In Purple Eyes escrita por Caramelkitty


Capítulo 8
Salvo por uma humana


Notas iniciais do capítulo

Depois de muuuuuuuuuuito tempo à procura da maldita imagem, aqui está mais um capítulo para vocês.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/501752/chapter/8

– Algo amarelo.

– Os nossos cabelos!

– Algo roxo.

– As fagulhas do Endy.

– Algo azul.

Sorri satisfeito. O céu estava encoberto de nuvens, por isso, desta vez seria eu a ganhar o jogo. Laura, a espertinha não vai me passar a perna desta vez. Olhei em volta, como ela o fazia, apenas para verificar se a minha vitória estava garantida. Sim, nenhum de nós três vestia azul e à nossa volta só se viam árvores verdes com os seus troncos castanhos. Uma joaninha vermelha estava pousada numa folha.

– Muito bem, desisto! É a minha vez de fazer as perguntas.

Isso gelou-me até à espinha. Pois é, eu tinha me esquecido que, para vencer o jogo, eu tinha de suportar ainda as perguntas da sabichona. Foi a vez dela sorrir ao farejar o meu receio. Recompus-me, como homem que era e repliquei em tom de desafio:

– Manda ver!

– Algo cor-de-rosa.

«Isso é fácil» foi o meu primeiro pensamento. Os meus olhos logo se focaram nos lábios da minha irmã, mas aí eu notei que estes eram vermelhos. De um tom mesmo vermelho vivo. E não era por causa do batom, Laura não costumava usar maquilhagem de qualquer tipo, gostava de se apresentar ao natural. Os lábios dela eram daquele escarlate tão forte por causa do seu vício. Não há um só momento em que eu não olhe para ela e não a veja a morder o lábio inferior. Sempre muito húmido acaba por criar peles soltas que a rapariga prontamente arranca com os dentes. Muitas vezes os lábios dela sangravam com tal mau trato. Ela piscou os olhos arrogantemente ao saber para o que eu estava a olhar. Ignorei a provocação e olhei em redor tentando desesperadamente ver uma borboleta ou uma rosa. De facto havia uma borboleta. Mas com as asas brancas.

– Não gosto deste jogo! – Queixei-me. Ela começou a cantoria do «O Brian não sabe perder. Eu ganhei porque sou mais inteligente e ele ficou amuado.» - Eu quero jogar futebol! Nem que seja com uma pedra. Ou então podemos brincar à apanhada.

Enumerei com os dedos mais algumas brincadeiras muito mais divertidas que aquele estúpido jogo de cores. No entanto, todas elas tinham um porém! Era preciso que acampássemos em algum lugar, que fizéssemos uma pausa. Era impossível jogarmos à apanhada, à cabra cega ou mesmo às escondidas tendo de seguir o Endy na sua caminhada. Os meus pés já tinham criado bolhas e as minhas articulações das pernas doíam. Mesmo assim, eu não me queixava, nem pedia para parar porque não queria dar parte de fraco. Se queria ser forte como o Endy não podia deixar-me ir abaixo por uma simples caminhada (mesmo que esta fosse interminável e durasse dias). Laura, mais feminina, não continha uns queixumes de vez em quando, mas ela também nunca fizera o tipo choramingas. Considerando tudo, e pesando os prós e os contras, o que era um pouco de exaustão comparado com os perigos a que ficaríamos sujeitos sem o poderoso Enderman a proteger-nos? Não nos podíamos deixar ficar para trás.

Estava eu nestes pensamentos quando choco contra o alvo deles. Endy tinha parado de andar e lançava o seu olhar no horizonte. Ou pelo menos, eu achava que ele estava a olhar o horizonte a partir da inclinação da cabeça. Não podia ter certeza porque ele nunca tirava aqueles óculos escuros. Levantei também a cabeça e tentei vislumbrar para além das copas das árvores. O meu esforço foi inútil. Fiquei ainda mais irritado quando Laura guinchou.

