Receita para uma tempestade escrita por Bruna Pereira


Capítulo 8
Capítulo VII - Mudança de Estratégias


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo saiu um tiquinho maior que os de costume. Espero que gostem.



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Outra? Que outra? – A garota da selva empertigou-se, tinha chegado onde pretendia.

A mulher que capturamos mais cedo. Como era bonita! Aliás, tão bonita quanto você e sua amiguinha princesa aí. Uma pena que Górki a tenha levado embora, agora eu só tenho vocês duas pra brincar, ela parecia ser muito, muito divertida.

– Vão pagar muito caro se encostarem um dedo nela. – Verônica ameaçou.

Kriger não teve tempo de replicar. John não entendera a conversa inteira, mas a última parte Verônica não falara no idioma zanga, e pelo tom de voz do homem lá dentro, que esbanjava malícia e divertimento, ele pode deduzir todo o diálogo. O Caçador escancarou a porta e se lançou sobre Kriger, desferindo-lhe uma série de golpes até que seus comparsas vieram em seu auxílio. Até mesmo lá fora era possível ouvir os xingamentos de Roxton e o som da luta, o que fez com que todos os outros mercenários aparecessem para ver o que se desenrolava. Um deles, no entanto, parou a meio caminho e viu George na carroça e correu até ele, mas Malone, que estava absurdamente perdido depois que John estraçalhou o plano, apareceu e defendeu o cientista, abatendo o homem com um tiro certeiro.

George vai! Tire isso daqui, eu vou ajudar o Roxton. – deu as costas para o amigo e correu para a cabana.

Challenger desamarrou o cavalo, e desajeitadamente ocupou o lugar de cocheiro, sem saber para onde exatamente conduzia o animal. O cavalo, por falta de pulso firme, decidiu sozinho que iria sair dali e saiu em disparada com George bamboleando com as rédeas na mão. Decididamente o cientista era melhor traçando planos do que executando.

Na cabana, o caçador irracionalmente furioso continuava a usar seus braços fortes como arma, nem se lembrara do rifle ou do revólver, queria arrancar a língua de Kriger com as próprias mãos, mas agora tentava se desvencilhar de três em cima dele.

– O que você acha que está fazendo?- gritou Verônica incrédula.

Tiros foram disparados na entrada, dois homens caíram mortos no portal, Assai tentou se colocar na frente do pai para protegê-lo, e Ned Malone entrou apontando para o novelo humano que tinham se transformado Roxton e os bandidos.

Ned! – por um segundo a moça ficou feliz, até ver que não tinha como o jornalista se safar, ele estava sozinho e não podia atirar por medo de acertar Roxton. Tirou uma faca de um esconderijo no sinto, ela poderia ter se soltado a qualquer momento, mas estava esperando pela hora certa, seguindo o plano de Challenger, que era o mesmo que John deveria ter feito.

Kriger se levantou e limpou o sangue na boca, depois tirou sua própria adaga da bota e partiu pra cima de Verônica, mas ela se desvencilhou, rolou para o lado com as mãos livres e cortou as cordas dos pés, rapidamente pondo-se em pé, correu para junto de Ned na porta. Então Kriger viu Assai, tão inocente, tentando esconder seu pai e a agarrou pelos cabelos, pressionado a lâmina da faca em seu pescoço.

PAREM, OU EU MATO A GAROTA. – lágrimas saltaram dos olhos dela, e linhas de dor apareceram na testa de seu pai. – Solte essa coisa – disse rispidamente para Malone, sem saber o que aquela “coisa” era de fato

Todos pararam quando ouviram o grito, inclusive seus aliados, e Ned, mesmo sem entender uma palavra, não teve outra opção a não ser soltar o revolver. John continuou caído, todo machucado, com dois homens lhe segurando.

Prendam esses desgraçados. – Kriger ordenou.

O terceiro dos rivais de John segurou o braço de Ned, este por sua vez, virou o rosto para encarar Verônica e movimentou os lábios lhe dizendo, sem emitir nenhum som: Corra. E ela correu.

_______________

O calor daquele dia superava os tremores e a frieza da noite passada. O animal sacolejava num ritmo lendo e enfadonho. Logo Marguerite entrou num estágio típico de completo torpor que antecede o sono propriamente dito. Estava física e emocionalmente cansada demais para resistir e brigar naquele momento. Tudo que ela queria era fechar os olhos e... A inconsciência tomara sua mente antes que pudesse completar o pensamento. Embora não fossem aqueles nem de longe os braços onde ardentemente desejava estar, aninhou-se ali mesmo, apoiando a cabeça no peito de Górki para esconder os olhos da claridade do sol. A exaustão era tanta que nem se importou com o fato de o homem exalar um aroma abominável de suor rançoso. Caiu num sono profundo, e em sonho voltou para o lugar que vinha ha muito tempo tentando deixar, mas onde daria tudo pra pisar de novo, a inventiva casa da árvore com seu charmoso ar de improvisação.

