Show me Forever escrita por danaandme


Capítulo 6
Um dom




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Show me Forever

Capitulo 06 – The Gift

“Garota, você está realmente em apuros, sabia?", a voz sussurrou ironicamente próximo ao meu ouvido, fazendo os pelinhos nos meus braços arquearem involuntariamente.

Ironicamente, naquela altura dos acontecimentos, era meio óbvio que eu estava com problemas. E se a sensação de ter sido pisoteada por uma manada de elefantes até o ponto de virar um bolinho de carne, já não fosse uma evidência suficiente, o simples fato de que eu nem ao mesmo fazia ideia do que acontecera ou de onde estava já eram um bom indício de que algo na minha atual situação estava bem errada.

“Ei, eu sei que você está me ouvindo. Quando é que você vai resolver abrir esses olhos e dar o ar de sua graça, princesa? Eu não tenho a eternidade, sabe?”, a voz irritantemente familiar voltou a falar.

E ela estava me dando nos nervos.

Minha única vontade era de me levantar e esgoelar quem quer que fosse que estivesse enchendo minha paciência. Só que rapidamente ficou mais claro que o incontestável talento de Barbra Streisand, que não seria tão fácil para mim enfiar o dedo na cara dessa cidadã e mandá-la ao quinto dos infernos por ser tão insensível perante o sofrimento alheio.

Tentei mover o braço, mas enquanto meu cérebro berrava ordens, meus músculos, aparentemente muito satisfeitos com o atual motim, davam a entender que realmente não estava afim de colaborar.

“Talvez algo mais fácil?”, a voz sugeriu.

Um grosnado baixo foi minha resposta imediata, e de algum jeito eu sabia que ouviria uma gargalhada em seguida.

“Oh-ho, muito bem princesa. Agora vire esse seu traseiro e se mexa daí.”, ela disse em meio a gargalhadas.

‘Ah tá.’, seriam as palavras que deixariam meus lábios, se eu pudesse movê-los.

Porque mexer qualquer parte do meu corpo, nesse momento, havia se tornado algo tão extraordinário que o simples ato de abrir os olhos podia-se ser traduzido como um esforço hercúleo da minha parte. Com tudo, o que eu mais queria neste momento era olhar nos olhos dessa criatura irritante e ser capaz de fulmina-la com meu olhar, por isso, juntei todas minhas forças, me concentrando unicamente em mexer as pálpebras.

Quando finalmente consegui abrir os olhos minha visão estava tão embaçada, que malmente consegui enxergar um palmo à minha frente. O ambiente ao meu redor também não estava ajudando. Movi meu pescoço lentamente, tentando encarar a superfície dura e fria na qual meu corpo jazia. Levou alguns minutos, mas consegui fazer com que minhas mãos se abrissem, e na mesma hora voltei a sentir meus braços e pernas. A dor que percorria meu corpo me fez sentir estranhamente viva, e de um jeito bizarro pareceu reconectar meus músculos ao meu cérebro. Tentando me apoiar em meus braços, consegui levantar meu olhar o suficiente para compreender que todo o espaço ao meu redor era escuro. Não escuro de uma maneira que tornasse impossível discernir aonde eu estava, era escuro no sentido que se tratava de um grande salão, coberto, desde o piso até o teto, por uma espécie de cerâmica negra com pontos reluzentes.

‘Era como estar deitada em meio ao céu estrelado’, pensei.

“Já não era sem tempo, ein?”, a garota da voz irritante murmurou.

Virei o rosto na direção da voz, finalmente encarando a garota.

“Oh. Meu. Deus.”, foi tudo o que consegui dizer, enquanto piscava os olhos continuamente.

Quer dizer, eu podia vê-la parada há alguns metros de onde eu estava, mas ainda assim, não podia acreditar. Agora o motivo daquela voz ser tão irritantemente familiar era óbvio.

Era a minha voz! Era eu! EU!