– OH, são mesmo as muralhas da capital humana?

Muralhas da capital humana? Comecei a saltitar para tentar ver também as magníficas construções. Não é que eu me interessasse muito por história humana (ou qualquer outro assunto que é dado em aula) mas, acreditem, após uma semana a ver só árvores e mais árvores, qualquer coisa diferente é um deleite para a vista. Nem que seja um simples coelho, quanto mais grandes, altas e seguras fortalezas. Praguejei por só eu não conseguir ver o objeto causador de tanta admiração. Não é justo que a Laura, sendo da mesma idade que eu, seja mais alta. É contra as leis da Natureza, ela é rapariga e eu sou rapaz, poxa!

Endy voltou-se e chamou-nos. Ele ia falar, que ocasião mais rara.

– Ouçam bem, eu vou entrar naquela aldeia para concretizar a minha missão. Eu acompanhei-vos até aqui, mas agora não posso mais ficar a tomar conta de vocês. Eu desejo que tudo vos corra bem e que tenham vidas maravilhosas.

Ele estava a dizer que ia abandonar-nos? Não iria permitir tal coisa, ainda não tinha aprendido quase nada com ele. Sentei-me no chão e agarrei a perna dele com força. Laura imitou-me com a outra perna. Endy suspirou. Devia estar a achar-nos infantis, mas isso pouco importava. Se ele quisesse ir embora tinha de ir a arrastar-nos pelo chão. Num momento abraçava com força a perna do Enderman e no momento a seguir as minhas mãos pairavam no vazio e um ruído familiar foi ouvido. Ele tinha se materializado, como fôramos burros. Por mais que tentássemos, ele sempre ia conseguir escapar de nós. Antes que pudesse apavorar-me, percebi que ele apenas se tinha materializado alguns metros mais adiante.

– Olhem, eu prometo que se eu for bem sucedido na missão eu volto para vos buscar!

Voltei a respirar normalmente.

– Se eu não voltar dentro de um dia, por favor distanciem-se deste local, ele é muito perigoso. E não esperem por mim após esse período de tempo. Por favor, cuidem-se e é melhor eu ensinar-vos algumas técnicas de sobrevivência antes de partir. – Ao ver o nosso ar de choro, acrescentou. - ... só para prevenir.

Tenho que admitir, Endy pode ser o ser mais fantástico em que eu já tive o privilégio de pôr os olhos, mas como professor é um zero à esquerda. Tadinho, não é que ele não seja inteligente ou não saiba as coisas, mas a forma como explica não cativa de maneira nenhuma. Por mais que eu tentasse prestar atenção às direções, como ver o Norte, o Sul, Nordeste e Leste, acabei por ficar muito mais interessado nas muralhas das quais vira apenas um vislumbre graças aos meus saltos. Laura, ao meu lado, deu um bocejo (raro isso, nem ela consegue suportar as aulas do Endy), levantou-se e discretamente foi procurar num arbusto uma bela flor que combinasse com ela. Eu não demorei a seguir-lhe o exemplo e comecei a trepar a uma árvore, deixando Endy a falar sozinho. Ele estava tão entretido a dar as explicações que nem notou a nossa falta. Ali, nos ramos mais baixos de um freixo já conseguia ver as altas paredes de pedra granito que majestosamente se erguiam. Senti-me subitamente oprimido com aquele visão.

– Mas o que... onde estão vocês?

Apressei-me a responder, descendo da árvore e posicionando-me à sua frente com o cumprimento de general. A minha irmã chegou logo em seguida, já com uma linda flor rosa a enfeitar-lhe o cabelo. Ah, se aquela flor tivesse aparecido na altura do jogo...

Endy não parecia nada satisfeito por ter ficado a falar sozinho. Provavelmente, eu, na situação dele, também não ficaria.

– Será que vocês não podem ficar quietos nem por um segundo?

