Apaixonados por maçãs escrita por Caramelkitty


Capítulo 5
Humano por um dia




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Kaori caminhava ao lado de Raito, silenciosa como uma estátua, e esperava que o rapaz se acalmasse.

Relembrou vagamente o que tinha acontecido na casa de banho.

Pensou que as garotas morreriam ali mesmo, naquele momento. Raito ficara tão estranho, com os olhos vermelhos ao invés do doce tom alaranjado habitual.

Depois de ter interrompido as ameaças de Suzuna, ele tinha avançado para ela e empurrara-a para o chão. Suzuna, caída no meio dos azuleijos brancos tremia e rezava pela sua vida.

– Voltas a encostar uma das tuas ridículas unhas falsas num fio de cabelo da Kaori e eu juro que te mato.

Suzuna queria falar qualquer coisa, talvez uma desculpa, mas não conseguia porque o lábio inferior estava a tremer demais.

Rina atacou Raito, mas este, forte como era, atirou-a mais uma vez para o chão e imobilizou-a facilmente. Rina a gemer de dor parecia mais um hipopótamo a quem tinham arrancado um dente.

Apesar de Raito estar a defendê-la, Kaori achava tudo aquilo um pouco assustador, um pouco exagerado. Tinha muito bom coração, a menina de olhos verdes, e por isso não gostava de ver Suzuna e Rina aterrorizadas daquela maneira. Esqueceu-se de imediato do que elas lhe tinham feito. Da ameaça fulcral e completamente cruel que elas tinham utilizado.

Raito virou-se depois para Mai, a rapariga de olhos azuis e cabelo loiro pálido que estava quase de costas fundidas com a parede.

– E tu, pequena traidora, mereces o pior dos castigos, já que és pior que elas. A morte para ti não será o suficiente...

Mai começou a choramingar, porque doía muito estar a ser ameaçada por Raito, o rapaz de quem ela gostava.

– Raito, pára! Apesar de tudo... ela é minha amiga! – Interrompeu Kaori.

E só por pedido de Kaori, é que Raito recuou e deixou as três raparigas ali caídas e ainda tontas de medo.

E Ryuuku perguntava-se porquê? Kaori era inocente demais, insinuar que Mai era sua amiga, mesmo depois de toda aquela falsidade, depois de ter entregado um suposto segredo para um rinoceronte sem espírito e uma cobra venenosa. Porque aquelas duas não passavam disso... e Ryuuku tinha a certeza: aquelas eram pessoas que ele nunca mataria com o Death note. Não queria ficar com vida daquele tipo de gente.

Lançou um olhar para Kaori que caminhava ao seu lado. O seu mau humor devia torná-lo ameaçador porque Kaori desviou o olhar e encolheu-se um pouco. Apercebendo-se do desconforto da garota, Ryuuku tentou suavizar a expressão e iniciar uma conversa banal. Porém a única coisa que saiu da sua boca foi a pergunta que lhe rondava a cabeça sem dar tréguas:

– Continuas a querer ser amiga da Mai? Não compreendo isso!

– Ela é a minha melhor amiga, Raito! Sempre foi, quase como minha irmã! Estudamos, brincamos e rimos juntas. Ela apoia-me e defende-me apesar de também me achar estranha. Não é por apenas uma ação que irei acabar com uma amizade construída há anos. Porém, receio que talvez nunca volte a confiar nela.

– Continuo a não compreender! – Reclamou Ryuuku e parecia frustrado com o fato.

Kaori deu uma risada sem humor.

– Talvez nem eu própria compreenda! De qualquer maneira, sei o que é ter ciúmes, não posso culpá-la por ter se sentido traída. Talvez ela goste mais de ti do que eu própria, não há modo de quantificar isso. – Kaori apercebeu-se do que tinha dito e ficou vermelha. – Hã... bem... é por isso que eu digo que continuamos a ser amigas, acho que se estivesse no lugar dela não faria o mesmo, mas quem garante? Uma pessoa pode dizer que jamais matará alguém, mas se estiver com a vida em risco, com uma arma na mão,tendo a oportunidade de salvar a vida apenas pressionando o gatilho, será que não matará mesmo?

