Desertoras escrita por Beatriz Carvalho, Lua


Capítulo 3
Capítulo 3 - F14's P.O.V.


Notas iniciais do capítulo

Presente de Natal atrasado pra vocês 0u0
Minha Lualua está viajando ;_; então decidi postar durante as férias porque faz muito tempo que não postamos :c sendo assim, não vamos ter os diálogos tradicionais.
Melhor eu calar a boca, porque não sou tão interessante quanto minha pequena Desertora, então vocês já devem estar de saco cheio de mim o)3)o
Espero que gostem, mesmo eu sabendo que o capítulo não está tão bom quanto a maioria e.e
~Brotando aqui~ Mas, Nii, ta muito bom ;---;



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A primeira adorável visão do meu dia foi o rosto grande e redondo, juntamente com um par de olhos castanhos gigantescos, de Z12, me fitando como uma hiena fita uma carcaça particularmente apetitosa.

Soltei um grito de susto, e a garotinha se encolheu, me observando desabar no chão, enroscada em cobertores e praguejando baixinho.

–Olá, Seguidora de Aracne! – Z12 gargalhava, até eu atirar um travesseiro na sua cara (é sério. Os travesseiros do Orfanato Troggins são duros. Eles doem).

–Bom dia, Pigméia – sorri sarcasticamente, me erguendo, enquanto ela caía para trás, os protestos abafados pelo travesseiro.

Esse dia já começou ótimo, pensei, com pesar. Ao menos, é o meu turno de serviço.

A Ala F é a ala dos espertos – rápidos e sorrateiros. Nós sabemos nos esconder, somos rápidos para surrupiar suas coisas. E adivinhe qual é a ala que sempre recebe trabalhos na cozinha do orfanato?

Roubar: apesar de não soar como o maior dos trunfos, sim, essa é a nossa especialidade. Somos mais sorrateiros do que os X, mais rápidos do que os I, mais calados do que os N. E não falamos para ninguém fora da ala sobre nossas capacidades – o trabalho na cozinha é precioso, e não precisamos de mais nenhum castigo sobre nossas cabeças.

Saí do quarto com a mesma roupa de sempre: regata com estampa de exército folgada, calças pretas largas, moletom cinzento e botas de couro marrom. Era praticamente meu uniforme de trabalho.

Encontrei com F38, um de meus poucos amigos da ala, no caminho para a cozinha. Provavelmente, ele era o único que entendia direito como era estar naquele lugar. Você não estava sendo protegido; era apenas mais uma presa fácil, uma gazela esperando ser abatida.

Caso você esteja se perguntando como meu amigo é, aqui vai uma breve descrição dele: imagine um garoto franzino (até mais do que eu), com olhos entre o laranja e o vermelho, envoltos por olheiras tanto quanto os de um panda – mas ainda assim bem grandes, como os de Z12, e talvez até mais bonitinhos do que os dela –, cabelo ruivo liso e comprido demais, sardas até mesmo nos joelhos, pulsos e cotovelos, retração de joelho e um sorriso atrapalhado e envergonhado no rosto anguloso, que não combinava em nada com seu jeito de ser.

–Pronta para o trabalho? – ele sorriu, e retribuí com um olhar de cumplicidade, um sorrisinho reservado, e as mãos enfiadas nos bolsos. – Ah... ouvi que você brigou com uma garota da Ala Z... Z12, não é? Você está bem?

–Melhor agora, bem longe dela – retorqui, cerrando os olhos e bufando.

–A Sra. Troggins deu uma ordem de convivência? – F38 sabia todos os nomes característicos das punições (talvez porque gostasse de ler, e não tivesse nada além dos panfletos de comportamento do Orfanato), e piscou, um tanto quanto abismado, os olhos de coruja atentos e nervosos. – Isso não é bom, F14.

–Ela só fez isso porque eu quebrei o nariz daquela garotinha anã – respondi, torcendo o nariz. – Agora, tenho que aguentar aqueles olhos imensos me encarando e assustando até a morte . De qualquer forma... o turno é meu?

–Meu e seu... – F38 olhava para os ladrilhos distraidamente. – Acho que eu pareço um ser humano responsável, que não deixaria a “ala misteriosa” saquear a cozinha de novo. – ele deu de ombros. – E como você é uma das principais suspeitas, a Sra. Troggins quis se certificar de que não aconteceria de novo.

–Interessante. Seria uma pena se acontecesse, não é mesmo? – sorri de uma forma sádica. Entramos a passos largos na cozinha, e duas garotinhas da Ala N saíram quase que em disparada, deixando o espaço livre para nós. Acho que elas não queriam ficar perto de F14 – vulgo, Mia Nadderloch –, a briguenta cuja especialidade era quebrar narizes, e F38 – conhecido originalmente como Trevor Koreign –, o filho de um criminoso, a única criança naquele Orfanato que já fora visto manejando uma navalha marcada por manchas de sangue com precisão: um presente de seu pai, ele dizia.