– Desculpe, senhor Endy! – Dissemos em coro.

A boca do Enderman fez um trejeito de desagrado, como sempre acontecia quando falávamos a dobrar. Mas o que podíamos fazer se era instintivo? Laura era quem sempre copiava o que eu ia dizer.

– Na próxima vez, nós prestamos atenção! – Garanti. Por pouco não acrescentei «por enquanto temos o senhor para nos proteger».

Ele manteve o rosto sério.

– Pode não haver uma próxima vez, Brian! – Disse. Eu fiquei por momentos embasbacado por ele dizer o meu nome, ele nunca nos tratava pelo nome. Não me agradou o facto de ele o ter feito, empregado o meu nome numa frase tão tétrica como aquela. Algures na minha cabeça aquilo soava como uma despedida. Olhei de relance para Laura e percebi que ela também sentia o mesmo.

Tudo o que eu queria, tudo o que precisava agora, era de ouvir um «Até logo», mas as duas palavrinhas tão preciosas não vieram. Endy desapareceu, enveredando ainda mais para Norte, em direção às muralhas, deixando-nos sozinhos. Eu ainda sentia aquelas palavras a redemoinharem na minha cabeça.

– Laura, achas que ele vai voltar? – Não consegui conter a pergunta.

– Lamento, Brian. Mas eu acho que não!

Apesar de ser algo bem lógico, não me impediu de ficar extremamente revoltado e zangado. E, sem nada mais poder fazer, descarreguei a fúria na minha irmã, fazendo o descrente.

– ELE NÃO VAI NOS ABANDONAR! ELE NÃO VAI FUGIR DE NÓS! – Laura nem piscou perante as agressivas palavras ditas num tom alto de mais para serem usadas numa mera conversa. O bom de sermos gêmeos, é que um compreende exatamente os sentimentos do outro. Laura compreendia que eu apenas tentava negar uma situação que me era dolorosa.

– Eu também não acredito que ele fosse embora sem nós. – Disse ela calmamente, não desviando os olhos da direção por onde Endy seguira.

– Mas então porque disseste...

– Não ouviste? Tudo o que ele disse soava a uma despedida. E o tom de voz era de alguém que já não espera voltar a ver-nos. Eu acho que ele... Brian, vai custar um pouco ouvir isto e sei que vais negar de imediato, mas eu acho que ele vai morrer!

Essas palavras apanharam-me de surpresa. Tal nem me passara pela cabeça. A meu ver, Endy era invencível. Será que ele estava a pensar que morreria ao tentar concluir a sua missão, fosse ela qual fosse? Numa segunda observação, e ignorando a minha faceta infantil que ainda acreditava que Endy era um ser imortal, isso era uma opção bem viável. Assaltar as fortalezas da capital, era algo muito difícil... quando se tinha um exército de mobs. Era então praticamente impossível um mob, sozinho, conquistar a capital. Não, Endy não devia querer conquistar a capital, devia ter outro objetivo. Fosse como fosse, o simples ato de se aproximar das enormes muralhas de granizo já acarretava grande risco.

Partilhei estas especulações com Laura e ela concordou que era uma hipótese a considerar mas...

– Eu pensei noutra coisa... ninguém se atira numa situação quando sabe que vai morrer nela. E Endy parece ter tanta certeza que vai morrer que eu me pergunto... se não é isso mesmo que ele quer. Por outro lado, ele também parece bem determinado em concluir a missão misteriosa. Talvez até determinado demais. Dá para notar que ele é bem amargurado e solitário. E isso, ontem à noite, fez-me vir uma frase à cabeça: Fâ-lo-ei... nem que seja a última coisa que faça! Será que o Endy não quer que o cumprimento desta missão seja mesmo a última coisa que fará na vida?

Antes que desse por mim, já estava novamente exaltado e a gritar:

– NÃO! ELE NÃO FARIA ISSO! E... E... SE ELE FIZER... EU NÃO VOU DEIXAR ISSO ACONTECER! NÃO VOU MESMO!