Ryuuku ficou a pensar no que Kaori tinha dito. Com certeza tudo o que a pequena falava tinha um impacto enorme sobre ele. Tudo o que ela dizia convidava à reflexão o que fazia o shinigami concluir: Kaori não é estranha, simplesmente sabe mais do que as outras pessoas.

Ryuuku ficou também a ponderar no significado do sentimento ciúme! Algo que ele nunca sentira na vida (ou melhor, período de existência). Kaori gostava de Raito, isso era certo, mas seria infantil, insensato e descabido ter ciúmes do humano. Para quê esturricar a cabeça com pensamentos mesquinhos em relação ao pré universitário se, no fundo, sabia que não tinha qualquer chance? Kaori iria crescer, ter imensas paixões, constituiria família, com um qualquer humano.

Não, decididamente, ciúmes era algo que Ryuuku não sentia. Inveja? Talvez...

Quanto mais tempo passava com Kaori, mais o shinigami tinha a certeza que daria tudo para passar mais tempo com ela. O que era engraçado era que, já sentia a falta dela, mesmo antes de se separarem.

«Ah, não! Não posso estar com confusões sentimentalistas! Não sou sequer humano para sentir esse tipo de coisa!» Pensava , revoltado.

Chegaram à entrada no cinema. Em letras luminosas no placar, podia ler-se o título de alguns filmes de estreia. Cenas retiradas dos filmes, passavam em todas as telas, fazendo os miúdos pequenos pirarem com tantas sensações sonoras e visuais em volta deles. Por fim, Ryuuku viu o que realmente importava para um Deus da morte já esfomeado. O vendedor de pipocas. Haviam as doces, salgadas, com gosto de morango, caramelizadas e as novas ácidas de maçã verde.

O pobre vendedor quase foi engolido pela orla de crianças gulosas e quando finalmente pensava estar a salvo depara-se com estes dois adolescentes que mais parecem dois viciados. Em pipocas de maçã!

– A viagem de Chihiro ou Kari gurashi no arietti? – Perguntou Ryuuku a Kaori. Como um verdadeiro cavalheiro, deixaria que fosse a menina a escolher o filme.

Kaori escolheu Kari gurashi no arietti e passaram o resto do serão a comer pipocas de maçã e a assistirem às imagens que passavam na tela gigante. O saquinho que continha as pipocas esvaziou-se antes que a primeira metade do filme acabasse e então, quando as suas mãos se tocaram para pegar a última pipoca, levantaram as cabeças ao mesmo tempo e olharam-se nos olhos.

Os olhos verdes de Kaori lembravam a natureza, a esperança, transbordavam de vida fazendo um único ser humano ser o começo e o fim de um ciclo de existência. Verde intenso das folhas no Verão, do caule da maçã. E Ryuuku estava perdido nos olhos de Kaori, quando a mesma os arregalou ainda mais, e deixou escapar um pensamento em voz tão alta, que várias pessoas atrás os admoestaram:

– Estão diferentes!

Depois das reclamações, Kaori corou e afundou-se no banco. Baixou a voz para um sussurro e justificou:

– Os teus olhos, Raito. Eles eram alaranjados, mas hoje têm vindo a ficar com um tom muito mais parecido com vermelho. Estão a... avermelhar.

– Deve ser da luminosidade. – Desculpou-se o shinigami. Na verdade ele sabia o que estava a acontecer. Os seus olhos eram o indicador do tempo que passava, do tempo que ainda restava, como uma verdadeira ampulheta de areia. Os olhos vermelhos do shinigami iriam ficar cada vez mais notórios à medida que o tempo decorria. Findas as 24 horas, seria ele mesmo novamente. Ryuuku, o shinigami!

– Gostei mais! – Confessou Kaori com um sorriso tímido. – Digo, do tom dos teus olhos, gostei mais desse vermelho.

Ryuuku ficou satisfeito com este comentário. E foi nele que tomou coragem para agarrar a mão de Kaori. Permaneceram de mãos dadas até o filme terminar.