Sim, nós nos havíamos conhecido antes do Orfanato – Trevor estudava no mesmo colégio que eu, e a ideia de ele representar uma “má companhia” para mim não era verdade. Eu era fascinada pelo seu jeito de esquecer o que o pai fizera, e ainda amá-lo mesmo depois disso -. Sim, nos guardávamos um o nome do outro na memória, de forma que um devia algo ao outro e não pudéssemos nos separar. Eu me esquecera do meu nome, e ele do dele. A memória de algo que parece tão simplório, mas carrega toda a nossa identidade, era o que nos unia.

–Então... o que fazemos? – o garoto indagou, puxando o cabelo comprido demais para trás da orelha e desajeitamente mexendo numa pilha de louça suja. – Meus deuses. A Ala N não é a mais higiênica do Orfanato, não é mesmo? – ele sorriu daquele seu jeito desajeitado.

Enquanto eu explorava a despensa – oh!, a gloriosa despensa! –, F38 vasculhava.... a pia. Era nosso trabalho limpar tudo na cozinha logo pela manhã, todos os dias, por um mês inteiro.

–F14, isso não é divertido! – ele choramingou, ao fitar a montanha imensa de louça que teria de lavar. – Nada, nada divertido...

–Nada aqui é – respondi, enfiando coisas da despensa nos bolsos do moletom e das calças, que tinham mais de dez bolsos justamente para guardar coisas: mesmo que eu colocasse um saco médio de farinha num dos bolsos, não faria a menor diferença (acredite. Eu tentei). – Calma, hoje vou tentar ser mais rápida. Daqui a pouco vou até aí te ajudar, Trev.

Coloquei uma bala de café, uma iguaria rara para as crianças daquele orfanato, na boca, enfiando doces – todos amam doces na Ala F. E eu iria dividi-los com todos em volta de mim, só pra ver Z12 me implorar por um pouco e abaixar aquele narizinho empinado uma vez na vida – no nono bolso da calça. Encho o último mais tarde, pensei.

–Ei, não é uma boa ideia me chamar pelo nome aqui no Orfan–

Parei de me mover, sentindo minhas bochechas esquentando de raiva. Aquilo era tão ridículo que me fez cortar sua linha de raciocínio e começar a ralhar com ele.

–Por quê? Por causa dessa lavagem cerebral maldita que estão fazendo conosco? Não é justo com nenhum de nós, Trevor Koreign! Não devemos nos esquecer de quem somos simplesmente porque esses trogloditas querem! Está bem?!

F38 me olhou com aquela cara de: uau. Ela está mesmo brava. Quantas palavras difíceis ela usou. – Ok, desculpe. Só não podemos deixar que ninguém saiba que ainda lembramos.

Inspirei profundamente, um tanto quanto magoada, e me voltei para a pia, sem falar uma palavra. Eu não conseguia admitir que Trev, o único que sabia o inferno que aquele Orfanato era para nós, queria começar a obedecer suas regras ridículas.

–Você está chateada? – ele indagou, um tom tristonho na sua voz. Não olhei em seus olhos castanhos e enormes, que me fitavam. – Não vai mais falar comigo? – permaneci calada. – Por quanto tempo mais vai ficar assim, Mi? Vamos lá, fale comigo, por favor. Você sabe que não foi por mal, não é? Qual é, não quero ficar de mal com você. Fale comigo! – quando eu não respondi pela décima vez, mordendo o lábio para não rir, ele sorriu daquele seu jeito atrapalhado e deu mais um cutucão na minha barriga. – Você sabe que não vai conseguir segurar o riso por muito tempo, não sabe? Por que não fala comigo de uma vez?

Deuses, ele era tão irritante. Ri baixinho, e fitei seus olhos de novo. – Está bem. Mas da próxima vez, acerto você com uma vasilha de cerâmica.

–Oh, não, por favor – F38 fingiu certo pânico na voz. – A vasilha não! Eu imploro!

Comecei a rir mais alto, e meus braços tremeram com a incrível vontade de abraçar Trevor pela primeira vez na vida. Procurei segurá-los... mas meu plano não me permitiria fazê-lo de novo. Então esperei até que ele terminasse de lavar um prato, e o apertei num abraço.

F38 me olhou, abismado, enquanto fechava os olhos e tentava impedir as lágrimas de descerem... sem sucesso. Logo, estava soluçando de encontro a Trevor, e ele simplesmente não sabia o que fazer. – Ah... F14... M-Mia... e... está tudo bem?

–Desculpe! – eu tinha consciência de que ele não fazia ideia do que eu estava falando. Mas era bom saber que tinha alguém de quem eu sentiria falta depois daquilo. – Eu... sinto muito, mesmo! – as lágrimas de anos de planejamento, ódio, medo e frustração desciam, mas as que mais doíam eram as lágrimas de saudades. Saudades de minha vida antiga, e saudades prévias daquela vida que eu abandonaria, apesar de gostar em parte. – Desculpe...

