que parecia ter sido cenário de uma batalha: vários homens da IMA caídos, pareciam estar mortos, outros trabalhando em reparos e quatro prisioneiros:

Grande Máquina, Vigilante, o Super-Patriota e o Dr Octopus!

– Onde eu fui me meter agora?

O Homem-Aranha notou o Sentido de Aranha um segundo tarde demais: um soldado da IMA se aproximara sorrateiramente e encostara um fuzil em sua nuca.

– Não banque o espertinho, herói.
– Eu? Imagina.
– Levante-se e comece a andar.

Obedecer não era uma má idéia. Afinal, teria a chance de chegar perto dos outros e descobrir o que estava acontecendo ali.

– Eu já imaginava que havia mais no bando! Vocês nunca andam sozinhos! – gritou um dos homens da IMA. Difícil saber se era o líder da operação, já que o uniforme era padronizado. Mas, a julgar por sua atitude, era bem provável que fosse.

Grande Máquina e Semeghini estavam amarrados e sem as máscaras. O Dr Octopus e o Super-Patriota estavam atados a um gigantesco aparato eletrônico, por eletrodos ligados ao cérebro. Precisava ganhar tempo.

Mas a IMA não estava disposta a cometer erros.

Um dos homens da IMA tirou as luvas e lançadores de teia do Aracnídeo, agora sob a mira de diversas armas. Estava encurralado e, subitamente, começou a se sentir mal novamente. Os hematomas em seus pulsos começaram a arder e uma vertigem turvou sua visão.

– Ora... Não vá me dizer que tudo que precisava para acabar com o Homem-Aranha era tirar seus ridículos lançadores de teia... Muito me admira que você tenha sobrivivido tanto tempo...

Mas o herói não estava mais ouvindo. Curvado no chão, começou a vomitar enquanto os homens da IMA riam. Grande Máquina e o Vigilante se entreolhavam preocupados. Não entendiam o que estava acontecendo, mas certamente o Homem-Aranha era sua última esperança de saírem vivos dali.

Mas talvez ele próprio não sobrevivesse.

Com os braços cruzados na frente do peito, começou a ter convulsões. Ninguém mais estava rindo. Mas nenhum deles, nem o próprio Aranha, estavam preparados para o que aconteceu em seguida.

Longos fios de teia explodiram de seus pulsos em direções opostas, atingindo os eletrodos conectados ao Super-Patriota e Dr Octopus.

De um salto, o Espetacular Homem-Aranha ganhou espaço para atacar os soldados da IMA com as teias. As algemas eletrônicas da IMA caíram no chão, libertando Grande Máquina e o Vigilante.

– Eu estava me perguntando o que você estava esperando pra nos livrar das algemas.
– Sincronia é tudo hoje em dia. Proteja-se!

Os dois procuraram ficar atrás dos painéis que prendiam o Dr Octopus. No outro extremo da sala, o Homem-Aranha lutava ferozmente contra a IMA.

– Semeghini, fique aqui. Eu vou ajudar o Aranha.
– Mas eu...
– Não discuta, você não tem poderes e está sem suas armas.

Grande Máquina desapareceu entre a confusão, usando seus estranhos poderes para ajudar o Homem-Aranha. Foi quando tentáculos de metal se arrastaram por trás do painel. O Doutor Octopus parecia bastante abatido, como se o equipamento fosse uma tortura agonizante, mas ele fora procurar segurança justo ao lado de um homem cuja vida destruíra.

– Você... Assassino...
– Você deve ser... o tal Vigilante... Li a seu... respeito... nos jornais...
– Eu devia matar você com minhas próprias mãos!
– Não seja idiota... Vamos ambos... morrer aqui...
– Você destruiu a vida da minha esposa! Ela está presa a aparelhos por sua causa!
– Ora... Meu jovem... Ninguém entende “estar preso a aparelhos” melhor que o bom doutor Octavius... O que aconteceu a ela?
Você aconteceu, desgraçado! Você arremessou um carro em cima dela! Ela teve uma lesão no cérebro e está completamente desligada do mundo! Vegetando em cima de uma cama! Você...
– Eu sou a única chance de salvar a sua esposa.

O confronto terminou minutos depois. O Homem-Aranha e Grande Máquina conseguiram prender a maior parte dos homens da IMA, com uma ajuda bastante providencial.
Livre dos eletrodos conectados ao seu cérebro, o ciborgue reconquistou sua autonomia de pensamento.

