A Pele do Espírito (versão antiga) escrita por uzubebel


Capítulo 9
Feridas Passadas


Notas iniciais do capítulo

Viva, o Nyah voltou!!!!! E agora vamos voltar ao ritmo, ler e escrever. Além disso, queria agradecer a quem começou a acompanhar a história agora. Obrigada.



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Demorou dias para que a maré baixasse outra vez o suficiente para que eu voltasse ao templo e visitasse Byakko. Logo cedo, depois de comer, escondi a tigela que devia devolver numa trouxa e tentei sair de fininho...

– Aonde vai? – Dorothea perguntou da cozinha.

Ahn...

– Brincar?

– O quê?

– Vai sair para brincar? – ela repetiu.

– Ah, sim! Vou – respondi.

– Certo – ela conferiu uma panela no fogo -, só não se atrase para o almoço.

Corri antes que ela pudesse mudar de ideia.

As pedras da Praia Velha estavam molhadas e escorregadias, e peixinhos se debatiam em pequenas poças entre elas. Acabei ralando um pouco as mãos e os joelhos na decida, mas finalmente cheguei ao templo.

– Senhor - Um gritou ao me ver -, a garotinha chegou!

– É, ela veio mesmo! – reafirmou Dois, tirando seus olhos da porta a qual era preso e virando-os para mim, o que seria bem mais cômodo caso ele tivesse um pescoço. – Desculpa, mas qual é mesmo seu nome?

– Ah, é...

– Lorena?

Acabei me assustando quando Byakko me chamou não de dentro do templo, mas logo atrás de mim, depois de surgir do nada.

– Desculpe, não queria assustar você.

– É, mas gritar assim já foi um exagero... – replicou Um. – Sabe, eu não tenho mãos para proteger meus ouvidos.

– Shhh! – Byakko repreendeu, depois retomou o que estava dizendo antes de ter sido interrompido. – Acabei me precipitando. Eu só queria ter certeza de que era mesmo você.

Ignorando os protestos indignados das alabardas de que elas nunca, nunca se enganavam, ele abriu a porta e gesticulou para que eu entrasse. Segui-o até o mesmo quarto simples da última vez e, da mesma forma, ele me ofereceu a cama e se sentou na cadeira. Quando me ajeitei, a trouxa bateu no meu joelho, relembrando-me do por que eu voltara.

– Ah, já tava me esquecendo – desembrulhei a tigela e entreguei a ele. – Obrigada.

Byakko encarou o objeto, confuso, e depois a mim.

– De nada...? – disse, mais perguntando a si mesmo se estaria fazendo aquilo direito, e pôs a tigela sobre a mesa.

Então..., silêncio. Nenhum de nós sabia o que dizer ao outro. Ele me observava com uma expressão indecifrável e absorta em, eu desconfiava, mais do que apenas o que via. Seu olhar me desconcertava, então baixei o meu próprio para as mãos no meu colo. Em quê será que ele estava pensando? Se os olhos eram mesmo as janelas para a alma, dava quase pra ver, através deles, o turbilhão que enchia a cabeça de Byakko.

Cocei a orelha, que de repente se enchera de um zumbido baixo e insistente. De onde vinha? Tampei meus ouvidos, mas o ruído nem diminuiu; parecia ecoar dentro de mim, mais alto até que meus próprios pensamentos.

– O quê foi? – Byakko perguntou, e sua voz soou distante, abafada pelo zumbido. - Lorena? – de súbito, todos os ruídos sumiram, e a voz dele ficou clara.

Byakko me olhava, preocupado.

Minhas mãos apertavam fortemente os lados da minha cabeça na aflição, da qual eu sequer me lembrava, de tentar calar o zunzum inquietante. Minha cara também não devia estar das melhores... Tentei desatar o nó das minhas sobrancelhas franzidas, mas os músculos pareciam enrijecidos nessa posição; então, quando finalmente consegui, todo o meu rosto pareceu relaxar. Com as mãos já erguidas, encaixei o cabelo atrás das orelhas, como se essa fosse a minha intensão desde o princípio.

– Posso fazer uma pergunta? – emendei rapidamente, antes que ele pudesse concluir algo sobre o ocorrido.

– Si-sim...

Ignorei seu espanto e apontei a tigela sobre a mesa.

– Qual a história dela?

– História?

– É, tipo assim... Como você a conseguiu? A quem ela pertencia antes disso?

Byakko apanhou o objeto e o virou nos dedos, considerando minha pergunta.

– Foi uma oferenda – respondeu com um olhar distante -, talvez um presente..., e pertencia a uma garota. Ela me deu em troca de um conselho.

– Que conselho?

Ele ficou calado por um longo minuto, e comecei a me questionar se eu não teria ido longe demais...

– Um conselho que eu não pude dar – disse triste.

Considerei sua resposta, apesar de evasiva, um sinal de que estava tudo bem eu continuar perguntando.

– A tigela está lascada – comentei no mesmo instante que Byakko a girou, deixando o pedacinho que faltava à mostra. – Como foi que ela se quebrou?

Ele estremeceu, os dedos se enrijeceram. Seus olhos se arregalaram, perplexos com as imagens que se desenrolavam por trás deles; lembranças, de algum modo, perturbadoras. Ele me encarou.

– Desculpa – disse depois de perceber que, então, eu fora longe demais. – Eu não queria...

Byakko apertou a tigela entre as mãos com força mas, quando eu pensei que fosse se quebrar, ela se tornou névoa e se desvaneceu.

– Ah... – levantei-me, sobressaltada.

– Foi no dia em que o mar engoliu a ilha – Byakko ciciou.

– O-o quê?

– Aconteceu no dia em que o mar engoliu a ilha – repetiu com a voz trêmula.

Ele se levantou e agarrou meu braço.

– Você tem que ir embora – disse, puxando-me através do salão até a porta, com força demais para o corpo de uma criança.

– Espera aí!

– Não – Byakko me empurrou para fora. – Não volte mais aqui. É perigoso.

– Mas...

– Não! – sua voz gritou direto na minha cabeça, como um rugido.


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