Dito isto comecei a correr na direção em que Endy tinha desaparecido ignorando os apelos da minha irmã, que pedia para eu voltar. Era algo tão bárbaro, tão macabro que eu nem conseguia cogitar a hipótese. Endy cometer suicídio? Isso é para fracos, não para ele. Endy é muito forte e inteligente. Não há qualquer hipótese de ele querer acabar com a vida tão assim... tão sem glória. Mas à medida que os meus pés ficavam demasiado exaustos para suportar continuar a corrida pus-me a pensar. Realmente Endy parecia estar sempre triste. Parece ter um bom coração, mas nunca sorri, fala muito pouco. Antes associava-o a timidez, achava que contribuía para a sua aparência de indestrutível. Mas agora, que Laura agitara aquela água, eu via o reflexo de maneira diferente. Será que Endy não tinha nada? Será que ele queria desistir da vida por não ter nada pelo qual lutar? Oh, mas se é assim, eu vou atrás dele e vou impedi-lo. Ele pode até não querer, mas agora é responsável por nós. E eu farei o Enderman mudar de ideia. Eu farei com que ele passe a apreciar a nossa companhia ao invés de suportar. Ele não está sozinho, ao contrário do que possa pensar.

Parei de correr ao sentir um cheiro irresistível a vir de nordeste. Desviei um pouco do caminho original. Não conseguia evitar, era o meu estômago a controlar os movimentos. Os meus olhos dilataram-se de alegria ao ver um punhado de carvão no chão da floresta. Sem partida, aquilo era mesmo carvão sobre a terra, sem qualquer dúvida. Sempre fui habituado a uma vida sem cortes. Esta última semana foi horrível. Passamos fome. Já nada era com antes. Quando vivíamos na sociedade com os outros creepers, acordava já o sol ia alto e descia para tomar um farto pequeno almoço. Agora, tínhamos de encontrar a pouca comida que havia disponível. Endy deixara que nós o seguíssemos mas não nos ajudava a procurar comida, apenas parava quando se achava perto de alguma mina. Quando ele parava de andar, eu e a Laura já sabíamos. O nossos sustento estava por perto. Dizíamos em uníssono: «vamos procurar comida!» e ele respondia «Façam como quiserem, eu espero por vocês aqui!»

É difícil viver, mas é mais difícil ainda sobreviver! Então, comida vinda do nada era quase um milagre. Atirei-me de joelhos no chão e agarrei o pé negro às mãos cheias. Realmente era estranho... de onde tinha vindo aquele carvão? Não havia nenhuma mina por perto. Então, lembrei-me de uma das lições do Endy. «Se não sabes de onde vem, passa ao largo!»

Larguei a deliciosa tentação e tentei voltar para trás, mas logo senti um forte puxão e vi-me encurralado por uma rede de corda branca. Estava pendurado numa árvore, com aquelas cordas a pressionarem-me o corpo, numa posição muito desconfortável. Quando consegui recuperar do susto, gritei com todas as minhas forças:

– LAURA! LAURA! SOCORRO!

Ninguém surgiu. Devia estar demasiado longe, tanto do acampamento onde estava Laura, desesperada, à espera de me ver regressar, como do Endy, que neste momento devia estar a analisar alguma brecha na muralha impenetrável. Sem ninguém a quem recorrer, não tive outro remédio, senão esperar que algo acontecesse. E realmente aconteceu! Só que não foi algo bom!