– Eu conheço o Homem-Aranha, mas quem é você?
– Eu, er... Grande Máquina. Senhor.
– Já nos conhecemos?
– Bom... Tivemos um desentendimento no centro, ontem. Mas acho que o senhor não estava sendo... “você mesmo”.
– Claro. Esses canalhas da IMA contrataram o Dr Octopus para desenvolver uma interface que pudesse me controlar. Eles não contavam é que isso é quase impossível. Assim usaram o cérebro dele, que já controla artefatos cibernéticos, para fazer a interface. Mas o experimento fugiu ao controle...
– Incrível! E o senhor... Ei... Homem-Aranha?

O Aracnídeo estava parado, perto deles, olhando para os antebraços. Os hematomas desta manhã tinham sumido. No lugar deles, a pele se tornara porosa, desenvolvendo as novas glândulas produtoras de teia. Então foi isso que o ferrão da Mulher-Aranha fez com sua fisiologia! O mal-estar, os vômitos... Era seu corpo se adaptando. Estava se sentindo melhor novamente, livre das vertigens. Estava mais próximo de uma Aranha agora. Tudo que precisava fazer era...
– Onde estão Semeghini e o Dr Octopus?!

Era como ir para a cama com seu maior inimigo.

Por dois anos, Edward Semeghini odiou o Dr Otto Octavius. O nefasto criminoso tinha sido responsável pelalesão cerebral de sua esposa, Heather. Sua ascensão na polícia e sua carreira como Vigilante foram forjadas pelo propósito de, um dia, ter a chance de se vingar do Dr Octopus. Nada de intervenção jurídica, nada de poder de polícia. Queria matá-lo, apenas isso, gritando a plenos pulmões o quanto ele merecia morrer. O quanto ele tinha que pagar.

Seguindo a trilha do Super-Patriota ao lado de Grande Máquina, Semeghini descobriu um plano infame para se apoderar da tecnologia do ciborgue veterano da Segunda Guerra Mundial. A IMA tinha interesse na tecnologia bélica do Super-Patriota, uma criação da Cyberdata, mas não tinha a menor idéia de como controlá-la. Utilizaram-se, então do know-how de um especialista em implantes cibernéticos, alguém que já passara pela agonizante experiência de ter apêndices de metal ligados ao seu corpo.

Mas o Dr Octopus também não foi capaz de desenvolver um sistema remoto para controlar o corpo do Super-Patriota, apesar da quantia obscena de dinheiro que lhe foi oferecida.

Os cientistas da IMA tiveram, então, a idéia de usar a mente de Octopus para controlar o Super-Patriota, através de um link no córtex cerebral. O experimento se descontrolou e fugiu do laboratório da IMA, causando pânico e destruição em Manhattan. Não demorou muito para que um herói novato interviesse: o Grande Máquina.

Após deter o Super-Patriota, contudo, Grande Máquina testemunhou o momento em que seu corpo cibernético foi retomado pelos tecno-terroristas e levado a uma base secreta no porto. Semeghini, incorporando seu alter-ego Vigilante, e Grande Máquina invadiram o local, mas foram vencidos pelo grande número de homens da IMA.

A providencial intromissão do Homem-Aranha permitiu que suas chances mudassem. Grande Máquina voltou ao combate, mas o Vigilante era apenas “um homem comum”. Sem poderes, sem armas especiais. Foi quando ele teve a oportunidade de, finalmente, se vingar de Otto Octavius, matando o monstro que colocara sua esposa numa cama permanentemente.

Mas o diabo lhe propôs um pacto.

– Me ajude a sair daqui, policial. Me mostre o acesso que você utilizou e me liberte dessa horda de fanáticos, e eu restauro a saúde de sua esposa.

Semeghini disse “sim”.

Tinha cruzado a cidade com o Dr Octopus, os braços hidráulicos abrindo caminho até seu apartamento, onde raptou o corpo da própria esposa. Quando se deu conta, estava em um dos laboratórios do Dr Octopus, assistindo o insano cientista executando uma delicada cirurgia cerebral em Heather. O vilão estava em sua mira. Se algo saísse errado, ele morreria.

Mas, se ele conseguisse, se a cirurgia fosse bem sucedida, teria vendido sua alma.