Eu estava cara a cara comigo mesma. Bem, uma versão um tanto depravada da minha pessoa, mas ainda era eu!

Meus cabelos estavam soltos, caindo ondulados sobre meus ombros até o meio das minhas costas. A maquiagem era um tanto mais forte do que eu usava normalmente, e bastante pesada nos olhos. Deus do céu! Meus lábios pareciam querer saltar do meu rosto com aquele lipgloss que acrescentava ainda mais volume a minha boquinha geralmente tão inocente.

Honestamente, eu estava chocada. Aquele clone depravado conseguira me transformar numa personagem típica de umas das versões ainda mais pornográficas de Cinquenta Tons de Cinza! Nunca me imaginei vestida daquele jeito... Eu era a própria imagem de uma daquelas Mistress das fanfics de BDSM, com esse espartilho de couro preto, jeans escuro lavado com alguns cortes que deixavam parte das minhas coxas expostas, e botas pretas cano médio de salto fino, daquelas de zíper e grandes fivelas como adorno... só faltava chicotinho!

“Mas que diabos...?”, foram as palavras que saíram da minha boca em seguida. Okay, eu ainda estava totalmente perplexa para acessar a parte mais eloquente do meu cérebro.

A garota na minha frente, quer dizer, a minha cópia me olhava de uma maneira arrogante, com o meu sorriso debochado plantando na cara. Ah, ela estava se divertindo bastante. E eu sei muito bem disso, porque afinal de contas é para mim que estou olhando! E diabos, eu sei ser irritante quando quero.

"Não pense muito, queridinha. Ninguém aqui quer que você matando ainda mais neurônios sem necessidade. Isso seria um problema para nós duas, sabe?”, eu falei para mim mesma...quer dizer, ela falou para mim... só que ela sou eu falando comigo, ou... mais que droga! Eu odeio isso!

Dane-se a dor no meu corpo!

Entre palavrões e ameaças de morte, – ou suicídio dependendo do ponto de vista – me coloquei de pé, só para ficar ainda mais irritada quando percebi que o maldito salto que ela usava a fazia parecer ser bem mais alta que eu.

“Muito stress não vai fazer bem para você, xuxuzinho.”, ela sussurrou como se tivesse ouvido meus pensamentos, caminhando um pouco mais para frente. O tilintar do salto sobre o piso escuro me deu vontade de tirar meu sapato e atirar bem no meio daquela cara xerocada dela.

“Não me chame de xuxuzinho, sua... sua... imitação depravada!”

Ela gargalhou colocando as mãos na cintura.

“Oh...por favor... vai dizer que você é tão hipócrita, ao ponto de não admitir que eu sou a personificação de tudo aquilo que você já quis ser?”

Franzi o cenho irritada. Nunca tive muito interesse em prestar atenção aquela conversa maluca das minhas aulas de introdução a psicologia na universidade, até porque nunca entendi o porque aprender aquilo tudo. Mas, algo me diz que isso seria bem útil agora.

“Você é uma espécie de alter-ego encarnado? O que você quer? Isso é um sonho? É isso! Se eu fechar os olhos, você vai sumir!”

Agora ela pareceu irritada.

"Será que é impossível aceitar que eu sou você? E por favor, chega dessa conversa de alter-ego encarnado. Sério?! De onde você tira essas teorias malucas?"

Ah, agora eu estava e pânico. Alucinando! Eu estava alucinando comigo mesma!

"Quem diabos é você, e por que você sou eu?"

"Eu já disse que sou você, sua idiota!”, ela ergueu uma sobrancelha, sorrindo maquiavelicamente. “Bem, uma pequena parte de você que ficou mais forte para ser capaz de salvar esse seu traseiro ridículo da confusão, que você e essa sua metade de cérebro incompetente criou!”

‘Hã?’

Minha cópia suspirou dramaticamente caminhando novamente na minha direção, mas parando a uma boa distância de onde eu estava.