F38 pousou as mãos sobre meu cabelo, tentando me fazer parar de chorar. Nenhum de nós dois era muito bom em ajudar pessoas a se sentir melhor. Mas deuses, eu me sentia melhor agora que ele estava ali comigo.

E, como sempre, aos poucos o choro foi cessando, e dando lugar a um silêncio quase mortal.

–F14... o que está acontecendo? – Trevor perguntou, os olhos castanhos preocupados e atentos a mim.

–Nada – balbuciei, me afastando dele, um tanto quanto corada. – Desculpe por... chorar.. e tudo o mais... eu só precisava de um abraço, digamos.

–Você não é de chorar. - F38 disse, como se aquele fosse um enigma que ele precisasse resolver logo. - É por causa do seu plano… não é?

Lado a lado, começamos a lavar a louça nojenta que ainda restava: F38 lavava, e eu secava e guardava. Nossa divisão de trabalhos na cozinha era sempre assim.

Fiz que sim com a cabeça. Eu havia insistido que ele deveria ir comigo, fugir daquele lugar - ainda que Trevor fosse mais velho do que eu, e fosse sair mais cedo do Orfanato; ele tinha 16, enquanto eu ainda tinha somente 14 -, mas ele insistira que, com sua presença, iria apenas estragar tudo. F38 era desajeitado, e não sabia se organizar. Era provável que acabasse chamando a atenção dos guardas, e desencadeando um castigo para todos nós, segundo ele.

–Eu já disse - minha voz era dez vezes mais fraca do que o normal. - Posso dar um jeito. Vamos conseguir fugir daqui. Eu posso te ajudar.

–Não - a voz dele era firme, como se desde que nos havíamos visto no Orfanato ele já soubesse que eu fosse tramar um plano para escapar, e já houvesse formado uma ideia sobre isso. - Mia, eu sei o que vai acontecer se eu for com você. E sei que minha presença é dispensável. Você nunca precisou de mim para ser feliz, e não quero ser um obstáculo.

–Você nunca vai ser um obstáculo para mim, seu grande idiota. - terminei de secar a louça, e passei um braço por sobre o ombro de F38, procurando fazê-lo sorrir. O garoto tinha uma cortina ruiva na frente dos olhos, o que me impedia de saber como estava se sentindo. Isso me dava um pouco de raiva. Pisquei e o abracei de novo.

–Ei, F14. Vai dar tudo certo. Uma coisa é certa: quando eu sair desse lugar, vou fazer de tudo para encontrar você.

O tom gentil, mas sério dele fez meus braços arrepiarem subitamente. - Isso.. isso é uma promessa?

Eu não conseguia acreditar em juramentos. Pareciam algo tão sério, mas podiam ser tão facilmente quebrados. Cerrei os punhos. F38 sabia disso; se não fosse verdade, ele jamais teria me dito algo assim.

–É claro que é uma promessa. Minha única promessa para você, e a que vou cumprir.

Me afastei para encher os últimos bolsos da calça.

F38 cantarolava uma das músicas dos Beatles que ele adorava - Hey Jude, no caso. Aquela música sempre me deixava ainda mais melancólica, então voltei os olhos para a porta, procurando não me importar.

Foi quando eu dei de cara com uma Z12 de braços cruzados, a mão com uma barra de chocolate a meio caminho do bolso. Ela não parecia muito feliz.

–Z-Z12 - eu gaguejei, colocando o doce de volta na despensa. - O que está fazendo aqui?

–Vim perguntar uma coisa para a Aranha dos Riscos na Parede - ela resmungou, e encarou Trevor com um olhar feroz. - Vou matar dois coelhos com uma cajadada só..?

–Você… você não nos entregaria - F38 tinha os olhos arregalados. Eu quase podia ouvir seu coração batendo contra as costelas, com o mais puro medo.

–Sim, eu entregaria - a voz de Z12 era alarmantemente séria. -, a menos que a Seguidora de Aracne concorde em fazer um acordo comigo.

–Um acordo - repeti, os olhos vidrados, calculando como poderia escapar daquela situação. - Que tipo de acordo?

–Primeiro, você me explica o que está anotado na sua parede - a garotinha sorriu. - Obviamente, você ainda me deve alguns favores, mas isso fica para depois.








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Notas finais do capítulo

--insira um diálogo engraçado aqui--
Espero que tenham gostado, de qualquer forma! Logo, logo a Lualua vem aqui pra postar mais pra vocês (:B
~Beea-chan
Yo, comentem esse também u.ú É uma ordem! Eu já escrevo o próximo! Minhas baixinhas precisam de uma continuação, sinto falta delas
~Lulu