Achou um preço pequeno a pagar.

– Terminei – disse Octavius. – Ela deverá recuperar a consciência nas próximas horas, bem como as funções motoras que seus médicos julgavam irremediavelmente perdidas. Tudo que eu fiz foi uma conexão neural entre partes do cérebro que não foram afetadas durante o... incidente. Da mesma forma que meu sistema nervoso controla meus tentáculos, o dela agora será capaz de reassumir o corpo. Cumpri minha parte no acordo, herói. E você? Vai cumprir a sua?

Laboratório da IMA:

– Nós precisamos encontrá-lo antes que...

O Homem-Aranha deu-lhe as costas. Estava claro o que tinha contecido. Otto Octavius destruira a vida de Edward Semeghini. Agora, o chefe de polícia de Nova York ia dar o troco ao vilão.

– Homem-Aranha, você não vai fazer nada!?
– Eu acho que o Octopus já está morto...
– Você perdeu o juízo? Por que o Vigilante o arrastaria pra fora daqui? Você não acha mais fácil o Octopus ter seqüestrado o Vigilante?
– O Octopus não precisaria dele pra fugir.
– Ele era uma cobaia aqui, da mesma forma que o Super-Patriota! Ele devia estar contando com alguém que conseguiu entrar para guiá-lo para fora!
– Acho que o Grande Máquina tem razão, Aranha – interrompeu o Super-Patriota. – Até onde conhecemos o Octopus, ele é capaz de qualquer coisa para se safar, até mesmo...

Um acordo com o Vigilante!

– Ei... Homem-Aranha?
– Vocês tem razão, o Octopus usou o Vigilante pra sair daqui. Vigiem os homens da IMA até a polícia chegar, eu vou tentar encontrá-los.
– Você sabe para onde eles foram?
– Eu tenho um palpite.

Era absurdo, mas já tinha visto coisas absurdas antes. Semeghini era muito bom em cumprir regras e regulamentos, mas também descumpria algumas. Tinha se tornado o Vigilante inspirado no Homem-Aranha, mas como uma forma de lutar contra o tipo de vilão que vitimou sua esposa. Mas ele ainda amava Heather, mais do que qualquer outra coisa.

Mais do que odiava Octopus.

E se houvesse uma chance, por menor que fosse, de Octopus conseguir restabelecer a saúde dela, Semeghini não ia hesitar.

O Homem-Aranha cortou a cidade em direção ao Brooklyn o mais rápido que pôde, enquanto pensava se, um dia, seria capaz de fazer o mesmo pela tia May ou Mary J...

Por Felícia! Eu faria o mesmo por Felícia!

Não tinha tempo para pensar nisso agora. Chegou ao apartamento de Semeghini e, como supunha, Heather tinha sido levada. Com os tentáculos de Octopus, não seria difícil removê-la com o equipamento que a mantinha respirando. Mesmo assim, não podiam estar longe. Tinha que pensar, tentar se lembrar de algum esconderijo de Octavius próximo. Os lugares onde ele tinha sido visto, ou talvez...

Nova Jersey! O Octopus morou lá por alguns meses no ano passado! Tudo que precisava fazer era atravessar Staten Island para chegar a Jersey City. E tinha que fazer isso rápido. Ao longe, ouviu as sirenes se aproximando.

Já deviam estar no encalço de Octopus!

O Aranha teve a sensação que seria melhor ir pra cama e voltar a dormir. O quanto seu mundo tinha mudado nas últimas horas? E o quanto as coisas continuavam as mesmas? Combates no centro, uma noite com Felícia, as teias orgânicas, o uniforme negro...

Talvez estivesse enlouquecendo. Talvez nada daquilo estivesse acontecendo e fosse apenas sua imaginação pregando uma peça. Talvez tivesse finalmente desistido da vida e se suicidado, ficando eternamente preso num momento do qual não poderia sair. A insanidade que sua vida tinha se tornado.

Tudo se entregava às trevas, de volta ao escuro, almas de luto.

Negro para sempre.

Nada disso importava, vida e morte não importavam.

Tinha que deter Semeghini antes que Octopus escapasse!

O Vigilante ainda estava com o Rastreador, que lhe deu a localização aproximada dos dois. Outro depósito abandonado, como tantos outros espalhados pela Costa Leste. Outro lugar ermo, mórbido, como tantos outros que os vilões usavam para se esconder por seus crimes.