Ouvi o trote de um cavalo e logo no momento a seguir vi-o surgir entre as árvores com um humano montado nele. Era um humano bastante jovem, mas já homem, de cabelo ruivo e sagazes olhos verdes. Ele desceu pomposamente do seu alazão branco e encarou-me com algum desprezo. Eu envergonhei-me da situação na qual me encontrava. Preso numa rede, agachado numa posição ridícula em frente àquele humano que fora, muito provavelmente, o autor da armadilha na qual eu caíra tão facilmente e tão estupidamente. Ele deu um sorriso de canto ao ver o pó de carvão espalhado na relva. Ajuntou-o rapidamente e de novo se afastou como se temesse algo. Só então eu me lembrei que eu podia explodir e arrebentar com aquele humanozinho presunçoso. Era algo tentador, mas deixei-me ficar quieto por ora. Ele fez uma carícia no cavalo e disse-lhe.

– Olha só, Nevado! Um creeper caiu na armadilha. É novinho, mas vai dar para um bom troféu, não achas? E eu que pensei que nenhum mob iria ser suficientemente estúpido para cair nesta armadilha... pelos vistos este pobre coitado não deve muito à inteligência. Tens sorte, Nevado, hoje voltas para a aldeia com uma carga leve.

Era notório que ele estava a tentar provocar-me. Tanto as palavras que empregava como o facto de estar a falar para a montada e não para mim o demonstravam. Ele nem sequer se dignava a olhar para mim certeiramente, como se eu fosse um ser muito inferior. Bem, devo dizer que o desprezo do humano era a última coisa com que me importava na situação na qual eu me encontrava. A minha preocupação estava muito mais desviada para a espada que ele tinha embainhada na cintura. A preocupação transformou-se em pavor quando ele a desembainhou e avançou na minha direção.

– Vais explodir com a minha cara, monstrinho? – Perguntou ele com troça, enquanto que, num golpe certeiro cortava o topo da rede. Caí desastrosamente no chão, de barriga, e consegui perceber que foi uma sorte não ter partido qualquer osso. O humano não me deu tempo para me levantar e verificar se tinha qualquer contusão. Ele de imediato me voltou com a ponta do pé e rapidamente desceu a espada. Nesse momento eu arrependi-me de não ter iniciado a combustão. Sabia que se acendesse a pólvora do meu corpo iria provocar uma explosão enorme que me custaria a vida, mas também o exterminador na minha frente morreria. Do que adiantavam agora os meus receios? Dera mesmo uma de Laura! Eu não queria morrer assim, trespassado pela espada brilhante e afiada de um humano arrogante como aquele. Num esforço desesperado comecei a acender-me, mas sabia que era tarde de mais. O humano enfiaria a espada no meu coração antes que a combustão se concluísse. Antes de a espada descer em voo picado sobre o meu corpo, alguém segurou o braço do humano.

– O que estás a fazer? É apenas uma criança! – Ouvi uma voz feminina gritar. Parei o processo de explosão antes que ficasse fora do meu controlo. Tinha oportunidade de fugir com aquela interrupção. Tentei levantar-me mas o pé do homem continuava a calcar-me fixamente ao chão.

– Cristaly, o que estás a fazer, larga-me! É um monstro!

Deu um forte puxão com o braço e conseguiu libertar-se da humana. Mas ela não desistiu e posicionou-se à minha frente, impedindo de forma mais eficaz a trajetória da espada. Temi que o humano decidisse tirar a rapariga da frente partindo para a força mas ela deve ter tido a mesma projeção mental que eu, pois, lentamente, foi-se agachando e envolveu-me com os braços. Fiquei sem reação. Tive de me controlar para não começar a fervilhar. Contacto com humanos era algo muito perigoso e perguntava a mim mesmo o que me impedia de explodir. Simplesmente, o toque daquela rapariga não parecia nocivo. Ela apertava-me com firmeza, mas era um abraço protetor e transmitia-me calma e conforto.

– Se quiseres matar esse creeper, terás que me matar primeiro! – Disse bem firme na sua resolução.

Sondei a face do humano perigoso. Conseguia ver o espanto a sobressair sobre qualquer outra reação, mas passados momentos conseguia ler-lhe novos sentimentos. Frustração... medo...