“Depois de tudo que você fez, eu devia chutar o seu traseiro até que essa sua cabeça dura entender o tamanho do problema que você causou.” , ela suspirou novamente passando uma das mãos pelos cabelos. “Agradeça a ela por eu ser boazinha, okay?”

"Ela? Quem é ela?" , perguntei atônica olhando ao meu redor, meus olhos vagando ansiosos pelo enorme salão negro. ‘Nem ao mesmo lembro como vim parar aqui.’, pensei mordendo o lábio, olhando mais uma vez ao meu redor.

Não havia ninguém além de nós duas ali. Mesmo assim, não consegui deixar de sentir uma presença estranha. De repente um vulto se mexeu um pouco mais à frente, um pouco atrás da minha cópia enxerida.

“Você ficou mais forte?”, perguntei um tanto distraída, tentando localizar a sombra que eu vira, por cima do ombro do meu clone.

Mas a criatura era ainda mais irritante do que eu achava ser possível, e começou a estralar os dedos na altura do meu rosto, como se estivesse ciente que eu não estava prestando atenção nela.

"Que tal você se concentrar em se lembrar do pequeno show que você deu, e na razão que te trouxe neste lugar, ein? Deixe de ficar procurando pelo que não te interessa.”, ela disse cruzando os braços.

“Como? Que show?”, perguntei verdadeiramente confusa. Eu ainda não me lembrava de como vim parar aqui.

“Sério? Você realmente esqueceu?”, e como se lesse meus pensamentos, meu outro eu continuou. “Morda-me, Quinn! Beba meu sangue até eu secar, Quinn! Me faça sua, Quinn! Vou morrer, mas quem se importa!”, ela recitou com uma péssima imitação da minha voz. O que não deixava de ser extremamente irônico e verdadeiramente hipócrita da parte dela já que ela sou eu!

“Acho que Quinn não ficou muito satisfeita com o resultado de suas ações.”

“Mas do que você está falando? Quinn? Quem é Quinn? E porque eu ia querer ser mordida?”

Foi a primeira vez que ela vacilou. Seu cenho franziu, numa demonstração de dúvida.

“Você não se lembra dela?”

Ah, agora eu fiquei preocupada. Eu deveria lembrar da tal Quinn?

“Interessante.”, meu clone continuou, e começou a caminhar na minha direção com um sorriso maldoso. “Como é possível ela está tão desesperada para salvar alguém tão obtusa como você?”

“Como assim me salvar?”, comecei a andar para trás, me afastando dela.

“Não se preocupe, princesa. Deixe que eu cuido disso-...”

“NÃO.”, uma voz forte e autoritária ressoou por todo salão. No instante seguinte o grunhido pareceu criar uma onda de energia que percorreu todo meu corpo.

Olhei em volta procurando pela dona da voz. Havia algo estranho naquela voz, era difícil de dizer, mas ela me deixou ansiosa para ouvi-la de novo.

“Droga.”, meu clone murmurou se afastando de mim, olhando por cima do meu ombro. Girei de uma vez e finalmente, pude vê-la se aproximando.

“Ela...?”, tentei dizer, mas as palavras pareceram desaparecer perante a visão da mulher loira de cabelos curtos que caminhava para mim.

Meu coração pareceu parar, engoli em seco tentando desfazer um nódulo que se fez em minha garganta. ‘Eu conheço ela? Por que eu conheço ela?’

Ela não parecia nada feliz, mas isso não mudava o fato dela ser a garota mais bonita que eu já vira na vida. Não consegui afastar a sensação de que ela era importante. De repente meu coração parecia querer pular do meu peito. Eu sabia que era por causa dela, mas não fazia ideia do porquê.

Ela parou bem na minha frente, invadindo totalmente meu espaço pessoal. Mas, ao contrário de me incomodar, descobri que na verdade ansiava por isso. Seus olhos cor de avelã deixavam transparecer o quanto ela estava sofrendo. E tudo que eu queria era alcançá-la, confortá-la, trazê-la para junto de mim e envolvê-la em meus braços. Uma dor estranha se apossou de meu coração, fazendo minha respiração acelerar.