Nada realmente muda.

Entrou sorrateiramente. Semeghini estava ao lado da cama da esposa, não mais presa aos aparelhos que a mantinham viva.

– Semeghini... Onde está o Octopus?
– Fugiu.
– Fugiu ou... pôde sair livremente?
– Isso não importa agora, eu...

Importava para o Homem-Aranha.

O soco arremessou Semeghini até o outro lado do galpão. O Homem-Aranha estava furioso, prestes a perder o controle. Era inconcebível que ele tivesse deixado o Octopus ir embora numa boa, não depois de tudo que passaram juntos, de tudo que enfretaram. O Vigilante tinha se tornado uma ameaça tão grande quanto qualquer outro vilão.

– Onde está ele!?
– Já disse. Fugiu. – Semeghini limpou o sangue de sua boca, sem encarar o Aracnídeo. – Diga o que quiser, Aranha. Me condena, meu puna. Pode me espancar até a polícia chegar, pode me matar se quiser. Eu não vou tentar você. Eu não sei nada a seu respeito, não sei porque você faz o que faz, não sei porque você faz as coisas dessa forma, ou o que te levou a isso. Mas se você tivesse uma chance, uma única chance, de salvar a mulher que mais ama no mundo, ia jogar fora? Ia desperdiçar? Ou ia agarrar a oportunidade com unhas e dentes, não importando o preço?

Snap!

– O Octopus me propôs um acordo. Não pense você que vou dormir tranqüilo por causa disso, mas ele queria escapar da base da IMA. Ele foi torturado, mas ainda que eu não sinta um pingo de dó pelo sujo, eu era o único que podia tirá-lo de lá. E ele negociou com a única moeda que tinha: seu intelecto.

Semeghini se levantou e andou até o leito da esposa, ajoelhando-se a seu lado enquanto segurava sua mão.

– Não estou pedindo pra você fazer o que eu fiz, Aranha. Não estou pedindo pra você fazer vista grossa. Eu mesmo vou me entregar e pedir exoneração da polícia. Estou ciente do meu ato e de suas conseqüências. Mas suponha, só por um segundo, que você estivesse diante da oportunidade de recuperar tudo que mais ama nessa vida. O que você faria no meu lugar?

Viveria e deixaria morrer? Ou abriria mão de tudo por algo maior?

Lentamente, Heather abriu os olhos. Lacrimejou um pouco com a iluminação do lugar e, pela primeira vez em dois anos, virou a cabeça na direção do esposo.

– Edw... Eddie? Ed, o que aconteceu?
– Apenas um sonho ruim, querida. Um sonho ruim que acaba de terminar.

A polícia entrou no galpão, sob o som de sirenes mas sem nenhum grito ou voz de prisão. Os policiais se afastaram e esperaram do lado de fora até que o chefe de polícia saísse. O Homem-Aranha não foi visto.

O Homem-Aranha voltou para o apartamento de Felícia Hardy esperando encontrá-la. Precisava conversar com ela, encontrar conforto em seus braços. Precisava de outra noite ao lado dela para esquecer do mundo.

Mas a Gata Negra não estava.¹

Não imaginava aonde ela podia ter ido. Largou-se sobre a cama que tinha dividido com ela e ligou a TV. Talvez estivesse enganado, talvez as coisas não tivessem acontecido do jeito que ele se lembrava e aquilo fosse tudo um sonho ruim, como Semeghini disse para sua esposa. Talvez...

O chefe da polícia de Nova York, Edward Semeghini, pediu exoneração do cargo esta tarde, após os confrontos com o misterioso Super-Patriota e o novato Grande Máquina. Envolvido no confronto, o notório criminoso Dr Octopus seqüestrou a esposa de Semeghini, Heather, e conseguiu escapar. O ex-chefe de polícia citou precisar de mais tempo para cuidar da família, mas não quis comentar o fato de a polícia ter deixado Otto Octavius escapar mais uma vez...

A notícia não supreendeu Peter. A polícia de Nova York protegia os seus, como qualquer corporação no mundo. Eram uma irmandade, e Semeghini sabia que podia contar com o apoio de seus comandados. Ter amigos deve ser assim, pensou Peter, frustrado pela maneira como suas amizades podiam acabar.