– SUA IDIOTA! FOGE DAQUI, LARGA ESSE MONSTRO! QUERES MORRER? ELE VAI EXPLODIR CONTIGO!

Como que a desafiar o oponente, ela apertou-me ainda mais mas não o bastante para que pudesse magoar-me. Inconscientemente também elevei os bracinhos para a cintura da humana, aconchegando-me nela, procurando proteção. A forma como ele gritava assustava-me. Todo ele me assustava, para falar a verdade. A arrogância gigantesca, a espada de metal, o sorriso zombateiro e o desprezo que me tinha. Foi então que eu consegui ver um sentimento que ele tentava a todo custo esconder. Admiração! Ele tinha admiração pela humana que me segurava. Apesar de raivoso por ela ter interrompido o seu ato cruel ele admirava a sua coragem e ousadia.

Por fim baixou a espada e disse num suspiro.

– Tudo bem, eu não vou matar o creeper. – Prometeu. Ele dirigiu-se ao cavalo e retirou da sela uma forte corda. – Agora, afasta-te!

Ela não obedeceu. O seu olhar estava fixo na corda.

– Eu vou apenas amarrá-lo. Não quero correr o risco de ele nos seguir até à aldeia.

– Mas vamos deixá-lo assim? Ele está pelo e osso! – Reclamou de novo a jovem, que conseguia sentir a minha magreza ocultada pelas roupas.

– Queres... queres alimentar o monstro? – Perguntou de novo incrédulo. Ele abanou a cabeça num lamento mas logo acrescentou. – Eu vou buscar alimento à aldeia então.

O rosto da minha protetora abriu-se num sorriso.

– Sério, vais mesmo?

– Tudo pela minha noiva!

Como assim aquele hediondo era noivo dela? Não conseguia ver um par que destoasse mais que aqueles dois. Ela, caridosa e simpática, ele, um arrogante nojento. Cristaly, que era o nome da rapariga (eu ouvira o humano chamá-la assim) também não pareceu feliz com a afirmação. Como se engolisse um limão extremamente azedo, soltou um obrigada indistinto. Logo o ruivo saltou para a sua montada e voltou para a aldeia em velocidade galope. Esqueceu até de me amarrar, a corda jazia no chão a poucos metros. Se bobeasse, estava para apostar que ele ficara com medo de se aproximar de mim.

Logo que os relinches e trotes deixaram de se ouvir, Cristaly voltou-se para mim e eu pude finalmente analisá-la melhor. Era muito bonita com aquele longo cabelo cor de chocolate e grandes olhos de um tom dourado mais claro que o meu e que o da Laura. Enquanto que os nossos olhos eram de um dourado faiscante, os dela eram de um tom mais doce e suave, como que um dourado esbatido. Usava uma roupa de pele vermelha com tufos castanhos, bem quente, sabiamente, o tempo já estava a arrefecer. Devia ter a mesma idade que o outro humano, mas talvez fosse o sorriso, os olhos alegres, quase conseguia vê-la como criança. Mas o que mais me agradava nela era a voz. Melodiosa era a única palavra que conseguia descrevê-la.

– Estás bem?

Eu acenei com a cabeça.

– Qual é o teu nome?

– Brian.

– Eu sou a Cristaly. Onde estão os teus pais? Porque andas por aqui sozinho?

Ela parecia realmente preocupada comigo, não pude deixar de estranhar tão invulgar comportamento.

– Eu não posso regressar a casa. E afastei-me demasiado da minha irmã, por isso ela não me ouviu a gritar e não veio em meu socorro.

– Lamento que não possam voltar para casa. Devem ter passado muita fome, coitadinhos. Olha, porque não chamas a tua irmã? Vocês podem vir os dois comer a comida que o Edugénodro vai trazer.