Ela podia ouvir claramente as pequenas, mas sonoras, explosões no laboratório de George, o ruído da pena de Ned dançando sobre o papel amarelado, Verônica pintando alguma coisa perto da sacada, John polindo seu rifle enquanto olhava furtivamente para ela ali, deitada lendo pela milésima vez o mesmo livro. Podia ouvir até mesmo Arthur com seus passinhos curtos e arrastados trocando uma muda de vaso. Eram sons tediosos do cotidiano que foram capturados por seu inconsciente e guardados num cantinho de seu cérebro reservado para coisas que lhe fossem familiares. Marguerite nunca havia notado sua existência porque até chegar àquele lugar hostil, ele estava vazio, assim como também nunca tinha percebido como a monotonia daquela rotina (freqüentemente perturbada, convenhamos) a deixava feliz, de tal forma que Londres nunca conseguira igualar.

Uma brisa fresca soprou seu rosto suado, despertando-a de seu doce devaneio. Foi difícil aceitar a realidade quando abriu os olhos e voltou a sentir o chacoalhante passo do cavalo.

– “Droga” – foi a primeira coisa que pensou quando acordou – “Maldição, maldição, maldição”.

O escuro da noite já tinha conquistado o céu novamente. O homem era louco, havia cavalgado o dia todo, sem um único descanso. O corpo todo da morena doía pela desconfortável posição sustentada durante tanto tempo, sem contar que alguma coisa dura pendurada no pescoço de Górki fazia pressão contra sua cabeça. Ainda sonolenta, levantou o rosto para ver que diabos era aquilo e se surpreendeu com a visão. Enfiado numa tira de couro que pendia do pescoço do homem, estava um belo e delicado relógio de bolso com iniciais gravadas nele. A ignorante criatura não fazia idéia da utilidade do objeto que havia roubado, então o exibia simplesmente como uma jóia dourada que lhe conferia nobreza, mal sabia ele que o simples fato de usá-lo daquela forma denunciava sua barbárie, mas Marguerite sabia o que era e que aquilo podia valer bem mais que o material de que era feito, desde que não a olhasse com olhos de mercadores é claro.

“Se ao menos eu pudesse...” tentou elevar as mãos amarradas à altura do relógio, mas nesse instante, Górki fez o cavalo parar com um solavanco que podia muito bem ter ferido o animal, e que quase derrubou Marguerite também.

– Vamos parar aqui. – o resto da pequena caravana estacou também. Outro homem veio tirar a moça da montaria e rudemente a colocou no chão, encostada num tronco de árvore. Ela já estava cansada de ser tratada como um saco de batatas, e muito irritada por isso. Sua raiva só aumentou quando viu os zangás tristes e submissos pela fraqueza, presos ali como se fossem animais. Era perceptível em seus rostos que aquela condição indigna era a maior humilhação para os guerreiros que eram. Infelizmente os zangás não foram páreo para a pólvora.

Por um instante, enquanto montavam acampamento e acendiam o fogo, a herdeira foi deixada de lado, e ela sabia que era uma boa hora para escapar, mas nunca vira nós tão apertados em toda sua vida, as cordas chegavam a cortar seus pulsos, e possivelmente fariam o mesmo aos tornozelos não fossem as botas.

E mesmo que consiga, Marguerite, não ia durar duas horas nessa mata sem armas”. – seu rifle havia caído nos arredores da aldeia Zangá, o revólver estava com ela até o momento em que subiu no cavalo de Górki, mas uma de suas “bestas”, como carinhosamente apelidou os mercenários, que andava ao lado do chefe viu o cano da arma brilhar na luz do sol. Arrancou-lhe da cintura e o examinou, disparando um tiro sem querer, o barulho fez dezenas de aves levantarem vôo e fugir dali. Górki ficara impressionado e mandara guardá-lo em segurança.

Até o momento, Marguerite estava contando com uma aparição surpreendente dos amigos em uma magistral manobra de resgate. No entanto, uma profusão de pensamentos desanimadores começou a desfilar em sua mente e a fez cogitar uma mudança de planos.

Será que estão me procurando? Aposto como estão, mas como vão me encontrar aqui? Eles podem demorar demais para chegar. Não, não posso esperar pela cavalaria dessa vez. Vou ter de me virar. Vamos, Marguerite, pense. Pense em alguma coisa. Rápido.


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Notas finais do capítulo

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