Harry Osborn, morto tentando seguir o legado de seu pai, o Duende Verde.

Flash Thompson, transformado no novo Duende, pela loucura de Norman.

Jean DeWolff. Semeghini. A Liga da Justiça.

Mary Jane.

E Gwen.br>
Snap!

Eu matei um bebê!– gritou o Aranha, antes de começar a destruir o quarto de Felícia num repente de violência. A cama, armários, móveis e eletrodomésticos que Felícia tinha em seu apartamento.

Eu matei um bebê!

Lembrou-se da voz fria de Batman, do olhar incrédulo do Superman, da sensação de ter um bebê morto em seus braços, o sangue escorrendo pelas narinas. Era como segurar um boneco, um bebê, incapaz de se defender.

Eu matei um bebê!

Finalmente achou o porta-retratos de Felícia, a única lembrança que ela tinha dos dois. Fotos dela com Peter, com os pais, formando uma composição de tudo que ela considerava bom no mundo.

Ele fez questão de quebrar.

Rasgou o bilhete que Felícia tinha deixado. Para ele, aquilo não passava de mais mentiras, outra desculpa que a ladra usou para fugir das responsabilidades. Não havia a menor chance para eles. Uma ladra e um assassino.

Peter só parou quando não havia mais nada a destruir.

Eu faria qualquer coisa... Qualquer coisa... Pra voltar atrás e reparar o que eu fiz...

Ouviu gritos no corredor. Talvez fosse hora de ir embora.

Acordou na manhã seguinte com uma incrível sensação de vazio. Estava sem emprego, sem amigos, sem Mary Jane ou Felicia, sem Semeghini ou o Vigilante.

Mas ainda tinha a tia May.

A velha senhora continuava ocupada em tentar fazer o melhor pelo sobrinho. Mesmo ele sendo já um homem feito, mesmo ele ficando envergonhado por isso.

Envergonhado! Depois de tantos anos, ele ainda ficava encabulado quando ela dizia que estava muito magro e precisava se alimentar melhor!

– Você andou tirando fotos do Homem-Aranha de novo?
– Bom... É o que eu faço pra sobreviver. Ainda mais agora, que perdi o emprego na UES...
– Peter, eu já perdi a conta de quantas vezes achei que você estivesse envolvido com drogas, ou coisa pior. Levou anos pra te conhecer e poder dizer, com certeza, que não era nada disso. Mas é difícil pra mim entender como você consegue ser tão... azarado!
– Azarado!?
– Ora, você não é burro. Não é desonesto, nem irresponsável. Sempre parece que vai conseguir tudo que precisa, bons empregos, uma boa esposa... Mas daí algo acontece. E eu acredito que nem sempre seja culpa sua.
– Se a culpa não é minha, de que adianta ouvir sermão?
– Seu mal criado! – ralhou May, batendo na nuca do sobrinho. – Eu estou dizendo isso porque você passa tempo demais se lamentando e eu nem sei do quê! Você é inteligente, é capaz, é esforçado... É bom. Já é hora de parar de sofrer e começar a dividir seu fardo com outras pessoas. Já notou como você tem poucos amigos? Por que não confia mais nas pessoas? Por que não deixa elas saberem o que se passa aí dentro? Eu me acostumei com seu jeito fechado, Peter, mas a sensação de que você me esconde parte da sua vida é muito ruim. Por que você faz isso? Pra me proteger? Eu não sou de vidro. Você devia saber que eu não quebro fácil. Mas também devia saber que a sorte não vai bater à sua porta.
– Tia May, eu sei, eu...

A campainha tocou. Os dois se entreolharam como se aquilo fosse uma brincadeira. Peter se levantou e foi até a porta. Um policial estava lá parado.
– Bom dia. Peter Parker?
– Sou eu.
– Muito prazer. Eu tenho uma carta para lhe entregar.
– Uma carta? Da polícia!?
– Parece que alguém falou bem de você para o antigo chefe de polícia. Você deve ter visto a notícia de que Edward Semeghini pediu exoneração. Mas antes de sair da chefatura, ele fez questão de redigir esta carta e pediu que lhe fosse entregue em mãos, ainda hoje.

É uma carta de recomendação. Você está pronto para ser cientista forense, Peter?


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Notas finais do capítulo

A seguir: uma nova vida para Peter Parker!



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