A mão direita dela se ergueu lentamente, os dedos pálidos e longos alcançaram minha face, acariciando brevemente minha pele. Fechei os olhos, deslumbrada com a intensidade dos sentimentos que pareceram aflorar em mim.

“Rachel. Volte para mim...”, ela sussurrou.

No minuto seguinte um bilhão de imagens explodiram como um flash disparando em sequência na minha mente.

Eu me lembro! As lembranças voltaram de uma vez, fermentando minha memória com o que tinha acontecido entre nós. Agora eu sabia exatamente o que havia acontecido. Eu me lembrava de provocá-la para se alimentar de mim. Lembrava de como aquela fora a experiência mais surrealmente prazerosa que eu já sentira na vida. E então... lembrei da voz de Quinn gritando meu nome, o desespero dela, do frio e da escuridão. Foi aí que senti um puxão no meu estômago. O frio diminuiu, e logo depois ouvi alguém dizer. ‘Volte para mim.’

“Quinn!”, me joguei em seus braços no mesmo instante. Mas, algo estava diferente. Ela não era a minha Quinn.

“Que bom que você percebeu.”, essa Quinn falou, se afastando lentamente, fazendo uma angústia insana crescer dentro de mim.

“Eu não... Por que? Aonde estou? Quem é você? Oh meu Deus! Eu virei uma vampira, por isso que estou aqui? Eu não quero ser uma vampira depravada!”, apontei para o meu outro eu, que continuava parada a uma boa distância atrás de mim. A vi revirar os olhos, bufando alguns palavrões, mas não consegui interromper meu desespero.

Eu queria Quinn.

“Oh, Deus! Aonde está a minha Quinn? Ela não quer me ver? Ela está com raiva do que eu fiz? Eu a machuquei? Ela está bem? Eu exijo uma explicação nesse minuto.”, e me sentindo extremamente frustrada, bati o pé no chão.

A Quinn na minha frente arqueou a sobrancelha direita.

“Eu ainda não acredito que você acha que bater o pé no chão é um gesto efetivo.”, ouvi meu clone irritante resmungar atrás de mim. Franzi a testa e cruzei os braços contrariada.

O barulho dos saltos sobre o piso, sinalizava que minha cópia pervertida se aproximava. A Quinn na minha frente olhava fixamente por cima do meu ombro, seus olhos mudando de cor para um dourado líquido, que dava a impressão que suas íris eram duas joias vivas.

Eu estava tão absorta nos olhos dela, que nem percebi que meu clone estava parado ao lado daquela, que eu já presumira, também ser uma espécie de clone da minha Quinn.

Meu clone estalou os dedos na altura dos meus olhos.

“Pare de babar e escute, imprestável.”

Arregalei os olhos para ela. Ao lado dela, a cópia da Quinn rosnou baixinho. Ignorando nossas reações, a versão nada amável da minha pessoa continuou.

"Sua Quinn, quase surtou de desespero por causa do que aconteceu, garota.”

“Você podia ter morrido, Rachel.”, Quinn interrompeu com sua voz doce cheia de magoa. Seu rosto parecia se contorcer de dor com a ideia de me perder... parecia que eu era realmente importante para ela...

Será que minha Quinn também se sentia assim?

“Pessoalmente eu acho que sua Quinn deveria chutar o seu traseiro por toda a eternidade, mas aparentemente a minha opinião não será muito respeitada por aqui, porque certas pessoas podem ser tão teimosas e irracionalmente cegas quanto eu, ou nesse caso...você.”, ela concluiu apontando para mim com um olhar de desprezo, para depois olhar de esgueira para a Quinn ao seu lado. “Não é mesmo, Quinnie querida?”

“De onde vem essa sua obsessão por chutar traseiros, ein?”, perguntei com um muxoxo.