Não pude evitar um sorriso ao ouvir o nome do ruivo convencido. Era, na forma mais carinhosa de se dizer, um nome patético e ridículo. Sentia-me bem a conversar com Cristaly, nunca pensei que pudesse alguma vez conhecer uma humana tão simpática. Em poucas palavras já sentia que podia confiar a minha vida a ela. Decidi acatar a sugestão dela e disse que ia procurar a Laura para lhe fazer a proposta. Afinal, comida era algo que me parecia mágico no momento, agora que o perigo passara. Decerto a minha fome sôfrega e a pouca gula que podia ter naquele descampado sem minas iria ser a minha perdição. Como o peixe balofo que se deixa capturar pela minhoca apetitosa do anzol.

Corri, trilhando o caminho de regresso mas antes que pudesse afastar-me demasiado ouvi o trote dos cavalos. Mas algo estava errado. Não ouvia apenas um cavalo, ouvia muitos que se aproximavam. Escondi-me atrás do tronco de uma árvore e fiquei a observar enquanto imensos homens armados se posicionavam numa roda em volta de Cristaly.

– Onde está o monstro? – Perguntou o que parecia ser o chefe de todos aqueles exterminadores.

– Mas o que... Edu... – Ela procurou com os olhos até reconhecer o tufo de cabelos ruivos que tentava passar despercebido no meio dos outros. Tarefa difícil já que era o único que montava um alazão branco como a neve. – SEU MENTIROSO! Disseste que ias trazer comida e afinal trouxeste foi um monte de exterminadores.

Um homem de rosto severo, cabelos castanhos e enorme bigode que ainda o fazia parecer mais sombrio desceu do seu cavalo negro e aproximou-se de Cristaly pregando-lhe uma bofetada que a deitou por terra.

– Mais respeito pelo teu noivo! – Rugiu, furioso. – Vem imediatamente. Conversamos em casa!

Foi com essa frase que eu percebi que aquele homem era o pai dela.

– Espera senhor Denally. Quero fazer algumas perguntas à sua filha. - O chefe dos exterminadores impediu que o homem continuasse a arrastar a filha. - Tu deixaste o monstro fugir?

– Brian não é um monstro. E eu não só o ajudei a fugir como impedi que cometessem uma atrocidade.

Todos os presentes prenderam a respiração. O pai da Cristaly apertou fortemente o braço da filha, tão forte que eu pude jurar que ouvi os ossos estalarem. Gotas de suor escorriam-lhe da testa e perdiam-se no espesso bigode.

– Atreves-te a chamar um monstro pelo nome? Atreveste-te a falar com um? Dizes na maior cara de pau que impediste um dos nossos exterminadores de fazer o seu trabalho?

O pai de Cristaly começou a arrastá-la novamente e desta vez parecia que nenhuma ordem ia fazê-lo parar, fosse esta dada por superiores ou não.

– E com muito orgulho! Eu falei sim com a criança. E impedi um assassinato! Pois é isso mesmo que todos vocês são: assassinos! Era apenas uma criança e seu tivesse a oportunidade faria de novo! Salvaria de novo aquele pequeno creeper.

– Monta! MONTA JÁ! – Ordenou o pai de Cristaly já completamente fora de si. Ela montou no cavalo negro logo atrás do pai. Não parecia contrariada ou sequer assustada. Tinha no rosto uma expressão de determinação. Ela achava que fizera o certo ao enfrentar todas aquelas criaturas assustadores. Ora, eu não estava com tanta certeza assim.

O que eles iam fazer com ela? Os murmúrios da multidão, a forma como a olhavam. Era como se ela fosse um mob excepcionalmente perigoso. Eu estava com medo do que podiam fazer-lhe. Não queria que ela arranjasse problemas por me ter salvo. Por isso decidi segui-la de longe e se ela precisar de mim... eu estarei por perto e a protegerei... tal e qual ela fez comigo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Owww, Brian é fofucho, né não?
O vício da Laura morder os lábios é baseado no meu próprio. Sim, eu ando constantemente com os lábios em sangue.
Comentem ^ ^



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "In Purple Eyes" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.