A Pele do Espírito (versão antiga) escrita por uzubebel
Notas iniciais do capítulo
Viva, o Nyah voltou!!!!! E agora vamos voltar ao ritmo, ler e escrever. Além disso, queria agradecer a quem começou a acompanhar a história agora. Obrigada.
Demorou dias para que a maré baixasse outra vez o suficiente para que eu voltasse ao templo e visitasse Byakko. Logo cedo, depois de comer, escondi a tigela que devia devolver numa trouxa e tentei sair de fininho...
– Aonde vai? – Dorothea perguntou da cozinha.
Ahn...
– Brincar?
– O quê?
– Vai sair para brincar? – ela repetiu.
– Ah, sim! Vou – respondi.
– Certo – ela conferiu uma panela no fogo -, só não se atrase para o almoço.
Corri antes que ela pudesse mudar de ideia.
As pedras da Praia Velha estavam molhadas e escorregadias, e peixinhos se debatiam em pequenas poças entre elas. Acabei ralando um pouco as mãos e os joelhos na decida, mas finalmente cheguei ao templo.
– Senhor - Um gritou ao me ver -, a garotinha chegou!
– É, ela veio mesmo! – reafirmou Dois, tirando seus olhos da porta a qual era preso e virando-os para mim, o que seria bem mais cômodo caso ele tivesse um pescoço. – Desculpa, mas qual é mesmo seu nome?
– Ah, é...
– Lorena?
Acabei me assustando quando Byakko me chamou não de dentro do templo, mas logo atrás de mim, depois de surgir do nada.
– Desculpe, não queria assustar você.
– É, mas gritar assim já foi um exagero... – replicou Um. – Sabe, eu não tenho mãos para proteger meus ouvidos.
– Shhh! – Byakko repreendeu, depois retomou o que estava dizendo antes de ter sido interrompido. – Acabei me precipitando. Eu só queria ter certeza de que era mesmo você.
Ignorando os protestos indignados das alabardas de que elas nunca, nunca se enganavam, ele abriu a porta e gesticulou para que eu entrasse. Segui-o até o mesmo quarto simples da última vez e, da mesma forma, ele me ofereceu a cama e se sentou na cadeira. Quando me ajeitei, a trouxa bateu no meu joelho, relembrando-me do por que eu voltara.
– Ah, já tava me esquecendo – desembrulhei a tigela e entreguei a ele. – Obrigada.
Byakko encarou o objeto, confuso, e depois a mim.
– De nada...? – disse, mais perguntando a si mesmo se estaria fazendo aquilo direito, e pôs a tigela sobre a mesa.
Então..., silêncio. Nenhum de nós sabia o que dizer ao outro. Ele me observava com uma expressão indecifrável e absorta em, eu desconfiava, mais do que apenas o que via. Seu olhar me desconcertava, então baixei o meu próprio para as mãos no meu colo. Em quê será que ele estava pensando? Se os olhos eram mesmo as janelas para a alma, dava quase pra ver, através deles, o turbilhão que enchia a cabeça de Byakko.
Cocei a orelha, que de repente se enchera de um zumbido baixo e insistente. De onde vinha? Tampei meus ouvidos, mas o ruído nem diminuiu; parecia ecoar dentro de mim, mais alto até que meus próprios pensamentos.
– O quê foi? – Byakko perguntou, e sua voz soou distante, abafada pelo zumbido. - Lorena? – de súbito, todos os ruídos sumiram, e a voz dele ficou clara.
Byakko me olhava, preocupado.
Minhas mãos apertavam fortemente os lados da minha cabeça na aflição, da qual eu sequer me lembrava, de tentar calar o zunzum inquietante. Minha cara também não devia estar das melhores... Tentei desatar o nó das minhas sobrancelhas franzidas, mas os músculos pareciam enrijecidos nessa posição; então, quando finalmente consegui, todo o meu rosto pareceu relaxar. Com as mãos já erguidas, encaixei o cabelo atrás das orelhas, como se essa fosse a minha intensão desde o princípio.
– Posso fazer uma pergunta? – emendei rapidamente, antes que ele pudesse concluir algo sobre o ocorrido.
– Si-sim...
Ignorei seu espanto e apontei a tigela sobre a mesa.
– Qual a história dela?
– História?
– É, tipo assim... Como você a conseguiu? A quem ela pertencia antes disso?
Byakko apanhou o objeto e o virou nos dedos, considerando minha pergunta.
– Foi uma oferenda – respondeu com um olhar distante -, talvez um presente..., e pertencia a uma garota. Ela me deu em troca de um conselho.
– Que conselho?
Ele ficou calado por um longo minuto, e comecei a me questionar se eu não teria ido longe demais...
– Um conselho que eu não pude dar – disse triste.
Considerei sua resposta, apesar de evasiva, um sinal de que estava tudo bem eu continuar perguntando.
– A tigela está lascada – comentei no mesmo instante que Byakko a girou, deixando o pedacinho que faltava à mostra. – Como foi que ela se quebrou?
Ele estremeceu, os dedos se enrijeceram. Seus olhos se arregalaram, perplexos com as imagens que se desenrolavam por trás deles; lembranças, de algum modo, perturbadoras. Ele me encarou.
– Desculpa – disse depois de perceber que, então, eu fora longe demais. – Eu não queria...
Byakko apertou a tigela entre as mãos com força mas, quando eu pensei que fosse se quebrar, ela se tornou névoa e se desvaneceu.
– Ah... – levantei-me, sobressaltada.
– Foi no dia em que o mar engoliu a ilha – Byakko ciciou.
– O-o quê?
– Aconteceu no dia em que o mar engoliu a ilha – repetiu com a voz trêmula.
Ele se levantou e agarrou meu braço.
– Você tem que ir embora – disse, puxando-me através do salão até a porta, com força demais para o corpo de uma criança.
– Espera aí!
– Não – Byakko me empurrou para fora. – Não volte mais aqui. É perigoso.
– Mas...
– Não! – sua voz gritou direto na minha cabeça, como um rugido.
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