A Quinn encarava minha cópia com um olhar frio, mas em vista do meu comentário, ela se voltou para mim com um sorriso gentil no rosto. Seus olhos pareciam brilhar ainda mais, fazendo o dourado de suas íris resplandecerem como o sol nascente.

"Você precisa levar isso tudo muito a sério, Rachel. Você quase morreu e ainda está se recuperando do incidente que te trouxe até aqui. Nós, esse lugar, só existimos na sua mente, mas isso não quer dizer que você deva nos ver como algo irreal. Para te salvar, Quinn usou a conexão que ela tinha com você para criar um vínculo... Não havia outra saída, se ela não tivesse feito isso você teria morrido. Ela e eu,” e Quinn apontou para meu clone. “Somos parte daquilo que te manteve viva... Quinn não está muito feliz por precisado nos criar, mas se ela o tivesse feito, você não poderia ser salva.”

“Então você também sou eu?”, perguntei baixinho sem conseguir esconder minha insatisfação. “Pensei que você fosse...”

Quinn me olhou com carinho. “Sim, eu sou parte de você, mas tenho um pedaço dela em mim...só que isso não funciona do jeito que você está pensando.”

“Então, como funciona?”, perguntei baixinho, de repente me sentindo sozinha.

“Eu estou aqui para proteger você.”

“Proteger do quê?”

“De mim.”, meu clone interrompeu. “Ela está aqui porque Quinn quer te proteger daquilo que ela despertou em você.”

“Basta.”, dessa vez foi Quinn que interromper. Ela olhava para meu clone com uma expressão de pura fúria, que me fez tremer de medo. “Fique longe dela!”

Sacudi a cabeça sem entender o que estava acontecendo. “Como assim despertou? Quer dizer que eu já tinha isso em mim? Por que você precisa me proteger de algo que já estava em mim?”

Quinn rosnou impaciente, me afastando da outra Rachel, que sem perceber eu agarrara pelos ombros.

“Eu quero saber. Eu tenho o direito de saber.”, reclamei tentando me livrar do abraço de Quinn.

“Você já cumpriu seu propósito, vá embora!", Quinn gritou furiosa para meu clone. No mesmo instante as sombras começaram a absorver o corpo de meu outro eu. A última coisa que vi, foi o sorriso maquiavélico crescer nos lábios dela antes que as sombras a engolissem por completo.

"Você precisa voltar.”, ela disse com um tom de voz urgente.

“O quê? Como assim? De jeito nenhum! Não saio daqui sem saber o que ela quis dizer com aquilo!”

"Rachel, não faça isso. Não ceda as provocações dela! Ela quer o controle, entendeu? Você está mais forte que antes, Rachel. A sua conexão com Quinn é muito maior agora, mas só aquela pequena parte de você tem o conhecimento necessário para acessar esse poder, e ela vai fazer de tudo para dominar sua vontade. É por isso que eu estou aqui. Foi por isso que Quinn colocou um pedaço dela em mim, eu devo ser a guardiã da sua vontade, mas eu não vou ser capaz de impedir que ela assuma o controle, caso você se entregue a ela. Por favor, Rachel. Esqueça isso, esqueça de tudo e saia daqui.”

“Minha vontade?”, eu estava tão confusa. O que havia mudado em mim? E porque raios eu precisava ser protegida de mim mesma? O que meu clone maldito sabia que eu, aparentemente, não podia saber? O que foi que aconteceu comigo?

“Rach... as coisas estão diferentes agora. Eu não posso dizer exatamente o que, mas você vai descobrir assim que acordar.”, ela disse acariciando meu rosto. Algo no jeito que ela me olhava me fez ficar mais calma. Talvez porque por um milésimo de segundo, ela realmente pareceu ser a verdadeira Quinn.

O ambiente ao meu redor começou a ficar borrado, outros sons começaram a preencher minha mente. Eu estava acordando.

“Ela também te devolveu algo que você havia perdido, Rachel... por favor, faça a escolha certa.”, a voz suave dela sussurrou antes de desaparecer.