Ryuuku perguntava a si próprio que sentimento seria esse, que sentia por Kaori. Raito dizia que ele estava apaixonado, mas paixão não parecia ser a palavra certa. Talvez uma mistura de carinho e admiração.

– O filme estava muito bom! – Comentou Kaori na saída do estabelecimento. – Mas agora disseste que podia ser eu a escolher o local. Sabes as maçãs que trazes todos os dias para a escola. Nunca me disseste onde as arranjas, elas são tão deliciosas!

O shinigami conduziu Kaori até às traseiras de uma casa. Era a casa do vizinho de Raito que tinha atrás um pequeno pomar com árvores de folha verde arredondada e lindas bolas vermelhas.

Raito saltou a vedação e levantou Kaori fazendo-a transpor o obstáculo.

Subiram os dois a uma das macieiras e ficaram sentados num ramo a comerem o fruto vermelho.

– Porque não pedes simplesmente ao vizinho um punhado de maçãs? Não era mais simples? – Perguntou Kaori.

– Talvez, mas maçã roubada tem um gosto diferente! – Explicou Ryuuku, retirando a terceira maçã da árvore.

Kaori deu uma dentada na sua respectiva maçã e lambeu os lábios limpando o líquido doce que escorria do fruto.

– Como a maçã proibida de Adão e Eva. Tens razão, maçã roubada é mais gostosa!

Ryuuku olhou novamente para Kaori como se procurasse qualquer coisa nela. E realmente procurava. Se os olhos eram verdes da cor do caule das maçãs, então também haveria algo nela que representasse o vermelho da casca da maçã. E foi no momento em que ela lambeu os lábios que ele percebeu onde estava. O vermelho dos lábios dela era mais intenso que o normal como se tivesse mais sangue a correr ali do que nas restantes veias do corpo. E ao olhar para eles, o shinigami sentiu outra coisa que desta vez soube identificar claramente. Desejo!

Assim, meio guiado pelo instinto, beijou Kaori. Não sabia bem o que fazer, porque afinal era a primeira (e muito provavelmente a única) vez que beijava alguém, por isso apenas pressionava levemente os lábios Kaori com a língua, degustando-a como se ela fosse uma maçã particularmente especial. E de fato ela era! A sua pequena nana, mais viciante do que todas as que já provara até então.

Quando se afastaram, Ryuuku pode ver a surpresa nos olhos arregalados da rapariga, mas os seus olhos tinham uma cor verde muito viva, clara mas intensa, eram iluminados pelo verde esperança.

– Raito, já beijaste muitas raparigas, certo? É que parecias algo hesitante...

– É que eu já beijei várias raparigas sim, mas nunca te tinha beijado a ti!

Ryuuku repreendeu-se mentalmente. Não era certo dar esperanças a Kaori, falar com ela como se ela fosse especial, diferente das outras. Porque, no dia seguinte seria como se nada disso tivesse acontecido.

O pôr do sol já se fazia sentir no pomar. Os tons de laranja, rosa e vermelho iluminavam os cabelos loiro escuros de Kaori, fazendo-os resplandecer como se tivesse madeixas de ouro ao vento.

– Tenho de ir, os meus pais não vão gostar se eu chegar a meio da noite. Já devem estar preocupados com a minha ausência. – Começou Kaori a sua despedida. – Vejo-te amanhã na escola Raito-kun?

Ryuuku não sabia sequer como responder-lhe. Apenas fez um aceno de cabeça, desistindo de todos os planos de dispensá-la no momento para poupá-la à indiferença de Raito.

Caminhou lentamente para a casa ao lado e se alguém estivesse na rua deserta quando o sol desapareceu no horizonte veria algo muito estranho. Um rapaz que se desvanecia aos olhos da maioria dos mortais.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! = ^ ^ =
É a primeira vez que eu descrevo um beijo, então desculpem-me se não ficou bom.
É claro que também tenho muita experiência na vida real (sendo irônica).
Não, eu nunca namorei, nunca beijei, nem nada disso, por isso, já sabem...

Nana como expliquei no outro capítulo é um nome de rapariga que significa maçã em Japonês.

Viagem de Chihiro e Kari gurashi no arietti são filmes Japoneses verdadeiros.



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