Por um instante tudo ficou escuro. Mas, logo em seguida, a presença de Quinn pareceu preencher o ambiente, aflorando meus sentidos de uma maneira que eu nunca havia sido capaz de imaginar ser possível.

"Rachel?", pude sentir a ansiedade dela. Era algo presente na leve pressão que seus dedos frios aplicavam sobre minha palma. No jeito que ela tentou disfarçar o tremor em sua voz. Na vibração silenciosa que se seguiu após suas palavras, e até mesmo na maneira que sua respiração se tornou mais pesada.

E meus novos dons, aparentemente, não se restringiam a ela. Eu podia sentir muito além.

O peso irrisório do ar que erguia as partículas de poeira ao meu redor, o choro de uma criança em algum lugar no prédio, o cheiro das flores da floricultura da esquina... o gosto agridoce, de algo que eu nunca havia provado antes, no fundo da minha garganta.

“Quinn...?”, me esforço para chamá-la. Minha voz está rouca, e estou sentindo minha língua pesada. Tento abrir os olhos, sem muito sucesso.

“Quanto tempo?”, me esforcei para saber.

Sinto seus dedos pairarem sobre meus lábios. “Shhhh. Não se esforce tanto. Você está desacordada há quase quatro dias. Perdeu muito sangue... eu quase...”

"Eu sinto muito, Quinn." , murmurei finalmente abrindo os olhos. Minha visão demorou um pouco para encontrar o foco, mas consegui discernir sua figura pálida ao meu lado.

Estou na cama dela mais uma vez. Longas cortinas branco gelo mantém o quarto na penumbra, tornando impossível saber exatamente que horas são. No canto esquerdo da cama posso ver um suporte de metal com algo que imagino ser soro, ou glicose pendurados. O cheiro de forte de ferro invade minhas narinas, e desvio o olhar para um outro suporte próximo a uma das paredes à minha direita. Aperto os olhos, minha visão está cansada, mas posso identificar pelo menos duas bolsas de sangue secas presas aos braços de metal.

Quinn segue meu olhar.

“Não havia outra opção.”, ela sussurrou.

Uma transfusão de sangue. Imagino se por algum acaso ela tem isso estocado na geladeira, e como ela conseguiu sangue suficiente para me salvar... porque pelo jeito que o cheiro praticamente já impregnava o quarto, parecia que eu havia precisado de muitas daquelas bolsas.

"Você podia ter me tornado uma vampira...”, argumentei. Fazia mais sentido, não fazia? Ao invés de todo esse transtorno, ela podia simplesmente ter me transformado. Afinal de contas, ela mesma havia me pedido para considerar a ideia.

Mas, as feições dela deixaram evidentes que ‘me transformar’ já não era mais uma opção. Quinn se levantou do cantinho da cama em que estava sentada, com uma expressão tão torturada, que parecia que eu a tinha estapeado no rosto.

“Não posso fazer isso, Rachel. Não contra sua vontade.”

“Mas...”

“Não, Rachel. Não posso fazer você desistir de tudo de novo...”

Senti que havia algo a mais, algo realmente importante que ela não estava me dizendo. Algo que aconteceu enquanto ela se esforçava para me salvar.

“Ela também te devolveu algo que você havia perdido, Rachel...”

“O que você fez comigo, Quinn?"

Ela se afastou ainda mais de mim, e senti como se ela estivesse levando meu coração com ela. Tento sair da cama, mas é inútil. Não consigo me mexer. De acordo com a Quinn que eu tinha na minha mente, eu deveria ser mais forte... Aparentemente ela não estava mentindo quando disse que eu precisava me cuidar.

Quinn se vira lentamente, fixando seus olhos cor de avelã em mim. E nesse instante eu simplesmente soube o que ela fez comigo.

Ela me trouxe de volta a vida.

Ela me curou.

Arregalei os olhos.

“Eu posso cantar novamente.”, sussurrei atordoada.

Diante de mim, a tristeza se tingiu na cor de avelã.


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